Folia de Reis
Chegam os meses de dezembro e janeiro, e com eles as cantorias entoadas pelos foliões, pessoas simples que louvam a vinda do Deus-Menino com violas, sanfonas, rabecas, violões, caixas, danças, brincadeiras e rimas.
É de madrugada. Estamos nas redondezas de alguma cidadezinha do Brasil. Na porta da casa os foliões entoam uma música:
...Vinte e cinco de dezembro, ai, ai, ai, ai,
Não se dorme no colchão, ai, ai, ai, ai.
Nasceu o Deus—Menino, ai, ai, ai, ai,
Nas folhas secas do chão, ai, ai, ai, ai,
Para a nossa salvação, ai, ai...
A gente acorda com a cantoria, a viola; brincadeiras e rimas entram no nosso coração e nunca mais são esquecidas. É a Folia de Reis que vem chegando de mansinho. Na frente dos foliões, vemos logo a bandeira. Ela é toda linda, enfeitada com fitas, flores, papel de seda, espelhos, e estampada com a imagem dos três Reis Magos. A bandeira é beijada por todos respeitosamente. Dá sorte beijá-la.
A folia, cortejo religioso, passa de casa em casa pedindo esmola, cantando e rezando em uma grande oração coletiva, pedindo proteção aos Santos Reis Magos. Percorre a região a pé, indo de roça em roça nas fazendas e de uma casa à outra nas cidades, desde o dia 31 de dezembro até o dia 6 de janeiro. Para acordar os donos da casa, entoa uma canção de chegada:
Ai que hora abençoada
Que a bandeira aqui chegou.
Ai, ela veio fazer visita a esse nobre morador.
A folia aqui chegou,
Santos Reis vêm visitar,
Está pedindo a sua esmola
Veja lá o que pode dar...
Os foliões trajam roupas simples e no pescoço levam uma toalha alvinha para o suor de uma noite inteira de andança e cantoria.
Os palhaços, alegres e debochados, são divertidíssimos. Um é o Bastião, o outro é o Tião. Rimam os nomes só para dar confusão! Eles usam uma roupa toda colorida e uma máscara que pode ser feita com lata, peles de animais ou pano. A máscara costuma ter dentes, olhos, chifres e orelhas bem grandes; é bem feia. Na mão eles levam um chocalho preso num pau, que faz um barulho danado ao bater no chão. Dançam agachados, na ponta dos pés, para a frente e para trás, de quatro, de ponta-cabeça, põem a barriga para a frente, fazem rodopios, sapateiam, pintam e bordam com animação. Porém, os palhaços não podem cantar as músicas em louvor a Jesus e aos Santos Reis nem tocar na bandeira, porque dizem que eles têm "parte .com o diabo" Mas bem que todos gostam deles. Principalmente as crianças.
A Folia de Reis homenageia os três reis do Oriente, ou Reis Magos (de Sabá, da Pércia e da Babilônia): Belchior, Gaspar e Baltasar. Eles viraram santos porque souberam que alguém muito especial estava nascendo para salvar a humanidade. Sea Estrela do Oriente, enviada por Deus, que pousou em Belém, bem em cima da gruta onde encontraram o menino Deus nascido, a quem ofereceram ouro, incenso e mirra. Eles o adoraram.
Os séculos se passaram, os símbolos e as cantigas sobreviveram e se multiplicaram pelo mundo afora. No Brasil, em forma de folias, o povo canta e alegra as noites de janeiro em uma verdadeira devoção popular. É o jeito de reviver a viagem dos três reis do Oriente. Os palhaços representam os soldados de Herodes, que queriam matar Jesus, por isso não podem cantar, tocar a bandeira, nem entrar nas casas que a folia visita na hora das rezas e pedidos.
Depois da cantoria inicial, os foliões são convidados a entrar. Os palhaços ficam de fora da casa, fazendo brincadeiras com as crianças. A bandeira é a primeira a entrar. Fica ao lado do presépio ou nas mãos do dono da casa, e todos a beijam para ter saúde, felicidade e ser abençoados.
Entremos, cantores, entremos
Por este salão dourado.
Eu vou entrando, eu vou salvando,
E para sempre sejas louvado.
Os três reis do Oriente
Na sombra do seu telhado
Estamos fazendo adoração
Que de Deus somos mandados.
Na minha bandeira eu trago
Santo de grande virtude;
Ele vem lhe visitar
E vem lhe trazer saúde.
O dono da casa oferece cachaça, comida e uma esmola em dinheiro para os foliões. Comida é pecado recusar. Cachaça então, nem se fala. É hora de comer e beber em paz. Até os palhaços são convidados a comemorar.
Antes da despedida final, os palhaços entram em ação. Imitam o Embaixador, chefe do grupo e a quem todos devem obediência. Fazem gracejos e convencem o dono da casa visitada a dar uma boa esmola.
—— Ô patrão, o que é que vós achou de nossa cantoria? pergunta o palhaço
bem matreiro.
— Boa — responde — o dono da casa.
— —Uai, o senhor não falou nada. Fala ligeiro senão eu esqueço o que é que eu
falei. Fala ligeiro, o que é que o senhor achou da cantoria?
— —Boa! —— repete o dono da casa em alto e bom som.
—— Ah! Então o senhor me dá uma leitoa?
Entre rimas engraçadas e embaraçosas o palhaço pede cigarro, anima com brincadeiras e danças. Chama todos a dançar o lundu, a catira, a dança dos quatro. Em todas essas danças só participam os homens. Cada dançarino procura sapatear mais bonito do que o outro. A competição é de brincadeira, e o sapateado cadenciado com batidas de caixa e palmas é apreciado e faz todos entrarem na folia.
Na despedida, recebida a boa oferta, é feita a promessa de regressar no próximo ano. E voltam mesmo! Não só porque são devotos e fizeram promessa aos Santos Reis, mas também porque aprenderam que ser um folião de verdade é cantar, dançar, rezar e repetir com fé essa festa, desde pequenos, acompanhando os pais, que também acompanharam seus avós, desde crianças.
Minha bandeira se despede,
Vai no giro de Belém.
Adeus, senhores e senhora,
Até para o ano que vem.
Com mais essa cantoria os foliões se despedem e continuam a peregrinação.
No dia 6 de janeiro, cumpridas as obrigações de rezas, cantorias, andança de sete noites em total devoção, acontece a festa de Santos Reis na casa do mestre da folia, que é realizada com o dinheiro arrecadado e as prendas oferecidas. Fogos, fartura de comida, pétalas de flores, papel picado, cachaça e violas se misturam. O festeiro, dono da casa onde se desenrola a festança, passa a bandeira para o próximo folião, que vai comandar a folia no ano seguinte. É chegada a hora de a gente dormir de novo com o coração cheio de cantoria e sonhar com a vinda dos fohiões no ano que vem.
Em cada região do Brasil, existe uma folia diferente. Seja no Sudeste, em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, ou no Brasil central, em Goiás e Tocantins ou no Nordeste ou no Sul do país, todas elas têm a mesma intenção: desejar paz e alegria ao povo e pedir proteção e sabedoria aos Santos Reis.
...Ora viva e reviva,
Viva o nosso Santo Reis
E Deus-Menino no altar.
Ora viva e ora viva nos quatro
Braços da cruz.
Viva o nosso Santo Reis
Para sempre.
Amém,
Jesus.
Viva os Santos Reis!
Viva!
Viva os Foliões!
Viva!
Viva os donos da casa!
Viva!
Livro: O Brasil em festa
Autora: Sávia Dumont
Editora: Companhia das Letrinhas
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Grupo de poesias "Refúgio dos Sonhos"
Criado em 22/06/2005
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