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[MISTURANDO-IDEIAS] 12 PAI DE MEU PAI - TEXTO LINDO E VERDADEIRO!


 PAI DE MEU PAI
 
Fabrício Carpinejar
 
Há uma quebra na história familiar onde as idades se acumulam e se
 sobrepõem e a ordem natural não tem sentido: é quando o filho se torna pai
 de seu pai.
  É quando o pai envelhece e começa a trotear como se estivesse dentro de uma
 névoa. Lento, devagar, impreciso.
  É quando aquele pai que segurava com força nossa mão já não tem como se
 levantar sozinho. É quando aquele pai, outrora firme e instransponível,
enfraquece de vez e demora o dobro da respiração para sair de seu lugar.
É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava, hoje só suspira,
 só geme, só procura onde é a porta e onde é a janela – tudo é corredor,
 tudo é longe.
 É quando aquele pai, antes disposto e trabalhador, fracassa ao tirar sua
 própria roupa e não lembrará de seus remédios.
 E nós, como filhos, não faremos outra coisa senão trocar de papel e aceitar
 que somos responsáveis por aquela vida. Aquela vida que nos gerou depende
 de nossa vida para morrer em paz.
 Todo filho é pai da morte de seu pai.
  Ou, quem sabe, a velhice do pai e da mãe seja curiosamente nossa última
 gravidez. Nosso último ensinamento. Fase para devolver os cuidados que nos
 foram confiados ao longo de décadas, de retribuir o amor com a amizade da
 escolta.
 E assim como mudamos a casa para atender nossos bebês, tapando tomadas e
 colocando cercadinhos, vamos alterar a rotina dos móveis para criar os
 nossos pais.
  Uma das primeiras transformações acontece no banheiro.
 Seremos pais de nossos pais na hora de pôr uma barra no box do chuveiro.
 A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é inaugurar um cotovelo
 das águas.
 Porque o chuveiro, simples e refrescante, agora é um temporal para os pés
 idosos de nossos protetores. Não podemos abandoná-los em nenhum momento,
 inventaremos nossos braços nas paredes.
 A casa de quem cuida dos pais tem braços dos filhos pelas paredes. Nossos
 braços estarão espalhados, sob a forma de corrimões.
  Pois envelhecer é andar de mãos dadas com os objetos, envelhecer é subir
 escada mesmo sem degraus.
  Seremos estranhos em nossa residência. Observaremos cada detalhe com pavor
 e desconhecimento, com dúvida e preocupação. Seremos arquitetos,
 decoradores, engenheiros frustrados. Como não previmos que os pais adoecem
 e precisariam da gente?
  Nos arrependeremos dos sofás, das estátuas e do acesso caracol, nos
arrependeremos de cada obstáculo e tapete.
 E feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que
 aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia.
  Meu amigo José Klein acompanhou o pai até seus derradeiros minutos.
  No hospital, a enfermeira fazia a manobra da cama para a maca, buscando
 repor os lençóis, quando Zé gritou de sua cadeira:
 – Deixa que eu ajudo.
  Reuniu suas forças e pegou pela primeira vez seu pai no colo.
  Colocou o rosto de seu pai contra seu peito.
  Ajeitou em seus ombros o pai consumido pelo câncer: pequeno, enrugado,
 frágil, tremendo.
  Ficou segurando um bom tempo, um tempo equivalente à sua infância, um tempo
 equivalente à sua adolescência, um bom tempo, um tempo interminável.
  Embalou o pai de um lado para o outro.
  Aninhou o pai.
  Acalmou o pai.
 E apenas dizia, sussurrado:
  – Estou aqui, estou aqui, pai!
  O que um pai quer apenas ouvir no fim de sua vida é que seu filho está ali.
 
Publicado no jornal Zero Hora
 Revista Donna , p.6
 Porto Alegre (RS), 06/10/2013 Edição N° 17575















 


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