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[MISTURANDO-IDEIAS] [livro] Felipe Reino - Série Eventyr (c/ anexos)

Mese



Mese


FELIPE REINO


Para todas que aturaram quatro meses por essa
continuação.



"Há instantes em que os homens são senhores do seu
destino."

William Shakespeare


PRÓLOGO
"Está na hora de voltar!"
"Você precisa voltar!"
"Você está preparada para voltar!"
"Você tem que voltar!"
"Beatriz... Volte!"



CAPÍTULO 1 / ENTRE DOIS MUNDOS (OUTRA VEZ)


E


u estava em um lugar deserto. Um vento forte soprava
e quase podia ver a terra sendo levada com ele. Um
imenso lobo com chamas nos olhos me observava
enquanto eu estremecia de medo. O vento fazia com
que seus pelos se movessem e ele parecia não querer
fazer outra coisa além de me observar. Era como se eu
estivesse sendo vigiada e não soubesse exatamente o
motivo.

Eu fitava o lobo um pouco confusa. Aos poucos
a presença dele deixou de ser amedrontadora e passou
a ser mais agradável, quase protetora. Não entendi o
que estava acontecendo, mas sabia que aquilo
significava muito mais do que um simples sonho.

Não foi a primeira e acredito que não será a
ultima vez que tive aquele sonho. Desde que acordei
do meu coma venho tendo sonhos estranhos com
muita frequência, quase diariamente. Isso me perturba
de uma forma que não sei explicar. Não pelo fato dos
sonhos serem estranhos, mas o fato de haver algo
extremamente serio que eu esqueci e preciso com
urgência me lembrar.

Meus cadernos também haviam virado um
grande tormento. Sempre que começava a escrever
algo, símbolos estranhos vinham em minha mente e
quando olhava o que estava escrevendo... Lá estavam
eles! Era extremamente perturbador.


Hoje faz exatamente 1 ano desde que acordei
do meu coma. Eu – com a minha imensa sorte –
machuquei o joelho e acabei rolando morro a baixo e
batendo com a cabeça em um poste. Fiquei pouco mais
de 1 mês internada. Mas não entendo o motivo de
sentir que não foi isso que aconteceu.

– Beatriz? – minha mãe – Você vai sair?
– Sim, eu vou comprar o presente! – respondi.
– Que presente? – parecia uma piada, mas ela
realmente havia esquecido.
– O presente do Nicardo! – naquela semana
iríamos comemorar o nosso aniversario de oito meses
de namoro.
Minha primeira impressão do Nicardo não foi
das melhores. A primeira vez que o vi, ele estava
parado em minha janela, olhando para meu quarto. E
não foi apenas uma vez, mas varias. Na semana
seguinte, quando voltei para escola, acabei
descobrindo que ele iria estudar conosco e acabei
descobrindo que já o conhecia antes – e outra pessoa
da qual ele me proibiu de tentar lembrar.

Convenci de que eu havia tido algum tipo de
lapso de memória e acabei apagando tudo o que vivi
com Nicardo e com essa tal segunda pessoa que não
consigo lembrar sequer o nome. Era a única opção
lógica que me passava pela cabeça, mas tentava não
ficar pensando demais nisso.


Fui até uma loja de ternos. Nicardo vivia
dizendo que achava aquelas roupas interessantes e
diferentes e eu ficava sem entender, mas deixava
passar. Nicardo tem sido uma pessoa muito importante
na minha vida, apesar de... Não sei explicar, mas existe
algo nele, ou na lembrança que tento resgatar dele,
que não parece se encaixar. Talvez se ele deixasse o
cabelo crescer...

– Boa tarde! – uma moça muito bonita me
atendeu. Nunca imaginei que seria atendida por uma
mulher em uma loja de ternos.
– Por favor, quanto está àquele modelo na
vitrine? – apontei – O terceiro, preto.
– Aquele modelo está por R$ 429,90. – a moça
tinha uma voz enjoada.
– Nossa! – deixei escapar.
– Mas se quiser, temos alguns modelos mais
em conta senhorita. – a moça tentou me levar para a os
ternos em liquidação.
– Não, não! – dei um passo para trás – Eu quero
aquele! É tamanho único, certo?
– Sim senhorita! – a moça me olhou
desconfiada.
– Poderia dar uma olhada? – sorri.
O modelo era perfeito. Ficaria ótimo no
Nicardo. Sempre que passávamos por essa loja sentia
que o Nicardo queria muito aquele terno. Outra coisa


que não sei explicar exatamente, mas eu conseguia
sentir o que o Nicardo sentia. Era como se tivéssemos
um tipo de elo, uma ligação mágica. E não era só com
ele. Às vezes parecia estar ouvindo os pensamentos
dos outros e às vezes parecia estar sentindo
exatamente o que a pessoa ao meu lado está sentindo.
Isso era horrível. Eu sentia muitas vezes sensações que
nunca havia experimentado e outras que desejava
nunca experimentar novamente. Isso era só uma das
coisas estranhas que estava acontecendo comigo desde
que acordei do coma.

As mesadas deste mês, a do mês anterior e a
do mês seguinte estavam sendo gastas neste terno.
Nunca imaginei que um dia gastaria tanto em um
presente. Mas o Nicardo é tão legal comigo, tão
paciente, me entende e não liga para minha má sorte.
Acho que o Nicardo merece um bom presente.

Cheguei em casa, tirei os fones do meu celular,
deixei a BoA cantar "Hurricane Venus" no volume
máximo e fui esconder o presente em meu guarda
roupa. Não queria que o Nicardo visse o seu presente

antes do tempo. Enquanto guardava acabai
derrubando um livro. Melhor dizendo, acabei
derrubando o livro.

Eu encontrei esse estranho livro pouco depois
de ter acordado do coma. Esse livro estava trancado e
não fazia a mínima idéia de onde estava a chave. Não


fazia idéia nem de onde tinha surgido aquele livro e
isso era extremamente perturbador. Na verdade
perturbador mesmo era as escritas na capa, elas sim
eram perturbadoras.

Eram símbolos estranhos e não fazia a menor
idéia do sentido, como os símbolos que aparecem na
minha mente. Assim como a caixa vermelha, sinto que
esse livro guarda algo muito importante e será muito
útil para mim quando desvendar o seu mistério.

A noite chegou bem rápido naquele dia e logo
já estava dormindo outra vez. Minhas noites de sono já
eram bem previsíveis, provavelmente veria o lobo
assustador ou então uma moça com um vestido rosa.
Mas desta vez o sonho foi um pouco diferente.

Estava novamente em um deserto, mas desta
vez diferente do habitual deserto em que eu me
encontro com o lobo. Eu olhava para o chão e via um
pouco de grama, o restante era terra seca. Um homem
levantava os braços e uma grande bola de fogo descia
do céu. Era um cometa. Todo o local se encheu de fogo
e pessoas começaram a lutar contra o homem e antes
que eu pudesse reconhecer-las o cenário do sonho
mudou.

Agora eu estava em uma floresta. Não, um
bosque. Varias lanternas japonesas eram acesas em
varias árvores e uma voz dizia "Ouvi alguém?" em
seguida milhares de vozes repetiam "Alguém, alguém,
alguém". De repente cai de uma árvore um ser


baixinho e de pés redondos e gordos na minha frente.
Era um ser muito estranho e com um penteado ainda
mais estranho. Novamente o cenário do sonho mudou,
mas antes que pudesse notar onde estava o
despertador começou a tocar.

Acordar também não havia se tornado uma
das minhas coisas favoritas. De certa forma nunca foi,
mas agora estava acontecendo coisas que me deixava
muito preocupada.

Fui ao banheiro lavar o rosto. Minha cabeça
doía por causa do pesadelo. O pior era sentir que eu
não havia imaginado tudo aquilo. Parecia que eu já
havia vivenciado aquelas situações, como se fossem
lembranças e não apenas outro fruto da minha fértil
imaginação.

Abri a torneira e lavei o rosto. Concentrei-me
no espelho, eu já sabia o que viria depois. Sempre que
tenho pesadelos – o que vem acontecendo com
frequência – isso acontece logo de manhã.

A primeira vez eu levei um susto e não
consegui controlar. Na segunda demorou um pouco,
mas acabei estabilizando a situação. Na terceira eu já
sabia o que devia fazer e da quarta em diante eu já não
tive mais problemas.

Parei de fitar o espelho para não ter que dar
de cara com litros e litros de água passando por detrás
de mim e subindo para o teto até descer novamente


para dentro do ralo da pia. Não sabia ainda o porquê
de isso estar acontecendo, mas desejava todos os dias
que isso parasse.

A primeira vez que isso aconteceu o meu
quarto ficou alagado. A torneira chegou a quebrar com
a pressão da água que saia furiosamente. Por sorte não
estragou muita coisa que eu já não estivesse com
intenção de trocar – como minha cama e guarda roupa
–, mas o meu computador quase foi para o lixo e por
muito pouco eu não perco todos os meus livros. Mas
isso não é um fenômeno exclusivo da água, já
aconteceu com fogo também. Para minha sorte o caso
com o fogo aconteceu depois de já ter aprendido a
controlar a água.

Estava na cozinha, evitando qualquer coisa
que parecesse pontiagudo ou cortante, quando
comecei a fitar a comida no fogão. Olhei para o fogo.
Aquela pequena chama alaranjada pareceu começar a
crescer e crescer. Eu olhava atônita enquanto ela se
juntava as chamas das outras bocas do fogão. Não
demorou muito e senti o cheiro de queimado invadir a
cozinha. Corri para tentar desligar o fogo, mas ele
pareceu perceber a minha presença e saiu das bocas do
fogão e ficou flutuando ao meu redor. O calor do fogo
estava machucando a minha pele e já começava a suar
quando tentei fazer o mesmo que fazia com a água.
Respirei fundo e tentei ordenar ao fogo que parasse – é
ridículo, mas funcionou. O fogo começou a diminuir até


desaparecer completamente. Atraída pelo cheiro de
queimado, minha mãe veio conferir o que estava
acontecendo. Disse que havia sentido o cheiro de algo
queimando e corri para apagar o fogo. Não tentei
explicar como todas as coisas que estavam sendo
preparadas queimaram ao mesmo tempo.

Desde o incidente há um ano, Camila nunca
mais passou pela rua daquela padaria. Ela dizia que
trazia más lembranças e maus agouros. Das más
lembranças eu não tinha – ou pelo menos não me
lembrava –, mas dos maus agouros eu preferia ficar
bem longe, minha vida já era agourenta demais.

Desencontrei Camila na ida para escola, mas
encontrei com Toni. O namoro dos dois estava indo de
vento em poupa. Depois que voltei do coma, Toni
resolveu pedir Camila em namoro. Ele disse que ficou
assustado com a minha situação e temeu que algo
parecido acontecesse com Camila.

Toni era um cara legal. Um jovem de cabelos
lisos e castanhos e imensos olhos azuis. Seu único
defeito era o nariz, um pouco grande para o meu gosto.

– Você também se perdeu da Camila? – ele
perguntou.
– Não exatamente. – sorri – Estava esperando
por ela para seguirmos juntas para a escola, mas ela
não apareceu.

– E Nicardo? – ele olhou desconfiado – Onde
ele está?
– Nicardo fez uma viagem com os pais, volta
só amanhã. – respondi um pouco nostálgica.
– Ahã. – foi a única coisa que ele disse. –
Vocês se dão muito bem!

– Acho que sim. – sorri.
– Posso te perguntar uma coisa? – ele me
parou.
– Acho que sim. – respondi dando um sorriso
torto.
– A Camila disse algo sobre querer terminar
comigo? – ele me deu um susto.
– Nã... Não! – respondi após me recuperar do
susto – Não, ela não quer terminar com você!
– E que nós estávamos indo para a escola
juntos, como sempre, mas ela desapareceu. – ele fitou
triste o chão.
– O que será que aconteceu? – estranhei.
– Beatriz? – eu conhecia essa voz.
– Nicardo? – perguntei incrédula.
Era ele mesmo. Estava na minha frente,
esbanjando sua beleza e carisma. Por alguns instantes
achei que estava tendo uma miragem – ou algum
devaneio novo –, mas logo pude sentir o seu abraço me
apertar com uma força um pouco maior que o habitual.

– Você vai acabar me partindo ao meio! –
disse tentando fazer-lo me soltar. – Você não deveria
voltar apenas amanhã?


– Hã... Sim! – ele pareceu sem jeito – Digo,
sim! Hã... E que eu... Bem, tive que... Voltar mais cedo!
– Hum, sei... – sorri.
– Serio, eu tive que... – ele tentou se explicar.
– Pode confessar! – dei um soco em seu
ombro – Você voltou por minha causa. Ficou com
saudades?
– S-s-sim! – ele olhava para Toni – Fiquei com
saudades. Eu não consigo esconder nada de você!
– Bobinho... – dei um beijo nele – Não é o
namorado mais fofo que pode existir?
– Hã? – Toni me olhava estranho – Não sei.
– Ah, claro! – percebi a idiotice da minha
pergunta – Isso é o tipo de coisa que eu perguntaria
para a Camila!
– E o que ela responderia? – tinha esquecido
que a insegurança de Toni o estragava.
– Que só existe um namorado mais fofo do
que o Nicardo!
– Q-q-quem? – Toni perguntou.
– Você! – respondi – Dãh!
– Então qual seria o motivo dela sumir? – ele
parecia realmente apavorado.
– Espere! – Nicardo nos parou – A Camila
sumiu?
– Sumiu! – Toni ficou ainda mais apavorado.
– Como? – Nicardo perguntou.
– Eu estava conversando com ela enquanto
íamos para escola e, em algum momento, ela não

estava mais comigo. Será que ela se encheu de mim e
resolveu fugir de mansinho?

– Acredito que não. – Nicardo falou baixo.
– C-c-como assim? – Toni estava um pilha de
nervosos – O que você desconfia?
– Beatriz, precisamos voltar! – Nicardo me
pegou pelo braço.
– Espere um momento! – Toni tentava ir atrás
de nós enquanto Nicardo me puxava e corria. – O que
está acontecendo?
– Volte para a escola! – Nicardo gritou – Fique
por lá!
O que vi em seguida foi algo muito estranho.
Nicardo estendeu a palma da mão direita no rosto de
Toni e uma bola azul claro começou a sair de dentro
dela. Ela passou e entrou dentro da cabeça de Toni
que, por alguns segundos, ficou paralisado e nos fitava
com os olhos vidrados. Logo em seguida ele balançou a
cabeça como se tivesse acordado de uma transe e
seguiu em direção a escola tranquilamente.

– O que você fez? – perguntei enquanto ele
me pegava no colo.
– Não tenho tempo para explicar! – ele não
olhava para mim – Você guardou aquela caixa
vermelha certo?
– Aquela que não abre? Sim! – respondi um
pouco confusa – Está no meu quarto!
– Ótimo!

Nicardo começou a correr em uma velocidade
impressionante e quase tive certeza de que estava
tendo outro dos meus sonhos estranhos. Sua pele
também começou a mudar. Parecia que uma pequena
crosta de pedra cobria seu rosto e seu corpo.

Estava reconhecendo o caminho que Nicardo
estava seguindo. Era o caminho da minha casa. O que
ele estava querendo?

– Nicardo, eu estou ficando com medo! –
disse enquanto olhava as coisas passarem por mim
feito flecha.

– Eu também. – ele continuava sem olhar para
mim.
Chegamos em casa pela janela do meu
quarto. Não sei exatamente em que momento, mas
Nicardo subiu pelas paredes comigo no colo.

– Rápido, onde está? – Nicardo me colocava
no chão.
– Onde está o que?
– A caixa vermelha! – ele respondeu.
– Ela está aqui, no meu guarda roupa!
Abri o guarda roupa e acabei,
inevitavelmente, revelando o presente de Nicardo bem
antes do tempo.

– O que é isso? – ele perguntou.
– Seu presente! – respondi triste – Essa
semana fazemos oito meses de namoro e queria algo
especial.

Por alguns instantes seus olhos brilharam,
depois se transformaram em uma expressão de pena e
remorso que, por fim, voltou ao desespero de antes.

Peguei a caixa e aproveitei para pegar o livro
também. Nicardo olhou para ele e se assustou, mas
pareceu já conhecer-lo ou saber de onde ele veio.

– O que você quer com essa caixa? –
perguntei.

– Abra! – sua voz estava serio.
– O que?
– Abra a caixa! – ele continuava serio.
– Mas ela não abre! – notei que o chão do
meu quarto estava cheio de água.
– Vamos logo, abra a caixa! – ele estava
ficando nervoso.
– Mas...
Fiquei apavorada. Novamente a torneira do
banheiro quebrou e ouvi barulho de água saindo do
chuveiro. Parecia que quanto mais apavorada eu ficava,
mais água aparecia.

A água começou a rolar pelas paredes, como
se formassem pequenos rios e caiam bem atrás de
mim, molhando completamente a minha cama e me
molhando também.

Minhas mãos pareciam não querer me
obedecer e a água parecia estar esperando apenas um
sinal meu para se espalhar por todo o quarto. Quando
notei novamente todas as paredes estavam cobertas
de cima a baixo por água e o teto também. Um tipo de


cachoeira se formou atrás de mim e parecia furiosa por
eu estar mantendo ela presa.

– Beatriz – Nicardo falava alto – apenas você
pode abrir essa caixa!
Foi então que finalmente consegui. Assim que
abri a caixa, toda a água que estava presa as paredes e
ao teto começaram a entrar para dentro da caixa
através da pequena cachoeira que se formou atrás de
mim. A água passava por minha cabeça e entrava para
dentro da caixa. Muitos e muitos litros d'água não
paravam de entrar em uma caixinha tão pequena. Era
como se ela não tivesse fundo. Aos poucos percebi que

o meu corpo e o de Nicardo estavam se dissolvendo
junto com a água e comecei a gritar apavorada, mas
parecia que ninguém estava ouvindo. Era como se nada
estivesse acontecendo.
A ultima coisa que me lembro foi de estar no
colo de Nicardo, deitada em um chão transparente e
com leão-marinho passando por debaixo de mim.
Tomei um grande susto e me levantei no exato
momento. Notei que o leão-marinho era o menor dos
meus problemas.

Estava em um lugar completamente diferente
de tudo o que eu já havia visto. As ruas eram feitas de
uma pedra transparente e abaixo de nós, a água e as
casas eram todas feitas de pedras azuladas que davam
um clima de frio. Haviam varias árvores de tronco azul
e folhas brancas e uma diversidade incrível de flores. As


casas tinham canteiros de rosas brancas. Por um
instante senti que tudo isso não era tão estranho e
diferente.

As pessoas tinham uma coloração meio branca
e azulada. Os cabelos – azuis escuro – eram
extremamente lisos e seus olhos eram azuis cinzentos e
todos puxados, feito olhos de asiáticos, parecendo
guardar todo o oceano em duas pequenas esferas. Seus
rostos eram afilados e bonitos e em seus pescoços
havia guelras semelhantes as de um tubarão. Mas havia
algo de errado neles. Eles estavam tristes, com os olhos
longe, como se estivessem relembrando um passado
que nunca iria voltar.

Quando olhei para Nicardo tomei outro susto.
Sua pele havia se transformado em pedra e seus
cabelos haviam embranquecido completamente. Era
como se ele tivesse contraído uma doença de pele ou
sido enfeitiçado por uma bruxa de contos de fada.

– O que aconteceu com você? – perguntei.
– Juro, quando tivermos tempo eu explico
absolutamente tudo! – Nicardo sussurrava.
– Mas será que poderemos... Aaahh! – levei um
grande susto quando olhei para um dos postes de
iluminação.
– Procurados? – Nicardo arrancou o cartaz e riu
– Vivos ou mortos... Como eles conseguiram nos
desenhar tão mal?

D


CAPÍTULO 2 / UM CASTELO ABANDONADO E
MEMÓRIAS ESQUECIDAS


e fato nós estávamos horríveis naquele desenho, mas
ainda era possível reconhecer que éramos nós. Além de
mim e do Nicardo, havia mais três pessoas no cartaz.
Era uma jovem moça de cabelos encaracolados e com
guelras de tubarão, um rapaz que aparentava ser o
mais velho e de longos cabelos e, por fim, uma figura
que me pareceu extremamente família.

Era muito estranho, mas sentia que já havia
passado muitas horas da minha vida com aquela
pessoa. Aqueles cabelos castanhos que cobriam as
orelhas e os aparentes olhos verdes pareciam muito
mais significativos do que os demais, até mesmo do
que o Nicardo.

– Por que estão nos caçando? – perguntei.
– Agora não é hora para responder essas
perguntas! – ele vigiava as pessoas. – Neide parece não
ter mudado muito desde a última vez que estive aqui.
– Neide? – perguntei – Espere um minuto!
Você já esteve aqui?
– Sim! – ele olhou para mim e depois se virou
para vigiar as pessoas e voltou a olhar para mim – Você
também já esteve aqui!
– Como é que é? – gritei.
– Quieta! – ele tapou a minha boca – Não
chame tanto a atenção. Devemos sair daqui o mais
rápido possível.

– Vocês ouviram algo? – uma voz vinha da rua
que fazia esquina com a nossa.
– Porcaria! – Nicardo sussurrou – Venha!
Corremos para outra rua e ouvi duas pessoas
dizendo "olhe lá" e correndo atrás de nós dois. Não sei
exatamente o que eram e nem o que queriam, mas
estavam furiosos.

– Quando eu disser três está ouvindo? –
Nicardo começava a correr mais rápido.
– Fazer o que quando você disser três? –
perguntei inutilmente.

– Um, dois, três!
De repente eu sabia o que fazer. Era como se
alguém tivesse me enviado um sinal, uma luz e
finalmente lembrei o que deveria fazer.

Lembrei das aulas de meditação e do "yoga" –
digo "yoga" por que aquilo era tudo, menos yoga – que

o Nicardo me dava diariamente e que me ajudou a
controlar os jatos de água que saiam da pia do meu
banheiro.
Como num passe de mágica, minha vontade foi
cumprida. Um jato de água perfurou o chão e começou
a inundar as ruas levando tudo e todos. Não estava
acreditando no que estava acontecendo, mas não
estava tão assustada como imaginei que estava.

– Tudo bem, eu estava pensando em algo com
fogo! – Nicardo me pagava no colo.
– Fogo? – perguntei.

– Mas ganhamos tempo. – ele sorriu – Agora
temos que ser bem rápidos!
Nicardo começou a correr feito um louco e –
com um pouco de dificuldade – pude notar o motivo.
Esses seres estranhos que estavam nos perseguindo
eram exímios nadadores e agora estavam mais rápidos
do que antes.

Aos poucos não vi mais ninguém nos
perseguindo. Nicardo começou a diminuir a velocidade
e sua respiração começou a ficar mais pesada. Também
pudera, me carregou no colo quilômetros e
quilômetros em velocidade máxima.

– Por que eles estavam atrás de nós? –
perguntei quando ele me colocou no chão.

– Espere... Ah... Espere um minuto! – ele
sentou no chão e colocou a mão no peito.
– Espero que agora você possa responder
algumas das minhas perguntas! – falei um pouco alto.
– Shhh! – ele colocou o indicador na frente da
boca – Que atrair-los outra vez?
– Desculpe! – baixei a voz constrangida – Eu só
queria entender o que está acontecendo!
– Espero que esse lugar ainda seja um bom
esconderijo. – Nicardo se colocava de pé – Vamos
entrar! Lá dentro eu te conto tudo.
Estávamos de frente para um enorme castelo
abandonado. Rodeamos um imenso muro até chagar
ao portão. Não foi muito difícil de entrar, o portão


estava com algumas de suas barras tortas ou
quebradas. O castelo não estava em ruínas, estava
apenas velho. Sua cor estava desbotada, havia janelas
quebradas e parte da pintura havia descascando, fora
isso, o castelo estava em perfeito estado. Novamente
tinha a impressão de já ter vivido tudo aquilo antes.

Assim como o lado de fora, dentro do castelo
as coisas estavam apenas muito velhas. Haviam coisas
quebradas e poeira para tudo que é lado. Mas ainda
não era a minha imagem de castelo abandonado. Esse
castelo aparentava ter sido limpo há mais ou menos
um ano, mas depois resolveram esquecer de vez o
velho primeiro palácio de Neide. O velho primeiro
palácio de Neide? Algo parecia estar voltando a minha
cabeça.

A primeira coisa que vi foi uma longa escadaria,
com seu tapete vermelho desbotado e empoeirado.
Havia uma grande porta a esquerda e outra grande
porta a direita, assim como na parte de cima do
castelo. No meio, ao fim da escadaria, havia outra
grande porta.

Fiquei fitando aquela porta por um tempo. Algo
nela obrigava a minha cabeça a se lembrar. Sentia que
havia acontecido algo de muito especial naquela sala,
mas o que seria?

– Lembrou de algo? – Nicardo perguntou.
Neste momento um som, uma melodia, tocada
ao piano começou a invadir o local. Era uma melodia


triste e dramática, mas ao mesmo tempo romântica e
arrebatadora. Era uma belíssima melodia. Senti que já
havia ouvido antes, mas não lembrava quando.

– Você está ouvindo isso? – perguntei.
– Isso o que? – Nicardo perguntou.
– Essa música?
– Desculpe... – Nicardo balançou a cabeça
negativamente.
A melodia estava sendo tocada apenas em
minha mente. Seria uma lembrança? Eu ainda estava
tão confusa com tudo o que estava acontecendo que já
não tinha certeza da minha própria sanidade. Foi neste
instante que aconteceu. Minha primeira lembrança de
verdade.

Abria porta que tanto me intrigava e dei de
cara com um imenso salão. Ele era rodeado por
enormes janelas e velhas cortinas vermelhas. A única
coisa que havia no salão era um velho piano destruído.

– O que estava tocando? – perguntei.
– O Oceano – uma moça se virou para mim – É
uma composição minha, estava muito ruim?
– Não! – me espantei com a pergunta –
Muitíssimo pelo contrario, era linda!

– Serio mesmo? – ela parecia não acreditar.
– Serio! – respondi. Nicardo estava do meu
lado.
– Era realmente uma bela canção. – Nicardo
também concordava – Toque-a outra vez?

– Se vocês gostaram... Vamos lá.
– Você me concede a honra? – Nicardo estendia
a mão.
– Está me convidando para dançar? –
perguntei.

– É o que parece? – ele sorriu – Sim, estou te
convidando para dançar.
– Mas eu não sou boa em dança. – eu parecia
tentar escapar.
– Tudo bem, eu também não sou. – ele sorriu.
– Já que insiste tanto... – havia me rendido.
Um clarão tomou conta de minha visão e
quando dei por mim estava jogada no chão, com
Nicardo me segurando.

– O que houve? – ele perguntou preocupado.
– Não sei, acho que... Acho que... Acho que tive
uma visão! – estava tonta.
– Uma visão? – ele se assustou. – Não teria sido
uma... Lembrança?
– Uma lembrança? – estava confusa.
– Quem está ai? – uma voz feminina ecoou no
salão.
– Venha! – Nicardo me pegou no colo e foi para
trás da porta. – Não saia daí.
Nicardo me colocou sentada no chão e pegou
uma espada que estava pendurada na parede, perto de
uma das janelas. A espada parecia um pouco


enferrujada, mas ainda tinha um pequeno brilho letal e
ameaçador.

Nicardo voltou para trás da porta e esperou até
a pessoa chegar perto. Notei que os passos começaram
a se aproximar, se aproximar, se aproximar até que
BLANG, BLANG!

As espadas de ambos se cruzaram. Os dois
baixaram as armas e pareceram extremamente
aliviados. Olhei melhor para a moça e reconheci na
mesma hora. Era a moça que vi no cartaz e a moça que
apareceu em minha lembrança.

– Thalassa! – Nicardo suspirou aliviado.
– Nicardo, Beatriz! – a Thalassa pareceu muito
feliz – Não acredito que vocês voltaram!
– Espere! Nós já nos conhecemos mesmo?–
perguntei.

– Acho que agora já está na hora de você saber
de tudo! – Nicardo ficou serio.
Nicardo me contou que estávamos em um
lugar chamado Ofir. Este mundo era parte de outra
dimensão, bem distante da Terra e que este lugar
estava em uma grande guerra. Ele disse que fui
chamada para este lugar há um ano para ser a
salvadora deles, mas eu quis desafiar a profecia e
acabei fazendo com que Ofir caísse em desgraça e que
Bianor, o grande vilão a frente da guerra, ganhasse
poder absoluto para fazer o que quisesse com Ofir.


Ele contou que fui mandada para Terra outra
vez para a minha própria proteção e que eu deveria
treinar e aperfeiçoar meus poderes que me foram
doados por Alina, a rainha da Capital de Ofir. Alina
havia sido capturada por Bianor e quase morreu se não
fosse por um pedido meu para Dâmaris, a primeira
rainha de Ofir. Dâmaris, depois de planejar a morte do
marido, não aguentou o remorso e se trancou dentro
de um cristal mágico.

O cristal foi um plano de Dâmaris para não
deixar o povo que ela tanto amava desamparado. Ela
foi a primeira grande maga de Ofir e sempre realizava
com magia as necessidades de seu povo. Mas, por
precaução, o cristal foi dividido em seis partes e
espalhados por toda Ofir para que não caíssem em
mãos erradas.

Toda essa história pareceu um tanto absurda
para minha compreensão, mas se comparasse com os
últimos acontecimentos de minha vida parecia uma
história bem coerente.

Tentei forçar minha mente a me lembrar de
tudo o que me contavam, mas de nada adiantou. O
máximo que consegui foi uma bruta dor de cabeça.

– Tem certeza de que esse lugar continua
sendo seguro? – Nicardo perguntava para Thalassa.
– Seguro este lugar não é, mas ele continua
sendo o lugar com o menor índice de visitação do reino

de Neide. – Thalassa sorriu – De vez em outra alguns
guardas aparecem, mas eu tenho um esconderijo aqui
dentro.

– Acha que podemos passar a noite aqui? –
Nicardo perguntou.

– Sim, podem. Como nos velhos tempos?
– Como nos velhos tempos! – Nicardo sorriu.
Saímos do salão e entramos na porta da direita.
Havia um grande corredor e varias portas. Algumas
estavam abertas, outras simplesmente arrombadas,
mas não olhei o que tinha dentro. Novamente uma
forte sensação de que já havia vivido aquilo invadiu
meu peito. Era como se já tivesse feito esse mesmo
trajeto, o que – pelo que me contaram – eu realmente
fiz. Estava começando a entender o famoso Déjà Vu.

– Teremos que ficar todos no mesmo quarto. –
Thalassa abria uma porta que quase tombou. – Os
outros quartos não estão "habitáveis".

– Continua com seus estoques de lençóis? –
Nicardo perguntou.

– Sim! – ela sorriu.
O quarto era bem grande e a velha cama que
estava ali também. Poderíamos dormir os três
tranquilamente e ainda sobraria espaço para mais uma
pessoa.


Havia também um velho guarda roupa, ao lado
de uma grande janela aparentemente emperrada.
Havia uma porta dentro do quarto que estava aberta e
revelava uma banheira – presumi que fosse o banheiro.

Não consegui tirar aquela lembrança de minha
cabeça. Estava tão atordoada com tudo o que estava
acontecendo comigo que não consegui dormir. Estava
pensando não só na lembrança, mas estava pensando
na história que me contaram e em tudo o que eu havia
esquecido. Mas por que eu havia esquecido? Quando e
como eu esqueci coisas tão importantes? Cheguei a
pensar que estava tendo um noite longa e que esse era

o sonho mais estranho de todos que venho tido, mas
infelizmente sabia que não era um sonho.
Quando finalmente dormi – horas depois – tive
um sonho. Ou uma recordação. Eu começava a
questionar as coisas que surgiam em minha mente
desde que soube de toda a "verdade".

Eu estava em um bosque e sentado no topo de
uma árvore estava um jovem. Não conseguia ver seu
rosto, mas seu braço sangrava muito. Ele parecia estar
prestes a desmaiar e eu queria muito fazer alguma
coisa, mas descobri que era inútil. Eu não estava no
bosque, estava assistindo tudo dentro de uma sala com
paredes em vários tons de roxo.

Eu me olhava no espelho e via uma mulher de
cabelos loiros e vestido rosa. A mesma que eu havia


visto em meus sonhos algumas vezes depois que voltei
do coma – ou de Ofir. Ela me olhava aflita e se
perguntava sobre algo que não conseguia ouvir. Então
reparei que ela não estava falando comigo, mas com
outra pessoa.

Era uma sombra negra e aterrorizante, mas a
mulher de vestido roxo não se deixava intimidar e
parecia encarar o homem. Aos poucos o homem entrou
em meu campo de visão e uma foice surgiu de sua
mão. Ele estendeu a foice e mirou na cabeça da mulher
e foi com tudo.

– Aaahh! – acordei antes de presenciar a cena.
Eu estava sozinha na cama. Não havia mais
ninguém no quarto. Entrei em desespero. O que teria
acontecido com os dois? Por que eles me deixaram
sozinha?

Comecei a andar pelos corredores, procurando
pelos quartos destruídos. Ruídos assustadores vinham
de cada passo que dava, sons estranhos apareciam a
cada vez que encostava na porta e o eco dos meus
gritos pareciam gargalhadas de fantasmas.

Segui para as escadas e desci correndo. Não sei
exatamente dizer qual caminho eu havia pego. Estava
tão desesperada que não olhava por onde andava,
apenas andava. Talvez eu não estivesse
emocionalmente preparada para enfrentar aquele
mundo estranho sozinha.

Entrei em uma porta e dei de cara com o que
deveria ser um jardim. O que deveria ter sido um belo


jardim. Estava todo congelado, mas ainda podia sentia
a vida que um dia passou por ele. Havia varias árvores,
sem folhas, e vários canteiros que deveriam ser
repletos de flores. Havia também um pequeno chafariz,
com um cavalo marinho esculpido e havia pedras azuis
fazendo um caminho circular por todo o jardim.

Eu não sabia explicar, mas estava sentindo que
já havia visto aquele jardim vivo antes. Vendo as
minhas últimas descobertas, provavelmente eu
realmente havia visto aquele jardim em sua melhor
forma. Era uma pena que eu não lembrasse como esse
jardim era antes, mas por algum motivo eu sentia que
veria ele incrível, forte e vivo novamente.

– Você está ai? – era a voz de Nicardo.
– Por que você sumiu? – corri e o beijei – Fiquei
tão assustada.
– Lembrou de mais alguma coisa? – ele
perguntou.
– Eu estou tentando não forçar minha mente. –
respondi de cabeça baixa.

– Entendo. – Nicardo não pareceu muito
decepcionado.
– Mas por que você sumiu? – voltei a minha
pergunta – E a Thalassa, onde ela está?
– Estávamos montando guarda! – começamos a
andar pelo jardim – Eu fui primeiro e depois a Thalassa
trocou de lugar comigo. Agora que já amanheceu,
resolvemos ficar os dois vigiando.

– E por que não me acordaram? – perguntei
irritada.
– Você está passando por um momento difícil –
Nicardo segurava em meus ombros – resolvemos
deixar você descansar o quanto fosse necessário.

– Sim, sim. – tirei suas mãos de meus ombros –
Mas não façam isso outra vez! Eu fiquei muito
assustada.

– Está tudo bem, não iremos fazer de novo! –
ele sorriu.

– Obrigada. – retribui o sorriso.
– Você está preocupada? – ele olhava intrigado
comigo.
– Não sei se a palavra certa seria essa. – eu
disse – Talvez... Assustada. São tantas informações e
em tão pouco tempo, ainda não consegui digeri tudo
isso.
– Eu imagino. – ele sorriu.
– Será? – achei graça.
– Você pode não acreditar, mas eu sinto o que
as pessoas sentem.
– Você também? – fiquei surpresa.
– Na verdade essa era uma exclusividade minha
no grupo – ele sorriu – você roubou isso de mim. Sua
ladrazinha!
Nicardo pulou em mim e começou a me encher
de cócegas. As minhas gargalhadas e as gargalhadas
dele faziam parecer que nada disso estava
acontecendo. Tudo não havia passado de um sonho


estranho. Mas eu sabia que não era um sonho
estranho.

– Nicardo... – eu estava prestes a tocar em um
assunto perigoso – E a outra pessoa. Aquele que não
posso falar. Ele é daqui também não é?
– Beatriz, esse assunto agora? – ele fechou o
rosto.
– Acho que chegou o momento. – cheguei mais
perto.
– Não, não é o momento! – ele ficou chateado.
– Claro que é o momento! – o segurei pelo
braço – Não existe outro momento melhor.
– Será que você não entende?
– Não! – respondi automaticamente – Existem
varias coisas que eu preciso lembrar. Quem sabe se eu
me lembrar dele eu não consiga lembrar de outras
coisas?
– Não! – ele quase gritou – Você pode lembrar
de tudo, menos dele!
– Por que essa agressividade?
– Você realmente não entende? – ele
perguntou – Será que não consegue sentir?
– Eu... Eu... Eu não sei! – coloquei as mãos na
cabeça – Eu não sei, está tudo tão confuso, tão
estranho.
Nicardo começou a me fitar triste. Ele suspirou
e espremeu a boca. Sabia que estava sendo cruel com
ele, mas não sabia explicar o motivo. Eu estava vivendo


no momento mais estranho e complexo de toda a
minha vida.

– Sim, ele era de Ofir. – Nicardo começou a
falar – Seu nome era Alexis, ele era o príncipe herdeiro
da Capital. Ele é o irmão do Neandro.
– Ele nos acompanhou durante a primeira vez
que estive aqui? – perguntei mais calma.
– Foi ele quem te achou! – ele não olhava para
mim.
– E por que você não falou nada dele para mim
quando estava contando o que aconteceu um ano
atrás?
– Eu não podia. E complicado. – ele fitava o
chão.
– E como ele era? Como era a minha relação
com ele? A relação dele com você? Vocês eram amigos,
digo, nós três?
– O que você está me perguntando? – Nicardo
parecia decepcionado.
– Nicardo, Beatriz! – Thalassa chegava
apavorada – Ainda bem que encontrei vocês!
– O que aconteceu? – Nicardo perguntou.
– Ouvi pessoas entrando pelo portão! –
Thalassa vigiava as janelas – Eles estão entrando no
castelo.

– Eles? – fiquei assustada – Eles quem?
– Os Leons! – Thalassa respondeu rápido.
– Leons? – perguntei.

– São guardas de Bianor – ela nos puxava para
fora do jardim.
– E nós não podemos enfrentar-los? – Nicardo
perguntou.
– Está doido? – Thalassa pareceu rir para não
chorar – Eles são seres criados pelo próprio Bianor, não
são coisas que se possam ser vencidas com facilidade.
– Mas nos já destruímos coisas bem piores! –
Nicardo ainda queria lutar – Lembra do dragão?
– Sim, mas naquela vez estávamos em seis! –
Thalassa respondeu.

– E o que vamos fazer? – perguntei
desesperada.
– Eu acho que disse que tenho um esconderijo?

T


CAPÍTULO 3 / ESCONDERIJO ESCURO, UMA LUTA
SURPRESA E UM MENINO GÊNIO


halassa nos levou de volta ao grande salão. A essa
altura os tais Leons já haviam entrado no castelo.
Estava apavorada com toda essa adrenalina, mas
consegui enxergar as coisas a minha frente.

Thalassa parou na frente de um velho quadro e

o empurrou para o lado. O quadro revelou um buraco.
Não era bem o tipo de esconderijo que tinha em
mente, mas a situação não deixava outra alternativa.
O buraco não era grande, mas deu para
ficarmos todos sentados esperando que os Leons não
nos encontrassem. O que me incomodou mesmo foi a
escuridão. Após Thalassa soltar o quadro, um manto
negro pairou sobre os meus olhos. Não conseguia
enxergar absolutamente nada, isso era assustador.

– Nicardo, cadê você? – sussurrei tateando o
nariz de alguém.
– Estou aqui! – uma mão puxava o meu braço.
Nicardo estava do meu lado direito.
– Vamos ficar em silêncio! – Thalassa disse
bem baixinho.
Barulhos de todos os tipos ecoavam pelo
palácio. Portas sendo arrombadas, coisas sendo
jogadas no chão e passos pesados para todos os lados.
Eu me segurava para não gritar com cada susto que
levava.


Demorou um bom tempo até que eles fossem
embora. Para mim pareceu uma eternidade e cheguei a
pensar que morreria naquele buraco escuro. O pânico
tomou conta de mim e tive que vencer-lo para nossa
segurança e isso havia me deixado exausta e a flor da
pele, como um grito que você engole e fica entalado na
garganta.

– Será que eles já foram? – Nicardo sussurrou.
– E um pouco arriscado olhar, mas vou tentar.
Não precisou de Thalassa sequer estender a
mão, passos que pareciam ser de duas pessoas – ou
dois seres – começaram a fazer o chão tremer. Eles
eram gigantes?

Ruídos estranhos, como rugidos de um leão
distorcidos, começaram a passear pelo salão. Os passos
pararam e ouvi um ruído parecido com um cão
farejando algo. Um silencio tomou conta do local
novamente.

– Acho que agora eles foram.
Thalassa tentou novamente. E novamente não
foi necessário ela sequer estender a mão. BAM, BAM!
Alguém batia no piano com força. Eles ainda estavam
por ali. Será que eles não iriam embora nunca?

Temi não aguentar o pânico e começar a gritar
apavorada, mas para minha sorte Nicardo estava
segurando forte a minha mão. Não sei se meu coração
iria aguentar tanta adrenalina assim.


Os passos continuavam pelo salão e pareciam
acompanhar as batidas do meu coração, ficando cada
vez mais altos. Alexis, Alexis, Alexis. Por que esse nome
na minha cabeça agora? Quem ou o que é Alexis? Eu
realmente não estava tendo um dia muito bom.

Nicardo reparou que eu estava ficando agitada
e me abraçou. Temporariamente aquilo me acalmou,
mas a cada novo passo que os Leons davam no salão
era um sobressalto em meu coração e minha
respiração começava a ficar descontrolada.

– Beatriz, acalme-se! – Thalassa também
segurou minha mão – Você já enfrentou coisas tão
terríveis quanto eles.
– Mas eu não me lembro! – tentei não gritar –
Fora que você disse que eles eram perigosos demais
para apenas nós três.

– E eles realmente são! – Thalassa sussurrou
ainda segurando minha mão.
– Acho que isso não está ajudando. – Nicardo
também tentava não gritar.
– Vamos ficar em silêncio, eles podem estar nos
ouvindo! – Thalassa deu uma ótima idéia.
Os passos começaram a se aproximar do nosso
esconderijo. Estava ficando louca. E se eles nos
descobrissem? Estava tentando afastar esses tipos tão
deprimentes de pensamentos da minha mente, mas
era difícil quando o fim era certo.

Os passos começaram a se afastar e tive um
rápido momento de alivio. Estava prestes a me


assegurar de que estávamos seguros quanto um clarão
iluminou todo o nosso esconderijo e me deixou cega
por alguns instantes. Havíamos sido descobertos.

Os Leons não eram exatamente aquilo que eu
estava esperando. Achei que veria leões de cinco
metros de altura, andando em duas patas, com garras e
dentes enormes e com os olhos ameaçadores que todo

o grande predador tem quando está de olho em sua
caça. Ao invés disso, o que encontrei foi um pouco
diferente.
Eram dois seres peludos de um pouco mais de
dois metros de altura, com uma grande barriga e um
umbigo pontudo. Não tinha presas e nem garras. Um
usava duas grandes espadas e o outro um tipo de besta
gigante. A única coisa que estava igual ao que eu
imaginava eram os olhos de predador, fitando-nos
como se estivessem sentindo o sabor que cada um de
nós tínhamos.

– E o que vamos fazer agora? – finalmente
pude gritar.
– Agora teremos que lutar! – Thalassa pulou do
esconderijo e foi direto na cabeça do da esquerda, que
estava com as duas espadas. – Você, tente se proteger
com isso!
Thalassa havia conseguido pegar um dos
escudos que estava pendurado na parede. Havia dois
escudos pendurados, um de cada lado do salão e
quatro pares de espadas cruzadas em cada parede. Na


verdade não eram quatro pares exatos, Nicardo havia
pego uma das oito espadas.

– Mas como eu uso isso? – perguntei.
– Apenas se defenda! – ela gritou enquanto
puxava uma espada. Nicardo fez o mesmo.
Antes que eu pudesse responder qualquer
coisa Thalassa pulou do Leon e começou a correr pelo
salão, chamando atenção dele. Nicardo já estava
lutando com o outro Leon e tinha ganhado um ponto
de vantagem contra o monstro que havia perdido sua
besta gigante – Nicardo havia feito em pedaços.

Thalassa pegou outra espada e se defendeu
contra as duas espadas gigantes do Leon. Ela não
parecia tão temerosa quanto eu, mas podia ver que ela
estava com um pouco de medo.

O outro Leon estava lutando contra Nicardo
desarmado. Nicardo o golpeava nos braços, mas ele
parecia nem sentir. Estava começando a acreditar que
aqueles bichos eram invencíveis e que nossas horas
estavam contadas.

Thalassa pulou novamente no Leon e o
desequilibrou. Por alguns instantes Thalassa teve o
Leon sob seu controle, mas depois ele voltou a reagir.
Thalassa continuava se impulsionando para trás e o
Leon tentava não cair, mas foi inútil.

O Leon perdeu totalmente o equilíbrio quando
Thalassa havia saído de cima dele. Ele cambaleou e


acabou caindo para trás e atravessando uma das
imensas janelas que rodeava o salão. Thalassa foi atrás.

O Leon que estava lutando contra Nicardo
acabou se distraindo com o companheiro e levou um
golpe na barriga, o que o fez acordar e voltar para a
luta.

Eu estava completamente perdida e apavorada.
Não queria que nenhum Leon machucasse Nicardo e –
apesar de não lembrar – eu já fui amiga da Thalassa,
provavelmente ficaria muito mal se acontecesse algo a
ela depois que eu recobrasse minha memória – se isso
acontecer.

Deixei o escudo tapando meu rosto. Apenas os
olhos estavam visíveis. Eu queria muito ajudar, queria
muito fazer alguma coisa, mas o que? Olhando a minha
impotência, não consegui acreditar que um dia eu lutei.

Perdi totalmente o que estava acontecendo
com Thalassa e o outro Leon, mas a luta de Nicardo e o
Leon restante continuava dentro do salão. E continuava
com força total. Por sorte Nicardo estava conseguindo
seguir bem com a luta.

Ele havia pego o outro escudo e estava
conseguindo se defender dos golpes de espada que o
Leon transferia incansavelmente sobre ele. O Leon não
parecia desesperado, mas agia feito um louco,
acertando o chão com fúria sempre que errava o alvo.
Nicardo continuava na defensiva, provavelmente
estava esperando o melhor momento para atacar.


Eu continuava com o escudo tapando meu
rosto e ainda estava apavorada com o que estava
acontecendo. Estava preocupada com Thalassa, não
ouvi mais nenhum sinal desde que ele foi atrás do
outro Leon. O que será que estava acontecendo?

O Leon de Nicardo resolveu mudar de tática.
Jogou a espada que ficou perfurou a parede, ficando
agarrada quase pela metade e começou a atacar
Nicardo com as mãos. Ele agarrou Nicardo por trás, que
conseguiu escapar e golpear o Leon na barriga. Nicardo
tentou outro golpe, mas o Leon o chutou e o fez bater
de costas na parede. Quase morri neste momento.

Joguei o escudo fora e fui socorrer o Nicardo.
Eu não podia deixar-lo fazer isso com o meu namorado.
Mas o que eu poderia fazer para ajudar? Estava tão
apavorada que nem me lembrei que havia inundado
uma rua inteiro no dia anterior.

– Você está bem? – perguntei.
– Estou, volte e se proteja! – ele gritou se
ponde de pé novamente.
– Mas...
– Volte e se proteja Beatriz! – ele gritou
novamente. – Eu irei ficar bem.
Nicardo voltou para luta escorregando por
debaixo das pernas do Leon e o atacando pelas costas.
O Leon se contorceu e deu um grito que estremeceu o
chão. Antes de Nicardo retirar a espada, o Leon virou



se para Nicardo e o pegou pelo braço, rodando-o e o
atirando novamente contra a parede.

Tentei ir ajudar-lo novamente, ma o Leon foi
mais rápido e o pego pelas pernas e o atirou no chão.
Nicardo tentou se levantar, mas com os pés, o Leon o
jogou de volta ao chão.

O sangue vermelho vinho escorria das costas
do Leon. Era a primeira vez que o vi sangrar desde que
a luta começou. O Leon tentou retirar a espada das
costas, mas não conseguia alcançar-la. Nicardo
aproveitou o momento de distração e chutou a barriga
do Leon sem dó.

O Leon caiu de costas e a espada atravessou o
monstro, que ficou paralisado no chão. Thalassa
reapareceu nos dando um susto quando abriu a porta
do salão. Ela viu o Leon caído e arregalou os olhos, ele
estava se levantando.

– Nicardo, cuidado! – gritei.
Antes que Nicardo pudesse fazer qualquer
coisa, Thalassa deu um salto e golpeou o Leon na
cabeça, decapitando-o. O Leon caiu de cara no chão.

– Esses monstros são como zumbis, só morrem
se acertar na cabeça. – ela disse.
– Legal. – Nicardo olhava com um pouco de
raiva – E por que não avisou antes?
– Eu também só descobri agora! – Thalassa
arrancou a espada das costas do Leon. – Pegue isso!
Thalassa jogou a espada para Nicardo, que
agarrou. Ele olhou a espada suja de sangue e caminhou


para perto do Leon. Ele começou a limpar a espada na
roupa do Leon e depois analisou a espada.

– Essa não está enferrujada! – só agora ele
havia percebido isso.
– Essas foram duas espadas que trousse para
emergências como essa! – Thalassa também limpava a
dela. – O resto do castelo está vazio. Esses eram os
últimos, provavelmente ficaram para dar uma última
chegada.
– Realmente foi a última! – Nicardo tinha um
sorriso mórbido no rosto.
– Nós vamos sair daqui agora certo? –
perguntei.

– Sim, nós vamos! – Thalassa respondeu – Não
só deste castelo, mas como do reino. Neide já começou
a ser um lugar perigoso demais para nós.
Saímos do castelo completamente
encapuzados. Thalassa havia escondido sobretudos e
lenços no castelo para uma fuga como essa. Estávamos
parecendo pretendentes a uma versão de Bollywood
de Matrix.

Aparentemente ninguém estranhou três
criaturas encapuzadas andando pelas ruas de forma
suspeita e esperava que continuasse assim até
chegarmos onde quer que devêssemos chegar.

Começava a sentir Neide como algo mais real.
Não via mais aquele lugar como algo fora do comum ou
como um sonho. Neide começava a ser algo real para


mim, como se sempre estivesse por ali, andando por
aquelas ruas. Seria a minha memória recobrando coisas
deste meu passado esquecido?

Andamos muito, mas finalmente chegamos ao
nosso destino. Era uma casinha, quase imperceptível
de tão simples, perto do porto. Thalassa se aproximou
da porta e fitou o lugar, como se esperasse o momento
certo para agir.

Depois de ter certeza de que não havia
ninguém olhando, Thalassa bateu cinco vezes na porta.
Três vezes com a mão e duas com o pé. Estranhei o ato,
mas imaginei que esse deveria ser algum tipo de senha
avisando que era ela quem estava chegando.

Quem abriu uma pequena fresta da porta foi
um rapaz de estatura media, com grandes e grossos
óculos, cabelos pretos bem escuros e olhos tão pretos
quanto o cabelo. Talvez pudesse ser bonito sem os
óculos. Era magro e usava uma blusa branca com a gola
manchada e um tipo de bermuda balão azul que fazia
com que suas pernas parecessem com uma lona de
circo.

– Finalmente vocês chegaram. – o rapaz abriu
totalmente a porta – Entrem!
A casa era um pouco maior do que aparentava
ser do lado de fora. Havia um grande cômodo que
estaria completamente vazio se não fosse a presença


de um tapete, uma mesa e seis cadeiras. Havia uma
porta, a esquerda, ao lado da mesa e outra na direção
oposta. Uma única janela estava aberta e dela
conseguíamos ver todo o porto.

A porta da direita estava aberta. Pude notar
algumas coisas olhando por ela. Havia outra mesa,
porém menor e em cima da mesa havia vários livros e
jogado no chão também. Além dos livros, haviam vários
cadernos, papeis soltos, lápis e réguas espalhados por
todo o canto. Andei um pouco para perto da porta
impulsivamente – que intrometida – e vi uma cama,
também cheia de livros e cadernos.

–... então já chegou a hora? – não havia
reparado que estavam todos conversando.

– Desculpe, chegou a hora de que? – perguntei.
– A hora de partir e encontra com Tales alteza!
– o rapaz fez uma reverencia.
– Alteza? – me assustei – Que história é essa?
– Acho que não lhe apresentei – Thalassa e
aproximava do rapaz – Esse é o Cosmo. Nosso gênio
inventor e meu melhor amigo. Cosmo pegue leve com
a Beatriz! Ela ainda não se lembra de nada.
– Espere, mas ele me chamou de alteza! –
entrei no meio dos dois – Até onde vocês me contaram
eu apenas lutei contra monstros e estou destinada a
salvar Ofir. Eu por acaso me casei com algum príncipe?

– Não. – Nicardo respondeu híspido – Vamos
mudar de assunto?

– Você conseguiu informações sobre os outros?
– Thalassa perguntou.
– Não. – Cosmos respondeu sentando em uma
das cadeiras – Apenas com Tales, mas ainda assim foi
só uma vez e ele não sabia de nada sobre os outros.
Disse apenas que iria investigar.
– Que situação! – Thalassa parecia aflita.
– Hoje de manhã apareceram dois guardas
aqui! – Cosmo falava também aflito.
– E o que aconteceu? – Thalassa perguntou
preocupada.
– Eles revistaram a casa inteira e quase
descobriram tudo.
– Mas eles não desconfiaram de nada? –
Thalassa colocava a mão no coração.
– Aparentemente não. – Cosmo respondeu –
Apareceram, revistaram tudo e constataram que não
tinham motivos para me prender. Temi que eles
pudessem me levar apenas pela suspeita. Não seria a
primeira vez que eles fazem isso.

– Calma Cosmo, nós já estamos prontos para
partir! – Thalassa o acalmava.
– Isso é ótimo. – Cosmo fitava o chão – Já
estava ficando com medo de não voltar a te ver.
– Não precisa temer. Eu estou aqui. – Thalassa
abraçava Como – Também odiaria não te ver mais!
– Mas vocês estão falando de fuga? – Nicardo
perguntou.

– Sim. – Thalassa respondeu – Não dá mais
para ficar em Neide. Estamos correndo muito perigo
por aqui. Isso que aconteceu com o Cosmo é a maior
prova de que Neide não é mais um lugar seguro. Em
pensar que parte da culpa e... – Thalassa se calou.
– Mas você é diferente! – Cosmo consolava
Thalassa – Agora, mas do que nunca, você precisa ter
forças para vencer essa batalha e tomar o que é seu
por direito.
Não estava entendendo muito bem o que
estava acontecendo, mas sabia que deveria ser algo
grave e esperava conseguir me lembrar – se é que um
dia eu soube de quem a Thalassa estava falando.

– Está certo. – Thalassa ergueu a cabeça – Não
estamos com tempo para isso. Agora é o momento de
agir e lutar.
– É assim que eu gosto de ver! – Cosmo sorriu.
– Vocês se conhecem há muito tempo? –
perguntei.

– Pouco depois que você voltou para a Terra,
logo quando começou a guerra, encontrei esse rapaz
fugindo de um bando de criaturas errantes que
passaram para o lado de Bianor. – Thalassa sorria – Eu
o salvei e desde então ele me segue para todos os
lugares. Tornamo-nos grandes amigos e ele tem sido
útil. Cosmo é um excelente inventor. Mas está a oito
meses trabalhando em um único projeto.
– Será o projeto que nos levará daqui! –
Cosmos sorria misteriosamente.


– Que projeto é esse? – Nicardo perguntou.
Antes que ele pudesse responder, bateram na
porta. Eu, Thalassa e Nicardo ficamos sem saber o que
fazer. E se fossem os guardas?

– Rápido, entre nessa porta e sigam para a
porta a direita. Batam três vezes na parede e entrem! –
Cosmo abria a porta da esquerda.
Entramos na cozinha da casa. Não era muito
grande, apenas uma pia e um fogão, mas era maior do
que poderia aparentar se olhássemos do lado de fora.
Essa casa era encantada?

Não foi muito difícil achar a porta da direita.
Tecnicamente era a única porta, já que a da esquerda
era tão pequena que só passaria parte da minha perna

– ao menos que ela aumentasse de tamanho depois
que abríssemos.
Agora estávamos no dispensa. Havia três
grandes prateleiras cheias de latas, sacos e frutas. A
nossa frente, uma parede lisa. Batemos três vezes
como ele mandou e nos afastamos automaticamente.
A parede começou a descer e revelar uma passagem. A
parede voltou ao normal e ficamos no escuro outra vez.

Ouvimos alguns barulhos de conversa, mas não
parecia estar acontecendo nada de grave com o
Cosmo. Minutos depois um silêncio tomou conta do
lugar. Estava ficando enjoada de ficar no escuro, no
silêncio e na expectativa de salvar a minha vida.


Ouvimos três batidas quebrando o silêncio.
Estávamos enxergando novamente.

– Vocês não acenderam as luzes? – Cosmo
sorriu empurrando um tipo de tijolo que parecia estar
solto.
A porta se fechou novamente, mas desta vez
não ficamos na escuridão. A luz revelava um longo
corredor. A cada 30 centímetros uma nova luz se
acendia.

– Foi complicado trazer-lo até aqui. – Cosmo
parou – Ainda me pergunto como consegui, mas isso
não vem ao caso.
Cosmo abriu uma porta no chão e nos
deparamos com um objeto grande e acinzentado
boiando no meio de uma imensidão azul.

– Isso é um submarino? – perguntei.
– Correto! – Cosmo sorriu – Mas não é como os
outros, esse submarino foi projetado para ser mais
rápido, mais forte e, com um pouco de magia, ser
invisível.
– Invisível? – Thalassa parecia surpresa.
– Depois que você foi sumiu, fiquei estudando
as magias que você me ensinou e consegui adicionar
isso ao projeto. – Cosmo falava com orgulho. – Agora
sim, seremos imperceptíveis.
– Isso é maravilhoso! – Thalassa também
parecia orgulhosa.
– Ele é silencioso, rápido, forte e pode ficar
invisível. Realmente é o meu maior projeto! – Cosmo

descia uma escada improvisada e abria a entrada do
submarino.

– Nós iremos atrás de Tales? – Nicardo
perguntou – Mas onde ele está?
Thalassa e Cosmo se entreolharam
preocupados. Thalassa suspirou fundo e quase pensei
que ela deixaria Nicardo sem resposta, mas respondeu.

– Tales está em Leander. – seu olhar era triste –
Mas acho que você não irá gostar do que vai encontrar.


CAPÍTULO 4 / UMA QUASE DESASTROSA VIAGEM DE
SUBMARINO


O
O
submarino não era como eu imaginava que um
submarino fosse. Era quase como uma casa

improvisada. Tinha colchões, tinha pia, tinha uma

mesa e um armário. Tinha também todo o

equipamento de submarino, como a mesa de controle.

Realmente esse Cosmo deveria usar algum tipo
de mágica ilusória, por que o submarino olhando de
fora também parecia bem menor do que olhando de
dentro.

– O submarino já estava pronto faz umas duas
semanas – Cosmo começou a falar – Só estava
esperando você chegar ou as coisas ficarem feias
mesmo.
Olhei para os dois lados espantada. Olhei
novamente para ter certeza. Olhei para Cosmo confusa
e coloquei a mão no peito.

– Eu? – perguntei incrédula – Você estava me
esperando?
– Mas é claro! – Cosmo respondeu.
– Como? – perguntei novamente incrédula.
– Eu realmente fiquei apaixonado por sua
história e pelo seu destino. Virei seu fã. – Cosmo
começou a explicar – Sempre ficava igual uma criança
quando Thalassa contava as histórias de suas
aventuras.

– Mas você sabia quando eu iria voltar? –
estava ficando assustada. Mais assustada.

– Não exatamente. – ele ficou serio – Eu sabia
que você estava para voltar, mas achei que seria
apenas daqui a uma ou duas semanas.
– E o que eu acho estranho! – Nicardo entrou
na conversa. – Algumas vezes eu conseguia falar com a
Rainha Alina, em meus sonhos.
– Você conseguia falar com a Rainha de Ofir? –
Cosmo se espantou – Ela continua desaparecida!

– Eu sei, ela me contava! – Nicardo fitava o
horizonte intrigado – Ela sempre me dizia que à hora
estava chegando e que em breve ela apareceria para
nós buscar. Mas então, dias antes de chegarmos aqui, a
voz dela apareceu em minha cabeça e me guiou para
um local isolado, uma floresta na montanha. Ela
apareceu para mim e conversou comigo.
– Claro, a natureza! – Cosmo empolgo-se.
– O que tem a natureza? – Perguntei.
– Alina está novamente no auge dos seus
poderes. – Cosmo começou a explicar – Mas, por algum
motivo, ela continua presa. Talvez ela tenha um plano
melhor.
– Mas é a natureza? – perguntei novamente.
– Existem varias dimensões, vários planetas e
todas distantes umas das outras. – Cosmo começou a
parecer o meu professor de ciências – Mas você sabe
qual o único sistema que está interligado entre todas as
dimensões?

– A natureza? – chutei.
– Exato! – sim, ele estava idêntico ao meu
professor de ciências – A natureza e uma das coisas
mais poderosas que existem e, obviamente, existe
muita magia na natureza. Toda está magia está
interligada. A magia da natureza é a única coisa que uni
todas as dimensões.
– E o que isso tem haver com o fato de Nicardo
ter visto a Rainha Alina na floresta? – perguntei.
– Falando nisso... Vocês cortaram meu assunto!
– Nicardo lembrou.
– Desculpe, continue falando. – Cosmo ficou
vermelho.
– Por instantes achei que estava tendo uma
visão, mas era ela mesma. – Nicardo voltou a falar –
Não pessoalmente, era um tipo de "mensagem
holográfica", mas era ela.
– E o que ela disse? – Thalassa perguntou.
– Ela disse que o pouco de controle que ela
ainda tinha sobre Ofir desapareceu. – Nicardo se
sentou – Ela contou que Bianor estava tentando de
todas as formas trazer Beatriz de volta para Ofir. Ele
não estava satisfeito em saber que Beatriz estava viva.
– Espere! – me assustei – Eu acho que ainda
não digeri 100% essa história toda que vocês me
contaram até agora. Quer dizer que esse Bia ai estava
fazendo de tudo para me ver debaixo de sete palmos?
– É o que parece. – Nicardo respondeu.

– A Rainha Alina contou que estava usando
toda a sua magia para vetar os pensamentos dela,
assim Bianor não poderia descobrir qual eram os
planos dela contra você e estava também fazendo o
máximo possível para vetar os portais que Bianor
estava abrindo.
– Como? – Cosmo se assustou – Portais?
– Como disse, Bianor estava querendo a todo
custo trazer Beatriz de volta para Ofir. – Nicardo
começou a explicar – Parece que ele começou a abrir
dezenas de portais por varias dimensões em uma
tentativa desesperada de trazer a Beatriz de volta.
– Nossa, ele quer mesmo a sua cabeça! –
Cosmo passava uma mensagem extremamente
reconfortante.

– Mas com a força de Bianor aumentando, a
Rainha Alina acabou perdendo o controle da situação e
pediu para que protegesse Beatriz até chegar o
momento certo de ela voltar. – Nicardo me fitava – A
Rainha disse que também estava preocupada com o
que esses portais podem causar nas outras dimensões.
Ela não sabia como Bianor estava abrindo-os e temia
que mais pessoas de outras dimensões pudesse estar
adentrando a Ofir por esses portais.
– Isso seria péssimo! – Thalassa estremeceu –
Não sabemos o que existem em outras dimensões. Se
Bianor resolver usar isso a seu favor, conseguir novos
aliados. Não dá para saber o que será de Ofir se seres
de outras dimensões se juntar a ele.


– E se ele encontrar seres poderosos, talvez o
exército que o Rei Céleo está fazendo possa não servir
de nada! – Cosmo parecia não gostar da idéia.
– Por que não contou isso antes? – Thalassa
também não havia gostado da notícia.
– Foram tantas coisas acontecendo ao mesmo
tempo. Acabei me perdendo. – Nicardo respondia
constrangido. – Mas o importante é que se ainda não
estava na hora de Beatriz voltar, por que ela nos
trousse agora? Isso que eu não entendo.
– Algo de muito grave deve ter acontecido. –
Thalassa pensava alto. – Se a Rainha Alina realmente
perdeu o controle da situação, não dá para dizer o que
nos espera pela frente.

– Agora só nos resta esperar e descobrir o que
nos aguarda. – Cosmo encerrou o assunto com um tom
tenebroso na voz.
Só iríamos chegar a Leander de manhã, por isso
resolvi dormir um pouco. Toda essa situação estava me
desgastando demais. Era como se tivesse passado o dia
inteiro fazendo os treinamentos de artes marciais que

o Nicardo tanto insistia que fizéssemos todo domingo
de manhã. Tentar encaixar todas as informações que
eram jogadas bruscamente para cima de mim também
exigia um pouco de esforço físico e mental. Meu
coração sempre parecia explodir a cada nova
informação e minha cabeça parecia estar sendo usada

como bola de tênis, sendo jogada de um lado para o
outro a cada nova informação.

Eu estava em um salão com paredes roxas.
Olhava no espelho e via o reflexo de uma mulher com
cabelos loiros e um vestido rosa. Eu já havia visto
aquele mulher outras vezes, em outros sonhos, mas
desta vez ela parecia estar realmente ali, atrás do
espelho.

– Vejo que chegou bem a Ofir. – ela sorria –
Isso é muito bom!

– Quem é você? – perguntei.
– Não está se lembrando de mim? – ela voltou
a sorri – Acho que me filho tentou te proteger de você
mesma!
– Seu filho? – perguntei.
– Você parece mais forte desde a ultima vez
que a vi! – ela parecia admirada. – O Nicardo cuidou
bem de você. Fez exatamente o que deveria ser feito.
Foi uma sabia decisão. De ambos.
– Decisão? – estranhei – Do que está falando?
Quem é você?
– Beatriz, não tema! – seu sorriso era doce – Eu
estou do seu lado, mesmo que você não se lembre
ainda.
– Mas será que poderia me dizer ao menos seu
nome? – perguntei.
– Meu primeiro nome é Alina. – seus olhos
brilhavam feito pedras preciosas – Já fui conhecida

como Rainha de Ofir, a capital. Hoje estou sendo dada
como morta pela maior parte deste mundo.

– Então você é a Rainha Alina? – estava
espantada e constrangida – Me perdoe, eu... Eu não
sabia!
– Você não tem do que ser perdoada. Não fez
nada. – sua mão tentou tocar meu rosto, mas foi
impedida pelo vidro do espelho.
– Eu não sei o que dizer. – acabei fazendo uma
reverencia. – Eu soube que esse homem que te
aprisionou estava atrás de mim.
– Ele não te perdoa por ter escapado viva. – ela
parecia triste – Ele ainda não sabe que você está aqui.
Tente esconder-se o máximo que puder, pelo menos
até que recobre sua memória.
– Mas como eu faço para recobrar minhas
memórias? – perguntei e, instintivamente, tentei
alcançar-la, mas bati de cara no espelho.
– Não será batendo a cabeça! – ela deu uma
risada angelical. – Encontre meu filho. Encontre Alexis.
Ele saberá como trazer suas memórias de volta.
– Mas como eu encontrarei Alexis? – perguntei.
– Eu não posso mais falar, ele está chegando! –
A Rainha Alina se assustou.

– Ele quem? – perguntei.
– Bianor! – ela estava nervosa – Ele pode nos
ouvir.
– Como? – começava a ficar assustada.

– Procure por Alexis. – a imagem da rainha
começou a desaparecer.
– Mas onde eu o encontro? – perguntei
desesperada.
– Não! – ela deu um grito surdo – Ele nos
ouviu!
Acordei gritando. Senti Nicardo me segurar,
mas não conseguia ver-lo. Não, eu o via. Conseguia verlo,
mas não conseguia alcançar-lo. Eu estava confusa.
Aquele nome. Alexis. Por que ele mexeu tanto comigo?

Eu começava a ficar desesperada e tentava a
todo custo me mexer, mas parecia que algo estava me
prendendo. Não estava conseguindo respirar. Por que
aquele nome? Por quê? O que Alexis significa para
mim? Por que eu estava tendo aquela reação.

Sentia como se precisasse urgentemente verlo.
Como se minha vida dependesse de encontrar-lo. E
não era só por conta de minha memória perdida, mas o
simples fato de ver-lo parecia estar mexendo comigo
de uma forma assustadora.

Não conseguia me acalmar. Temia estar ainda
gritando. Já não sabia o que estava fazendo, havia
perdido completamente o controle. Era como se meu
coração soubesse exatamente quem era esse Alexis,
mas minha cabeça tivesse entrado em curto tamanho o
desespero que se encontra na tentativa de se lembrar
quem era Alexis.


Ouvi vozes desesperadas. Deveriam ser
Thalassa, Cosmo e Nicardo. Abri os olhos.

– Mas o que está acontecendo? – Thalassa
gritava. Fechei os olhos.
– Faça alguma coisa! – Cosmo também gritava.
Abri os olhos.
– Eu estou tentando! – Thalassa estava nervosa
– Nicardo faça alguma coisa! – fechei novamente os
olhos.
– Beatriz – era a voz de Nicardo – se acalme!
– As rachaduras estão começando a se fechar,
mas a água continua entrando! – era a voz de Thalassa.
Eu continuava piscando.
– Essa água não pode ficar aqui dentro! –
Cosmo estava preocupado – Vai acabar estragando os
equipamentos!

– Beatriz – era Nicardo outra vez – se acalme!
– Está aparecendo mais buracos! – Thalassa
estava desesperada – Eu não irei dar conta!
– Nicardo faça-a parar! – era a voz de Cosmo
gritando.
– Eu estou tentando, mas não sei o que fazer! –
Nicardo estava desesperado.

– O que será que aconteceu para ela ficar desse
jeito? – Cosmo estava se aproximando. Eu já havia
parado de piscar, mas minha visão continuava escura.
– Eu não sei! – Nicardo estava desesperado –
Eu não consigo mais ler a mente dela!

– Consegui parar os outros buracos! – Thalassa
parecia cansada – Mas se novos buracos aparecerem
eu não conseguirei dar conta!
– E essa água? – Cosmo estava nervoso – Vai
ficar aqui?
– Uma coisa de cada vez! – Thalassa se irritou –
Quer que eu mantenha os buracos fechados ou prefere
que mais água entre no submarino?

– Tudo bem – Cosmo parecia chateado – já
entendi!
Eu deveria estar causando muitos problemas.
Minha cabeça estava muito confusa e não sabia direito

o que pensar, mas eles pareciam desesperados por
minha causa. Era de se esperar que mais cedo ou mais
tarde a minha má sorte viesse dar um "bom dia".
Tentei relaxar. Respirei fundo e tentei manter
minha cabeça longe de tudo e me concentrar apenas
em parar o que quer que eu estivesse fazendo. Não
queria ser a culpada por um desastre.

– Veja! – Cosmo pareceu mais animado – Os
buracos estão se fechando!
– Acho que você já pode desfazer as barreiras!
– era a voz de Nicardo.
– Já não estava aguentando a pressão! –
Thalassa parecia realmente cansada.
– Não faça mais isso! – uma voz diferente –
Tente se controlar. Eu quero te reencontrar viva! –
sentia que conhecia essa voz, mas não sabia de onde.
Foi então que...


– Alexis! – gritei.
POF! Um novo e pequeno buraco abriu no
submarino que gradualmente voltou a se fechar
conforme eu ia perdendo os sentidos.

A última coisa que me lembro antes de perder
os sentidos e de ouvir Cosmo dizer "estamos
chegando!". Não sei se fiquei muito tempo
desacordada, mas sei que foi tempo o suficiente para
chegarmos a Leander.

Quando acordei, estava no colo de Nicardo. Ele
mexia em meus cabelos e passava a mão em meu
rosto. Provavelmente não saiu de perto de mim um
único momento. Eram esses pequenos detalhes que eu
amava nele.

– Está melhor? – ele perguntou.
– Estou! – respondi – O que aconteceu?
– Não sabemos direito. – ele sorriu – Você
estava dormindo e de repente começou a ficar nervosa.
Você estava tendo um pesadelo?
– Eu não sei, não consigo me lembrar!
Tentei me levantar, mas estava um pouco
tonta. Nicardo me segurou e me colocou deitada no
colo dele outra vez. Fechei rapidamente os olhos,
respirei fundo e tentei me levantar novamente. Desta
vez consegui me manter de pé.

– Ainda falta muito para chegarmos a Leander?
– perguntei.
– Não! – Cosmo sorria – Acabamos de chegar.

– Mas não será arriscado sairmos assim do
submarino? – ainda estava um pouco tonta.
– O submarino está invisível. – Cosmo
respondeu – E estamos parando m uma área isolada.
Longe da visão da maioria das pessoas. Talvez pelos
céus pudessem nos ver, mas acho difícil. Leander virou
uma cidade fantasma.
– Cidade fantasma? – Nicardo se assustou.
– Lembra que eu te disse que não iria gostar de
como iria encontrar Leander? – Thalassa ficou fitando
Nicardo. – Leander foi o primeiro reino a ser
completamente destruído. Não existe quase nada por
lá. Os leandineses se dissiparam pelos outros reinos em
busca de abrigo, enquanto outros se juntaram a Bianor.
Os poucos que continuam vivendo nas ruínas de
Leander têm uma vida miserável.
Nicardo engoliu a seco a informação. Ele
fechou os olhos e respirou fundo. Parecia estar
prendendo o choro. Era ruim ver a pessoa que a gente
ama nesse estado.

Cosmo abriu a porta do submarino. Estávamos
em frente a um grande deserto de areia e destroços do
que um dia deveria ter sido uma casa bem grande.

O sol estava bem forte e não demorou nem um
pouco para estarmos todos cansados, com sede e
suando muito. Às vezes parávamos em baixo de alguma
ruína para se proteger do sol e descansar, mas a sede


continuava firme e forte. Ninguém havia lembrado de
trazer água.

– Thalassa? – Cosmo quase gritou – Você é a
princesa das águas. Faça alguma coisa!
– Eu não tenho energia o suficiente. – ela
estava mais cansada que todos nós – Se eu perder mais
água em meu corpo vou acabar morrendo.
– Vamos todos acabar morrendo se
continuarmos a andar sem direção! – Cosmo estava
irritado.
– Não tem como achar o Tales nisto aqui! –
Thalassa reclamava.

Estávamos sentados debaixo de uma grande
telha que estava apoiada em uma grande árvore.
Conseguíamos ver boa parte do local de onde
estávamos. Mas não era uma visão muito agradável.
Era algo nada admirável.

Um pouco a direita havia um grande prédio que
a cada segundo perdia uma pequena parte dele. Ao
lado uma casa destruída pela metade. O telhado havia
sido levado todo embora, mas a parte direita da casa
parecia intacta. A esquerda havia outra grande casa,
com o telhado aberto e as portas e janelas
estilhaçadas. O pouco vento que batia fazia pequenos
cacos de vidro caírem.

Talvez em outras épocas isto aqui pudesse ser
bem bonito de se olhar, mas hoje não era um bom
ponto turístico. A única construção que se mantinha de


pé era o que parecia ser o castelo. Não estava intacto,
mas era o que menos havia sofrido com o que quer que
tenha deixado este lugar assim.

Continuamos andando atrás do Tales. Não ter a
mínima noção de onde ele pudesse estar não estava
ajudando muito, mas estávamos tentando da melhor
forma que estávamos conseguindo.

Entramos em uma zona com varias casas
abandonadas. As casas não estavam destruídas, apenas
velhas demais. Por varias vezes sentia vultos passando
por trás de mim e quase podia sentir olhares estranhos
em nossa direção. Aquele local estava me dando medo.

Quanto mais andávamos, mas as casa se
juntavam até que formou um pequeno corredor onde
só era possível passar um por um.

As casas tinha placas quase caindo e portas e
janelas remendadas com madeira. Algumas tinham
uma sacada, mas não parecia muito confiável. Havia
buracos em algumas paredes, mas aparentemente os
mesmos foram tapados pelo lado de dentro.

O silêncio era absoluto. Apenas os nossos
passos podiam ser ouvidos. O clima naquele lugar
estava extremamente assustador e perigoso. Se
precisássemos lutar ou fugir, não teríamos espaço para
isso.

Arrisquei olhar entre as gretas de algumas
casas. Não havia absolutamente nada. Em algumas via
vultos passarem rapidamente, mas não conseguia


identificar o que eram. Mas por dentro as casas
pareciam habitadas. Seria possível?

O caminho começou a se alargar novamente.
As casas começaram a ficar para trás e novamente
estávamos indo em direção a um campo de ruínas.
Temia estarmos andando em círculos.

Ouvi um barulho estranho. Algo tipo Psiu vindo
de algum lugar. Andamos um pouco mais e novamente
ouvi o Psiu vindo de trás de mim. Desta vez os outros
pareceram ouvir também.

– O que foi isso? – Thalassa parou. – Vocês
ouviram?
– Não tenho certeza, mas acho que ouvi um
"psiu". – disse.
Ignoramos e continuamos andando, mas logo
paramos outra vez. Uma pedra havia sido atirada na
gente.

– Tudo bem, o que está acontecendo aqui? –
Thalassa procurava quem havia atirado a pedra. – Acho
melhor seguirmos.

Voltamos a andar, mas o atirador atacou
novamente e o alvo fui eu. Com a ajuda da minha
grande sorte, acabei tropeçando na pedra e caindo de
cara no chão de areia quente.

– Quem fez isso, seja homem ou mulher e
apareça! – Cosmo gritou.
– Ei? – uma voz vinha distante – Aqui!

– Onde? – Nicardo perguntou.
– Aqui!
Seguimos a voz e nos deparamos com um
rapaz, debaixo dos destroços do que deveria ter sido
uma lanchonete – o que explicaria a placa com um tipo
esquisito de sanduíche.

O jovem tinha longos cabelos ruivos, amarados
com uma fita lilás e com uma cara de quem não gosta
nenhum pouco da palavra "trabalho".

Thalassa, Cosmo e Nicardo olharam surpresos.
Eles pareciam saber exatamente quem era aquele
rapaz. Uma expressão de alivio tomou conta de todos,
até que finalmente entendi quem era o rapaz.

– Tales! – Nicardo gritou.
– Quanto tempo não?

R


CAPÍTULO 5 / UMA MOÇA DE OUTRO PLANETA E UMA
LEMBRANÇA ENCRENQUEIRA


eencontrar Tales – para os outros – foi uma grande
alegria. Estavam todos eufóricos e cheios de coisas
para contar. Para mim ele era um estranho, mas sabia
que ele deveria conhecer de mim mais do que eu julgo
que ele saiba.

– Você não mudou nada! – Tales sorriu –
Parece a mesma Beatriz de 1 ano atrás.

– Obrigada. Eu acho – respondi.
– Eu ainda não tinha visto o que havia
acontecido aqui. – Cosmo olhava em volta.
– Triste. – Tales fitava o chão – Eu estava aqui
no dia da primeira invasão. Quer dizer, a primeira que
deixou Leander neste estado.
– Como assim? – perguntei.
– Houveram varias invasões, mas nenhuma que
destruísse o reino inteiro. – Tales respondeu.
– Sim, quanto a isso eu entendi. – olhava
intrigada para Tales – Mas como assim a primeira vez
que deixou Leander neste estado? Houve outras
invasões depois que destruíram tudo?
– Muitas outras! – Tales respondia com tristeza
– A primeira vez, um exercito de homens e Leons
atacaram o reino e fizeram isso como um alerta para os
outros reinos que se opusessem aos planos de Bianor.
Mas os sobreviventes, que na época havia sido um
número considerável, não deixaram se abater tão fácil

e começaram a reconstruir o reino, mas antes que eles
pudessem terminar qualquer coisa, Bianor mandava
destruir. Foi assim durante quase o ano inteiro.

– Mas as pessoas ainda estão reconstruindo o
reino? – perguntei assustada.
– Agora eles desistiram. – Tales continuava
triste – Foi um ano muito longo e muito doloroso. As
pessoas cansaram de tentar reconstruir um reino que
pouco tempo depois seria reconstruído. Se não
tivessem insistido tanto, o reino estaria em... Um
estado melhor, digamos assim.
– E onde estão os sobreviventes? – Nicardo
parecia mais triste do que antes.
– Os poucos que sobreviveram ficam
escondidos. – Tales olhava para o corredor de casas
que passamos – Fizemos um local especial para abrigar
todos eles.
– Mas como estão fazendo para se alimentar? –
perguntei preocupada.

– Recebemos, clandestinamente, varias
doações. – Tales respondeu – Bianor sabe que isso
acontece, mas faz vista grossa. Se nós não o
incomodarmos, claro.
– Então os leandineses estão preferindo viver
uma vida miserável a lutar pelo que é deles de direito?
– Nicardo agora parecia indignado.
– Como disse, chegou uma hora que todos
cansaram. – Tales voltou a fitar o chão – Houve muitas
batalhas. Todas com muitas mortes. Estávamos todos

muito cansados de ver aqueles que amamos indo
embora. Estávamos cansados de começar a trabalhar
duro em algo e depois ver isso ser completamente
destruído. Estávamos todos cansados. Muito, muito
cansados.

– Desde que vocês se foram isso aqui vem se
tornando uma tortura! – Thalassa olhava para Nicardo
com pena. – Eu entendo a decisão dos leandineses.
Realmente, estamos todos cansados.
– Mas agora eles voltaram! – Cosmo gritou em
uma súbita tentativa de animar a todos – Beatriz, a
lenda, ela está aqui. Tudo vai voltar a ser como antes.
Todos olharam para mim e – aparentemente –
se sentiram mais esperançosos. Eu não contaria muito
com isso, não sei se daria conta de toda essa
responsabilidade. Tentei não transparecer o que estava
pensando. Acho que havia conseguido.

– Você está vivendo aqui? – perguntei tentando
quebrar o silêncio.
– Na verdade, estou me escondendo. – ele
acenou com a cabeça para que o seguisse.
– Escondendo? – Nicardo estranhou.
– Muitas pessoas fazem isso. – Tales seguia em
frente – Eles fogem dos outros reinos e vem se refugiar
aqui. Não sei se Bianor também faz vista grossa quanto
a isso, mas acredito que não. Muitas pessoas juradas
de morte estão aqui, como eu.
– Você está jurado de morte? – fiquei
assustada.

– Sim, todos nós! – ele deixou uma mensagem
reconfortante.
– Eu também? – Cosmo perguntou.
– Já descobriram que você está acobertando a
Thalassa? – Tales olhou para trás.
– Acho que não. – Cosmo respondeu confuso.
– Então está tudo certo. – Tales sorriu – Por
enquanto você está a salvo.
– Isso não é algo do qual eu me orgulho, mas
agora somos criminosos procurados. – Thalassa estava
bem atrás de Tales – Acho que se Bianor soubesse que
estamos aqui já teria aparecido. Ou mandado Leons
nos buscar.
– Concordo. – Tales continuava seguindo em
frente.
A paisagem continuava a mesma. Total
destruição, deserto e sol quente para tudo o que é
lado. O tempo que passamos descansando não foi o
suficiente para disfarçar o quanto estávamos com sede.
Não demorou muito para estarmos com as bocas secas
novamente.

Thalassa era a que mais sofria. Ela parecia
exausta e já nem mais tentava disfarçar. Cosmo
também não parecia muito legal. Estava amarelo de
suor. Eu deveria estar bem parecida com ele. Talvez
pior. Os únicos que estavam bem eram Nicardo e Tales.


– Vamos demorar a chegar onde quer que você
queira que cheguemos? – Cosmo perguntava quase
tombando.
– Não, não! – Tales respondeu – Aliás, já
chegamos.
Estávamos em frente a um grande galpão. Não
estava tão ruim quanto o restante das construções que
vimos, mas ainda era parte da paisagem de destruição.

O galpão era rodeado por cercas de arames
farpados, o que – vendo a luta que Nicardo e Thalassa
tiveram em Neide – deveria ser apenas um enfeite e
não um tipo de proteção. O galpão era de um marrom
desbotado e era tapado por telhas de aço, o que dava
um contraste um tanto estranho para o local. O sol
refletia no telhado metálico e parecia ser enviado de
volta para a atmosfera. Tales abriu uma longa porta de
madeira. Entramos no galpão.

Dentro do galpão havia varias pessoas e
criaturas estranhas. Havia pessoas com orelhas e rabos
vermelhos, fazendo lembrar um gato. Outras tinham a
mesma aparência aquática de Thalassa. Uma grande
parte das pessoas ali presente tinha a aparência
rochosa de Nicardo, o que presumi que deviam ser os
leandineses sobreviventes.

– Aqui é onde os sobreviventes se abrigam. –
Tales mostrava como se fosse um grande reino
maravilhoso. – Construímos isso faz dois meses.


– Mas e aquele corredor de casas? – perguntei,
mas fui ignorada.
– Temos água bem aqui! – Tales abriu uma
grande caixa branca, com vários jarros d'água dentro. –
Não posso dizer para pegarem o quanto quiserem, mas
podem beber o suficiente. Água é muito difícil de se
encontrar.
O grande galpão servia como uma hospedaria
improvisada. Havia algumas paredes visivelmente feitas
apenas para dividir o espaço de cada família ou grupo
que estava ali. Havia cortinas tapando as entradas e
pessoas andando por toda a parte.

Apesar de muitas pessoas, o local não parecia
apertado. Ele era grande o suficiente para todos que
estavam ali. Mas de qualquer forma era triste imaginar
que todas aquelas pessoas perderam as suas casas e
que, se tentassem reconstruir-las, servos de Bianor
acabariam destruindo tudo outra vez.

– Tales, que bom que você voltou! – uma moça
de cabelos loiros corria e abraçava Tales. – A Gaia
estava muito preocupada.
– Gaia? – Nicardo perguntou.
– É uma moça, vinda de outro planeta, que
salvei. – Tales respondeu seguindo para um dos
quartos à direita.
– Outro planeta? – Nicardo perguntou.
– Desde que vocês saíram, Bianor vem abrindo
vários portais. – Tales começou a explicar.

– Sim, isso já sabemos! – Nicardo o
interrompeu.
– Pois bem, ela acabou caindo em um desses
portais e acabou sendo atacada por Leons. – Tales
parecia estar lembrando-se da cena – Ela estava muito
assustada, provavelmente não conseguiu se defender
por estar confusa demais. Vendo a situação, imaginei
na mesma hora que ela deveria ser outra que caiu em
um dos portais e fui ajudar-la.
Tales deu três batidas na parede e a cortina se
abriu. Quem estava atrás dela era uma moça alta, com
os cabelos em tranças rastafári negros. Havia três
bolinhas pretas envolta de cada olho cinza. Seus lábios
eram grandes, mas delicados e ela usava vários
acessórios que pareciam de origem indígena. Sua pele
era branca, mas estava pintada com listras pretas pelos
braços e pernas. As suas bochechas também tinham
pequenas listras pretas, que começavam no queixo e
terminavam perto da boca. Ela usava um vestido azul
que parecia com vestido da época dos homens das
cavernas e era amarrado na cintura por uma corda
marrom claro. Andava descalço e tinha um arco e
flecha amarrado nas costas.

– Pessoas, essa é a Gaia! – Tales sorriu – Gaia
estes são Nicardo, Beatriz, Thalassa e Cosmo, meus
amigos!
– Muito prazer! – estendi a mão, mas fiquei no
vácuo.

Gaia olhou para cada um de nós de cima a
baixo. Ela se aproximou de nós quase rastejando e se
esquivando, mexeu em nossas roupas e nos cheiro e
depois voltou para onde ela estava. Que garota
esquisita.

– Não se preocupem, Gaia é assim mesmo. –
Tales sorriu constrangido – Ela desconfia de todo
mundo. Não espere muita conversa dela, ela só vai
falar com você depois que achar que pode confiar em
vocês.

– Mas ela fala Ofirniano também? – Nicardo
perguntou.
– Não, eu ensinei a ela. – Tales respondeu – Ela
ainda não sabe falar tudo, mas aprendeu muita coisa.
Saímos de perto do quarto e pude notar Gaia
nos observando por detrás da cortina. Ela era
realmente uma pessoa muito estranha. Ou não. Pus-me
no lugar dela. Chegar a um mundo onde você não
conhece absolutamente nada e nem ninguém e o
primeiro contato que tem e de monstros tentando te
matar. Até que era compreensível o medo dela de se
aproximar de quem ainda não confia.

– Então você veio para Leander para ajudarlos?
– perguntei.
– Na verdade, como disse, eu já estava aqui no
dia da primeira invasão. – Tales respondeu indo para
outro quarto. – Entrem! – ele sorriu – É aqui que eu
fico!

– Mas Tales, o que te fez vir para Leander? –
estava curiosa – Não era mais seguro onde você
estava?

– Na verdade era. Na época era. – Tales abriu
uma gaveta e pegou uns papéis – Lembra dessa letra?
Peguei os papéis, cheios de símbolos estranhos
que pareciam os que eu escrevia de vez em quando e o
devolvi.

– Não! – respondi – Acho que não me lembro.
– Era a letra do Alexis. – esse nome outra vez –
Essas eram as anotações que o Alexis fez antes de...
Bem, antes de desaparecer.

– O Alexis está desaparecido? – Thalassa
perguntou.
– A última vez que soube do Alexis foi no dia
em que perdemos contato. – Tales colocou os papéis
encima da mesa – Quando você voltou para Neide,
Alexis havia desaparecido. A única coisa que sobrou
dele foi essas anotações, guardadas em uma gaveta no
quarto onde ele se escondia com o Neandro e a Linfa.
– Me deixe ver o que está escrito? – Thalassa
pegou as anotações e se sentou em uma cadeira que
estava ao lado da mesa.
Thalassa começou a analisar as anotações e
parecia não muito surpresa com o que estava escrito
ali.

– Realmente já era de se esperar! – Thalassa
colocou as anotações de volta na mesa – Ele estava à
procura da mãe.

– A Rainha? – perguntei um pouco alto demais.
– Sim, a rainha Alina! – Tales voltou a pegar as
anotações. – Ele tinha varias pistas sobre o paradeiro
da Rainha e, com certeza, está rondando Ofir atrás
dela. Eu vim para Leander em busca dele. Neandro
estava passando por muitas dificuldades na Capital e
precisava da ajuda do irmão para organizar as tropas e
ter se juntar aos homens fortes do reino.
– Mas é agora? – Nicardo perguntou – Como
estão as pessoas na Capital?
– Acredito que o reino ainda não foi invadido.
Essas notícias sempre chegam rápido. – Tales guardava
os papéis – Mas acredito que estejam passando por
muitas dificuldades. Provavelmente maiores do que da
última vez em que estive por lá.
– Então eles devem estar precisando de nós! –
Nicardo disse preocupado.

– Estava esperando o retorno de vocês dois
para poder fazer isso. – Tales sorriu – Mas alguém
precisa procurar pelo Alexis. Isso é... Se ele não já tiver
morrido.
– Não! – gritei instintivamente – Ele não
morreu!
– Beatriz? – Nicardo me olhou estranho.
– Eu não lembro exatamente quem é Alexis,
mas eu sei que ele está vivo! – tentei me acalmar da
súbita crise de pânico – E eu preciso encontrar-lo.
– O que? – agora Nicardo parecia nervoso. –
Desculpe, eu não entendi.


– Eu sinto que ele é a chave para que eu
recobre a minha memória. – respondi. – Eu preciso
encontrar-lo!
– Não! – Nicardo gritou – Eu não vou deixar
você ir atrás dele!
– Nicardo... – segurei em seus ombros – Acho
que já está na hora de você deixar eu me lembrar dele.
Quando estávamos na Terra você sempre dava um jeito
de me fazer não pensar nesta pessoa que esqueci, mas
agora é inútil. Eu não posso ajudar-los se não lembrar.
E eu não posso me lembrar se não achar-lo. O Alexis
terá que voltar a fazer parte da minha vida, para o bem
de todos.
– Não Beatriz! – Nicardo continuava nervoso –
Isso eu não aceito!
– Mas Nicardo... – Thalassa tentou falar alguma
coisa.
– Não! – ele fechou as mãos em punho – Eu
não deixarei a Beatriz lembrar dele. Você pode sim
ajudar Ofir sem ter que se lembrar do Alexis.
– Nicardo, pare com isso! – gritei. – Não seja
tão egoísta!
– Eu não sou eu quem está sendo egoísta! – ele
rebateu. – Deixe de ser infantil seu príncipe metido e
arrogante!
– O que você disse? – Nicardo parecia
assustado.
– Metido e arrogante! – repeti.

– Não, não. – ele baixou os ombros – Antes
disso. Você me chamou de príncipe?
– Eu te chamei de príncipe? – me assustei.
– Nunca mais fale isso outra vez! – Nicardo
estava serio – Você não vai se lembrar dele!
Nicardo saiu furioso de dentro do quarto de
Tales. Um clima estranho e desconfortável ficou
pairando no ar, junto com um silêncio igualmente
estranho e desconfortável que foi quebrado por mim.

– Eu realmente disse algo que não devia?
– Acho que sim! – Tales colocou a mão no meu
ombro – E digo mais, acho que de agora em diante
você só irá falar coisas que não deve.
Corri atrás de Nicardo. Seja lá o que tenha
magoado, eu queria reparar o quanto antes possível.
Nicardo era a única pessoa com quem eu me sentia
realmente à vontade naquele lugar e não queria
perder-lo.

Ele estava do lado de fora do galpão, sentado
em uma das varias ruínas que estavam a nossa volta.
Cheguei devagar e o abracei pelas costas. Ele se
esquivou e eu quase cai no chão. Teria sido uma queda
feia.

– Nicardo, não faz assim! – fui atrás dele –
Vamos conversar.

– Agora não! – ele estava serio.

– Seja lá o que eu tenha dito, vamos esquecer.
– tentei abraçar-lo novamente, mas novamente ele se
esquivou e novamente eu quase cai.
– Agora não! – ele continuava serio.
– Vamos tentar nos entender, voltar como
éramos antes.
– Esse é exatamente o problema! – ele se virou
para mim – Nós nunca iremos voltar a ser como éramos
antes. O que você disse é a mais pura verdade, agora
que você está aqui é inútil tentar não te deixar lembrar
dele.
– Mas por que eu não posso me lembrar do
Alexis? – perguntei.
– Por que quando você se lembrar dele, eu irei
te perder para sempre. – ele segurou em minhas mãos
– Eu não quero te perder. Eu não posso te perder.
– Calma! Você não vai me perder. – tentei
animar-lo.
– Vou sim! – ele tentou esconder, mas estava
chorando.
– Como sabe? – passei a mão na cabeça dele.
– Por que é ao Alexis que o seu coração
pertence! – ele olhou diretamente para mim – É o
Alexis que você ama de verdade!
– Não! – o afastei de mim instintivamente – Eu
não o amo. Eu amo você!
– Não Beatriz. – ele continuava chorando –
Você ama o Alexis.

– Então por que não sinto nada por ele. – sorri
– Por que o que eu conheço de amor é exatamente o
que eu estou sentindo por você?
– Agora você diz isso. – ele apertou minha mão
– Mas é depois que você se lembrar? Para onde irá
todo esse amor?
– Ele continuará aqui! – encostei a mão dele
em meu coração – Meu amor por você não vai a lugar
nenhum!
– Você promete? – ele se ajoelhou – Prometa
que mesmo que você se lembre, você irá continuar
comigo. Que esse amor que você sente por mim agora
continuará sendo o mesmo depois que você lembrar
dele.
– Claro que continuará! – o abracei – Eu
prometo que ele continuará! Agora se levante e vamos
voltar para dentro do galpão. O pessoal está
preocupado.
Nicardo se levantou e voltamos de mãos dadas.
Estava me sentindo horrível. Algo dentro de mim dizia
que eu não conseguiria cumprir a promessa que havia
feito para Nicardo e ele parecia pensar o mesmo. Mas
por quê? Será que eu realmente amei esse Alexis? Se o
meu amor por ele é maior do que o meu amor pelo
Nicardo, por que eu esqueci? Isso não fazia sentido.

Continuei tentando parecer que estava
confiante na promessa que fiz. Mesmo que Nicardo
também soubesse que eu não conseguiria cumprir a


promessa, não queria ver-lo novamente como eu o vi.
Era triste demais ver-lo daquele jeito.

Tales, Thalassa e Cosmo estavam a nossa
espera, na porta do galpão. Esperava que eles não
tivessem assistido a cena e que, se tivessem assistido,
que pelo menos fingissem que não haviam visto nada.

– Como será? – Tales perguntou.
– Como será o que? – Nicardo rebateu.
– Vocês irão ficar aqui essa noite ou querem
seguir para Capital ainda hoje? O coleguinha de vocês
disse que tem um submarino muito potente, gostaria
de viajar nele.
– Acho mais prudente nós ficarmos essa noite e
descansarmos! – Thalassa fitou a todos conferindo se
alguém iria se opor.
– Sair agora realmente não seria uma boa idéia.
– Nicardo ainda segurava minha mão – Estamos todos
muito esgotados de tanto andar no sol sem destino.
– Então vamos entrar logo! – Tales olhou ao
redor – Daqui a pouco irá escurecer e não é muito bom
ficar andando por ai à noite.
– Por quê? – perguntei.
– Vamos entrar? – novamente fui ignorada.
Tales ficou alguns segundos fitando o grande
corredor de casas e eu tive certeza absoluta, ali tinha
alguma coisa. E pela aflição de Tales, não deveria ser
uma coisa muito boa.


A


CAPÍTULO 6 / GRITOS, GEMIDOS E ESTRANHOS
CONHECIDOS


noite foi inexplicavelmente assustadora. Minto, dava
sim para explicar o motiva de ela ser assustadora.

Um clima sombrio havia sido criado enquanto
gritos de horror e gemidos de dor eram
incansavelmente emitidos do lado de fora do galpão.

O galpão era todo fechado e não podíamos ver
absolutamente nada do que acontecia lá fora. Os
demais moradores pareciam já estar acostumados, mas
eu, Nicardo, Thalassa e Cosmo estávamos um pouco
"confusos".

– O que é isso? – perguntei para Tales.
– Temos que falar disso? – ele rebateu.
– Seria bom! – respondi.
– Será mesmo? – ele continuava se esquivando.
– Tem haver com aquelas casas não tem? – fiz
uma nova pergunta – Tem haver com aquele corredor
de casas.
– Por que está querendo entrar neste assunto
agora? – ele parecia nervoso.
– Talvez por que tem varias pessoas gritam e
gemendo desesperadamente do lado de fora do
galpão. – coloquei as mãos na cintura.
– Que gritos? – ele mentia muito mal.
– Não me faça de boba! – quase gritei – Já não
é de agora que você está se esquivando das minhas

perguntas. Pelo menos das minhas perguntas sobre
aquele maldito corredor de casas.

– Disse muito bem! – Tales ficou serio –
Maldito!
– O que há naquele lugar? – perguntei, mas fui
ignorada.
Aproximei-me de Nicardo, Cosmo e Thalassa.
Eles estavam tão confusos e amedrontados quanto eu.
Os gritos na cessavam e estavam começando a bater
nas paredes do galpão. Golpes furiosos, como os gritos.

– Tem idéia do que está acontecendo? –
Nicardo perguntou.

– Achei que um de vocês teriam a resposta. –
respondi decepcionada.

– O Tales não te disse nada? – Thalassa quem
perguntava agora.
– Não! – respondi – Ele só enrolava e enrolava,
mas nunca dizia nada.
– E você pensou em fazer alguma coisa? –
Nicardo perguntou.
– Você está pensando em alguma coisa? –
rebati.
– Não exatamente. – Nicardo coçava a cabeça –
Estava pensando em algo, mas não sei se daria certo ou
se adiantaria de alguma coisa.

– O que você pensou? – Thalassa se interessou
no plano.

– Não é nada de elaborado. – Nicardo fazia cara
de quem não era para esperar nada espetacular –
Pensei em ir lá fora e conferir o que está acontecendo.
– Você está maluco? – Cosmo falou um pouco
alto – Olha como eles estão gritando. Nem parecem
humanos.
– Mas por que estão gritando? – Nicardo
parecia intrigado.
– Se fosse por algum motivo justo, Tales já teria
ajudado! – Cosmo tentava tirar a idéia da cabeça de
Nicardo.
– É verdade Nicardo! – Thalassa entrou na sua
frente – Não sei se seria uma boa idéia.
– Mas então por que o Tales não conta nada? –
Nicardo estava aflito.
– Quanto a isso eu concordo com o Nicardo! –
entrei no meio dos dois – O Tales tinha que nos contar

o que são eles ou o que está havendo com eles e por
que ele não os ajuda.
– Tudo bem, isso realmente é verdade. –
Thalassa ajeitava o cabelo – Mas se ele não quer contar
e por que deve ser algo grave.

– E por ser algo grave ele deveria contar para
nós! – Cosmo entrava para o nosso lado.
– E o que vocês vão fazer? – Thalassa colocava
as mãos na cintura – Fugir escondidos?
– Tudo bem! – Nicardo levantava as mãos em
rendição – Eu não irei fazer nada.

– É o melhor a se fazer! – Thalassa sorria
aliviada.
– Mas o Tales vai ter que explicar o que está
acontecendo! – Nicardo estava decidido.
– Concordo! – Cosmo cruzou os baços.
Talvez fosse melhor conversar com uma porta.
Nunca vi algum tão intransigente quanto o Tales. Não
sei se na época em que o conheci da primeira vez ele
era assim, mas sem dúvida se não era o tempo o
tornou um cara difícil de se lidar.

Não preciso dizer que a noite foi horrível. Tente
dormir com gritos que você só ouve em noites de
terror e saberá o que passei. Apenas quando o sol
começou a nascer que os gritos cessaram. Mas não tive
muito tempo para descansar tranquilamente. Pouco
depois de amanhecer, Nicardo me acordou.

– Beatriz! – ele me sacudiu – Vamos sair logo
daqui!
– O que? – ainda estava sonolenta – Por quê?
– Os guardas de Bianor estão vindo fazer a
"vista grossa" deles. – agora Tales quem me apressava
a acordar – Mas se nos encontrarem, provavelmente
não irão fazer vista grossa.
– Mas eles já estão aqui? – me levantei
rapidamente.
– Já! – Cosmo apareceu – Por sorte entraram
pelo porto e não pela ala isolada que deixamos o
submarino.

– E nós vamos para o submarino? – balancei a
cabeça tentando despertar completamente.
– Isso é uma pergunta? – Tales terminava de
colocar algumas coisas em uma mala.
– Mas eu nem dormi direito! – reclamei.
– No submarino você dorme, agora vamos! –
Nicardo me apressava.

– Cada a Thalassa e o Cosmo? – Tales olhava
em volta.
– Estamos aqui! – Thalassa apareceu ao lado de
Cosmo, que estava do lado de Tales.
– Muito bem, não podemos perder tempo
aqui! – Tales colocou a mala nas costas – Cosmo, ao
submarino!
– Mas e as outras pessoas? – perguntei.
– Já deixei outro em meu lugar tomando conta
deles! – Tales respondeu – Eles já estão prontos para se
cuidarem sozinhos faz tempo. Estava só esperando
vocês voltarem para partir.
– Agora vamos apressar o passo! – Cosmo já
estava na porta.
– Vamos ter que passar por aquele corredor de
casas de novo? – perguntei.
– Não! – Tales gritou – Não, ali é muito
perigoso. Conheço um atalho.
– Atalhos são coisas bem convenientes em
momentos como esse! – Cosmo sorriu e fez um gesto
com a cabeça nos apressando.
– Com certeza! – Nicardo sorriu.

– Então vamos parar de enrolar e vamos sair
daqui logo? – encerrei o assunto.
Passamos por um caminho que seguia por trás
do corredor de casas. Era um caminho difícil, cheio de
ruínas e pedras enormes. Mas em compensação, seria
difícil nos ver passando por ali.

Realmente não demorou muito quando
chegamos ao local onde estava o submarino. Ele estava
invisível, mas víamos sua antena sinalizando sua
localização. A antena não chamava a atenção, parecia
apenas um graveto flutuando na água. Apenas quem
sabia da existência do submarino poderia saber que
aquele graveto deitado na água era um sinalizador.

Antes de chegarmos ao submarino, uma moça
correu em nossa direção. Ela parecia desesperada e se
jogou as meus pés.

– Por favor, me ajudem! – a moça estava
realmente desesperada. – Se vocês estão fugindo de
Leander, me ajudem a fugir também!
– Calma, espere! – eu disse enquanto Nicardo
voltava pra ver o que estava acontecendo.
– Eu te conheço! – a moça parecia aliviada com
olhou meu rosto – Sim, é você! Você estava aqui com
Nicardo há um ano atrás. Por favor, me ajude?
– Calma! – a moça segurava em minhas pernas.
– O que está acontecendo aqui? – Nicardo se
assustou quando viu o rosto da moça – Levinda?

Levamos a Levinda para o submarino. Ela
conseguiu se acalmar. Nicardo me contou que Levinda
foi uma moça que conheci quando viemos da primeira
vez em Leander. Ela que havia nos avisado que a dona
do hotel em que havíamos ficado estava espionando os
hóspedes. Tales contou que mais tarde foi descoberto
que Elma, a dona do hotel, havia feito um acordo com
Bianor e que ele havia dado o hotel de presente, em
troca de informações sobre quem agisse de forma
suspeita. Thalassa contou que foi assim que Bianor
descobriu que estávamos atrás dos cristais e conseguiu
armar a armadilha em Calidora que nos fez ficar presos.

Contamos também a Levinda sobre a minha
perda de memória e que estávamos atrás de um jeito
de recuperar minha memória. Levinda pareceu
surpresa com tudo o que contamos e ouviu cada
detalhe com atenção, mas sempre que olhava para
Nicardo ficava triste.

– Por que você estava fugindo? – perguntei.
– Dos guardas de Bianor. – ela fitou o chão –
Fugi do castelo de Bianor e os guardas me seguiram até
aqui.
– Qual castelo? O de Neide ou o de Calidora? –
Tales perguntou.

– De Calidora! – Levinda continuava fitando o
chão – Lá é a base dele. Eles foram os primeiros a
apoiar-lo.

– Mas você estava sendo mantida prisioneira?
– Nicardo quem perguntava.
– De certa forma. – ela ficou ainda mais triste –
Eu ainda não era prisioneira, mas iria virar.

– Estava sendo condenada? – Thalassa chegou
mais perto de Levinda.
– Sim! – ela fitou Nicardo – Estava sendo
condenada a ser a terceira esposa de Bianor.
– Terceira esposa? – Tales se surpreendeu –
Não sabia que ele tinha se casado.

– Ele ainda não se casou, mas continua
escolhendo as esposas. Ele pretende ter 7 esposas, o
numero da perfeição. – Levinda ficou seria – Ele só vai
casar depois que encontrar as 7 esposas. Serão 7 dias
de casamentos. Ele pretende fazer uma semana de
festa para todos que se aliaram a ele.
– Mas Bianor quer esposas para o que se ele vai
destruir o mundo de Ofir? – perguntei.
– Quem disse que o plano dele é destruir Ofir?
– um tom sombrio cobriu as palavras de Levinda –
Bianor é a última pessoa a querer ver Ofir destruída. Os
planos dele vão muito além disso.
– Mas você disse que ele só vai se casar depois
que encontrar todas as esposas. – Nicardo parecia
preocupado – E se você seria a terceira, isso quer dizer
que ele já tem a primeira e a segunda esposa. Certo?
– Sim! – Levinda voltou a fitar o chão – Antes
de fugir ele já tinha elegido a quarta esposa.

– E você sabe quem eram as outras esposas? –
Nicardo realmente parecia preocupado.

– Bem, a quarta eu não lembro o nome. –
Levinda parecia estar tentando lembrar – Mas era bem
novinha. 19 anos provavelmente. A outra era a Layla.
Elma vendeu a própria filha para Bianor. Ela também
tentou fugir, mas não teve muita sorte.

– E a primeira? – Nicardo estava muito aflito.
– Era a Nínive, sua Irmã! – Levinda respondeu
triste.
– Irmã? – me assustei – Que história é essa?
Quem é essa irmã de quem você nunca me contou?
– Espere! – Nicardo me ignorou – Ela está em
Calidora?
– Sim, no castelo! – Levinda respondeu.
– Quanto tempo demoraria até chegarmos a
Calidora? – Nicardo virou-se para Cosmo.
– Você está...
– Quanto tempo? – Nicardo interrompeu
Cosmo.
– 1 dia e meio se usarmos a velocidade
máxima, mas é...
– Ótimo, vamos para Calidora! – Nicardo
novamente interrompeu Cosmo.
– Espere! – Tales entrou na conversa – Temos
que seguir para Capital. Neandro está contando com o
nosso apoio. Ele pediu para que quando vocês
voltassem seguissem direto para lá. Não podemos
mudar o curso assim.

– E é perigoso! – Cosmo deixou o painel de
controle – Se usarmos a velocidade máxima ficaremos
lentos por 3 dias. Fora que o submarino não vai ter
energia para ficar invisível.
– Não tem problema! – Nicardo estava
decidido.
– Como assim "não tem problema"? – Thalassa
estava brigando com Nicardo – E se precisarmos fazer
uma fuga emergencial? Além de ficarmos visível para
todos, estaremos seguindo na mesma velocidade que
eles! Eu sei que é a sua irmã e entendo a sua
preocupação, mas nada irá acontecer com ela
enquanto não achar as outras esposas. Vamos nos
organizar na Capital e de lá armamos um plano,
pegamos reforços e resgatamos sua irmã.
– É Nicardo – Tales tentava tirar a idéia da
cabeça de Nicardo – assim é mais seguro e eficaz. Se
formos só nós fica mais fácil de sermos presos, mas se
formos com reforços... Temos uma chance.
– Não! – Nicardo estava realmente decidido –
Temos que resgatar-la agora!
– Nicardo...
– Não! – Nicardo interrompeu Thalassa – Nós
vamos resgatar-la.
– Eu sei que eu vou me arrepender, mas por
mim tudo bem. Você me convenceu. – Thalassa ergueu
as mãos em rendição.

– Eu já deixei avisado os riscos, se mesmo assim
ainda que ir... Por mim tudo bem também! – Cosmo
voltava para o painel de controle.
– Já que a maioria decidiu... – Tales eu de
ombro.
O dia passou e os assuntos foram poucos. Na
verdade eu, Thalassa e Cosmo ficamos dormindo a
maior parte do tempo. Depois da noite cheia de gritos,
uma noite em silêncio era mais que merecido.

No dia seguinte levantei cedo. Ou
aparentemente cedo. De baixo d'água fica um pouco
difícil saber quando realmente é cedo. Cosmo estava
no painel de controle observando vários pontos e
imagens que – para minha surpresa – eram
transmitidas pelo "tronco" que ficava invisível quando

o submarino estava em movimento.
– Já estamos chegando? – perguntei.
– Ainda não. – ele olhava um tipo de radar –
Mas não vai demorar muito para chegarmos.
Tales estava do lado de Cosmo. Aparentemente
estava ajudando-o a manejar o submarino. Ele parecia
preocupado.

– Tales? – sentei ao lado dele – Agora que o
Nicardo está dormindo, acha mesmo que tem alguma
chance deste plano dar certo? Por que o castelo deve
ser vigiado, como entraremos?
– É exatamente nisto que estava pensando! –
Tales também olhava o radar – Da primeira vez


conseguimos invadir o castelo de Neide, mas tivemos
ajuda da Thalassa que conhecia todas as entradas
secretas. Fora que não estávamos em guerra. A
segurança deve estar dobrada.

– Como faremos? – perguntei.
– Não sei. – Tales se levantou – Mas na maioria
das vezes nós nunca sabíamos o que iríamos fazer ao
certo, mas sempre conseguíamos. Espero que desta vez
seja igual.
Chegamos a Calidora sem nenhum plano de
invasão. Não sei o que o Nicardo estava pretendendo,
mas esperava que ele não resolvesse ir entrando e
esperando que todos abrissem passagem para ele levar
a garota que foi eleita à primeira esposa de Bianor sem
nenhum problema. Era um plano presunçoso. Isso é, se
esse fosse o plano de Nicardo.

Assim como Neide, Calidora estava intacta.
Pelo menos acredito que estava. Não sei dizer, mas
sentia que ela não havia mudado. Talvez fosse a minha
memória dando sinais de vida.

– Eu vou ficar no submarino! – Levinda dava
alguns passos para trás – Não quero correr o risco de
ser pega e não ter outra oportunidade de fugir.
– Tudo bem. – Nicardo estava serio –
Entendemos!
– Eu fico com ela! – Cosmo também deu alguns
passos para trás – Não é seguro deixar-la só, ainda mais
agora que o submarino não ficará mais invisível. Serão
3 dias repondo energia.

– E como ele repõe essa energia? – fiquei
curiosa.
– Através do sol! – ele sorriu – A energia solar é
o combustível que move o submarino. Vocês não
sabem a dificuldade que foi para abrir o teto na época
em que ele ficava escondido.
– Então você fica! – Tales também estava serio
– Vamos?
– Espere um minuto! – Cosmo pareceu se
lembrar de algo na última hora. Foi para o submarino –
Eu criei, antes de vocês voltarem, isso aqui. É um
aparelho para nos comunicarmos uns com os outros.
Leve e avise caso algo dê errado.
– Obrigado. – Nicardo sorriu – Faça o mesmo!
– Pode deixar! – Cosmo sorriu.
Andamos até chegar a um castelo. Tentamos
andar o mais discretamente possível. Se ali era à base
de Bianor, nós estávamos em um grande perigo.

Ficamos escondidos atrás de vários arbustos.
Tales e Nicardo ficaram fitando o castelo por alguns
minutos e depois fizeram expressões pensativas.

– Eu sinto como se já conhecesse esse castelo.
– pensei alto.
– E conheceu! – Tales respondeu. – Todos nós
conhecemos, exceto o Cosmo!
– E agora? – Thalassa perguntou – O que
faremos?

– Temos que pensar em um jeito de entrar sem
ser percebido. – Nicardo analisava o castelo – Mas
como?
Comecei a tentar pensar em algo. Não
acreditava que poderia dar alguma sugestão útil, mas
queria pelo menos tentar. Se eu era a pessoa escolhida
para salvar um mundo inteiro, deveria ter uma idéia
sobre como invadir um simples castelo. Foi então o que
aconteceu.

Não reparei no primeiro momento, mas depois
comecei a sentir o meu corpo leve até ter uma
sensação de estar desaparecendo. Não era a sensação
que tive quando fui sugada para dentro da caixa. Não
era apavorante. Foi apenas uma sensação de leveza.

– Beatriz? – Nicardo olhava para os lados. –
Para onde ela foi?

– Eu estou aqui! – disse assustada – Não estão
me vendo?
– Honestamente? Não! – Thalassa respondeu.
– Minha nossa, você está invisível! – Nicardo se
espantou.
– Invisível? – me assustei ainda mais.
Olhei para mim mesma e não vi nada. Eu
realmente estava invisível. No começo senti vontade de
gritar, mas me segurei – não queria chamar atenção.
Depois que comecei a me acostumar com a idéia, Tales
vem com outra que me apavora novamente.

– Você encontrou o nosso passaporte para o
castelo! – Tales sorriu.

– Como assim? – ainda tentava achar algo em
mim visível.
– Não vê? – Tales perguntou.
– Honestamente? Não! – respondi usando as
palavras de Thalassa.
– Você está invisível! – Tales estava realmente
feliz.
– Eu só não entendi ainda no que isso pode ser
útil? – estava desistindo de achar algo visível em mim.
– Simples, você vai lá e distrai os guardas. Nós
entramos e derrubamos e entramos. – Tales estava
realmente feliz.
– Na teoria realmente parece simples, mas e na
prática? – disse aborrecida.
– Alguém tem um plano melhor? – Tales olhou
em volta.
Ainda não sabia por que tinha aceitado isso.e
se desse errado? O que faríamos? Mas eu já estava lá,
junto com os guardas, e nada havia acontecido. O jeito
era por o plano em prática e esperar que desse certo.

Haviam dois guardas na porta. Um virado de
costas para o outro. Esperei os dois guardas que
estavam perto da porta se distanciarem e botei o plano
em ação. Começando por algo simples e clichê, mas
que nunca falhou.

– Por que você fez isso? – o guarda da esquerda
perguntou.

– Isso o que? – o da direita estava sem
entender nada.
– Por que você me chutou? – o guarda da
esquerda se irritou.
– Andou bebendo ontem à noite? – o guarda da
direita debochou do da esquerda, que ignorou.
Não esperei muito. Apenas tempo o suficiente
para os dois pararem de prestar atenção um no outro e
desta vez fui atacar o da direita.

– Ei, por que fez isso? – o guarda da direita
estava bravo.
– Isso o que? – o da esquerda ainda estava
chateado.
– Por que você me chutou? Eu disse que não fui
eu! – o guarda da direita ficou muito bravo.
– Acho que foi você quem bebeu ontem à
noite! – o da esquerda falou com desdém.
Agora vinha a parte difícil. Tinha que ser rápida
ou colocaria todo o nosso plano em risco. Os guardas
que ficavam na porta já estavam voltando e quatro eu
não daria conta. Respirei fundo e fui.

– Ei, o que está acontecendo aqui? – o da
esquerda.
– Você me chutou de novo? – o da direita.
– Não! – o da esquerda – Você me chutou de
novo!
– Você está maluco? – o da direita.
– Você que está doidão! – o da esquerda.

Nicardo e Tales aproveitaram o momento e
deram uma pancada na cabeça dos dois guardas que
caíram desmaiados no chão. Neste mesmo momento
comecei a ficar visível outra vez. Só na tinha certeza se
isso era bom ou ruim.

– Vamos logo antes que os outros guardas
apareçam! – disse indo para a porta do castelo.
Entramos e corremos pelos corredores
tentando achar lugares que não estivessem sendo
vigiados. Para nossa "sorte" não haviam muitos. E o
pior, não fazíamos a mínima idéia de onde estava a
irmã de Nicardo.

– Acho que estamos perdidos! – Thalassa
estava aflita.
– Acho que ouvi alguém chegando! – Tales se
assustou.
– Rápido, por aqui! – Nicardo me puxou.
Corremos por outro corredor e não olhamos
para frente. Resultado? Esbarramos em uma pessoa.
Ela estava toda encapuzada e tão amedrontada quanto
nós. Não sabíamos se era inimigo ou fugitivo, até eu e
Nicardo olharmos o seu rosto e termos uma imensa
surpresa.

– Camila?

CAPÍTULO 7 / BRIGAS DE IRMÃOS


C


amila me abraçou e se ajoelhou aos meus pés como se
sua vida dependesse disso. Ou de mim. Ou das duas
coisas. Na estava entendendo nada e ela parecia estar
tão confusa quanto eu, o Nicardo e os outros.

– Vocês já se conhecem? – Thalassa perguntou
fitando a mim e ao Nicardo.
– Sim. – Nicardo olhava para Camila – Da Terra.
– Espere! – Tales parou na nossa frente – Ela
veio do mesmo mundo que a Beatriz?
– Então eu estava certa? – Camila parecia grata
e desesperada – Não estamos na Terra!
– Mas como? – perguntei.
– Eu não sei – Camila se levantou – Estava
andando com o Toni. Ai o Toni! Como ele está? Deve
estar achando que eu o abandonei. Aquele bocó
inseguro. Mas eu amo muito ele, que isso fique bem
claro!
– Mas o que aconteceu? – Nicardo já conhecia
a figura.
– Ah sim, eu estava contando como cheguei
aqui! – aos poucos ela voltava ao "normal" – Eu estava
andando, indo para a escola como faço sempre, junto
com o Toni. O Toni é o meu namorado. E ele estava me
falando algumas coisas que eu não estava prestando
atenção. Eram coisas muito chatas. Eu parei para
ajeitar o meu sapato, quando um buraco negro se abriu
debaixo dos meus pés.

– Um buraco negro? – Tales se assustou.
– Sim! – Camila arregalou os olhos – Um
buracão bem grande. Não, médio. Um buracão médio.
E ele me sugou. E eu fui caindo e caindo e gritando e
gritando e quando dei por mim eu estava em uma sala.
Uma grande sala. Desta vez era grande de verdade. E
um homem muito feio e sinistro disse com uma voz
malvada e grossa "Essa!" e olhou para mim "Essa será a
minha quarta esposa"!
– Então era você! – Nicardo socou a mão –
Levinda havia comentado de uma quarta esposa bem
nova.
– Sim, sim! – Camila balançava a cabeça – Eu
lembro uma garota com esse nome. Ela estava me
ajudando a fugir, junto com outra... Lila? Não. Leca?
Como é que era o nome dela mesmo?
– Layla? – perguntei surpresa por ter lembrado
o nome.
– Isso! – Camila abriu um largo sorriso – Era
esse mesmo o nome dela! Layla! Mas depois nós nos
perdemos. E eu fiquei desesperada perambulando por
esse castelo. Quase fui pega. Vocês também estão
fugindo deste castelo?
– Na verdade acabamos de entrar! – respondi
com um sorriso constrangido.
– Ótimo! – ela sorriu e depois balançou a
cabeça com se tivesse acabado de acordar – Vocês
estão entrando? Ficaram loucos?

– Não sei. Talvez. – tentei não parecer nervosa
– Vamos resgatar a irmã de Nicardo.
– E desde quando o Nicardo tem irmã? –
Camila perguntou surpresa – Por falar nele... O que
aconteceu com a sua pele Nicardo?

– É uma longa historia! – respondi.
– Você talvez deva conhecer-la. – Nicardo se
aproximou – O nome dela é Nínive. Ela será a primeira
esposa.
– Ela que é a sua irmã? – Camila gritou.
– Acho melhor irmos para um lugar mais
seguro! – Tales fitava Camila, repreensivo. Só então
notei que estávamos no meio de um corredor e que
estávamos com muita sorte de ainda não termos sido
descobertos.
Seguimos por alguns corredores até chegar a
uma sala vazia. Fechamos a porta e Nicardo
imediatamente voltou ao assunto que Tales havia
interrompido antes de sairmos do meio do corredor.

– Você a conhece? – Nicardo perguntou
ansioso.
– Quem? – Camila provavelmente já havia
esquecido o que estávamos conversando.
– A Nínive, minha irmã. – Nicardo estava
ficando impaciente – Você a conhece?
– Ah! – Camila sorria vermelha – Eu conheço
sim. A noiva que não quis fugir.

– Como assim "não quis fugir"? – Nicardo ficou
assustado.
– Ela havia dito "Podem ir, eu ajudo, mas me
deixem ser a única esposa do Bianor" – Camila tentava
imitar a voz de Nínive. Como nunca havia ouvido, não
posso dizer se ela foi bem na imitação – Depois ela
ainda disse assim "Eu amo o Bianor, vocês não. Eu fui
escolhida primeiro."
– Tem certeza que ela disse isso? – Nicardo
perguntou cético.
– Absoluta! – Camila fazia bico – Eu estava
perto.
– Impossível! – Nicardo continuava sem querer
acreditar – Não. Isso não é verdade. Eu contei a ela que
era Bianor, contei o que ele havia feito com a nossa
mãe quando descobriu o que ele estava armando. –
Nicardo respirou fundo – A Nínive nunca diria que ama
uma pessoa como Bianor.
– Mas foi o que ela disse! E ela parecia
realmente apaixonada. Se ele fez algo de ruim para
vocês, ela não está dano a mínima! – Camila nunca teve
um senso de quando deve parar de falar.
– Leve-me até ela! – Nicardo agora estava
ordenando – Eu preciso ouvir isso da boca dela!
– Por que, da minha não serve? – Camila fez
biquinho de novo.
– Camila, isso é sério! – Nicardo fitou Camila
repreensivo.

– Sem graça! – Camila bufou. – Tudo bem, se
você quer assim.
– Obrigado. – Nicardo disse híspido.
– Mas já vou logo avisando que será inútil! – ela
ficou seria – Nossa, eu nem perguntei.
– O que? – eu perguntei confusa.
– Esses são mesmo seus amigos? – Camila
chegou mais perto de mim – Podemos confiar neles?
– Sem dúvida! – respondi.
– Mas e se formos pegos? – Camila deu dois
passos para trás e colocou a mão na cintura.
– Você já viu um Leon? – perguntei.
– Aqueles monstros gordinhos e horrendos? –
Camila fazia cara de nojo – Infelizmente sim. Foram
eles que me tiraram da sala do tal homem que quer ser
meu marido. Eu ainda sou uma criança!

– Camila, você vai fazer 19 anos. – lembrei –
Não pode mais ser considerada uma "criança".

– Que seja. – ela bufou e algo nesse gesto fez
minha cabeça doer – De qualquer forma eu não penso
em casar antes dos 30.
– Por que estamos conversando sobre isso? –
Nicardo ficou nervoso – Nós vamos ou não resgatar
minha irmã?

– Calma! – Camila falou alto – Muita calma.
Vocês ainda não me deram garantia sobre a minha
segurança.

– Era sobre isso a pergunta dos Leons! –
lembrei do real motivo de ter começado o assunto – O
Nicardo e essa minha amiga aqui, a Thalassa...

– Olá Thalassa! – Camila cumprimentou a
Thalassa.
– Continuando – disse em um tom de voz mais
alto – Nicardo e Thalassa derrotaram dois Leons. E o
Tales.
– Oi Tales! – ela não aprendia.
– O Tales também é muito forte e pode
enfrentar os Leons, casos eles apareçam. – presumi.
– Mas é bem provável que apareça guardas! –
Camila sorriu – O pouco que vivi com meu futuro atual
ex-noivo já deu para observar que ele só envia Leons
para os casos pesados.

– Ótimo! – Nicardo pareceu aliviado – Guardas
todos nós damos conta. Agora vamos?
– Para onde? – Camila perguntava
inocentemente.
– Resgatar minha irmã! – Nicardo estava
perdendo a paciência.
– Ah claro! – ela sorriu – Vamos?
Camila nos levou para outro corredor e
empurrou uma parede. Ela havia dito que foi a própria
Nínive quem mostrou algumas das passagens secretas
do castelo. Ela havia aprendido as passagens sozinha,
mas disse que nunca tentou fugir. Nicardo continuava


cético quanto ao assunto da irmã dele estar
apaixonada por Bianor.

O corredor que levava uma passagem a outra
era estreito e tinha cheiro de mofo. Havia tochas
acesas e a passagem parecia um pouco úmida. Era
como se já houvesse passado uma grande quantidade
de água por ali e os corredores ainda sofressem com
isso. Não pude evitar me sentir mais forte. Qualquer
contado com a água ou fogo trazia isso para mim. Os
dois juntos era quase como se uma energia nascesse
em mim e fortalecesse meu corpo. Se fosse antes eu
estranharia, mas desde que cheguei – ao melhor, voltei

– a esse mundo que não acho mais nada estranho.
– Muito bem, por onde eu deveria ir mesmo? –
Camila coçava o cabelo.

– Não vai me dizer que você se perdeu? –
Nicardo ficou nervoso.

– Não! – ela falou alto – Eu só não tenho
certeza absoluta. Esses corredores às vezes me
confundem!
– Ah não Camila. – Nicardo encostou a palma
da mão na testa – Estamos perdidos!
– Espera e me dá um tempo! – Camila olhava
pelos possíveis caminhos.
Estávamos parados entre três possíveis
corredores. O da direita parecia ir subindo –
provavelmente indo para o andar de cima. O do meio
seguia reto, mas tinha a impressão que não levaria a


lugar algum. O da esquerda descia e parecia mais
escuro que os outros corredores.

– Eu voto pelo da direita! – eu disse.
– Então vamos! – Nicardo seguiu pelo corredor
da direita.
– Espere, não vai ouvir os outros? – perguntei.
– Eu já te ouvi e isso basta. – Nicardo parou na
entrada do corredor – Ou esqueceu que você é quase
uma adivinha?
Seguimos todos pelo corredor da direita. Não
discuti com Nicardo sobre o fato de eu possivelmente
ser uma adivinha ou qualquer coisa parecida. Se ele
disse "esqueceu que você é" significa que eu sou. Será
que eu realmente tive uma amnésia parcial? A cada
momento que passa eu me sinto mais e mais distante
de mim mesma. Como se o que eu sou não fosse eu de
verdade.

Chegamos a uma saída. Um bloco de madeira
que estava escondido por uma armadura. Saímos em
um corredor longo, porém com poucas portas – se
eram os quartos, eram quartos realmente grandes.

– É aqui! – Camila gritou.
– Sim, será aqui que seremos executados se
você ficar gritando! – Nicardo estava nervoso de
verdade.
– Agora fica mais fácil achar o quarto! – Camila
cochichou – Vamos.

Passamos por algumas portas e chegamos a
uma grande porta com detalhes dourados e pequenos
diamantes com pequenas inscrições que eu não
conseguia ler.

– Aqui diz "O quarto da primeira" – Nicardo já
foi abrindo a maçaneta.
– Espere! – eu disse baixinho – E se Bianor
estiver com ela?
– Não. – Camila fez um gesto de desdém com a
mão – Ele não é um noivo muito atencioso. No máximo
ela estará com alguns serviçais.
– O que também seria ruim. – Tales falou tão
baixo que quase não ouvi.
– Quer saber, acho melhor eu entrar sozinho. –
Nicardo encerrou o assunto.
Nicardo entrou, enquanto nos escondíamos –
ou tentávamos. Não poderíamos ficar no corredor por
muito tempo. Entramos em um dos quartos que Camila
disse estar vazio. Por muita sorte eles realmente
estavam.

– Mas eu quero saber o que eles vão falar! –
Camila cochichou assim que Nicardo entrou.

– Beatriz, estenda as mãos. – Thalassa pediu.
– Assim? – perguntei – Mas por...
– Diga Ariequo! – não estava entendendo onde
Thalassa queria chegar.
– Ariequo! – repeti.
De repente pareceu que pequenas ondas de ar
entravam por minhas mãos e palavras apareciam em


minha mente e minha boca começou a repetir-las, sem
que eu quisesse.

– O que você fez? – estava conseguindo me
controlar.
– Magia da fofoca! – ela riu – Agora repita o
que você escutar por favor.
– Você não deveria estar aqui! – uma voz de
mulher saia no lugar da minha.
– Eu posso te ajudar a fugir! – agora era a voz
de Nicardo. Isso era muito estranho.
– Mas será que não entendeu, eu não quero
fugir! – a voz que deveria ser de Nínive.
– Eu não acredito que você... Depois que tudo o
que aquele monstro fez para nós, com a nossa mãe. –
Nicardo estava arrasado.
– Não foi ele! – Nínive alterou a voz – Bianor
não é esse monstro que vocês falam.
– Então por que ele está destruindo tudo? –
Nicardo estava nervoso – Você viu o que ele fez com
Leander. Não acredito que você aceitou o que ele fez
com a terra onde nós nascemos. Só falta me dizer que
não foi culpa dele.

– E não foi! – Nínive começava a ficar nervosa.
– Como você pode ser tão tola? – estava
começando a sentir a raiva de Nicardo – Deixou se
levar por um homem como aquele.
– Mas ele me ama. Ele vai me fazer rainha,
assim que o mundo de Ofir for reconstruído. – Nínive
parecia não estar falando por si

– Com certeza ele te ama. Ele te ama muito! –
Nicardo falava em um tom debochado.

– Eu cansei de você estar sempre querendo
dizer o que eu devo fazer! – ela gritou – Eu não sou
mais aquela menininha que você e a mamãe
controlavam.
– E você acha bonito o que você está fazendo?
– Nicardo estava ficando muito nervoso.
– Melhor do que ser um fugitivo! – ela gritou
mais alto.
– Melhor ser um fugitivo que defende o que
está certo, do que ser uma vendida que só quer saber
de status. – Nicardo também gritava.
– Eu não me vendi! – os gritos de Nínive já
podiam ser ouvidos do quarto ao lado.
– Então o que é isso que você está fazendo? –
Nicardo perguntou novamente debochado.
– Ouviu isso? – uma terceira voz apareceu. –
Parece vir do quarto da primeira.

– O que é isso? – Camila se assustou – Agora
que a coisa estava pegando fogo.
– Acho que estão subindo. – Tales falou aflito.
– Quem? – Camila perguntou.
– Os guardas! – Tales respondeu correndo para
a porta.
Thalassa chegou perto de mim e fez um gesto
estranho com a mão, como se abrisse um zíper. Depois
disso voltei ao meu normal – o que me fez ficar muito
aliviada.


– Vamos! – Thalassa me puxou – Temos que
avisar o Nicardo.
Corremos até o quarto de Nínive. Nem
batemos na porta. Abrimos e fomos entrando
desesperadamente. Não havia temo para formalidades.

– Quem são vocês? – Nínive falava autoritária.
– São meus amigos! – Nicardo ainda estava
zangado.
– E estaremos mortos se não sairmos daqui
agora! – Tales disse aflito.
– Estão vindo para cá? – Nicardo já sabia do
que estávamos falando. – Mas como conseguiram
escapar?
– Na verdade eles estão para chegar a qualquer
momento! – Tales cochichou – Magia da fofoca.
– Vocês estavam ouvindo a nossa conversa? –
Nínive estava furiosa.

– Espere! – Nicardo se acalmou – Quem
executou a magia?
– Foi a Beatriz! – Thalassa respondeu.
Nicardo me olhou confuso e ao mesmo tempo
admirado. Não estava entendendo o motivo de ele
estar me olhando daquela maneira, mas estava
preocupada demais com os guardas que estavam
chegando ao quarto.

– Será que podemos tentar fugir agora? – Tales
tirou as palavras da minha boca.

– Acho melhor passarem por aqui! – Nínive,
que estava sentada na cama, levantou-se e abriu a
porta de um armário.
– Ela está achando que temos cara de amante?
– Tales deixou escapar.
Nínive olhou com fúria para Tales e fez um
gesto com a mão. O fundo do armário se abriu,
revelando uma passagem secreta.

– Quem te ensinou magia deste nível? –
Nicardo estava surpreso.

– Eu tenho aprendido muitas coisas desde que
fiquei noiva de Bianor. – Nínive respondeu híspida –
Vocês podem seguir reto, não há outros caminhos
nessa passagem. Quando chegarem a uma porta,
desejem o lugar onde querem sair e depois abram.
– Como assim "desejem"? – perguntei.
– Isso é uma passagem mágica, não reparou? –
Nínive levantou uma das sobrancelhas – Se por acaso
eu tiver que lutar contra você, saiba que eu não serei
tão boazinha assim. E não me leve a mal, não é nada
pessoal. Estou apenas defendendo o que acho certo.

– Se é essa a sua escolha – Nicardo estava serio
– só lamento!
A ameaça – se é que aquilo foi uma ameaça –
não me assustou tanto quanto a cara de ódio que
Nicardo fez quando disse a última frase da conversa
com a irmã. Ele realmente parecia estar odiando-a e se
odiando também. Entramos dentro do armário.


O corredor era todo feito de pedras brancas e
pareciam pedras de praia. O chão era de terra, mas se
olhasse rápido poderíamos notar que ele parecia
mudar de forma. Era como se cada vez que nos
distraiamos ele se transformava em outra coisa, e
quando voltávamos a prestar atenção nele, ele voltava
a ser o chão de terra de sempre.

O corredor era longo e parecia não ter fim. Não
sei dizer quanto tempo nós andamos por aquele
corredor, mas sabia que havia passado mais tempo do
que devêramos passar. Só então lembrei.

– Cosmo e Levinda! – gritei do nada.
– O que foi Beatriz? – Nicardo perguntou.
– Não sei. De repente eu me lembrei deles. –
disse pondo a mão no peito – Agora estou sentindo
algo ruim. Como um pressentimento.

– Não estou gostando desta história! – Tales
reclamou. – Cadê aquele troço comunicador que o
Cosmo te deu Thalassa?
– Ele entregou para o Nicardo, não para mim! –
Thalassa também parecia preocupada.

– Espere, ele está aqui! – Nicardo disse se
apalpando.
Nicardo puxou um pequeno saco que estava
amarrado na cintura. Só então reparei naquilo. Nicardo
pegou o comunicador e ficou observando.

– Como será que funciona?
– Talvez neste botão. – Tales pegou o
comunicador da mão d Nicardo.

– Poderia pelo menos ter pedido para ver! –
Nicardo se chateou.

– Desculpe! – Tales não parecia arrependido.
Ele apertou o botão, mas aparentemente nada
aconteceu. Ele ficou esperando e esperando e nada
acontecia. Ele nem sequer chiava.

– Talvez você deva falar alguma coisa? –
sugeriu Thalassa.

– Alô, alô? – Tales tentou – Tem alguém ai?
O silêncio continuou e isso já estava
começando a nos preocupar. Será que algo de ruim
havia acontecido com Cosmo e Levinda?

– Você deve ter quebrado o aparelho! –
Thalassa ficou nervosa.

– Eu não fiz nada! – Tales também se estressou
– Eu só apertei esse botão.
– Que provavelmente não era para ser
apertado! – Thalassa brigava com Tales.
– Acho que precisamos correr. – Nicardo
interrompeu a briga – Esse pressentimento da Beatriz
me deixou preocupado.
– Então vamos logo! – Tales falou – Não quero
perder mais ninguém.
– Espere! – fiquei apavorada – Cadê a Camila?

CAPÍTULO 8 / PRESOS, DESAPARECIDOS E UM SONHO
CONFUSO


E
E
stava me sentindo muito culpada por ter esquecido
Camila. Tentava lembrar em que momento nos
perdemos ou como isso aconteceu. Ela estava tão feliz

em me ver e acabei deixando-a sozinha outra vez. Que
ótima melhor amiga que eu sou.

– Vamos fazer o seguinte? – Nicardo sugeriu
um plano – Eu e a Beatriz voltamos e procuramos a
Camila e você e o Tales vão atrás do Cosmo e da
Levinda. Espero estar errado, mas acho que eles estão
em apuros!
– Você tem certeza? – Thalassa perguntou.
– Voltarmos todos juntos seria muito arriscado.
– Nicardo parecia não gostar da idéia – Podemos ser
todos pegos. Se alguma coisa acontecer com Cosmo e
Levinda enquanto estivermos procurando Camila?
Acho que nenhum de nós iria se perdoar. E melhor nos
dividirmos.
– Mas e se tudo tiver bem com Cosmo e
Levinda? – Tales pergunto.
– Espero que seja essa a situação! – Nicardo
estava preocupado – Se estiver tudo bem com os dois,
nós espere no submarino. A menos que algo de maior
urgência aconteça.
– Como assim? – Tales ficou confuso.

– Se precisarem fugir! – Nicardo parecia não
estar gostando de dizer isso – Caso precisem fugir, não
hesitem e nem nós espere!
– Tem certeza mesmo? – Thalassa perguntou.
– Sim. – Nicardo respondeu serio.
– Então boa sorte! – Thalassa sorriu.
– Obrigado. – Nicardo tentou sorrir – Boa sorte
para vocês também.
Seguimos de volta pelo corredor. Não sei se era
impressão minha, mas ele parecia mais longo desta
vez. Como se tivessem o esticado uns oito metros
enquanto estávamos conversando. Aparentemente o
corredor também mudou. As pedras não pareciam mais
tão brancas e o chão agora era de cimento. Isso estava
me deixando assustado.

– Tem certeza que estamos seguindo pelo
corredor certo? – perguntei.
– É o único corredor. – Nicardo tentou sorrir
novamente – Eu realmente espero que seja o certo.
Mas qual o motivo da pergunta?
– Não sei. – fui sincera – Parece que não é o
mesmo corredor que passamos.
– Talvez o fato de ser mágico esteja
influenciando em sua aparência? – Nicardo sugeriu.
– De qualquer forma...
– Vamos tentar não pensar nisso. – Nicardo
tentou tranquilizar-me.

Continuamos andando por outro longo tempo.
A impressão de ser outro corredor, muito maior e mais
sujo do que o primeiro, continuou em minha cabeça.
Talvez o que Nicardo havia dito pudesse ser verdade.
Talvez fosse realmente isso. Mas estava pensando que
não era apenas isso. Esse corredor estava prestes a nos
meter em uma grande encrenca.

– Aqui é o fim? – Nicardo se perguntou quando
viu um pedaço grande de madeira no meio do
corredor.
– Acho que sim. – respondi.
– Mas onde que abre? – Nicardo perguntou
levantando uma das sobrancelhas.
– Talvez precise empurrar? – sugeri.
Entrei na frente de Nicardo e deu um
empurram leve no grande pedaço de madeira. Ele caiu
no chão, mas nada aconteceu.

– Ótimo! – virei os olhos – Acho que havia uma
porta no meio do caminho.
– Espere! – Nicardo passou na minha frente –
Olhe!
No lugar do pedaço de madeira que se parecia
com uma porta, uma pequena bola começou a se abrir.
Ela foi crescendo e virou um buraco negro.

– Será um portal? – perguntei.
– Você quer se arriscar? – ele olhou para mim
um pouco temeroso.
– Será que é perigoso? – também estava com
um pouco de medo.

Neste momento Nicardo se encheu de coragem
e colocou a cabeça para dentro do portal. Quase fechei
os olhos temendo que metade do corpo dele tivesse
sido levado ou que ele voltasse metade jacaré ou
metade macaco ou qualquer outro bicho. Mas não foi
isso que aconteceu.

– É um portal para o castelo! – Nicardo gritou
com a cabeça ainda dentro do portal.
– O que Camila está? – perguntei.
– Sim! – Nicardo tirou a cabeça do portal.
Aparentemente estava tudo normal com ele – É o
castelo de Calidora!
– Se não tem perigo... acho que é ai mesmo
que queremos ir! – tentei sorrir.
– Então vamos? – Nicardo segurou minha mão.
– Vamos! – respondi.
Saímos no corredor do castelo. Assim que o
portal se fechou tratei de conferir se estava inteira.
Não parecia ter nada faltando. Mais minha felicidade
de estar inteira foi destruída assim que viramos.

– Intrusos!
Fomos cercados por vários guardas. A menos
que outro portal se abrisse embaixo dos nossos pés,
não havia para onde fugir. Esperei por algum sinal de
Nicardo, mas ele parecia tão sem ação quanto eu.
Desta vez não tinha escapatória.

Algemaram-nos e ainda amarraram nossos
braços, de modo que ficava um pouco complicado de


se locomover. Principalmente para Nicardo que estava
andando de costas.

– Para onde estão nos levando? – gritei – Falem
alguma coisa!
Sabia que era inútil, mas achei que poderia ter
alguma idéia no meio do desespero. Não falam que é
sobre pressão que saem as grandes obras?

Levaram-nos para as masmorras do castelo.
Elas não tinham nada de especial. Era como toda boa
masmorra deve ser: suja, úmida e fedida. As paredes
eram feitas de um tijolo marrom claro estranho e as
grades eram barras pretas de algo bem resistente, mas
que nem de longe lembrava o ferro. Ou metal. Ou
chumbo. Ou qualquer outra coisa que as grades
costumam serem feitas.

As celas estavam todas lotadas. Havia tudo o
que é tipo de gente lá. Desde humanos normais até
seres com aparências duvidosas. Não sabia por onde
começar a tentar contar quantos presos havia em cada
cela. Eram muitos e a maioria não pareciam ruins –
exceto pelos de aparência duvidosa, afinal, se eles são
duvidosos...

– O que faremos agora? – perguntei.
– Não sei. – já esperava essa resposta.
Para nossa sorte, fomos jogados em uma cela
quase vazia. Havia um senhor de meia idade e uma
jovem com orelhas, rabo e garras de gata.
Provavelmente seria a próxima cela a ser lotada.


Assim que os guardas saíram, as pessoas na
cela resolveram fazer contato e se aproximaram de nós
dois. A principio não falaram nada, apenas ficaram
olhando estranhamente. Depois de examinarem, eles
resolveram se comunicar.

– Estão aqui por quê? – o senhor de meia idade
tinha uma voz calma e pacifica.
– Bem, não sabemos exatamente. – respondi
constrangida.
– Então sejam bem vindos ao clube! – a jovem
parecia um pouco amargurada.
– Como assim "bem vindos ao clube"? –
Nicardo perguntou.

– Podemos dizer que todos nós aqui não
sabemos ao certo o motivo de estarmos presos. – o
senhor mantinha a voz calma – Todos nós, em algum
momento, fizemos algo que não agradou aos caprichos
do novo rei e acabamos presos, sem direito de tirarmos
satisfação.
– Serio? – me assustei.
– Esse Bianor é um porco! – a jovem quase
cuspiu – Não, isso é uma ofensa aos porcos. Bianor é
pior que as piores coisas que existe. Não tem como
comprar qualquer coisa sem que ofenda a honra destes
lixos e porcarias que existem.
– Mas vocês foram presos sem mais nem
menos? – estava intrigada.
– Podemos dizer que sim! – o senhor estava
triste.

– Bianor nos pegou da pior forma que poderia.
– a moça novamente falava com nojo – Estávamos
todos quietos, vivendo nossas vidas e fazendo o bem.
Então apareceram os guardas dele e disse que o que
estávamos fazendo era um crime e que deveríamos
pagar por isso.
– E o que vocês estavam fazendo? – perguntei.
– Apenas ajudando as pessoas que estavam
sofrendo com as batalhas que estavam acontecendo. –
o senhor respondeu.
– Este foi o motivo? – perguntei indignada.
– Acreditamos que sim. – o senhor mantinha o
tom calmo.
– Bianor tem sido muito impiedoso. – uma
terceira pessoa saia de um canto escuro da cela – E
nenhum de nós podemos fazer nada.
A terceira pessoa era um jovem de cabelos
loiros e olhos verdes. Ele vestia uma armadura
dourada, mas que parecia muito velha e usava um
brinco de prata na orelha esquerda.

Diferente dos outro, esse jovem não parecia
tão desgastado e sujo. Tinha portes que lembravam um
príncipe, mas tinha um ar de aventureiro. Seu olhar era
forte e parecia ter visto varias coisas, das melhores até
as piores. Suas expressões eram sérias e tristes, mas
parecia querer disfarçar em uma falsa força.

Passos fizeram as conversas cessarem.


Dois guardas chegaram até nossa cela. Não
conseguíamos ver mais que os olhos e esses olhos não
pareciam ter emoções nenhuma. Era estranho olhar
para alguém com aquele olhar. Era como se estivessem
em um tipo de transe ou então fossem máquinas.

– Vocês dois! – um dos guardas disse.
– Eu e ele? – perguntei.
– Não! – o guarda respondeu grosseiro – O
velho e a gata.
– Para onde vocês serão levados? – perguntei
assustada.
– Sem perguntas! – o guarda gritou – E vocês
dois, calados!
Assim que os guardas saíram, as conversas
voltaram quase que no mesmo ponto onde parou.
Fiquei preocupada com o destino dos dois. Não sabia
quem eram, mas não suportaria saber que poderiam
ser castigados por ajudarem os outros.

– O que vai acontecer com os dois? –
perguntei.

– Ninguém sabe. – o jovem loiro respondeu –
Podem ser condenados a coisas simples e
relativamente boas como se tornar escravo de Bianor
ou ser transformado em uma criatura errante. Mas
pode ser que sejam mortos ou transformados em
comida de dragão, o que não seria muito bom.

– Comida de dragão? – quase não consegui
repetir.

– De qualquer forma, depois de capturado, é
melhor não sair daqui. – ele deu um sorriso cínico. –
Agora, se me dão licença, eu irei dormir.
– Mas dormir aonde? – perguntei. O jovem
apenas olhou para o chão.
– No chão? – me assustei – Nós também?
– A menos que tenha aprendido a dormir de
pé...
A arrogância deste jovem me lembrava alguém,
mas não me lembro quem. Esse jeito cheio de
autoridade e com piadas sem graça era muito parecido
com alguém. Será que era a pessoa que eu estava
proibida de lembrar? O tal Alexis?

– O que faremos agora Nicardo? – estava
desesperada.
– Ainda estou pensando. Tenha calma! – ele
respondeu.
– Calma, calma, calma. – comecei a andar de
um lado para o outro – Tudo o que eu ouço são
pessoas me pedindo para ter calma.
– Será mesmo? – ele perguntou.
– Alô? – uma voz surgiu do nada – Alguém está
me ouvindo?
– O que é isso? – Nicardo perguntou.
– Nicardo? Você está bem? – a voz perguntava.
– Parece que está saindo da sua bolsa! – eu
disse chegando mais perto do saco de pano que ele
tinha amarrado na cintura.

– O comunicador! – Nicardo lembrou-se na
mesma hora.
– Olá? Está me ouvindo? – a voz parecia da
Thalassa.
– O que eu faço? – Nicardo perguntou.
– Sei lá. – fui sincera – Responda!
– Olá? – ele respondeu com uma pergunta.
– Nicardo? – era a voz de Thalassa – Está me
ouvindo?
– Estou! – Nicardo respondeu.
– Não encontramos nenhum sinal de Cosmo ou
Levinda. – sua voz parecia preocupada. – E vocês?
– Também não tivemos nenhum sinal de
Camila, mas fomos presos! – Nicardo respondeu.
– O que? – Thalassa se assusto – Mas como?
– Bem, digamos que voltamos em uma hora
errada e dois guardas estavam bem na nossa frente
quando saímos da passagem. – Nicardo tentava ser
sarcástico. Não estava conseguindo.
– Tudo bem, nós vamos resgatar vocês! –
Thalassa estava mais preocupada.

– Não! – Nicardo quase gritou – É muito
arriscado. Vocês precisam encontrar Cosmo e Levinda.
– Tem certeza? – Thalassa perguntou.
– Absoluta! – Nicardo tentava parecer seguro.
– Tales conhece um lugar seguro aqui em
Calidora. – Thalassa também tentou parecer segura –
Vamos até lá ver se conseguimos algumas informações.
– Tomem cuidado! – Nicardo sorriu.

– Tomaremos! – Thalassa pareceu não estar tão
certa disso.
– Agora é melhor você desligar, acho que ouvi
alguém! – me intrometi na conversa.
Não estava errada.

Dois guardas entraram com tochas e foram
apagando todas as lamparinas acesas. Não demorou
muito até apagarem as da frente da nossa cela. A
escuridão só não foi total por causa das tochas que os
dois guardas carregavam, mas assim que se foram tudo
ficou um breu.

A escuridão não me assustava tanto a um bom
tempo. Foi algo estranho sentir medo novamente do
escuro. Mas acredito que ninguém me culparia,
principalmente se estivesse em meu lugar. Aquele
mundo estranho, com seres estranhos e aonde desde
que cheguei vivo com uma corda amarrada a garganta,
apenas esperando alguém chutar o banco. Estranho
seria não estar com medo de tudo.

Deitei nas pernas de Nicardo. Apesar da
aparência dele estar um pouco mais rude, sua pele
continua macia e quente como sempre. Sentia-me até
mal de dormir na perna dele enquanto ele dormia no
chão duro.

O sonho que tive foi um tanto... confuso. Talvez
"confuso" não seja a melhor palavra, mas é a melhor
que encontrei.


Estava em um bosque. A sensação de já ter
andado por aquele lugar me deixou um pouco enjoada.
Minha cabeça parecia estar rodando e rodando e eu
não sabia o motivo. Quanto mais eu andava, mas eu
ficava tonta até que algo me fez parar.

– Olá? – uma voz vinda do nada.
– Oi? – tentava achar a voz.
– Aqui em cima! – a voz tentava se sinalizar –
Na árvore.
Busquei em todas as árvores, até que achei um
rapaz sentado no alto de uma das árvores à direita. Ele
vestia uma calça marrom e usava uma camisa branca
coberta por um tipo de manto verde, fazendo lembrar
uma túnica. Não conseguia ver o seu rosto, mas senti
algo muito forte quando o vi. Algo que jamais havia
sentido antes.

– Não acredita a saudades que estou de você! –
ele parecia estar rindo.

– Nós nos conhecemos? – perguntei.
– Muito! – novamente ele pareceu rir – Talvez
muito mais do que possa lembrar.
– Então mostre o seu rosto! – sugeri.
– Não adiantaria. – um tom de tristeza tomou
sua voz – Eu estou muito diferente de quando nos
conhecemos.
– Mas faça a experiência! – tentei convencer-lo.
– Melhor não! – ele ainda estava triste.
– Ótimo. – bufei – Mas Pode me dizer o nome?

– Não! – ele respondeu rápido.
– Mas por quê? – meu pescoço começava a
doer.
– Não me lembro do meu nome. – ele voltou a
ficar triste – Engraçado. Lembro muito pouco de mim,
mas lembro de tudo o que vivi com você. Apesar de
não lembrar minhas motivações para eu fazer tudo o
que me lembro que fiz com você.
– Acho que estamos passando por problemas
parecidos. – sorri.
– Onde você está? – ele perguntou.
– Bem, acho que isso é um bosque? – respondi.
– Não! – ele gargalhou – Aqui é onde eu estou.
Quero saber onde você está!
– Não estou entendendo. – fui sincera.
– Você está em uma dimensão paralela. – ele
se deitou um tronco acima do que estava – Está é a
dimensão dos sonhos. Desde que senti sua presença
chegando a Ofir que venho tentando entrar nos seus
sonhos.
– Sonhos? – estranhei.
– Cada pessoa tem uma dimensão paralela
única. – ele explicou – Por isso nossos sonhos nunca
são os mesmos que o dos outros. Mas quando uma
pessoa tem uma ligação muito forte com outra, essas
dimensões podem se cruzar. Isso acontece muito com
gêmeos. No meu caso, você é a única ligação forte que
tenho com o meu passado. Por isso consegui "invadir"

seus sonhos. Agora se concentre e veja onde o seu
corpo está.

Tentei fazer o que ele pediu. A principio
pareceu inútil, mas depois algo começou a acontecer.
Era como se eu conseguisse ver através do chão.
Abaixo de mim estava eu mesma, deitava nas pernas
de Nicardo.

– Pareço estar em uma masmorra. – comecei a
lembrar – Sim! Eu estou em uma masmorra. Eu fui
presa. Eu e o Nicardo fomos...
– Nicardo? – ele quase caiu da árvore. – Você
diz Nicardo de Leander?
– Parece que sim. – sorri – Você deve conhecerlo.
Ele é uma pessoa adorável.
– Não sei não. – a voz dele tomou um tom
familiar – Sinto que não posso cofiar nesse Nicardo.
Não gosto dele.
– Mas você pelo menos se lembra dele? –
perguntei.

– Até você dizer o nome não. – ele estava um
pouco zangado – Mas agora já começo a ligar o nome à
pessoa.
– Mas qual o motivo desta implicância com ele?
– me aborreci. – Honestamente, não sei por que tentei
conversar com você. Não adiantou de nada. Continuo
sem lembrar quem sou e ainda estou com tempo livre
para odiar esse Nicardo.
– Você é estranho! – soltei.
– Por quê? – ele gritou.

– Algo em você mexe muito comigo. Isso é
muito estranho! – respondi.
– Quer saber, eu... Vem vindo alguém!
Aos poucos o minha consciência voltava para o
meu corpo. Não sabia se ela realmente havia saído de
lá, mas era essa a sensação que tinha. Comecei a ouvir
respirações, conversas e roncos. Estava de volta. De
repente um barulho veio de nossa cela. Fiquei quieta.
Alguns passos se aproximavam de mim e então senti
um sacolejo.

– Acordem! – a voz quase sussurrava.
A escuridão não me deixava ver nada, mas
assim que meus olhos se acostumaram com o escuro
comecei a identificar formas.

– Nínive? – Nicardo também sussurrava.
– Sim, sou eu! – apenas a voz dela estava na
cela.
– Você está invisível? – Nicardo perguntou.
– Sim, estou invisível. – ela respondeu
sussurrando.
– O que está fazendo aqui? – Nicardo
perguntou.
– Ajudando vocês a fugirem! – o rosto dela
apareceu – Agora quer parar de fazer perguntas?

CAPÍTULO 9 / PASSANDO O RESTO DA NOITE EM UM
SUBMARINO


V
V
er o rosto de Nínive surgir do nada no meio da
escuridão foi realmente assustador. Não que ela fosse

feia, pelo contrario, mas ver um rosto flutuante não é
algo muito acolhedor.

– Então? Vão querer minha ajuda? – ela
perguntou.
– O que está acontecendo aqui? – o jovem
acordou.
– Espere! De onde ele saiu? – Nínive se
assustou – Achei que tinha ordenado para que os
guardas deixassem apenas vocês dois? Quanta
incompetência!
– Mas o que você está fazendo aqui? – o rapaz
cochichou quando viu que alguns olhares começaram a
se voltar para nossa cela.
– Quem você pensa que é para falar comigo
desta forma? – Nínive se zangou, mas continuou
cochichando.
– Alguém muito mais digno que você! – essa foi
um soco no estômago. Ponto para o jovem loiro.
– Mas você é muito petulante! – Nínive quase
gritou – Eu nem deveria ajudar você a fugir!
– E quem disse que eu quero sua ajuda? – o
jovem loiro também quase gritou.
Essa cena me trousse algumas lembranças. Era
estranho, mas essa cena me parecia bastante familiar.


Era como se eu estivesse revivendo uma fase da minha
vida. Como se estivessem fazendo um remake, onde eu
era interpretada pela Nínive, mas quem era o jovem
loiro na minha vida? Seria o Alexis? A pessoa que não
tenho nada além do nome como lembrança?

– Vamos parar de chamar atenção? – Nicardo
sussurrou.
– Nicardo? – disse enquanto acordava de
minhas memórias perdidas – Eu preciso dizer algo para
você, mas não me lembro o que era.
– Tudo bem Beatriz, depois que você lembrar
você conta. – Nicardo sorriu – Agora faça logo o que
você veio fazer Nínive!
– Realmente e melhor nos apressarmos! – ela
fez o resto do corpo ficar visível – Ainda tenho que
fazer um buraco nesta cela.
– Buraco? – estranhei.
– Obvio! – ela sorriu – Ninguém pode saber que
os ajudei a fugir. Seria péssimo para mim como esposa
de Bianor, ajudar os inimigos.
– Só mostraria que você tem algum caráter e
um pouco de coração! – Nicardo continuava magoado
com a irmã.
– Pode deixar que não irei contar nada a Bianor
de que os prisioneiros fugitivos eram vocês! – ela sorriu
– Aqueles inúteis não notaram que vocês eram um dos
primeiros na lista de procurados por Bianor.

– Agora era só o que me faltava! – Nicardo
falou um pouco alto, mas depois voltou a cochichar –
Era só o que faltava! Você entregar o próprio irmão!
– Nínive? – segurei nas mãos dela – Eu não te
conheço, não sei quais são suas intenções e nem
pretendo julgar-la quanto a isso. Não sei o que te fez
ficar do lado de Bianor, mas eu gostaria de pedir para
que cuida da Camila para mim. Não deixe que ela se
case!
– Mas farei isso com muito prazer! – ela sorriu
– Não desejo mau a nenhuma das escolhidas de Bianor,
apenas quero que elas sumam da vida dele. Eu quero
ser a única!
– Obrigada! – sorri agradecida.
Nínive encostou a não na parede e um grande
buraco apareceu. Era parecido com um portal mágico
ou um buraco negro. A principio temi entrar ali dentro,
mas talvez fosse nossa única saída.

– Não tem outra forma de fugirmos? –
perguntei.

– Sem que sejam vistos não. – Nínive
respondeu – As entradas e saídas das masmorras são
monitoradas por vários guardas a noite. Consegui
entrar por que estava invisível. Apenas Bianor tem
permissão de entrar livremente nas masmorras a hora
que quiser.
– Então será isso? – Nicardo disse mais
conformado – Você irá ficar mesmo?

– Eu já fiz minha escolha! – ela respondeu –
Não há nada que possa fazer para mudá-la.

– E ele? – perguntei apontando para o jovem
loiro.
– Podem me deixar aqui! – ele respondeu
híspido.
– Deixe de ser tolo! – Nínive brigo com ele.
– Não me chame de tolo! – o jovem quase
gritou.
– Se não fugir com eles será morto! – Nínive se
alterou.
– Está me ameaçando? – o jovem se levantou.
– Não! – Nínive se acalmou – Estou te
alertando. Se você ficar vai acabar levando a culpa e
sendo morto. Não desperdice essa oportunidade.
– Prefiro morrer a aceitar sua ajuda! – o jovem
era corajoso.
– Você é quem sabe! – Nínive bufou e parou
por alguns segundos. Parecia estar pensando – Quer
saber, agora eu quero que fique.
– O que? – o jovem se assustou.
– Sim. – Nínive sorriu – Eu quero que você fique
exatamente onde está. Isso é uma ordem.
– Agora eu vou! – já havia entendido tudo – Até
parece que receberei ordens de você.
– Não, você não vai! – Nínive segurava o riso –
Eu exijo que fique. Isso é uma ordem. Você tem a
obrigação de me obedecer.

– Pois fique sabendo que eu irei! – o jovem
bateu as mãos nas pernas para tirar a poeira.
– Tem certeza? – perguntei.
– O que estão esperando? – ele entrou na
frente do portal.
– Sejam rápidos! – foi a última coisa que ouvi
de Nínive.
Estávamos novamente no corredor. E
novamente o corredor tinha uma aparência diferente.
Desta vez as pedras que faziam a parede eram cinza e o
chão era de cimento. Um cheiro peculiar invadia o
corredor. Era um cheiro de flores mofadas e terra
molhada. Não sei exatamente explicar. Era como se
estivesse visitando a casa da minha avó.

– Espere um minuto! – o jovem rapaz parou
assim que o portal se fechou – Ela usou psicologia
inversa comigo?
– Por que vocês homens são tão fáceis de
engabelar? – sorri com a piada. E também com a cara
de ódio do jovem loiro.
No decorrer do caminho o corredor foi
mudando mais uma vez. Parecia que apenas eu notava
essas "metamorfoses". Aos poucos o corredor foi
deixando as pedras cinza para trás e mudando para
paredes de terra, com pilastras em madeira. Fazia
lembrar uma mina ou algo do tipo. O chão havia
deixado de ser cimento para se transformar em trilhos


e ficava imaginando o que poderia estar passando
dentro da cabeça de cada um deles.

– Eu não acredito que fui tapeado! – o jovem
loiro resmungava baixo.
– Ei, oh... Ei, você! – não sabia como chamar-lo.
– Está falando comigo? – ele perguntou.
– Sim! – virei os olhos – Qual o seu nome?
– Isso interessa? – ele foi rude.
– Credo! Só estava fazendo uma pergunta. Sem
educação! – resmunguei.
– Deixa o cara quieto! – Nicardo sorriu – Ele
tem os motivos dele para não falar nada.
– Mas precisava ser sem educação? – olhei feio
para o jovem. – Acredito que iremos tomar rumos
diferentes – o jovem tentou ser educado – então para
que dizer sobre mim?
– Tudo bem, eu ó queria ter a chance de ligar o
nome a pessoa. – debochei.
– Deixe o rapaz! – Nicardo sorriu.
– E que... – de repente algo me veio à mente –
Preciso falar com você!

– Comigo? – o jovem loiro se assustou.
– Com você não, com ele! – respondi
apontando para Nicardo.
– O que foi? – Nicardo ficou preocupado.
– Não lembro. – fiquei constrangida – Mas era
algo muito importante.
– Não fique forçando demais! – Nicardo
segurou minhas mãos – Pode não ser bom para sua

cabeça. Se for importante, você vai acabar se
lembrando.

– Mas é importante! – resmunguei.
Novamente andamos por muito tempo naquele
corredor. Se eu fosse claustrofóbica já teria tido um
ataque há muito tempo. Gostaria de dizer que o
corredor não mudou novamente, mas ele mudou.
Várias e várias vezes. Chegou certo ponto em que eu
simplesmente cansei e parei de reparar. Era inútil
tentar entender o que estava acontecendo com ele.
Quando estávamos todos começando a acreditar que
não sairíamos mais daquele corredor, apareceu uma
luz no fim do túnel. Literalmente.

A luz brilhava feito ouro novo, reluzindo um
amarelo cintilante que, em certo momento, chegava a
cegar os olhos por alguns segundos. Andamos em
direção a luz e o que encontramos foi uma maçaneta
de porta. Sem uma porta.

– Ela está flutuando? – perguntei.
– Parece que sim. – Nicardo sorriu.
– Será que essa é a saída? – o jovem loiro olhou
torto.
– Vamos tentar? – Nicardo levantou a
sobrancelha.
– Vamos! – respondi.
– Você primeiro! – Nicardo disse para o jovem
loiro.

– Eu o que? – ele estranhou.
– Essa passagem leva para onde quiser, basta
ter o local em mente. – Nicardo respondeu.
– Mas eu não tenho nenhum lugar em mente. –

o jovem ficou serio – Posso sair onde vocês irão sair. De
lá eu me viro depois.
– Tudo bem. – dei de ombros.
Nicardo baixou a maçaneta e uma linha branca
seguiu fazendo o formato de uma porta. A linha
cortava o corredor e lentamente foi se abrindo e
revelando o local onde havíamos deixado o submarino
escondido. Assim que saímos, a porta se fechou e a
linha branca fez o caminho de volta até sumir
completamente.

– Espere! – disse assim que vi o jovem loiro
seguindo em outra direção – Tem certeza que quer
seguir sozinho?
– Sim! – ele respondeu – Será o melhor a se
fazer.
– Tem certeza mesmo? – insisti.
– Beatriz, você não ouviu o que ele disse? –
Nicardo olhou torto para mim.

– Então, acho que isso é um adeus. – sorri.
O jovem acenou e seguiu em frente. Aos
poucos sua imagem ia sumindo até desaparecer por
completo.

– Você o conhecia? – perguntei para Nicardo.

– Vamos entrando no submarino. – Nicardo
disfarçou – Pode ser perigoso ficarmos aqui.
O submarino já havia voltado a ficar invisível. O
galho identificador estava flutuando. Era incrível como
aquele submarino parecia se adaptar a qualquer lugar
que fosse deixado. Entramos no submarino vazio.

– Vou tentar falar com Thalassa. – Nicardo
sorriu tirando o comunicador do bolso – Oi? Alguém
está ouvindo? Será que isso não é meio arriscado?
– Oi! – era a voz de Thalassa – Nicardo?
– Sim, sou eu! – Nicardo respondeu – Está tudo
bem?
– Até o momento sim. – barulhos de conversas
apareciam ao fundo.
– Algum sinal de Cosmo e Levinda? – Nicardo
perguntou.
– Nenhum ainda. – a voz dela estava triste – E
vocês? Estão bem?
– Nínive nos ajudou a fugir novamente.
Estamos no submarino agora! – ele respondeu.
– E a Camila? – Thalassa perguntou.
– Não tivemos nenhuma notícia dela. – Nicardo
olhava o nada – Mas Nínive prometeu cuidar dela caso
a encontre.
– Nicardo... Sei que ela é sua irmã. – Thalassa
controlava as palavras – Mas será que podemos
realmente confiar nela?

– Neste caso sim. – Nicardo não tinha tanta
certeza – Ela quer apenas afastar-las de Bianor. Não
acredito que faça algum mau a nenhuma das possíveis
futuras esposas de Bianor.
– Acho melhor ficarem por ai. – Thalassa
pareceu tentar se afastar do barulho – Vamos passar o
resto da noite aqui. Façam o mesmo. Amanhã nós
seguiremos para o submarino e vamos todos juntos
procurar por Cosmo e Levinda.
– Realmente é o melhor no momento. –
Nicardo tentava se tranquilizar de algo. Só não sabia
exatamente o que.

– Descansem! – Thalassa pareceu sorriu – Boa
noite!
– Thalassa? – Nicardo fez bico – Desligou! Que
estranho.
– O que? – perguntei.
– Por que o comunicador não funcionou
quando estávamos no corredor? – Nicardo coçou a
cabeça – Eu fiz exatamente a mesma coisa.
– Talvez Cosmo e Levinda já tivessem sumido
naquela hora. – era a única opção lógica que imaginei.
– Pode ser. – Nicardo não parecia muito
convencido.
– Nicardo? – cheguei mais perto dele.
– O que?
– Ainda está me incomodando. – fitei-o
preocupada – O meu sonho. O que eu não consigo

lembrar. Sinto que era algo importante, mas não sei o
que era.

– Você acha que foi um aviso? – ele estava
preocupado.
– Não sei. – estava confusa – Sei que não foi
um simples sonho.
– Mas você não se lembra de nada? – ele
segurava minha mão – Quem estava no sonho? Você se
lembra?
– Não! – respondi.
– Um lugar? Um fato? Nada? – ele insistia.
– Nada!
– Isso é preocupante. – ele me abraçou –
Sonhos podem ser reveladores. Tente descansar um
pouco. Ele deve estar ai.

– Será que consigo? – estava intrigada por não
lembrar do sonho.
– Consegue sim! – ele sorriu – Eu estou aqui.
– Obrigada pelo apoio, mas não sei se vai
adiantar.
Algo estranho aconteceu quando olhei para o
rosto de Nicardo. Sempre senti que o rosto que
buscava sempre que olhava para ele não era o dele,
mas pela primeira vez eu encontrei o que procurava.

O rosto de Nicardo deixou de ser avermelhado
e se tornou mais pálido. Seus cabelos cresceram, até a
altura do queixo de modo que não conseguia enxergarla.
Seus olhos eram esverdeados e seus lábios faziam


um "M" perfeito. Seu rosto se tornou um pouco mais
delicado, mas ao mesmo tempo frio.

– O que foi? – Nicardo estava de volta.
– Como era o Alexis? – perguntei.
– Por quê? – ele não havia gostado da
pergunta. Já esperava por isso.
– De repente me deu vontade de saber. –
tentei parecer que perguntei por perguntar.

– O Alexis era grosseiro, às vezes canastrão e
sempre autoritário. – ele não parecia animado – Vocês
dois não se suportavam. Brigavam a todo o tempo. Ele
sempre te chamava de plebéia insolente. Era um
horror.
– Tem certeza do que está dizendo? –
perguntei.

– Absoluta! – ele bufou – Quando chegarmos a
Capital pode perguntar para o Neandro. O irmão dele.
Alias, já me arrependi de ter pedido para vir a Calidora.
Se tivéssemos seguido direto para a Capital estaríamos
todos juntos e prontos para lutar.
– Não se culpe! – o abracei – Veja só, se não
tivéssemos vindo não teríamos encontrado a Camila.
– E do que adiantou? – ele fitou o teto – Ela
sumiu. Antes tivesse a deixado fugir.
– E se ela tivesse sido capturada? – tentei
consolar-lo – Ninguém sabe o que poderia acontecer
com ela.
– Nada! – ele bufou – Bianor nunca faria mal as
suas noivas.

– Vamos parar com esse assuntou? – resolvi
encerrar a conversa.
– Foi você que começou! – ele bufou.
– Não essa conversa! – corrigi – Estávamos
falando de outro assunto.
– Então vamos encerrar esse outro assunto? –
ele rebateu.

– Tudo bem. – desisti – Você não gosta mesmo
dele.
– Se ele nunca tivesse aparecido em seu
caminho, talvez eu não tivesse nada contra ele. –
Nicardo começou a fitar o chão – Tenho muito medo de
ele voltar e você me deixar. Agora que consegui você,
não quero te perder nunca. Mas eu sei que uma hora
isso vai acabar acontecendo.
– Lá vem você com esse assunto de novo! –
ergui sua cabeça – Eu já disse que não irei te deixar. Eu
te amo Nicardo!

– Talvez fosse melhor você se lembrar de tudo
de uma vez e reencontrar-lo. – ele estava triste – Se
depois de tudo isso você ainda quiser ficar comigo...
– Não fale mais nada! – coloquei o dedo em sua
boca.
Não demorou muito para pegarmos no sono
novamente. E novamente tive um sonho estranho. Mas
desta vez foi um sonho muito mais estranho. Mesmo
não lembrando do sonho anterior, tive certeza de que
esse sonho era ainda mais importante.


Eu estava em uma floresta. A chuva era fraca,
mas eu estava completamente molhada. Uma pessoa
estava sumindo. A cada minuto sua imagem ficava mais
fraca e eu não conseguia reconhecer quem era.

– Lembrar você dele? – um ser esquisito me
perguntava isso.
– Eu não sei. – estava assustada.
– Precisar você lembrar dele. – o ser estava me
rodeando – Se não lembrar, rapaz desaparece nunca
mais voltar.
A chuva foi ficando mais forte e a imagem da
pessoa cada vez menos nítida. Eu estava ficando
desesperada. Sabia que aquela pessoa precisava de
mim para poder não desaparecer, mas eu não
conseguia saber quem era.

– Nicardo? – chutei. Nada aconteceu –
Neandro? Tales? Selena ou Thalassa? Linfa? Rei Celeo?

A chuva ficava mais forte ainda e quase não
conseguia respirar. Minha roupa já estava mais que
ensopada e a pessoa que estava na minha frente estava
sumindo cada vez mais.

– Eu ao consigo! – gritei enquanto a chuva
aumentava ainda mais.
– Você precisar, garoto sumir para sempre! – o
ser baixinho continuava me pressionando.
– Por favor, me deixe ir? – estava chorando de
desespero – Eu não consigo mais lembrar. Eu não
posso! Eu não posso!
– Tente! – o ser falou.

– Tente, tente, tente, tente, tente! – varias
vozes surgiram das árvores.
– Eu não consigo. Não consigo! – a chuva ao
dava trégua.
– Faça um esforço. – a voz da pessoa a minha
frente quase não saiu – Por mim.
– Você se chama... Você se chama... Você se
chama...
– Você consegue! – uma voz feminina veio de
trás de mim. Era Thalassa.
– Você consegue! – Tales apareceu do meu
lado.
– Não poderia evitar para sempre! – Nicardo
estava muito triste.
– Você se chama... Você se chama...
– Não desista! – outra voz feminina surgiu,
desta vez apenas dentro da minha cabeça.
– Alexis! – gritei – Você se chama Alexis!
Príncipe e herdeiro do trono da Capital!

CAPÍTULO 10 / AO RESGATE!


D


iferente do que acontecia na maioria dos
sonhos, não acordem no ápice da emoção. O sonho
simplesmente mudou de cenário. De repente tudo
ficou branco e eu estava flutuando no nada. No inicio
foi estranho, mas logo me acostumei. Uma belíssima e
calma canção era tocada em um piano invisível, pois
por mais que tentasse não conseguia ver nada além de
branco.

Minha mente estava um verdadeiro caos nos
últimos dias. Esses sonhos ajudaram muito neste
colapso. Perde todas as informações era um modo de
minha mente dizer que estava cansada. No sonho tudo

o que me vinha na cabeça era: "Como essa música é
calma e bonita." Continuei descansando a mente
flutuando no nada por um bom tempo. Ou me pareceu
um bom tempo enquanto sonhava. Mas um sacolejo
me fez voltar para realidade e me desligar daquela
belíssima canção que era a única informação que
continuava em minha mente.
– O que vocês andaram aprontando? – era a
voz do Tales – Seus safadinhos. Não vai me dizer que
vocês dois...
– Não! – levantei assustada.
– Não o que? – Tales tinha um sorriso malicioso
no rosto.
– Não o que... O que? – estava meio confusa.

– Não liga não Beatriz. – Thalassa estava do
meu lado – Ele viu muitas mulheres ontem à noite.
Hoje ele acordou meio afetado.
– Cadê o Nicardo? – me assustei.
– Estou aqui! – ele respondeu sentado na
cadeira da mesa de controle – Você estava tão aflita e
nervosa enquanto dormia, que quando você se
acalmou achei melhor não te acordar.
– Vocês chegaram há muito tempo? –
perguntei.

– Não. – Thalassa respondeu – Chegamos agora
e já temos que sair. O quanto antes melhor.
– O que aconteceu? – levantei na mesma hora
– Acharam o Cosmo e a Levinda?
– Achar, achar nós não achamos. – Tales
enrolava – Mas sabemos onde estão.
– E onde eles estão? – perguntei aflita. A
canção já havia se dissipado da minha mente.
– Levinda foi levada para o castelo novamente!
– Thalassa parecia preocupada – Já o Cosmo foi preso
por crime de sequestro.
– Preso? – estranhei – Mas não o vi em
nenhuma das celas.
– E que ele não foi levado para as masmorras. –
sem dúvida Thalassa estava preocupada – Ele foi levado
para uma cela especial. Com um pouco mais de
conforto.

– Mais conforto? – não entendi.

– Bianor não gosta que a última noite de seus
condenados seja desconfortável. – Thalassa parecia ri
da ironia – A última noite tem que ser bem confortável.
– Última noite? Espere! Última noite?! – fiquei
apavorada – Que dizer que vão matar o Cosmo?
– Se não fizermos nada até as 10:00... – Tales
ficou serio.
– São que horas? – perguntei desesperada.
– 08:40. – Thalassa respondeu – Temos 1 hora
e 20 minutos para chegar à praça do reino. É lá que ele
será executado.
– E o que estamos esperando? – gritei – Vamos,
vamos!
– Mas como vocês descobriram isso? – Nicardo
perguntou.
– Pouco depois de nos falarmos ontem, chegou
um homem ao local e disse que havia resgatado uma
das esposas de Bianor. – Thalassa respondeu – Como
todas as noivas estavam tentando fugir, presumimos
que a noiva era a Levinda e o sequestrador o Cosmo.
– Provavelmente inventaram isso para Bianor
não sair com má fama. – Nicardo estava indignado.
– Então vocês não tem certeza absoluta? –
perguntei.

– Absoluta não. – Thalassa chegou perto da
porta – Mas as chances de ser o Cosmo o sequestrador
são muito grandes. Muito grandes mesmo.
– Então vamos logo ao resgate! – gritei.

Seguimos do submarino direto para a praça.
Thalassa havia feito uma roupa ilusória para podermos
chegar sem sermos notados. A praça estaria cheia, mas
não o suficiente para nos arriscarmos a mostrar o rosto
antes do tempo.

Quando chegamos à praça, o local estava cheio
de curiosos, mas ainda não havia executado ninguém.
Estavam preparando as coisas ainda e não havia
ninguém com cara de carrasco no local da execução.

Misturamo-nos com o povo e tentamos ficar o
mais escondido que foi possível. Muitas das pessoas
que estavam ali pareciam não saber da execução e
muitas iam embora quando descobriam o motivo da
aglomeração. Isso seria maravilhoso, se não nos
prejudicasse.

– Não vamos fazer nada agora! – Thalassa
sussurrou – Vamos esperar até o último minuto.
– Mas isso não é arriscado? – perguntei.
– Mas é a única forma. – Nicardo havia
entendido o plano – Se fizermos algo antes de termos o
Cosmo em nossas mãos, podem pedir reforços.
– Agora eles saberão oficialmente que
voltamos! – disse preocupada.
– Eu sei disso. – Thalassa respondeu aflita.
– E saberão que temos um submarino! – Tales
complementou meu pensamento.

Thalassa fechou os olhos e fez uma cara de
"Vou me arrepender muito, mas é a única saída" e
respondeu:

– Eu sei disso também!
– Horas? – perguntei.
– Parece já ser quase 10 horas. – Tales
respondeu olhando o sol – Devem ser umas 10 para as
10.
– Não sei se a roupa vai aguentar muito mais
tempo. – Thalassa disse preocupada.
– Essas roupas vão sumir? – me assustei.
– A qualquer momento. – Thalassa respondeu.
– Então nós temos outro problema! – disse um
pouco alto, mas ninguém ouviu. Acho.
– Olhem! – Tales disse apontando com a
cabeça para o centro da praça.
Dois homens entravam no meio da multidão e
seguiam para o centro da praça. Junto com eles, um
jovem sem camisa e com as mãos amarradas às costas.
Era Cosmo. Em seguida entrou outro homem, desta vez
muito musculoso. Ele fazia lembrar um fisiculturista e
também estava sem camisa. Na cabeça, um grande
saco preto onde só era possível ver os olhos e o nariz.
Ele levava um machado apoiado no ombro direito.

– Não disseram que seria enforcamento? –
alguém disse no meio da multidão.

– Acho que mudaram de planos. – outro
respondeu.

– Tudo bem! – Thalassa cochichou – Ao meu
sinal!
– Certo! – dissemos todos juntos.
Um homem magrelo entrou na frente de
Cosmo e do fisiculturista com machado e começou a
tagarelar sobre "alta traição", "sequestro", "punição
severa" e mais varias outras baboseiras que nos
fizeram ganhar tempo. Ou perder tempo.

–... Por isso, esse homem que vos mostro hoje,
foi condenado a mais severa e justa das punições
criadas pelo digníssimo e futuro rei de Ofir Bianor
Flabela do Corpeu de Ofir. – o magrelo saiu da frente.

– Quando eu disse três! – Thalassa cochichou. –
Um, dois, três!

Antes que o musculoso fisiculturista pudesse
por as mãos em Cosmo, Thalassa, Tales e Nicardo
pularam para o centro da praça.

– Acho que ninguém será executado aqui hoje!
– Tales disse roubando uma das espadas que haviam
sido cravadas onde Cosmo seria executado.
– Sabe que eu também tenho essa impressão!
– rapidamente Nicardo roubou a outra.
– O que estão esperando? – o magrelo gritou –
Peguem-nos!

Dois guardas partiram para cima de Nicardo e
Tales. Thalassa soltava as mãos de Cosmo enquanto o
grandão de machado partia para cima dos dois. Fiquei


desesperada, mas Thalassa foi rápida e jogou uma bola
de energia no peito do grandalhão.

Tales e Nicardo estavam indo bem com os
guardas. Tales chegava como um trovão para cima do
guarda e investia varias espadadas no adversário, que
defendia todas com muita habilidade. Nicardo estava
tendo menos sorte e a todo o momento recebia
investidas do outro guardas, mas sempre desviava.

Thalassa continuava investindo em golpes de
energia e Cosmo dava suporte criando um tipo de
escudo protetor. O fisiculturista do machado era bem
forte e grande, mas muito lento e pesado. Thalassa
conseguia sempre desviar de seus golpes e acertar-lo
com bolas de energia.

– O que vocês estão fazendo? – o magrelo
estava furioso – Incompetentes!
– Beatriz! – Tales gritou – Um reforço, por
favor!
Fiquei paralisada com o pedido. Eu ainda
estava no meio da multidão. O que eu poderia fazer
para ajudar-los? Se eu ao menos me lembrasse de algo.
Qualquer coisa que pudesse ajudar-los. Não sei.

Thalassa começava a ficar cansada e o escudo
de Cosmo estava enfraquecendo. Tales e Nicardo
continuavam firmes na luta, mas não sabia até quando
eles iriam conseguir se manter fortes. Nicardo
principalmente, ele parecia estar muito cansado.


– Caramba! – Tales gritou quando o machado
do fisiculturista voou para perto dele – Mas cuidado
desse lado da luta! Espere, isso pode ser útil!
Tales pegou o machado e começou a investir
no guarda. O guarda conseguia se desviar. Tales jogou a
espada, que veio rodando para perto de mim. Só então
percebi que havia entrado no centro da praça.

Impulsivamente pegue a espada e fiquei a
segurando por um tempo. Não sabia ainda o que iria
fazer, mas sabia que deveria fazer alguma coisa. E
precisava fazer alguma coisa bem depressa.

Thalassa estava se recuperado, enquanto o
musculoso que agora estava sem o machado só
provava que tinha tamanho. Ele estava mais cansado
que todos os outros que estavam brigando.

– Vá e faça alguma coisa! – uma voz masculina
ordenava em minha cabeça – Você consegue!
Em um impulso de coragem, ergui a espada e
fui para cima do grandalhão. Não sei como, mas de
repente eu sabia o que fazer. Era como se já tivesse
feito isso varias vezes.

Pulei em suas costas e o golpeei na cabeça. O
monstro grandalhão já estava tonto, depois do golpe
ele cambaleou e caiu por alguns segundos. Das costas
dele, pulei para cima do guarda que estava com
Nicardo. Ele quase havia golpeado Nicardo na perna,
mas acabou se distraindo comigo, que o golpeei no
queixo com o punho. Tales havia conseguido perder o
machado para o adversário, instintivamente fui ajudar



lo e golpeei com a espada e em seguida fiz um corte na
barriga do soldado que caiu gemendo de dor. O
magrelo, que assistiu a tudo, saiu correndo quando me
viu o fitando.

– São eles! – o magrelo estava surpreso.
– Acho que conseguimos! – Tales disse
limpando o suor da testa.
– Vamos tentar sair daqui o mais rápido
possível! – eu disse.
– Acho que não vai dar tempo. – Cosmo falou
olhando ao redor.
Novamente estávamos cercados. Desta vez
eram três Leons que tinham chegado para se juntar à
festinha.

– Vamos fugir? – perguntei.
– Vamos tentar! – Nicardo falou.
Corremos para fora do centro da praça
empurrando a multidão que parecia estar pensando
que aquilo era uma peça de teatro. Os Leons foram
mais grosseiros e passaram por cima de quem estava
na frente deles.

– Isso é péssimo! – Thalassa gritou. – Eles não
vão parar!
– Não diga! – Tales disse debochado.
– Acho melhor lutarmos. – Nicardo sugeriu –
Eles não irão parar de nós seguir.

– Beatriz, você sabe o que fazer?! – a voz
novamente em minha cabeça.

Novamente senti que sabia. Entrei na frente de
Cosmo, Thalassa, Thales e Nicardo e juntei as mãos.
Novamente era como se eu sempre soubesse como se
fazia. Pensei em água. Muita água. Depois em pensei
em fogo e uma energia estranha começou a sair do
meu peito e algo começou a brilhar. Era o pingente de
chave. Desde quando eu estava com ele?

Tales, Thalassa, Cosmo e Nicardo pareceram
entender o que eu estava prestes a fazer e deram
alguns passos para trás. No mesmo instante uma luz
começou a surgir de minhas mãos. Era uma energia
muito forte. Eu não estava conseguindo segurar. Era
como se estivesse com 1 tonelada em minhas mãos.
Quando não consegui mais aguentar, joguei a bola de
luz no chão e tive uma grande surpresa.

A bola de luz rolou até perto dos Leons.
Aparentemente nada aconteceu. Os Leons olharam
para a bola, esperando que algo acontecesse. Quando
viram que nada estava acontecendo, voltaram às
atenções para nós. Foi quando a bola começou a
flutuar. Ela ficou bem encima dos Leons e começou a
rachar. De dentro da bola, uma grande onde de água e
fogo começou a cair.

– Acho melhor sairmos logo! – Tales já estava
correndo.
A onda de água e fogo começou a inunda tudo.
Nicardo me segurou e pulamos para sacadas de
varandas das casas, tentando fugir das ondas que


tomaram as ruas. Estava surpresa com o que tinha feito
e comecei a me perguntar o que era aquilo.

– O que iremos fazer agora? – Cosmo se
perguntou.
– Estamos cercados por água e fogo! – Tales
olhava para mim.
– Esperem! – gritei enquanto o fogo começava
a queimar as casas.
Concentrei-me e tentei pensar na bola de luz.
Imaginei-a se enchendo com toda aquela água e fogo.
Eu sabia que podia, só não sabia como havia aprendido
aquilo. Mas estava funcionando. Toda a água e fogo
que havia se alastrado pelas ruas começaram a formar
uma grande parede, que ia crescendo e crescendo até
alcançar a bola de luz, que estava no topo de tudo.
Como em um passe de mágica, toda a água e fogo
voltaram rapidamente para dentro da bola, que voltou
para as minhas mãos e desapareceu.

– Uau! – Tales soletrou as letras – Isso foi muito
legal!
No mesmo instante em que a bola sumiu, um
imenso cansaço bateu em meu corpo e não me pude
aguentar de pé. Desmaiei ali mesmo, na sacada de uma
varanda qualquer.

Eu estava novamente no lugar completamente
branco do meu sonho. Novamente a única coisa que
passava em minha cabeça era o quão bonita aquela
canção era. Mas desta vez era uma canção diferente. A


principio não havia notado, mas no decorrer da música
comecei a sentir a melodia diferente.

– O que eu fiz hoje? – me perguntei.
O que foi aquilo? Será que eu sempre fiz algo
do tipo? Eu realmente já havia aprendido aquilo? Ou
será que foi um momento de sorte?

Minha cabeça estava começou a doer e resolvi
parar de pensar nisso. A canção do meu sonho voltou a
ser tocada. Lentamente meu corpo foi descendo e
parou em algo solido que parecia ser o chão. Caminhei
em direção a música e acabei encontrando uma
mancha preta, não muito longe. Aproximei um pouco
mais e a mancha começou a tomar forma de um piano.
Um jovem de cabelos castanhos que estava tocando.
Sempre que ouvia aquela música a sensação que tinha
era de que nada mais importava. Eu só queria estar ali,
com aquela canção.

Tentei chegar perto do pianista, mas parecia
que quanto mais tentava me aproximar mais longe eu
ficava dele. Eu tentei varias vezes, até que ele
finalmente se virou e pude ver o rosto dele. Era o rosto
mais belo que já havia visto. Ele se aproximou de mim,
mas a música não parou de tocar.

– Estou esperando que me salve! – o rapaz
falava – Apenas você pode trazer de volta a pessoa que
eu era.
– Mas como? – perguntei.
– Você precisa se lembrar! – ele sorria.

– Lembrar, lembrar, lembrar! – fiquei nervosa.
– Tudo o que eu mais tento fazer é me lembrar!
– Não precisa se preocupar. – ele parecia calmo
– Quando chegar à hora, você se lembrará!
– Mas onde eu irei encontrar você? –
perguntei.

– Você já sabe. – ele segurou minhas mãos e
me coração disparou mais forte.
– Quem é você? – perguntei.
– Você vai ter que me dizer! – ele me abraçou.
– A única coisa que sei e que te amo demais para te
esquecer!
Neste momento seus braços me seguraram
mais fortes. Minhas pernas tremeram e meu coração
estava perto de parar quando aconteceu. Eu não sei o
que ocorreu em mim, mas senti que minha vida
precisava daquele beijo. Naquele instante era como se

o mundo fosse um completo nada e só restasse nós
dois.
– Eu não sei quem você é. – estava chorando –
Não entendo o que está se passando comigo. Eu... Até
agora achava que tinha certeza do meu amor por
Nicardo, mas de alguma forma era você que eu estava
procurando sempre que o via.
– Beatriz? – ele sussurrava em meu ouvido –
Não demore muito em me salvar, tudo bem?
– Tudo bem! – respondi abraçada nele.
Aos poucos a sensação foi desaparecendo e me
vi dançando com o nada. Ainda não sabia como


explicar o que havia acontecido ali, mas precisava –
mais que nunca – recobrar tudo o que havia vivido da
primeira vez que estive em Ofir.

– Beatriz? – uma voz me acordava. Era Nicardo.
– Eu vou! – respondi ainda no sonho – Eu vou
te salvar. Só me diga onde te encontrar.
– Salvar quem? – Tales perguntou – Acha que
ela está delirando?
– Acho que não. – era a voz de Thalassa –
Acredito que quando acordar Beatriz terá muitas coisas
para contar.

– Eu te salvo! – continuava repetindo.
– O que será que está acontecendo? – era a voz
de Cosmo. Estava um pouco longe.
– Beatriz? – Nicardo novamente tentava me
acordar – Beatriz? Acorde!
– Não, eu preciso salvar! – não conseguia sair
do meu sonho.
– Será que ela ficou... Sei lá, traumatizada com
o dia de hoje? – a voz de Tales se tornou um pouco
mais distante.
– Acredito que não. – Nicardo também se
afastou – Desde ontem que ela vem me falando de um
sonho muito importante. Acho que ela pode estar
falando do Alexis.
– Alexis? – Cosmo perguntou.
– O que você acha que foi? – Thalassa se
aproximou de mim.

– Não sei. Talvez ele esteja preso em algum
lugar. – Nicardo começou a explicar – Ele deve ter
sentido a nossa presença e tentou se comunicar com a
Beatriz através dos sonhos.
– Será que ele está no sonho dela agora? –
Thalassa perguntou.
– Beatriz? – Nicardo novamente me chamava –
Onde você está?

– No nada. – respondi.
– Você está acompanhada? – Nicardo
perguntou.
– Não. – respondi – Ele já foi embora.
– Ele quem? – a voz de Nicardo ficou tremula.
– Não sei. – respondi – O garoto que me ama.
– Droga! – Nicardo pareceu chutar algo – E
como é esse garoto?
– Cabelos castanhos e grandes, com olhos
verdes. – respondi – Ele é lindo e me beijou.
– Beatriz acorde agora! – Nicardo gritou.
– O que? – acordei assustada – Onde estamos?
– Voltamos para o submarino. – Thalassa sorria
– Você nos salvou, mas usou uma energia mágica muito
além da que você consegue produzir. Isso acabou
esgotando completamente as suas energias e você
desmaiou.
– Você teve sorte! – Nicardo não estava com
uma cara muito boa – Poderia ter morrido.

– Eu... – tentei me levantar, mas ainda estava
cansada – Não sei como fiz aquilo. Uma voz surgiu na
minha cabeça e de repente eu sabia o que fazer.
– Mas vamos evitar isso enquanto você não
recuperar completamente a sua memória. – Nicardo
advertiu.
– Desculpe. – disse pondo a mão na cabeça.
– Agora me conte uma coisa. – Nicardo estava
serio – O que você estava fazendo em seu sonho?

CAPÍTULO 11 / UMA CARTA MUITO ESPECIAL


C
C
onfesso que quando Nicardo perguntou o que eu
estava sonhando, meu rosto ficou quente e

provavelmente vermelho. Eu lembrava exatamente
tudo o que havia acontecido naquele sonho. A leveza e
suavidade da canção, o pianista, o beijo –
principalmente o beijo – e tudo o que senti quando o

vi. E eu não queria contar isso ao Nicardo.
– Eu não me lembro direito. – menti.
– Você disse que estava sonhando com o rapaz
que te ama. – o ciúme era mais que visível em Nicardo
– E pela descrição que você fez o rapaz não era eu.
– Descrição? – ainda não acreditava que havia
falado dormindo – Ah, descrição!
– Sim, sim! – Nicardo estava furioso – O rapaz
de cabelos castanhos e olhos verdes. Você sabe quem é
esse rapaz?
– Quem? – tentei evitar os suspiros. A
lembrança do beijo ainda estava muito forte.
– Alexis! – ele respondeu.
– E a primeira vez que você sonha com ele? –
Thalassa perguntou, muito calma.

– Acho que não. – respondi tentando me
levantar novamente – Apesar de não ter visto o rosto
nas outras vezes, acho que esse é o terceiro sonho que
tenho com ele.

– E você se lembra dos outros sonhos? –
Thalassa estava evitando que Nicardo fizesse as
perguntas.

– Eu estou começando a lembrar. – os sonhos
começavam a vir em minha mente – Sim, agora eu me
lembro!
– Então nos conte! – Thalassa me fez sentar.
– A primeira vez eu estava em um bosque. –
comecei a contar o que lembrava – Havia um rapaz no
topo de uma árvore. Ele disse que estava esperando
por mim, que não lembrava quem ele era, mas
lembrava de mim.

– Espere um minuto! – Tales me interrompeu –
Você disse bosque?

– Acho que sim. – forcei a mente – Pelo menos
parecia um bosque.
– Será que... – Tales franziu a testa.
– O Bosque Perdido! – Cosmo socou a mão.
– Vocês conhecem este lugar? – perguntei.
– Sim! – Tales respondeu – E um bosque
encantado. Quem entra lá e não sai em 24 horas acaba
se transformando em um ser do bosque. Você não se
lembra?
– Eu já estive lá? – perguntei.
– Com exceção do Cosmo, todos nós já
estivemos. – Thalassa respondeu.
– Vocês acham que...
– O Alexis pode ter se tornado um ser do
bosque? – Tales completou minha frase – Sim. Isso

explicaria o fato dele ter se esquecido de quem ele era.
Mas ele deveria esquecer você também. Isso é
estranho.

– Talvez ele ainda não tenha se transformado
por completo! – sugeri – Isso pode acontecer?
– Não sei. – Tales respondeu – Nunca soube
como funciona essa transformação. Mas parece uma
hipótese plausível. Algum motivo em especial para
achar isso?
– Sim! – respirei fundo – O meu segundo
sonho.
– O que aconteceu em seu segundo sonho? –
Thalassa perguntou.

– Eu estava no mesmo bosque, com um ser
esquisito. – tentava me lembrar com clareza – E tinha
uma imagem de uma pessoa quase desaparecendo.
Não sei explicar, mas u sabia que apenas eu poderia
salvar-lo. Talvez isso seja um sinal de que ele ainda
possa voltar.
– E o terceiro sonho? – Nicardo perguntou de
propósito.
– Esse não foi nada importante. – menti – Só
me lembro dele pedindo para que eu o resgate o mais
depressa possível.
– Só isso? – Nicardo me olhou feio.
– Que eu me lembre... – fingi desinteresse.
– Acho que devemos resolver isso junto com
Neandro. – Thalassa se levantou – Ele é o irmão. Acho
que precisa saber disso.

– Nós já estamos indo para a Capital? –
perguntei.

– Já estamos chegando. – Cosmo disse da mesa
de controle.
– Eu fiquei dormindo por quando tempo? –
levantei assustada.

– 1 dia e meio. – Thalassa sorriu.
– Tudo isso? – gritei.
Estava surpresa com o tempo que havia ficado
desacordada. Pareceram minutos. Será que haviam
acontecido mais coisas em meu sonho? Talvez eu tenha
ficado apenas flutuando no nada e descansando.

Minha mente parecia mais leve e meu corpo
descansado – fazia tempo que não tinha essa sensação.
Eu não estava apenas descansada, eu estava
revitalizada. Estava cheia de energia e disposição.

Não demorou muito para chegarmos a tão
famosa Capital.

– O lugar está cercado de guardas. – Cosmo
disse, ainda dentro do submarino – Vamos esperar um
pouco para sair.
– Mas eles não são contra Bianor? – estranhei.
– Mas é melhor prevenir. – ele continuava
olhando.
– E até quando ficaremos aqui? – perguntei.

– Até acharmos que é seguro sair! – Cosmo
respondeu.
– É melhor assim. – Tales também olhou pelo
binóculos do submarino – Não estamos em condições
de arriscar.
– Eu quero olhar também! – senti-me uma
garota de 12 anos.
Comecei olhando da esquerda para direita.
Havia muitas pessoas e todas pareciam bem atentas.
Talvez o momento seguro nunca chegasse.

Para um reino que havia ficado contra Bianor,
eles estavam muito bem. Pelo menos no porto. Acho
que estavam conseguindo se virar muito bem sozinhos.

– Espere! – disse ao avistar uma pessoa – Eu
conheço esse homem!
– Que homem? – Tales tomou o binóculos (ou
seja lá o que é aquilo). – Mas é o Neandro!
– Neandro? – gritei – O nosso Neandro? Digo, o
que nós conhecemos?
– Ele é o único Neandro que existe. – Nicardo
ainda estava bravo comigo.
– Então o que estamos esperando? – disse indo
em direção a porta do submarino – Vamos logo falar
com ele!
Mesmo com um conhecido no local, Cosmo e
Tales acharam melhor sair do submarino o mais
discretamente possível. Não sabíamos se poderíamos


confiar em todos que estavam ali e nem sabemos até
onde estávamos seguros.

– Neandro? – Thalassa se aproximou.
– Sim? – ele se virou e arregalou os olhos –
Vocês!

– Achou que nunca mais nós veria? – Tales
perguntou.
– Honestamente? – Neandro sorriu – Com os
últimos acontecimentos, eu achei. Mas que ótimo que
estava errado! Eu estava morrendo de saudades de
todos!
– Nós também estávamos morrendo de
saudades de você! – Thalassa disse com um sorriso
aliviado.
– E quem é esse rapaz? Eu não o conheço. –
Neandro olhou para Cosmo.
– Esse é Cosmo, ele agora faz parte do grupo. –
Thalassa respondeu.

– E sabe lutar? – Neandro perguntou.
– Não muito, mas crio ótimos apetrechos e
estou me especializando em magia – Cosmo respondeu
constrangido.
– Isso é bom! – Neandro botou a mão no
ombro de Cosmo – Nunca sabemos quando iremos
precisar de reforços mágicos. E você Beatriz?
Encontrou com o Alexis?
– Na verdade era sobre isso que queríamos
conversar com você. – Thalassa olhou para os lados –
Mas acho que esse não é o melhor lugar.

– Claro. – Neandro notou de imediato que o
assunto era serio e sigiloso – Vamos para minha casa.
Tenho alguns cavalos sobrando presos aqui no porto.
– Cavalos? – me assustei – Eu não sei. Não sou
muito boa em cavalos.
– Deixe de bobagem Beatriz! – Neandro sorriu
– Você montava muito bem. Com um pouco mais de
treino poderia ser uma perfeita amazona.
– Do que ele está falando? – ri nervosa.
– Nós teremos muita coisa para conversar. –
Nicardo fitou Neandro sugerindo que esperasse pela
conversa.

Subi em um cavalo não foi uma experiência
traumática. E com Nicardo conduzindo me senti um
pouco mais segura. Talvez o fato de já ter andado antes
tivesse ajudado. A sensação era de que eu nunca havia
deixado de montar em minha vida, esmo eu não me
lembrando de alguma vez já ter montado em um
cavalo.

No caminho Neandro relembrou varias
aventuras que vivemos juntos. Contou sobre o dia que
eu joguei um balde de água na cabeça do Alexis e em
seguida escorreguei e bati com o nariz – coisa que,
apesar de não lembrar, é a minha cara – e contou
também sobre o dia em que eu derretei um monstro
de duas faces. Contou sobre lutas com dragões e um
ser de fogo em um trem. Eram tantas coisas que eu não


lembrava, tantas situações que ninguém conseguiria
esquecer nunca na vida. Por que eu as esqueci?

O tempo passou rápido com a conversa e logo
chegamos à casa de Neandro.

A casa era muito familiar. Como se já tivesse
morado por ali. A cerca de madeira que rodeava a casa,
as montanhas ao fundo, a grande árvore ao lado da
casa. Aos poucos eu fui reconhecendo todas as coisas.

– Você... – andei alguns passos a frente deles –
Você me deu aula de magia naquelas montanhas. Eu
estou lembrando! Eu estou lembrando!

– Espere! – Nicardo correu para o meu lado – O
que mais você lembra?
– Eu me lembro de alguém gritando comigo no
dia em que cheguei. – fechei os olhos – Lembro de
varias pessoas me olhando feio nas ruas e de um lobo
imenso com olhos de fogo.
– Lembra de mais coisas? – Thalassa
perguntou.
Neste momento uma bela moça de cabelos
loiros saia da casa e vinha em nossa direção. Pela
primeira vez eu sabia exatamente quem era.

– Linfa! – gritei.
– Beatriz! – ela correu e me abraçou – Você
voltou!
– Linfa você está bem! – de repente eu sabia
que ela havia sido envenenada. As coisas começaram a

surgir em minha mente – É você está mais linda queda
última vez que a vi.

– Você também está ótima! – ela sorriu – E
gostaria de agradecer a você.
– Sobre o que? – estranhei.
– Soube que você desistiu do seu pedido para
poder me salvar e salvar a Rainha Alina. – ela me
abraçou novamente – Isso foi o maior ato de bondade
que alguém já fez por mim.
– Desculpe... – fiquei constrangida – Eu não me
lembro disso.
– Vamos entrar? – Tales percebeu o clima
estranho que ficou.
Dentro da casa, mais lembranças. Lembrei de
um livro que havia encontrado na estante de livros, de
quando a Linfa desmaiou na cozinha, lembrei
novamente do lobo. Foi a primeira grande recuperação
que tive desde que cheguei.

Nicardo e Thalassa contaram tudo o que havia
acontecido comigo nos últimos meses. Nicardo contou
sobre as coisas na Terra e sobre me treinar para
aprimorar minha magia e fortalecer o meu corpo.
Contou sobre a minha perda de memória, sobre os
portais que Bianor estava abrindo e sobre a Camila, a
Levinda e a Layla.

Thalassa contou à parte que Nicardo não quis
contar. Ela falou sobre as anotações de Alexis e a busca
pela mãe, assim como o seu desaparecimento – coisa


que Neandro já sabia. Ela contou sobre os meus sonhos
e sobre a possibilidade de Alexis estar preso no tal
bosque e estar se tornando um ser do bosque.

– Isso é muito ruim! – Neandro respirou fundo
– Mandar tropas para o bosque é muito arriscado. Se
Alexis está se transformando em um ser do bosque
corre o risco de nem encontramos. Por que ele sempre
faz isso?
– Mas de qualquer forma tínhamos que te
avisar. – Thalassa tentava consolar-lo de alguma forma.
– Não, claro, vocês estavam certíssimos! –
Neandro se entristeceu – Foi bom eu saber disso.

– Espero que não seja tarde. – Linfa abraçou
Neandro.
– Mas uma coisa me intriga. – Neandro fitou o
nada e depois voltou a olhar para nós – Por que ele não
esqueceu tudo? Por que ele esqueceu apenas de quem
ele era? Isso não faz muito sentido.
– Nós acreditamos que essa transformação
posso ser gradual. – Cosmo falou.
– Mas ainda assim não faz sentido para mim. –
Neandro estava mesmo intrigado – Vou ter que
conversar com meu pai para tomarmos alguma
providencia. Falarei com ele ainda hoje.

– Mas como andam as coisas por aqui? –
Nicardo perguntou.

– Nada boas! – o rosto de Neandro se abrumou
– Estamos passando por mementos de muita
dificuldade. Estamos fazendo o possível e o impossível

para proteger as barreias da Capital. Recebemos alguns
reforços de Menelau, mas eles também estão passando
por dificuldades. No caso deles e ainda mais grave. O
risco de acontecer em Menelau o que aconteceu em
Leander é muito grande e acabamos recusando o
reforço para o bem do reio deles.

– Mas as coisas estão assim tão ruins? –
perguntei.

– Estão. – Neandro assentiu triste – Desde que
os reinos de Neide e Calidora se juntaram a Bianor as
coisas ficaram quase fora de controle. As tropas de
Bianor são muito mais fortes que as nossas e as de
Menelau. Se nem Leander, que tinha uma excelente
tropa, conseguiu deter-los. E eles ainda tiveram a ajuda
das tropas de Sotero! Acabaram os dois da mesma
forma. Será uma questão de tempo até que as nossas
tropas não resistam mais.
– Então vocês estão em estado crítico! – Tales
se preocupou – Vocês necessitam de um meio para se
fortalecerem.
– Mas como encontraríamos esse meio? –
Neandro perguntou – Não podemos nos distanciar da
Capital, precisamos de toda a tropa aqui. Pensamos em
varias formas, mas nenhuma funcional. Pelo menos não
com total eficácia. Eu nunca imaginei que diria isso,
mas o mundo de Ofir pode estar com os dias contados.

– Não pense assim! – Cosmo tentou animar-lo –
Beatriz voltou. Nós temos uma nova esperança.

– Esperem! – eu disse – Ainda não posso ser
chamada de esperança. Enquanto não me lembrar de
tudo o que aconteceu eu serei inútil para vocês.
– Não! – Nicardo quase gritou – Não viu o que
você fez em Calidora? O jeito como você desenvolveu a
sua magia?
– E olha como eu terminei? – gritei – Dormindo
durante quase 2 dias.
– Mas o Cosmo tem razão! – Neandro se
animou – O fato de você estar aqui já é um ótimo
motivo para termos esperança. É sinal de que a nova
profecia está se cumprindo.
– Eu... Eu não sei. – fitei o chão.
– Quer um copo d'água? – Linfa perguntou.
– Não, obrigada! – respondi.
– Não seja tímida. Tem certeza? – ela me olhou
de forma estranha.
– Acho que aceito sim. – fui ver o que ela
queria.
– Desculpe te tirar assim de repente, mas é que
tinha que te entregar algo antes de você ir embora. –
Linfa falou baixou – Tome a água e venha comigo.
Eu me lembrava de absolutamente tudo
daquela casa. Cada móvel, cada cômodo, cada
corredor. Estava tudo de volta a minha cabeça, como
se nunca tivesse saído de lá.

Linfa me levou até o quarto onde eu dormia
quando fiquei morando com eles. Novamente todas as


informações apareceram em minha mente como se
nunca tivessem sido perdidas. Estava tudo igual.

A janela estava aberta e um vento fresco
entrava no quarto. Lembrei das noites que passei ali,
olhando pela janela a grande árvore e as três belíssimas
luas que brilhavam cheias todas as noites. Os móveis
estavam do mesmo jeito e até o cheiro parecia igual da
época em que dormia ali. A cama que parecia um
tronco entalhado continuava a mesma. Deitei e
relembrei os velhos tempos.

Ter novamente minhas memórias – mesmo
sendo apenas uma parte delas – estava e fazendo
muito bem. Parte do peso que eu carregava havia sido
tirado quando recobrei as lembranças deste lugar. Foi
uma sensação inexplicável e inigualável. Não conseguia
nem imaginar como seria quando eu recobrasse toda a
minha memória.

Linfa abriu uma gaveta e pegou um pedaço de
papel, que estava dobrado ao meio.

– É uma carta! – ela sorriu e me entregou.
Abri a carta e olhei os vários símbolos
estranhos. Não consegui entender nada do que estava
escrito e tentei demonstrar isso apenas com as minhas
expressões de confusão. Surtiu efeito na mesma hora.

– Desculpe! – Linfa tapou o rosto – Acho que
você ainda não se lembrou da nossa escrita.
– Se não for incomodar, poderia ler para mim?
– sorri.

– É uma carta do Alexis. – ela falou baixo – Ele
pediu para te entregar caso você voltasse e algo tivesse
acontecido com ele.
– Nossa! Leia! – estava curiosa.
Linfa começou a ler.
Beatriz,
Algo de ruim deve ter acontecido comigo, caso


o contrario não estaria lendo essa carta.
Eu fui atrás de minha mãe. Fiz algumas
pesquisas e descobri várias pistas de vários possíveis
lugares onde ela pode ter sido aprisionada. Eu espero
ter conseguido ao menos achar minha mãe no
momento em que estiver lendo essa carta, mesmo que
não possamos nos encontrar novamente.

Eu queria que você soubesse que toda a minha
vida não significava nada até você aparecer. Seu jeito
arrogante e prepotente, a forma como me enfrentava e
desafiava a própria sorte só me fez te admirar ainda
mais. Eu tenho muito orgulho de ter tido a
oportunidade de conhecer e me apaixonar por você.

Eu peço desculpas por todas as coisas que eu fiz
e disse. Eu fui um estúpido em negar a mim mesmo que
estava sentindo algo tão puro e nobre por você. Todas
as lembranças, absolutamente todas (das boas as
ruins), estarão eternamente guardadas em meu
coração.

Queria ao menos ter tido uma chance, apenas
uma, para dizer tudo isso a você pessoalmente. Uma


chance de poder te pegar nos braços e dizer "Beatriz,
sua plebéia insolente, eu te amo!"

Sei que nesse momento você já deve ter se
acertado com o Nicardo. Não vou dizer que fiquei feliz
por isso porque seria mentira, mas é bom que você
esteja sendo cuidada por ele. Apesar das nossas
desavenças, ele é um bom rapaz e vai saber fazer-la
feliz. Claro que não como eu poderia fazer.

Desculpe se eu não consegui evitar que essa
carta chegasse as suas mãos. Mesmo ainda não tendo
feito nada, eu juro que tentei fazer o meu melhor (pois
é isso que pretendo fazer) para dizer tudo o que estou
escrevendo para você.

Eu te amo mais que qualquer outra coisa e
tentarei imaginar que você sente o mesmo por mim
quando quiser algo para me reconfortar.

Você estará para sempre em minha lembranças
e no meu coração.

Alexis

Não tinha notado ainda, mas meus olhos
estavam cheios de lágrimas. Estava me sentido um
monstro, a mais horrenda e insensível das criaturas.
Toda a leveza que havia ganhado quando recobrei
parte de minha memória foi substituída pelo peso da
culpa. Como eu pude esquecer-me de alguém que me
amou tanto? Agora eu entendia perfeitamente o medo
de Nicardo em relação ao Alexis.


– Posso olhar? – estava tremula – E-e-essa é a
letra d-d-dele?
– Sim! – Linfa também parecia emocionada –
Eu mesma o vi escrevendo.

– E como ele estava? – perguntei.
– Exatamente como você está agora. – ela
respondeu – Esconda isso, vem vindo alguém!
No mesmo momento bateram na porta. Linfa
foi abri enquanto eu escondia a carta dentro do meu
short. O que foi um pouco desconfortante, já que o
papel pinicava o meu bumbum. Uma quebra total de
clima.

– Lembrou de mais alguma coisa? – Nicardo
perguntou.
– Apenas do que vivi aqui. – respondi olhando
disfarçadamente para o meu traseiro. Aparentemente
a carta não estava visível.
– Ao poucos você irá se lembrar. – ele sorriu.
Fiquei em dúvida se contava ou não sobre a
carta para Nicardo. Será que ele atrapalharia a minha
recuperação por causa disso. Algo me dizia que eu não
sentiria mais o mesmo que sinto pelo Nicardo quando
recobrasse a memória. Ou melhor, o que eu sentia pelo
Nicardo já estava mudando. Acho que não cumpriria a
promessa que fiz a ele em Leander. Eu já estava
começando a deixar-lo.


CAPÍTULO 12 / UMA CONVERSA COM O REI E OUTRAS
SURPRESAS


S
S
aímos do quarto como se eu não tivesse feito nada
além de pegar um copo d'água e rever meu antigo

quarto. Aparentemente ninguém desconfiou que
pudesse ter acontecido algo mais. Desde que Nicardo
não desconfiasse, o resto estava ótimo.

– Eu estou a caminho do castelo. – Neandro
falou – Gostaria que você e o Nicardo viessem comigo.
– Mas por que nós dois? – perguntei apenas
para disfarçar.
– Será bom que vocês contem a história. –
Neandro sorriu – Fora que papai vai ficar muito feliz em
rever-la.

– Eu? – desta vez estava realmente surpresa.
– Sim. – Neandro não parecia tão surpreso –
Não se lembra que papai, ou melhor, o Rei Céleo
sempre gostou de você?
– O rei? – perguntei novamente surpresa.
– Com calma você irá se lembrar! – Nicardo
sempre tentando me consolar.
– E os outros? – perguntei.
– Eles decidiram ficar e descansar. – Neandro
respondeu – Pelo visto viajar em um submarino deve
ser mais cansativo do que imagino.
Na verdade não achava que pudesse ser, mas
acreditava que estivessem cansados. Tudo o que nos
aconteceu... foram coisas bem cansativas. Acho que


não tiveram tempo para relaxar de verdade e recuperar
todas as energias que foram perdidas.

O caminho para o castelo me trousse algumas
recordações. Algo sobre como conheci Nicardo. Eu
estava me lembrando. A feira não estava mais ali,
porém o local continuava o mesmo. Eu não consegui
me lembrar com clareza de tudo como me lembrei da
época que morei com Linfa, mas estava feliz. Desde
que cheguei a Capital que grandes progressos
aconteceram.

A cidade começou a voltar na minha memória.
A cada novo passo que dávamos era como se novas
lembranças reaparecessem. Estava me lembrando das
casas e da praça. Lembrei do grande relógio e de como
consegui o primeiro cristal.

– Nicardo? – resolvi contar – Estou me
lembrando de tudo!
– Tudo o que? – Nicardo tentava esconder a
preocupação.
– Essa cidade. – sorri – Está tudo voltando a
minha mente. Está vendo aquele relógio? Foi ali que
achamos o primeiro cristal.
– Achamos? – Nicardo tinha um tom
enciumado e preocupado na voz – Você estava com
quem?
– Eu e... – um branco surgiu em minha cabeça –
Eu e... você?


Nicardo suspirou aliviado e balançou a cabeça
negativamente. Tentei lembrar quem estava comigo,
mas Nicardo segurou minha mão e encostou minha
cabeça o ombro dele. Já sabia o que significava: Não
fique pensando nisso.

– Você está fazendo progressos. – Nicardo ficou
serio – Não force tanto a mente. Deixe que as coisas
voltem naturalmente. Acho que a aproximação sua
com as lembranças que viveu com o Alexis estão te
afetando de alguma forma.
– Será? – estranhei.
O castelo me trousse mais lembranças. Em sua
maioria, lembranças ruins. Lembrei de ter sido
amarrada e amordaçada. Lembrei também dos
sentimentos de ódio e medo que passei ali. Deveria ser

o último lugar que eu gostaria de estar, mas algo que
não conseguia lembrar me deixou com a sensação de
que tudo o que eu vivi ali valeu a pena.
As lembranças vinham mais rápido do que
antes. O castelo havia se tornado um velho conhecido.
Seria realmente a aproximação com o Alexis que estava
fazendo a minha memória voltar? Mas então qual seria

o motivo que impedia de eu me lembrar do Alexis?
Neandro entrou na sala do rei. Eu e Nicardo
ficamos esperando. Pouquíssimos minutos depois
Neandro nos chamou e entramos na sala. A lembrança
foi imediata.

– Rei Céleo! – disse sorrindo.

– Beatriz, não sabe o quanto estou feliz em
rever-la! – a voz do rei era um pouco triste e cansada.
– Você se lembrou! – Nicardo não parecia
realmente surpreso.
– Pai, temos noticias ruins! – Neandro apressou
o assunto.
Contamos tudo. Desde quando chegamos, a
minha perca de memória, o reencontro com Thalassa, a
fuga de Neide com a ajuda de Cosmo, o estado como as
pessoas de Leander viviam e reencontro com Tales e
nossa inútil ida a Calidora.

Contamos sobre Camila, Levinda e a Layla – que
ainda não havia conhecido – e contamos também sobre
a quase execução de Cosmo e como reencontramos
Neandro e minhas súbitas recuperações de memória.
Deixamos o Alexis para o final.

– Bem, eu estou aliviado e preocupado com
tudo o que me contaram. – o Rei Céleo parecia bem
abatido – Em partes é ótimo ter-la de volta Beatriz.
Você sempre traz mais esperanças para as nossas vidas,
mas me preocupo demais com essa sua perda de
memória. Com as tropas de Bianor avançando tão
rápido, temo que eles ataquem o nosso reino antes que
recupere completamente a memória. Por maior que
seja os seus avanços na magia, se não se lembrar de
tudo você será inútil nas batalhas. Fico surpreendido
que tenha sobrevivido a fuga de Calidora. A magia que

você executou não é para qualquer um, exige muito
treino e muita energia.

– Eu avisei a ela. – Nicardo estava serio.
– Alexis no bosque perdido também não me
agrada. – Rei Céleo fitou o teto – Se ele realmente está
lá e ainda não se transformou, isso significa que há algo
no passado dele que está segurando no mundo exterior
e não o deixa se transformar em um ser do bosque.
– O senhor está pensando o mesmo que eu? –
Neandro perguntou.

– E bem provável! – o rei assentiu – As
lembranças de Alexis com Beatriz são tão fortes e
intensas que estão impedindo que ele se transforme
completamente em um ser do bosque. O Alexis deveria
ter me comunicado sobre essa busca ante.
– Papai? Já se esqueceu que estamos falando
do Alexis? – Neandro brincou – Aquele ali sempre fez o
que quis e nunca pensou nas consequências.
Por alguns segundos desprendi minha atenção
da conversa e observei o quadro de família que estava
pendurado no lado direito da sala. Do lado esquerdo
estava Neandro, um pouco mais novo, ao lado da mãe.
Do lado direito do quadro, ao lado da mãe, estava o Rei
Céleo e ao lado do rei, no meio dos três, estava um
garoto de cabelos castanhos e olhos vedes que eu sabia
conhecer bem. Neste momento senti meu coração
disparar desesperadamente e não consegui evitar
imaginar como aquele garoto estaria agora?


De repente o quadro mudou. Estávamos eu e o
rapaz do meu sonho, o Alexis. Eu estava no lugar da
mãe de Neandro e Alexis estava no lugar do Rei Céleo.
Não haviam crianças no quadro e estávamos com
roupas da Terra, não com aquelas vestes do século
passado como eram usados em Ofir. Fechei os olhos e
balancei a cabeça. Quando abri novamente os olhos o
quadro havia voltado ao normal.

– Beatriz? – o Rei Céleo me chamava enquanto
todos me fitavam – Algum problema?
– Desculpe. – respondi constrangida – Nenhum.
– Como expliquei, terei que pensar com calma
no resgate de Camila, Levinda e Layla. – o Rei Céleo
deixou de me fitar – Tentar algo agora seria muito
arriscado. Irei conversar com meus lideres de tropa e
pensaremos em algo mais seguro.
– Mas é se Bianor conseguir as outras noivas? –
perguntei.

– Caso isso aconteça, nós iremos apressar os
planos. – Rei Céleo parecia estar fazendo o máximo
para parecer bem – Não se preocupe, nós não iremos
deixar que nada de ruim aconteça com suas amigas.
– E o Alexis? – Neandro perguntou.
– Neste momento acho que o melhor a se fazer
e ficar na Capital mais alguns dias. Pelo menos até as
coisas se acalmarem. – Rei Céleo ficou preocupado –
Seria arriscado demais vocês seguirem para Menelau
agora. Deve haver muitos soldados de Bianor atrás de
vocês. Assim que as coisas se acalmarem um pouco

mandarei alguns homens na frente, para dar cobertura,
e depois vocês seguem. Nos tempos de guerra, mesmo
quando há tréguas, todo o cuidado é muito pouco.

Voltamos para a casa de Neandro. A conversa
com o Rei Céleo havia definido novos caminhos para
nós e agora iríamos todos passar um temporada na
casa de Neandro e Linfa.

As lembranças que havia recuperado estavam
me fazendo mais mal do que bem. Eu estava mais
confusa do que quando não me lembrava de nada. Eu
fazia todo o esforço que era possível para me lembrar
de Alexis, mas estava ficando difícil. Por quê?

O resto do dia foi normal e sem muitas coisas
interessantes. A noite chegou bem rápido. Iríamos
dormir eu e a Thalassa no quarto onde eu dormia.
Nicardo, Tales e Cosmo iriam dormir na sala.

Aproveitei que estaríamos só eu e Thalassa
sozinhas a noite toda para fazer uma perguntinha que
não poderia fazer na frente de Nicardo. Apesar de já ter
feito essa pergunta a ele diretamente.

– Como era o Alexis? – perguntei.
– Como? – ela pareceu se fazer de
desentendida.
– Eu e o Alexis? – refiz a pergunta – Como
éramos?
– Sem dúvida era algo forte. – Thalassa sorriu –
Você brigavam feito cão e gato. Era sempre um


implicando com o outro, sempre se xingando e quase
se batendo. Mas qualquer um que olhasse de fora via
que vocês se amavam.

– Amavam feito amigos?
– Feito amigos não. – ela se deitou em cima dos
braços na cama improvisada no chão, fitando o teto –
Talvez não parecesse que vocês... pudessem ser mais
que amigos, mas não era um sentimento de amizade
que saia de vocês. Era algo do tipo "pode acontecer".
– Como assim algo do tipo "pode acontecer"? –
por um instante me senti conversando com Camila.

– Não sei explicar. – ela sorriu – Mas era algo
único, isso eu tenho certeza.
– Algo tão único a ponto de me fazer deixar o
Nicardo?
Thalassa não respondeu. Ela continuou fitando

o teto. Por alguns segundos o silêncio tomou conta do
lugar e já era uma resposta mais que suficientemente
completa, mas eu precisava ouvir.
– Thalassa? – voltei a perguntar – Era algo tão
único a ponto de me fazer deixar o Nicardo.
– Isso é algo complicado. – ela se virou – Vocês
dois sim, parecem amigos. Mas você e o Alexis...
Beatriz, não dá para responder isso. Eu não sei o que se
passa em você.
– Mas o que você acha? Pelo que você viu? –
eu estava sendo chata. Admito.

– Olha... – Thalassa começou – Vou ser
totalmente sincera com você.

– Eu não espero algo diferente! – apesar de já
saber a resposta, eu estava ansiosa. Ouvir diretamente
sempre é mais forte e definitivo do que entender por
indiretas.
– Eu acho que você e o Alexis são almas
gêmeas. – ela parecia não ter coragem de olhar para
minha reação – Eu acho que sim. Era algo único o
suficiente para fazer você deixar o Nicardo. Satisfeita?
Agora me deixe dormir!
– Desculpe se te fiz falar o que não queria. – me
senti culpada – Mas eu precisava ouvir isso. Eu tinha
que ter certeza.
– Então você já sabia a resposta? – ela se
levantou.
– Acho que eu sempre soube que o que tinha
com o Nicardo iria acabar mais cedo ou mais tarde. A
diferença é que agora eu sei o porquê.
– Então você irá deixar o Nicardo? – ela
perguntou.
– Mas ainda não sei como. – me sentia muito
culpada – Eu gosto demais do Nicardo, não queria
magoar-lo. – Mas você sabe que, quando voltar toda a
sua memória, não terá como fugir disso. A menos que
decida esquecer o que passou co Alexis. Mas uma vez
de volta a sua cabeça, acho difícil que consiga se
esquecer novamente.
Dormir com as palavras de Thalassa foi uma
tarefa difícil. Ela tinha razão. Quando tudo isso


acabasse eu teria que tomar uma decisão. Eu iria ter
que magoar Nicardo. No momento parece mais fácil
dizer adeus ao Alexis, mas algo em mim dizia que não
haveria outro caminho. Eu iria deixar Nicardo. Se já
estava com essa certeza sem me lembrar de nada do
Alexis, provavelmente quando estivesse com ele de
volta a minhas lembranças...

Sonhei novamente com o nada. Mas desta vez
eu estava com todas as minhas dúvidas e tormentos.
Nem mesmo a música conseguiu apagar-los de minha
mente. Eu estava morrendo de pena do Nicardo e me
sentindo horrível por isso. Maldita hora que abri aquela
caixa. Deveria ter jogado fora quando tive
oportunidade. Ela não abria.

Aos poucos o cenário do sonho foi mudando.
Pequenas projeções começaram a pintar o branco,
como varias televisões congeladas em varias cenas da
minha vida. Eu via cenas da minha infância, dos meus
amigos e cenas em Ofir. Algumas eu já me lembrava,
outras pareciam completamente inéditas para mim.
Flutuei até o chegar ao topo. Eu estava cercada por
lembranças. De repente uma das telas "ligou".

Estava deitada, com um cavalo branco na
minha frente. Montado nele estava o rapaz de cabelos
castanhos que acreditava ser o Alexis.

– O que faz aqui? – o rapaz me perguntava
autoritário.
Eu não respondia nada.


– Eu te fiz uma pergunta! – ele voltou a falar –
Exijo uma resposta imediatamente.

Eu continuei sem dizer uma palavra e isso só
piorou minha situação.

– Como ousa calar-se de maneira tão indelicada
e rude para mim, não sabe quem sou plebéia? – ele
começava a ficar irritado – Levante-se e responda
minha pergunta, eu estou ordenando!
A tela escureceu. Ouvia apenas varias vozes
dizendo "Príncipe Alexis" repetidas vezes, o que me
deixou um pouco irritada. A imagem voltou a aparecer,
mas desta vez era a sala do Rei Céleo.

– Não parece uma espiã de Bianor! – era o Rei
Céleo quem falava.
– Mas deves admitir que nunca vimos tal moça
antes. – o rapaz começava a falar. – Ela apareceu
dentro das propriedades do castelo, nunca antes
alguém conseguiu invadir com tanta facilidade os
territórios reais. Ela só pode...
– Espere um pouco! – interrompi.
– Isto que disse sobre atrevimento exagerado?
– um homem, com uma aparecia mais jovem que a do
rei e uma voz um tanto afeminada falou.
– Sim, é exatamente isto! – o rapaz sorria
maliciosamente.
– Vamos deixar a mocinha falar! – Rei Céleo
parecia muito melhor do que quando havia o visto mais
cedo.

– Obrigada! – fiz uma reverencia automática –
Eu estava indo para escola quando passei na padaria
com a Camila...

– Quem é Camila? – o rapaz parecia fazer de
propósito.
– Camila é a minha amiga! – respondi educada.
– É onde está essa Camila agora? – o homem
de voz afeminada perguntava.
Novamente a cena mudou. Estava dentro de
um navio e estava vestindo uma roupa típica de
marinheira. Estávamos eu, o rapaz de cabelos
castanhos, Nicardo e Neandro conversando.

– Neandro! – o rapaz gritou – Não tinha outra
roupa melhor?
– Mas essa é a roupa clássica! – Neandro
respondeu sem entender.
– Pode voltar e usar uma de suas roupas! – o
rapaz continuava gritando – E escolha uma que... Que
tape mais as suas pernas!
– Mas está tão curta assim? – perguntei.
– Deixe-a usar a roupa Alexis, ela está muito
bonita! – Nicardo disse enquanto carregava algumas
cordas e respondeu a minha pergunta. O rapaz era
realmente o Alexis.
– Não! – Alexis gritou – Isso não é uma roupa
que a Beatriz usaria. Ela não gosta que esses lobos
fiquem olhando tanto para ela.

– Olha aqui, que decide o que eu gosto ou não
de usar sou eu! – agora eu quem gritava.
– Calma, calma! – Neandro tentava evitar uma
briga.
– Então prefere ficar assim... Nua! – Alexis
emburrou.
– Eu não estou nua. – rebati.
– Pois para mim está! – Alexis bateu o pé – Não
gosto nada de ver você assim.
– Que é isso Alexis, está com ciúmes? –
Neandro debochou da cara de Alexis.

– Ciúme? – Alexis ficou vermelho – Ciúmes
desta ai?
Desta vez a cena não mudou, ela simplesmente
acelerou. Nos rápidos flashs que passavam, vários
momentos que vivi em Ofir pareciam voltar a minha
cabeça. A sensação era sempre a mesma: Como se
nunca tivessem saído de lá.

– Você está lembrando-se de mim agora? – era
a voz dele. Alexis.
– Eu acho que estou. – respondi – Onde você
está?
– Bem aqui. – senti braço me segurarem pelas
costas – E pretendo continuar sempre aqui. Ao seu
lado. Eu só estou vivo por causa disso.
– Alexis!

– Não diga nada ainda! – ele tapou minha boca
– Eu vou esperar para ouvir o que você tem a me dizer
quando me achar. Eu quero sentir que é real.
– Está bem. – eu sorri – Eu vou te achar.
– Estou esperando por você. – ele suspirou –
Meu amor.
– Agora eu estou me lembrando de tudo. –
estava em extrema felicidade -Nada irá nos separar
outra vez.

– Eu realmente espero que seja assim. – ele
passou a mão em meu rosto – Não gostaria que, depois
de tanto esforço para me manter vivo, eu perdesse
você outra vez.
– Você nunca mais irá me perder! – o abracei
mais forte – Agora estaremos juntos para sempre.
– Mas você precisa me achar primeiro! – ele
sorriu – Eu ainda não me lembro de tudo. Ainda não sei
exatamente quem sou e nem como vim parar onde
estou. Tudo o que eu me lembro e de você e apenas
você é o que me faz querer continuar vivo.
Não esperei ele dizer mais uma palavra. Pulei
no pescoço dele e o beijei. Não queria saber se era um
sonho ou se era real. Tudo o que eu precisava naquele
momento era sentir aquilo. Eu precisava – agora que
havia recuperado minha memória – sentir aquele beijo
do jeito que deveria ser.

– Não demore muito. – ele começava a sumir.
– Eu não irei esperar mais um segundo! – disse.
– Obrigado. – ainda pude ver seu sorriso.

– Espere mais um pouco. Eu já estou chegando!
– Eu vou esperar. – apenas a voz dele
prevalecia – Eu vou esperar!
As cenas do meu passado continuavam ali e
agora eu entendia o motivo de sempre estar ali,
naquele nada. Minha mente já não tinha mais nenhum
espaço em branco. Todas as minhas memórias estavam
de volta.

Acordei com meu coração palpitando
enlouquecidamente. Eu havia me lembrado de tudo.
Estava tudo de volta. E eu sabia exatamente o que eu
deveria fazer e não queria perder mais um segundo.

Fui até a sala com cuidado para não fazer
nenhum barulho. O escuro me atrapalhou um pouco,
mas consegui chegar até a sala sem despertar a
atenção de ninguém. Procurei pelo rosto de Cosmo.

– Cosmo? – sussurrei – Cosmo? Acorde!
– O que? – Cosmo falou um pouco alto. Tapei a
boca dele.
– Shhh! – coloquei o dedo indicador a frente da
boca – Você irá me levar agora até Menelau. Eu preciso
resgatar Alexis e não posso perder mais tempo. E não
reclame, isso é uma ordem!

CAPÍTULO 13 / NOVAMENTE AO RESGATE


C
C
osmo me fitou com cara de assustado. Eu não o
culpava. No lugar dele eu também estaria assustada.

– O que está esperando? – perguntei – Os outros
acordarem?
– Você está maluca? – ele falou um pouco mais alto.
Tapei a sua boca.
Puxei Cosmo até a cozinha espantada com o
quanto ele era leve. Ele tentou destapar a boca, mas
me mantive firme e não o soltei até chegarmos à
cozinha.

– Não! – foi a primeira coisa que ele disse
depois que destapei sua boca.
– Por quê? – fui firme.
– Você ouviu o que Neandro e Nicardo
disseram! – ele estava bravo – Não vamos a lugar
algum por enquanto.
– Mas eu preciso ir agora! – quase gritei.
– Não. – ele respirou fundo – Beatriz, não é
nada pessoal. Eu apenas não quero confusão.
– Então me leve para Menelau! – estava
começando a ficar irritada.
– Eu já disse que não! – ele também – Está
parecendo criança. Pare de ser teimosa!
– Não me diga o que fazer, eu digo o que fazer
e você vai me levar! – tentei não dizer isso muito alto.
– Mas você... O que você quer fazer em
Menelau? – ele parecia estar baixando a guarda.

– Eu preciso resgatar o Alexis! – disse baixo.
– No bosque encantado? – ele deu um meio
sorriso – Nem pensar!
– Vamos? – tentei outra estratégia – Por favor?
Faz isso por mim?
– Não Beatriz! – Cosmo estava ficando chato.
Por que todos adoram me irritar?
– O que custa? – insisti – Eu digo que eu te
obriguei a me levar.
– Mas não é o que você está tentando fazer? –
ele deu um sobressalto na voz no "fazer".

– Está ficando nervoso? – perguntei.
– Ainda não. – ele falou baixo.
– Então está pensando em me levar? – sorri.
– Não Beatriz. – ele ficou sério.
– Então o que? – coloquei as mãos na cintura.
– Você não entende nada não é? – ele estava
zangado – Sair agora, além de deixar todos
preocupados, pode atrapalhar o grupo. Eu esperei
muito tempo para lutar ao seu lado. Sempre te admirei
e está sendo difícil recusar o seu pedido, mas eu
preciso pensar na sua segurança. Não posso
simplesmente te jogar no bosque encantado e te deixar
a mercê da sorte que sei que não tem. Se algo
acontecer a você será responsabilidade minha e eu não
quero carregar esse peso.
Por um instante pensei realmente em desistir.
Eu havia me lembrado de tudo, saberia me proteger.


Mas ouvir as palavras de Cosmo... Senti-me culpada de
certa forma. Mas eu precisava ir a Menelau. Tinha que
resgatar Alexis e não podia perder mais nenhum
segundo, nem que para isso e tivesse que ir sozinha
para o bosque encantado.

– Tudo bem, fique! – disse – Eu vou sozinha e
no submarino!
– O que? – desta vez ele gritou.
– Isso! – cochichei – Acorde todo mundo!
– Você não pode ir sozinha! – ele baixou a voz –
Você não sabe como manejar aquilo.

– Mas se quem sabe não quer me ajudar...
– Você não seria capaz. – ele levantou a
sobrancelha esquerda.
– Quer pagar para ver?
Ele coçou a cabeça e fez uma careta engraçada.
Provavelmente concluiu que eu seria capaz e não
gostou de imaginar a tragédia que seria eu dirigindo
aquele submarino sozinha – levando em consideração
que eu conseguiria tirar-lo do lugar.

– Vamos! – ele fez cara de derrota.
– Obrigada! – o abracei e dei um beijo em seu
rosto – Vou apenas deixar um bilhete!
Linfa, Neandro, Nicardo, Tales e Thalassa

Eu estou bem. Não se preocupem comigo,
voltarei logo.

Beijos e abraços


Beatriz

PS Não briguem com o Cosmo. Tive que
torturar-lo para ele me levar.

Conseguimos sair sem acordar ninguém. Cosmo
estava muito nervoso e quase acordou Nicardo e Tales
quando quase derrubou um vaso de flores, mas no fim
deu tudo certo. Ver Nicardo dormindo me deixou mal.
Estava ta lindo, descansando e pensando que ainda
tinha meu coração. Não sabia o que iria fazer quando
tivesse que contar que havia me lembrado de Alexis.

As ruas da cidade estavam sendo vigiada por
alguns guardas, mas não foi muito difícil passar por
eles. O local onde o submarino estava e que foi
realmente difícil. O porto estava cheio de guardas.

Passamos escondidos por grandes caixotes e
por trás de pequenas casas que haviam por perto e
quase fomos pegos diversas vezes. Isso até me animou
um pouco, sinal de que minha sorte estava mudando.

Entramos no submarino bem rápido. Não
queríamos que dessem por nossa falta enquanto o dia
não amanhecesse. Precisava estar bem longe dali
quando eles acordassem e, pela luz fraca das luas, isso
não estava muito longe de acontecer.

O submarino estava mais rápido. Já havia
recuperado todas as energias que havia perdido na ida
a Calidora. Isso ajudou muito. Em pouco tempo já


havíamos nos afastado de todas as fronteiras da
Capital.

– O que te fez querer ir para Menelau com
tanta urgência? – Cosmo perguntou da mesa de
controle.
– Eu me lembrei de tudo. – respondi.
– Tudo?! – ele se espantou – Quer dizer...
TUDO?
– Sim. – sorri – Me lembrei de absolutamente
tudo. Cada detalhe das coisas que vivi e senti em Ofir.
Está tudo de volta a minha mente.
– Mas que incrível! – Cosmo parecia muito feliz
– Isso é ótimo! Mas por que não quis esperar os
outros?
– Isso é uma coisa que preciso fazer sozinha! –
respondi séria.

– Você vai mesmo resgatar o Alexis? – Cosmo
também ficou sério – Acha que consegue?
– Acho que sei exatamente o que fazer.
– E o Nicardo? – ele perguntou devagar.
Provavelmente imaginando que essa era uma pergunta
delicada.
– Eu não sei ainda. –respirei fundo – Sinto-me
horrível, não sei como irei dizer isso para ele. Não sei
nem se conseguirei encarar-lo de novo. Não depois do
que eu prometi a ele em Leander.
– Você tem realmente um grande problema nas
mãos. – ele estava serio.

– Obrigado por lembrar. – fui
desnecessariamente rude.
– Acha que conseguiremos entrar em
Menelau? – ele perguntou – As tropas de lá devem
estar conferindo cada grão de areia que entra no reino.
Você tinha pensado nisso?
– Ainda não. – respondi preocupada.
– Pois é melhor começar a pensar! – ele olhava
pelo binóculo – Chegaremos a Menelau no inicio da
tarde.
– Estou pensando! – respondi dentando-me no
sofá.
Odiava mentir, mas não estava com cabeça
para pensar em um jeito de entrar em Menelau. Estava
mais preocupada era com Nicardo. Ele realmente tinha
todas as razões do mundo para não querer que eu
recuperasse a memória. Pelo menos não toda a
memória.

Eu estava planejando como deveria falar com
ele. Como agir. Imaginando suas reações e sabendo
que nenhuma será boa, porque nenhuma evitaria que
ele se machucasse. Eu preferia que a minha escolha
machucasse apenas a mim.

Fiquei imaginando se eles já teriam lido o
bilhete. Nicardo com certeza vai saber para onde fui e o
que aconteceu no mesmo momento. Por que as coisas
têm que ser tão difíceis? Por que a vida tem que ser
feita de escolhas? Por que não podemos seguir um


caminho alternativo? Sempre tem que ser um caminho
ou outro. Nunca existe uma terceira opção nessas
situações. E eu estava me sentindo tão estranhamente
mal, mas ao mesmo tempo tão estranhamente bem.
Minha memória voltou, mas agora eram outros
problemas que lotavam minha mente. Outros
sentimentos que inundavam meu peito e outras
sensações que encharcavam a minha alma. Talvez eu
precisasse de um psicólogo. Ou um psiquiatra? Nunca
sei a diferença de um para o outro.

Como Cosmo havia dito, no inicio da tarde já
estávamos em Menelau. Ele parou o submarino em um
local afastado do porto e ficou fitando o meu rosto sem
parar. Por alguns instantes eu estranhei, mas depois
lembrei que fiquei de dar uma solução para entrarmos
em Menelau.

– Tudo bem, vamos ver... podemos ir voando?
– sugeri.
– Não sei se sou bom nisso. – ele levantou a
sobrancelha direita.
– Então eu vou sozinha! – eu disse indo para a
porta do submarino.
– Não mesmo! – ele gritou – Eu irei te
acompanhar!
– Pare com isso garoto! – sorri – Não há
necessidade!
– Mas se precisar de ajuda? – ele estufou o
peito – Estou pronto para defender.

– Não há necessidade. – continuei sorrindo – Eu
já me lembro de tudo e já sei como me defender. Você
será mais útil aqui.
– Tem certeza? – ele não parecia ofendido.
– Claro que tenho! – tentei parecer
descontraída.
– Não gosto desta idéia! – ele fez bico.
– Não precisa se preocupar! – dei um tapa leve
no ombro dele – Eu vou ficar bem!
– Jura? – ele perguntou.
– Juro! – selei o juramento beijando os dedos.
– Então leve o comunicador com você! – ele
pegou um dos comunicadores que estava em uma
gaveta – Sentirei melhor se levar.
– Se você se sentirá melhor...
– Mas é para usar mesmo! – ele segurou um
pouco o comunicador – Seja para dizer que está
voltando.
– Tudo bem! – achei graça – Está parecendo a
minha mãe.
– No momento eu sou o responsável por você!
– ele sorriu.
– Mmm Papi. – fiz biquinho.
– Isso é serio! – ele sorriu e deu um leve
empurrou no meu ombro direito.
– Tudo bem! – abri a porta do submarino.
– Cuide-se e tente não demorar! – ele gritou
antes de eu sair.
– Pode deixar! – gritei já do lado de fora.

O som do vento era forte em meus ouvidos. As
ondas do mar também mostravam presentes. Olhando
lá de cima, o oceano tão azul e o céu tão claro e quase
impossível pensar que uma grande guerra está
acontecendo. Era tudo tão lindo e tranquilo, a sensação
de liberdade era tão grande enquanto voava que quase
me esqueci de que Bianor estava prestes a destruir
tudo aquilo.

Voei um pouco mais alto quando me aproximei
de Menelau. Não queria correr o risco de ser
identificada. Havia pássaros voando ao meu lado.
Grandes pássaros, livres e felizes. Eu não podia deixar
que toda essa beleza e magia que existe em Ofir
pudessem acabar.

Fui descendo ao poucos quando avistei o
bosque. Não havia muitas pessoas naquela região, o
que eu já esperava. Resolvi descer e me apressar.

A entrada do bosque era exatamente como eu
me lembrava.

A entrada do inicio do bosque continuava igual.
A madeira pendurada por dois troncos, a escadaria.
Estava tudo do mesmo jeito.

Cheguei perto da entrada e passei a mão no
lado das madeiras tentando encontrar as paredes
invisíveis. Mas elas não estavam lá. O que será que
havia acontecido?


Quando passei pelo portal tive uma
desagradável surpresa. Estava completamente
diferente do que se via fora do portal. O local estava
escuro e chovia muito. As folhas das árvores estavam
todas pretas e os troncos eram um marrom
acinzentado. A escadaria era um grande morro de
barro e o chão estava coberto de lama e folhas secas.

Corri o mais rápido que pude e fiquei
desesperadamente gritando por Alexis. Eu podia sentirlo,
mas não sabia onde encontrar-lo. Eu estava
apavorada e sem saber o que fazer.

De repente notei que não sabia mais por onde
eu havia entrado e que não fazia idéia de onde havia
me metido. Era tudo igual a tudo e ao mesmo tempo.
Eu andava, andava e andava e parecia nunca chegar a
lugar nenhum. Gritei novamente desesperada por
Alexis, até que olhos surgiram das árvores. Vários olhos
brilhantes.

– Os seres do bosque! – me lembrei – Seres do
bosque? Lembram-se de mim? Eu e meus amigos
salvamos vocês uma vez do dragão que perturbava
vocês. Poderiam me ajudar?
Como imaginei, eram eles. Vários seres
pequenos e de pés gordos caíram da árvore e
formaram um circulo ao meu redor. Então o chefe saiu
do meio deles e veio falar comigo.

– O que querer você? – ele perguntou –
Problemas demais. Embora queremos que vá!


– Eu queria uma ajuda! – disse tentando
parecer amiga.
– Lembrar de você todos nós. – ele não parecia
feliz – Você e amigos de você trazer a destruição para
nós. Não querer ajudar você! Embora queremos que
vá!
– Embora, embora, embora! – os outros
repetiram.
– Não! – gritei – Não foi culpa minha. Não foi
culpa nossa! – Desde que matar dragão, tudo de ruim
aconteceu com nós. Querer vocês destruir povo nosso.
Não poder deixar que faça de novo.
– Vocês não entendem? – fiquei assustada –
Não foi culpa minha. Eu ajudei vocês. Isso é culpa de
Bianor! Conhecem Bianor?

– Não saber quem é Bianor. – ele respondeu
híspido.
– Por favor, apenas me digam, um daqueles
amigos meus veio para cá?
– O rebelde? – o chefe perguntou com nojo –
Ele não querer virar ser do bosque. Magia que protegia
o bosque está enfraquecida, mas ainda transforma os
perdidos. Apenas ele não virar ser do bosque.
– Por favor, poderiam me levar até ele? – tentei
ser esperançosa.
– Não saber nós. – o chefe pensava – O que
ganhar em ajudar?

– Eu prometo que se me levarem até ele eu os
ajudarei a fazer com que no bosque seja como era
antes.
– Prometer? – o chefe perguntou. – Sim, mas
provar você que irá cumprir fazendo ritual de
promessa.
– Ritual? – estranhei – Que tipo de ritual?
– Beijar pé meu! – o chefe levantou o pé.
Aquele era o pé mais nojento e fedido que eu
já havia visto. Ele tinha uma forma arredondada e era
gordo por causa das varias bolhas que tinha. O pé era
cheio de cortes e cicatrizes e tinha restos de coisas que
preferia nem imaginar.

– Beijar ou não beijar? – o chefe perguntou.
– Desde que eu não me esqueça de socar o
Alexis por isso. – estava tomando coragem – Vamos lá.
Abaixei-me e segurei o pé do chefe. Apenas
olhar para aquilo já me embrulhava o estomago. Mas
precisava resgatar o Alexis e se esse era o preço...
poderia ser coisa bem pior. Fui me preparando para
beijar, quando uma mão me impede.

– Brincadeira ser isso! – o chefe gargalhou e
todos o acompanharam – Não ser ritual nenhum. Teste
apenas ser. Querer ver se coragem tinha. Disposta
estava mesmo, ganhar voto de confiança.
Confesso que não consegui esconder o quão
aliviada eu estava quando o chefe disse isso. Seria uma
experiência traumática e que eu não conseguiria


apagar nunca da minha memória, nem se eu fosse e
voltasse de Ofir mil vezes.

Os seres da floresta me levaram para dentro de
um tronco e um lugar completamente diferente
apareceu.

– No fundo acreditar em você eu sinto. – o
chefe falou – Apenas querer nós alguém para culpar.
O esconderijo dos seres da floresta era como
uma grande casa. Tudo era feito de troncos. Haviam
vários quartos, mas todos ficavam a mostra, como se
fosse casa de boneca. Muitos corriam pelos corredores,
entre os vários andares, enquanto outros trabalhavam
em um tipo de grande máquina.

– Achar você pode? – ele perguntou.
– O que? – estranhei.
– Ele aqui estar! – o chefe sorriu – Agora achar
você onde ele está.
– Obrigada. – sorri sarcástica.
– Mas amigo seu não ser mais igual como
lembrar. – o chefe falou – Amigo seu ser um de nós
agora. Não inteiro, mas ser ainda um de nós.

N


CAPÍTULO 14 / LIBERTANDO ALEXIS


ão consegui parar de fitar o rosto do chefe. Apesar de
não parecer nada além de um amontoado de sombras
e folhas, acredito ter visto um sorriso maléfico no rosto
dele. Obviamente perguntei o que qualquer pessoa em
me lugar perguntaria:

– Você está de brincadeira?
– Eu não brincar. – ele ficou serio – Não da vez
de agora.
– Tudo bem, então que dizer que você me
trousse aqui para nada? – olhei zangada para ele.
– Se salvar amigo seu é nada para você? – ele
continuava serio.
– Não é isso... Esquece! – fiz um sinal de
desdém com a mão.
– Se preferir assim for? – ele pulou para o
andar de baixo.
– Ei! Espere por mim! – desci as escadas atrás
dele.
O lugar era mais confuso do que aparentava
ser. As escadas tinham varias passagens e você nunca
sabia qual delas a levava para qual caminho. Tentei me
localizar pelo salão principal, mas era tudo muito
confuso.

Só para entender melhor, entramos pelo
tronco e vimos um grande e fundo buraco. Você


conseguia ver vários quartos, todos sem paredes e
conseguia ver um grande salão no final do buraco. Da
entrada você conseguia ver absolutamente tudo do
grande esconderijo, mas então aparecem as escadas.

Os dois lados da entrada são cercados por duas
escadas. Elas são as únicas coisas com paredes naquele
local. Você entra e não enxerga mais nada além das
escadas. Mas se você conseguir entrar em um dos
quartos por essas escadas, você consegue ter uma idéia
de onde você está. Mas acredite isso é muito difícil.

Continuei andando e tentando seguir na
direção em que o chefe foi e fazendo do possível ao
impossível para não me perder no meio de tanta
escadaria. Se eu não estivesse tão desesperada, estaria
achando tudo isso extremamente divertido.

– Ei! Pare! – gritei quando vi o chefe – Fique ai
mesmo!
– Querer você que eu ficar? – ele perguntou.
– Sim! – respondi tentando localizar qual
caminho usaria para chegar até onde o chefe estava.
Por incrível que pareça os outros seres do
bosque não ficavam nem um pouco espantados ou com
raiva quando invadia seus quartos. Eles simplesmente
agiam como se eu não estivesse por ali ou como se já
tivessem se acostumado com a falta de privacidade.

Continuei descendo as escadas e novamente
perdi o chefe de vista. Isso era um pouco irritante.


Tentei manter a calma e não estourar e começar a
fazer um escândalo. Esse chefe trapaceiro!

– Chefe! – gritei quando o vi novamente – Pare
de fugir de mim!
– Não fugir de você eu estar! – ele parecia
debochar da minha cara – Apenas querer ao salão
grande chegar!
– E onde fica esse salão grande? – confesso que
foi uma pergunta ridícula.
– O salão ser o salão. Centro de toda árvore. No
meio ficar.
– Mas não poderia esperar por mim? – segui
pelas escadas.
Desta vez consegui manter o chefe a vista. Ao
estava aprendendo a me locomover naquela louca
construção ou ela é que havia se simplificado.

Olhei para todo o percurso que havia feito e me
surpreendi com o caminho que havia feito. Não parecia
lógico eu ter andado por toda aquela árvore em menos
de três minutos. Aquilo era algo que demoraria pelo
menos duas horas para percorrer. Mas se naquele
mundo poucas coisas faziam sentido, naquela árvore
absolutamente nada tinha alguma lógica.

O chefe estava sempre a minha frente, pulando
de andar em andar por entre os quartos. Por instantes
esqueci de que era uma maga e poderia fazer o
mesmo. Se tivesse me lembrado disso antes teria
poupado tempo.


Assim que entrei em um quarto e avistei o
chefe pulei e fui voando para o quarto que o chefe
estava. Ele não pareceu surpreso e novamente pulou
para outro quarto. Eu, claro, o segui. Ficamos nesta
perseguição até chegarmos ao fim do grande buraco.

– Salão Grande finalmente chegar. – ele sorriu.
– O Alexis está por aqui? – perguntei.
– Sim, talvez. – ele olhou para um lado – Ou
não, talvez. – ele já estava me irritando. – Isso terá
você descobrir sozinha.
– Mas pode me dizer ao menos se ele mudou
muito? – tentei ficar calma e me preparar para a
resposta.
– Se físico é pergunta, resposta ser sim. – ele
balançava a cabeça lentamente – Um de nós ele
começar a ser. Mas se pergunta for interior, resposta
ser não. Existir algo dentro dele que deixar ele preso a
vida que passou. Mas se quiser amigo seu salvar,
apressar logo ou ele desaparece.
– O que? – levei um susto – Do que você está
falando chefe?
– Varias histórias sobre nós existir por ai. Mas
verdadeira nenhuma ser. Nosso nascer, apenas nós
sabemos e ninguém mais. Você ser primeira a saber o
que de verdade aconteceu.
– Agora vai contar histórias? – estava perdendo
a paciência.
– Importante ser história de nosso nascer.
Gostar você de ouvir. – ele se sentou e eu fiz o mesmo

– Após rei proibir entrada no santuário, bosque ser
amaldiçoado para sempre. Magia irreversível, ninguém
além de rei poder quebrar. Ele dizer que todos aqueles
que ordens suas desobedecer, amaldiçoados serão e
eternamente preso em bosque ficarão. Esquecer de
vida todos irão e viver feito selvagens para toda vida.
Por isso nascer todos nós.
– Não se ofenda – eu disse – mas por que eu
acharia essa história importante?
– Amigo seu não ser um de nós por completo. –
ele suspirou – Vida antiga ainda se lembrar. Ele preso
ao outro mundo que viveu, maldição não se cumprir.
Se não amigo seu encontrar e se não amigo seu ajudar
a se lembrar amigo seu sumirá. Maldição o fará sumir
para sempre.

– E por que não me contou isso antes? – fiquei
nervosa – Eu exijo que o traga para mim agora!
– Não poder eu trazer. – o chefe respondeu –
Contra regras ser. Você achar amigo seu precisa.

– Mas você poderia ao menos... Pode ser
qualquer um?
– Qualquer um pode ser amigo seu. – ele ficou
bem serio – Qualquer um pode não ser amigo seu.
– Quer parar de me por nervosa por favor?! –
gritei alto demais.

– Deixar sozinha você eu irei.
O chefe seguiu para uma sala e sumiu na
escuridão. Eu estava sozinha com vários possíveis
Alexis. Não sabia por onde começar e não sabia se


tinha tempo o suficiente para perder. Resolvi começar
a conversar com eles.

– Desculpe... – não sabia como começar – Você
me conhece?
– Ser moça que ajudar a matar dragão e
transformar bosque no que virou. – ignorei essa
resposta.
– Mas você me conhece? Digo, tem outras
lembranças minhas? – tentei.
– Ser moça que ajudar a matar dragão e
transformar bosque no que virou. – ele repetiu a
resposta – Não ser lembranças suficientes?
– Obrigada! – desisti.
Todas as pessoas com quem conversei foram a
mesma situação. Lembravam de mim, mas apenas
como a "que ajudar a matar dragão e transformar
bosque no que virou" e nada mais. Isso era péssimo.

Tentei e tentei várias e várias vezes. Estava
sendo um pesadelo. Eu nunca iria achar-lo. Talvez ele já
tivesse desaparecido e eu estava ali, sujeita a me
transformar em um deles a qualquer momento. Tinha
que tirar esse pensamentos da minha cabeça.

– Olá? – continuei tentando – Por acaso me
conhece?
– Ser a moça que ajudar a matar...
– ...matar dragão e transformar bosque no que
virou. – completei – Obrigada.

Estava realmente preocupada. Não queria
desperdiçar mais nenhum segundo. Eu tinha que achar

o Alexis. Não poderia desistir jamais. Não era apenas a
minha vida que estava em jogo. Eu precisava salvar
Alexis para poder salvar toda Ofir. Eu sentia que sem
Alexis eu nunca derrotaria Bianor.
– Chefe? – comecei a falar sozinha – Será que
poderia aparecer? Chefe?
– Estar aqui! – ele apareceu do nada.
– Que susto! – coloque a mão no coração.
– Amigo seu achar? – ele perguntou.
– Ainda não chefe! – estava chorando – Você
precisa me dizer onde o Alexis está! Não sinto que ele
esteja entre os que estão aqui.
– Querer ajudar, mas não poder. São regras.
– Mas que regras? Quem colocou essas regras?
– estava nervosíssima.
– Regras sempre existir. Maldição impor regras.
Regras serem...
– Não precisa explicar! – cortei logo o assunto –
Não quero perder tempo.
Corri, saltei e comecei a voar até o topo. Eu
estava chorando, sentia as lágrimas molhando minhas
roupas. Estava desesperada, meu coração estava
prestes a sair do meu corpo e preferia nem imaginar
como estava meu rosto. Por que essas coisas sempre
acontecem comigo?


Cheguei ao topo mais rápido do que quando
desci ao Salão Grande. Isso era ótimo, estava
precisando de todo o tempo que me fosse possível ter.
Sai da árvore/esconderijo e tive uma grande surpresa.

– O que vocês estão fazendo aqui? – perguntei.
Na minha frente estavam Cosmo, Thalassa,
Tales e Nicardo. Sem dúvida uma grande surpresa –
ainda estava me decidindo se era uma agradável ou
desagradável surpresa.

– Você demorou tanto para voltar. – Cosmo
começou a se explicar – Eu tive que voltar e pedir
ajuda.
– Cosmo, seu apressado, eu não demorei nem
20 minutos! – gritei tentando esconder o choro.
– 20 minutos? – Cosmo estranhou – Beatriz
você está sumida há quase 2 dias!
– 2 dias? – gritei – Impossível!
– Achamos que nem iríamos te achar. Pelo
menos não tão rápido. – Cosmo coçou a cabeça.
– Mas como? – também cocei a cabeça.
– Passar diferente tempo dentro do
esconderijo. – uma voz surgiu do nada.
– Que susto! – disse quando vi o chefe ao meu
lado – Vai começar a aparecer de surpresa agora?
– Desculpe. – ele baixou a cabeça – Tentarei
assustar você não mais.
– Eu ficaria agradecida! – sorri. – Esses são os
meus outros amigos.

– Conhecer todos, menos esse! – ele apontou
para Cosmo.
– Ele é novo. – respondi.
– Não parecer novo! – ele chegou perto de
Cosmo – Parecer mais velho que você!
– Não chefe! – sorri de verdade – Ele é novo no
grupo. Entrou há pouco tempo.
– Mas explique melhor essa história do tempo.
– Nicardo estava serio.
– Tempo passar mais devagar em esconderijo.
– o chefe começou a explicar – Tempo ser relativo em
cada lugar mágico. Lugar mágico esconderijo ser,
tempo passar diferente.
– Mas por que o tempo passa normalmente no
bosque? – perguntei.
– Bosque não ser lugar mágico, ser lugar
amaldiçoado. – o chefe respondeu.
– Nossa, faz muita diferença.
– Diferença sim fazer! – o chefe se zangou –
Lugar mágico nasce mágico. Sempre ser mágico desde

o inicio dos tempos. Lugar amaldiçoado não nascer
mágico, ser transformado em mágico. Não ser a mesma
coisa.
– Mas espere um minuto! – comecei a
raciocinar – Se eu estou aqui há quase 2 dias por que
não me transformei em um ser do bosque?
– Pergunta boa ser! – o chefe balançou a
cabeça positivamente.
– Então não sabe a resposta? – estava surpresa.

– Não saber resposta para isso. – ele
respondeu. – Fato talvez de não 24 horas passar no
esconderijo ser resposta.
– Acho que isso não importa muito. – disse um
pouco apressada – Acho que você já estão sabendo o
motivo de eu ter vindo aqui.
– Na verdade não. – Nicardo resmungou –
Cosmo não contou nada.

– Cosmo! – não sabia se ficava feliz ou
chateada.
– Amigo seu estar atrás! – o chefe antecipou
minha resposta.
– Está atrás do Alexis. – Nicardo estava me
assustando – Você recuperou toda a memória e veio
atrás do Alexis. Você deveria ter me comunicado!
– Calma, não é isso. – fiquei assustada.
– Então o que é? – Nicardo perguntou.
– É isso! – estava confusa – Mas não é assim
como você está falando. Nicardo, depois a gente
conversa.
– Mas você ao menos conseguiu achar o Alexis?
– Nicardo estava muito chateado.
– Não. – respondi de cabeça baixa.
– Veio inutilmente! – Nicardo falou um pouco
grosso demais.
– Não! – levantei a voz – Ainda vou achar-lo.
Não dá para voltar sem ele.
– Eu imagino o motivo. – estava com muito
medo das reações do Nicardo.

– Não é isso que você está pensando! – menti.
Em partes.
– Por que ele não te mostra onde o Alexis está?
– Cosmo tentou não parecer ofensivo quando disse
"ele" apontando para o chefe com os olhos.
– Ele não pode! – respondi – Tem uma regra
estúpida que o proíbe de me ajudar.
– Que ótimo! – Nicardo não estava bem.
– Estão ajuda precisando vejo eu! – o chefe deu
alguns passos à frente – Ajudar não poder diretamente,
mas dar chance de escolher.
O chefe estalou os dedos e quatro seres do
bosque apareceram na nossa frente. Eram seres do
bosque diferentes dos demais. Eles tinham uma altura
maior e um corpo mais parecido com os de um
humano, mas seu corpo era feito de sombras e folhas,
nada era 100% nítido e estava começando a entender
qual seria a proposta do chefe.

– Aqui ter quatro amigos seus possíveis. – ele
chegou perto dos quatro seres – Três ser de mentira,
ilusão. Apenas um ser o verdadeiro. Se verdadeiro
escolher, estará livre. Se errar, ficará preso amigo seu
até sumir.
– Sumir? – Thalassa perguntou – O que ele está
dizendo?
– É uma longa história! – olhei para o chefe. Ele
entendeu e assentiu – Essa floresta foi amaldiçoada
pelo rei pouco depois de ser proibida as visitas ao

santuário. Todos que entram esquecem-se de quem
eram e ganham nova forma. Mas Alexis não esqueceu
completamente seu passado. Existe algo nele que o
prende ao mundo de onde ele veio e isso não está
deixando a maldição se cumprir. O fato é, se a maldição
não se cumprir Alexis vai desaparecer para sempre.

– Serio? – senti um tom de deboche e prazer
em Nicardo.
– Perder tempo não poder você! – o chefe disse
– Ser rápida e logo escolher quem amigo seu ser.
– Assim, tão rápido? – pergunta idiota.
– Ele disse que não pode perder tempo. Acho
que é assim "tão rápido" sim! – Nicardo estava muito
estranho. Nunca tinha o visto ser tão... Insuportável.
Reparei que ainda estava chovendo e notei que
a situação começava a ficar idêntica a cena do meu
sonho. Eu comecei a me apavorar.

– E se eu errar? – disse alto.
A chuva ficava mais forte ainda, como no meu
sonho e quase não conseguia respirar.

– Eu estou com medo! – as falas estavam
mudadas, mas a chuva aumentou exatamente como no
sonho.
– Você precisar, amigo seu sumir para sempre!
– chefe continuava me pressionando.
– Eu preciso? Tem que ser eu? – estava
chorando de desespero – Eu não consigo! Eu não
posso! Eu não posso!
– Tente! – o chefe falou.

– Tente, tente, tente, tente, tente! – varias
vozes surgiram das árvores.
– Eu não consigo. Não consigo! – a chuva não
dava trégua e o meu sonho continuava se
concretizando.
– Faça um esforço. – os quatro falam ao mesmo
tempo – Por mim.
– Você é... Não você... Você... Eu não consigo!
– Você consegue! – Era Thalassa.
– Você consegue! – Tales veio para o meu lado.
– Não poderia evitar para sempre! – Nicardo
estava muito triste.
– O Alexi é...
– Não desista! – a voz feminina surgiu dentro
da minha cabeça. Agora eu reconhecia a voz. Era a
Rainha Alina.
– Você! – apontei para o terceiro – Você é o
verdadeiro Alexis! Príncipe e herdeiro do trono da
Capital!
Fechei os olhos. Não queria ver o que havia
feito. Tinha certeza absoluta de que havia errado e
estava muito apavorada para encarar o meu erro. Eu
havia posto tudo a perder. Maldita sorte! Ou melhor,
maldita má sorte!

Senti uma mão segurando meu ombro.
Acreditei que fosse Nicardo, mas não pareciam as mãos
dele. Eram mais leves e suaves. Eram como umas mãos
que conheci algum tempo. Um suspiro forte bateu em
meus ouvidos. Alguém se aproximou.


– Você conseguiu Beatriz! – eu conhecia muito
bem essa voz – Você me libertou!

CAPÍTULO 15 / BOTANDO O PAPO EM DIA


E
E
u ainda não estava acreditando no que vi. Era
realmente o Alexis. Era realmente ele quem estava ali,

na minha frente. Eu olhava para ele e não conseguia
acreditar que era verdade. Eu não havia errado. Alexis
estava de novo "entre nós."

Sentir o Alexis era muito mais emocionante que
em meus sonhos. Saber que tudo aquilo era real foi
mais do que eu podia aguentar. Era muito. Era
realmente muito. Era muito mais do que eu podia
suportar.

Meu coração não parava por um único segundo
de acelerar. Sentia que havia cortado o freio e agora
estava com o coração completamente desgovernado.
Tinha medo que ele explodisse de tanta emoção.

Minhas pernas também não ajudaram.
Tremiam mais que qualquer outra coisa e eu sabia que
não era frio. Já havia esquecido que estava chovendo e
que eu estava completamente ensopada, assim como
todos os outros. Teria muita sorte se não pegasse um
resfriado – e vendo o que aconteceu, começo a
acreditar que minha sorte está mudando.

– O que foi? – sua voz parecia ainda mais bela –
Não está me reconhecendo mais?

– Estou seu bobo. – não sei como isso saiu –

Mas não estou acreditando que acertei. Tinha certeza

de que iria acertar.


– Já eu não tinha dúvidas! – ele abriu um largo
sorriso.
Alexis estava mexendo comigo de uma forma
que eu não conseguia entender. Era mais forte que
qualquer coisa que eu já havia sentido. Não era mais
apenas uma paixão passageira, era amor de verdade e
esse reencontro só havia confirmado isso.

Tive que segurar o impulso de beijar-lo. Não
queria fazer essa crueldade com Nicardo. Ainda éramos
namorados e eu ainda devia respeito a ele. Se pudesse
ao menos terminar com Nicardo sem magoas.

– Você não mudou nada! – Alexis continuava
falando – Nem parece que se passaram... Quanto
tempo já se passou?
– 1 ano e alguns dias. – Thalassa respondeu.
– Que bom! – Alexis suspirou aliviado – Achei
que poderia ter passado mais tempo. Como vocês
lidam com o tempo? – Alexis perguntou ao chefe.
– Não saber. – ele deu de ombros – Tempo ser
insignificante. Nós ter todo mundo de tempo. Não
prender a coisas essas.
Olhei para o braço de Alexis. Uma grande
cicatriz contornava o braço esquerdo, pouco abaixo do
cotovelo. A triste lembrança do meu último dia em Ofir
no ano anterior me veio à cabeça de imediato. Certas
coisas eu preferia não ter me lembrado. Era doloroso
demais para ser mantido em minhas lembranças.


A chuva começou a diminuir, mas não parou.
Por alguns instantes o bosque ficou mais verde e pude
sentir algo mágico no ar.

– Magia de bosque querer bosque de volta
como era. – o chefe falou quando viu meu rosto – Mas
magia ser muito fraca para isso fazer.
– Minha promessa ainda está de pé! – disse me
abaixando um pouco – Eu irei, ainda não sei como,
fazer com que esse bosque seja exatamente como ele
era antes!
– Que promessa é essa Beatriz? – Cosmo
perguntou.
– De certa forma o que aconteceu aqui foi
culpa minha. – levante-me – Se eu tivesse lutado contra
Bianor na primeira vez que cheguei aqui e cumprido
meu destino nada disso teria acontecido. Sinto-me
responsável pelo que aconteceu em toda Ofir.
– Mas não foi culpa sua! – Alexis estava
tranquilo – Você fez o que qualquer outra pessoa faria.
Não era um problema seu, era nosso.
– Que agora se tornou um problema meu. –
tentei não parecer nervosa.

– Problema seu, mas que resolver não vai se
aqui ficar. – o chefe olhou para o alto. A chuva
começava a ficar mais forte novamente – Do bosque
sair rápido. Maldição cair em todos se continuarem a
ficar.
– Ele tem razão! – Thalassa ficou séria – Já
conseguimos o que queríamos, agora vamos sair daqui.

– Então o que estamos esperando? – Tales
falou alto – Não quero virar uma dessas coisas! Sem
ofensas. – Tales fitou o chefe.
– Não ofender. – o chefe balançou a cabeça.
– Obrigada! – fiz uma reverencia ao chefe – Foi
um jeito meio estranho de ajudar, mas sei que fez o seu
melhor.
– Agradecido eu ficar depois que bosque ao
que era antes voltar. – o chefe sorriu – Agora vão!
Vários olhos iluminaram nosso caminho para
fora do bosque. Não queria admitir, mas eu adorava
aquele lugar. Apesar do jeito estranho dessa gente, eles
são todos legais. Um dia já foram humanos e imagino
que devem sofrer por não lembrar quem eles eram
antes – sei exatamente como é.

Ficamos muito ocupados tentando chegar ao
submarino para conversar, mas notei que Nicardo
fitava Alexis a cada 5 minutos. Isso me preocupava
demais. Como ele reagiria quando soubesse, ou
melhor, tivesse a confirmação de que tudo o que eu
sentia pelo Alexis voltou ainda mais forte do que antes?

Alexis parecia nem notar que eu e Nicardo
estávamos namorando. Era como se nem desconfiasse
deste fato, o que me fez pensar até onde Alexis se
recordava da época em que estava se transformando
em um ser do bosque.


Quando entramos no submarino – após o susto
que Alexis levou – começamos a relaxar e colocar o
papo em dia.

– Você é realmente incrível Cosmo! – Alexis
admirava o submarino – Se tivéssemos um desses na
primeira vez teríamos poupado muito tempo de
viajem. Talvez Ofir não estivesse nesta situação.
– Acredito que Ofir chegaria a este estado mais
cedo ou mais tarde. – Thalassa estava séria – Essa é
uma profecia imutável. Ele tem que acontecer!
– Infelizmente eu sei disto. – Alexis ficou triste.
– Mas nem tudo está perdido! – Cosmo injetou
um pouco de esperança na conversa – Estamos aqui!
Estamos tentando! Isso não irá durar para sempre. Não
é para isso que estamos lutando?
– Boas palavras! – Tales parecia com sono.
– Mas vamos falar de coisas alegres! – resolvi
mudar de assunto – Alexis está de volta ao time!
– Vocês não sabem a saudade que eu estava de
todos! – Alexis sorriu.
– Nós também estávamos! – Nicardo entrou na
conversa com um tom debochado e sínico.
– Nicardo! – Tales falou alto – Você está
parecendo o Alexis!
– Deixe-o. – um tom de superioridade muito
familiar voltou à voz de Alexis – Eu já conheço a pessoa.
– Mas conte tudo o que aconteceu! – Thalassa
cortou o clima estranho.

– Depois que consegui pistas do paradeiro da
minha mãe com alguns guardas de Bianor que estavam
do nosso lado, comecei a procurar por ela. – Alexis
começou a explicar – Eu tentava seguir as pistas, mas
algo sempre me levava para outros lugares. Era como
se existisse algo que me impedia de chegar perto da
minha mãe. Até que uma das pistas me levou para o
bosque.
– E por lá ficou! – Tales pensou alto.
– Eu não sei exatamente, mas eu havia
conseguido sair do bosque. – Alexis lembrava – Eu sei
que parece estranho, mas eu senti que se eu me
transformasse em um ser do bosque eu encontraria
minha mãe.
– Realmente, parece uma lógica estranha. –
Cosmo falou da mesa de controle.

– Eu resolvi voltar e quando dei por mim eu
estava me transformando. Tentei memorizar algo
imediatamente. Sabia que se tentasse memorizar algo
da minha vida eu conseguiria driblar a transformação,
então eu pensei na coisa mais importante da minha
vida.
– Sua mãe? – Nicardo perguntou.
– Não. Beatriz! – Alexis disse meu nome
pausadamente em uma clara demonstração de
implicância com Nicardo – Quando eu me esqueci de
tudo, apenas a Beatriz me manteve ligado a minha vida
anterior e eu sabia que apenas ela poderia me trazer
de volta. Por isso eu fiquei desesperado quando senti a

presença dela em meu peito. Eu sabia que ela estava
em Ofir e tentei loucamente me comunicar com ela,
mas nunca conseguia. Até que um dia consegui e agora
aqui estou eu de volta. Por isso a Beatriz é minha
salvadora.

– Mas ela está comigo agora! – Nicardo
levantou a sobrancelha esquerda.
– Por quanto tempo? – Alexis provocou.
– Vamos parar com a briga? – gritei – Vocês
dois parecem crianças, que coisa mais feia! Querem
que eu coloque os dois de castigo?
Tanto Alexis quanto Nicardo abaixaram as
cabeças. Eles realmente estavam agindo feito crianças.
Eu estava nervosíssima. Se em menos de 20 minutos os
dois já estavam assim, como seria a nossa jornada
daqui a 1 mês?

– Mas o que aconteceu por aqui durante o
tempo que fiquei preso no bosque? – Alexis mudou de
assunto.
– Coisas muito ruins! – Thalassa parecia não
querer contar – Leander e Sotero foram destruídas por
Bianor. Bianor começou uma guerra particular contra
os dois reinos que acabaram não suportando e sendo
destruídos.
– Que coisa horrível! – Alexis estava realmente
chocado.
– Leander ainda tentou se reconstruir algumas
vezes, mas não foi possível. Bianor sempre dava um
jeito de destruir tudo o que eles reconstruíam.

– Isso é realmente muito ruim! – Alexis
lamentou.
– Mas isso não é o pior. – Thalassa parecia ter
medo de continuar contando.
– Ainda tem mais?! – Alexis gritou.
– Depois de Neide, o reino de Calidora também
se juntou a Bianor.
– Malditos! – Alexis ficou nervoso – Aqueles
cretinos já estavam traindo Ofir desde antes de Beatriz
chegar, não sei se fico realmente surpreso com isso.
Ainda tem mais?
– Sim! – Thalassa respondeu fechando os olhos.
– Não acredito! – Alexis tapou os ouvidos –
Fiquei tanto tempo assim longe?

– As tropas da Capital estão fazendo o que
podem para proteger suas fronteiras, mas elas estão
enfraquecendo e se nada for feito a Capital será o
próximo reino a ser destruído por Bianor.
– Não se pudermos impedir! – tentei soar
animador.
– A Beatriz tem razão! – Cosmo da mesa de
controle – Nós podemos impedir. Temos muito que
fazer, mas sei que conseguiremos!
– Também pensei assim da primeira vez! –
Alexis estava triste. Não gostava de ver-lo assim.

Nem um pouco discretamente, Nicardo me
puxa para um canto do submarino. Ele estava
visivelmente desesperado. Eu sabia exatamente o que


ele queria conversar e não estava nenhum pouco
pronta para isso.

Seus olhos tinham uma aflição que eu nunca
havia visto antes e seus braços tremiam. Eu estava me
sentindo horrível, a pior das pessoas, a mais cruel das
garotas por fazer Nicardo sofrer tanto.

– Diga a verdade! – ele falou baixo.
– Que verdade? – tentei escapar.
– Você sabe muito bem do que eu estou
falando. – ele tentava não parecer nervoso.
– Como eu vou saber se você ainda não disse. –
tentava inútil e ridiculamente fugir da conversa.

– Beatriz, pare! – Nicardo me segurou pelo
ombro.
– Pare você. Solte-me! – eu estava ficando
nervosa também.
– Eu preciso saber! – Nicardo respirou fundo –
Você e eu... Nós dois... Tudo continua igual?
– Como assim? – fiz de desentendida.
– Beatriz! – ele se irritou – Estou falando serio!
– Eu também! – estava muito nervosa.
– Não! – ele voltou a me segurar – Está
tentando fugir!
– Eu não estou tentando fugir porque eu não
sei o que estamos conversando! – tentei parecer
convincente.
– Será que não? – ele me soltou.
– Será que pode ser mais claro? – cometi a
estupidez de dizer isso.

– Você e eu ainda estamos juntos? – ele ficou
com raiva – Nada mudou? Continuamos sendo
namorados? O fato de Alexis ter voltado ao significou
nada para você?
– Calma! – engoli a seco.
– Acho que não preciso de resposta.
– Espere! – falei um pouco alto.
– Esperar o que? – Nicardo estava chateado –
Você oficializar o fim de nós dois?
– Não! – estava confusa.
– Então o que?
– Nicardo, espere. – respirei fundo – As coisas
não são assim. Elas não são assim. Não são assim.
– Que coisas que não são assim, não são assim,
não são assim? – ele debochava do meu nervosismo. E
o pior de tudo: com razão.
Minha cabeça estava começando a doer e meu
coração estava ficando apertado. Uma grande angustia
surgia no meu peito e tomava conta de mim de uma
forma avassaladora. Estava começando a ter
dificuldades para respirar e não sei se conseguiria
terminar essa conversa bem de saúde.

Fiz o que não devia ter feito.

– Nada mudou! – estava me sentindo pior
ainda por ter dito isso.
– Como assim nada mudou? – Nicardo
estranho.

– Nós dois. Nada mudou. – estava morrendo de
medo de magoar-lo.
Nicardo me abraçou forte e aliviado, apesar de
seu rosto continuar desconfiado do que eu disse.

Do ombro de Nicardo, pude ver Alexis. Não sei

o que me cortava mais o coração: Enganar tão
descaradamente o Nicardo ou ferir os sentimentos de
Alexis de forma tão cruel. Eu estava sendo um monstro.
A dor que sentia já não era mais apenas sentimental,
era uma dor física. Meu peito parecia que estava se
fechando dentro de mim e esmagando meu coração e
os meus pulmões. Eu estava sendo medrosa e isso me
envergonhava demais.
Chegamos à capital já era de noite. O
submarino havia sido usado em sua velocidade
máxima, por isso chegamos no mesmo dia. Seguimos
direto para casa de Neandro e Linfa.

– Vocês dois parecem que não pensam! –
Neandro dava uma bronca em mim e no Alexis – Onde
já se viu, ficar se enfiando dentro de bosques. Não sei
qual dos dois é pior, se é você que conseguiu sair do
bosque e teve a capacidade de voltar para quase ser
transformado ou se foi você que poderia ser capturada
e morta.

– O que vocês fizeram foi muito perigoso! –
Linfa estava mais tranquila.


– Eu admito, fui impulsiva e não pensei nas
consequências! – se tem algo que aprendi com
sermões e que sempre devemos admitir que erramos
quando realmente erramos, mesmo que não seja
necessário. Pelo menos diminui o sermão.
Depois que as coisas ficaram mais calmas, sai
para a varanda. As três luas estavam lá, lindas e
brilhantes e eu confusa e perdida. Não sabia o que
fazer. Queria muito correr para os braços do Alexis e
viver minha felicidade, mas não queria que Nicardo se
machucasse com isso.

– O que está pensando? – Cosmo sentou ao
meu lado – Sonhando com as luas?
– Na verdade eu estava pensando. – respondi –
O que eu irei fazer com Nicardo?

– Esse dilema ainda? – Cosmo achou graça.
– Sim, esse maldito dilema! – não gostei do
deboche – Eu não quero magoar ninguém. Amo muito
os dois e não queria que ninguém sofresse.
– E o que você vai fazer? – Cosmo ajeitava os
óculos – Ficar com os dois?
– Não! – senti-me ofendida – São amores
diferentes. Eu amo muito o Nicardo, mas não desejo
passar o resto da minha vida com ele. Pelo menos não
como homem. Já o Alexis é muito mais que uma paixão
passageira. O Alexis é amor de verdade!

– Então eu não vejo motivos para confusão!
Termine com Nicardo e fique com Alexis! – Cosmo fazia
tudo parecer tão simples.
– As coisas não funcionam desse jeito! – bufei –
Queria arranjar uma forma de não fazer o Nicardo
sofrer. Sinto-me tão mal de ficar enganando o Nicardo.

– Pense bem? – Cosmo ajeitava novamente os
óculos – Enganar o Nicardo dando a ele falsas
esperanças e muito pior do que você ser franca e dizer
que está apaixonada pelo Alexis novamente. Isso não é
só covardia. É crueldade!
– Eu sei disso! – botei a mão na cabeça – Mas
eu tenho muito medo!
– Medo do que? – Cosmo segurou minha mão –
De ser feliz?
– Não...
– Beatriz você está apenas adiando dias de
felicidade! – Cosmo me interrompeu – Quanto mais
tempo você fingir que nada mudou pior vai ser. A
mentira nunca é o caminho. Você só estará afastando a
felicidade de você, do Alexis e do Nicardo. Todos irão
se machucar muito mais se você continuar assim.
– Mas eu não sei se consigo.
– Você já enfrentou coisas bem piores! –
Cosmo sorriu.

– Mas a situação é bem diferente! – consegui
achar graça.
– Não se preocupe tanto em magoar os outros.
– Cosmo ficou sério – Às vezes devemos ser egoístas.

Não podemos adiar nossa felicidade em prol da
felicidade dos outros, sendo que no seu caso a
felicidade seria justamente o que você tanto foge.

– Não sei se consigo pensar assim.
– Mas deve! – ele botou a mão em meu ombro
– Nicardo ficaria magoado? Sim, por um tempo, mas e
depois? O que você acha que ele vai preferir? Ver você
infeliz ao lado dele ou ver-la cheia de alegria ao lado de
Alexis?
– Eu...
– Não diga nada! – Cosmo interrompeu
novamente – Apenas pense nisso. Espero que consiga
tomar a decisão certa e escolher o caminho que lhe
trará a felicidade.

CAPÍTULO 16 / TOMANDO CORAGEM E CAVALOS
ESPIÕES


O
O
bviamente eu não dormi bem naquela noite. Tentava
entender o motivo de estar com tanto medo.

Realmente era porque eu não queria magoar Nicardo?
Era realmente só isso? Ou será que havia algo mais que
eu não estava sabendo? Melhor dizendo, não querendo
assumir ou talvez eu ainda nem sequer houvesse
descoberto. Eu amava o Alexis, não tinha dúvidas.
Então por quê?

Pensei bastante no que Cosmo havia
conversado comigo. De repente ele havia se tornado
meu guru, meu confidente e conselheiro de segurança.
Algo bom no meio desta confusão toda. Nossa amizade
acabou surgindo de forma natural e ele estava fazendo
do possível para me convencer a fazer o que era certo.

Assim que acordamos Neandro chamou Alexis
para ir ao castelo. Acabei automaticamente sendo
convidada por Alexis para acompanhar-los e Nicardo se
auto convidou para me acompanhar. Estava claro que
Nicardo não confiava em mim sozinha com Alexis. Não
preciso dizer que Alexis não gostou nada, mas relevou.

Tomamos o café rapidamente. Não sabia quais
seriam os próximos passos do Rei Céleo agora que
recuperei a memória e o Alexis. Talvez os planos agora
fossem outros. Ou talvez apenas precisássemos


acelerar o que já havíamos combinado – e isso significa
resgatar Camila, Levinda e Layla.

Era estranho como sempre havia cavalos por
perto quando precisamos deles. Neandro contou que
vários cavalos do castelo foram trazidos para lá, caso
fosse necessário. Sem dúvida eles eram necessários.
Pegamos os cavalos e seguimos direto para o castelo.

As ruas estavam cheias de guardas – mais do
que da outra vez em que estive no castelo. Estavam
todos vigiando alguma coisa e pareciam bem atentos a
seja lá o que for. Pensei em perguntar o que estava
acontecendo, mas acabei desistindo. Não era algo que
estava interessada naquele momento.

Assim que entramos na sala do rei, uma grande
expressão de surpresa e felicidade dominou o rosto do
Rei Céleo. Provavelmente a surpresa era o Alexis. Rei
Céleo se levantou e foi no mesmo instante abraçar
Alexis.

– Mas... Vocês conseguiram! – Rei Céleo estava
realmente surpreso – Eu nem sei o que dizer.
– Foi tudo graças a Beatriz! – Alexis sorriu – Eu
devo tudo a ela! – Alexis alfinetou Nicardo com um
olhar.
– O que tinhas na cabeça seu irresponsável? –
Rei Céleo mudou suas expressões – Sabes o risco que
correu? Como pode...


– Papai! – Alexis também ficou sério – Eu fiz
isso pela mamãe. Eu poderia ter achado...
– Não! – Rei Céleo quem interrompeu – Você
foi muito irresponsável!
– Mas era a mamãe! – Alexis tentava se
explicar.
– Eu sei o quanto você quer achar a Alina – Rei
Céleo se acalmou – mas não é desta forma que você vai
conseguir.
– Então é de que forma? – Alexis ficou nervoso
– Conte-me?
O silêncio chegou ao ponto do insuportável
antes que alguém desse qualquer resposta. Alexis
encarava o pai, que não sabia o que dizer.

– Eu não quero que corra riscos. – Rei Céleo
respirou fundo.
– Mas do que adianta ficar a salvo? – Alexis
tentava não se irritar – O que adianta me manter preso
e deixar a mamãe a mercê da sua própria sorte? Eu não
sou mais aquele garoto que sentava em seu colo e
puxava sua barba, eu já sou um homem!
– Então pare de agir feito criança! – Rei Céleo
se sentou – Você não deve agir desta forma impulsiva.
Compreendo que é frustrante saber que Alina está em
algum lugar, esperando nossa ajuda, mas do que
adiantará se algo acontecer a você? Precisamos fazer
as coisas com calma. Pensar antes de agir. Não
podemos arriscar perder ninguém.

– Eu entendo. – Alexis baixou a cabeça – Mas
não concordo. Eu não irei desistir de procurar a
mamãe. Eu irei atrás dela com ou sem o seu
consentimento! Se me dão licença, eu já acabei.
Alexis saiu da sala e eu tentei ir atrás dele, mas
alguém me segurou pelo braço. Nicardo.

– É melhor deixar-lo um pouco só. – Neandro
colocou a mão em meu ombro.
– Existe algo que ainda não me contarão? – Rei
Céleo perguntou por perguntar.
– Sim! – Neandro deu alguns passos a frente –
A Beatriz recuperou a memória!
– Mas isso é maravilhoso! – Rei Céleo sorriu –
Como está se sentindo?

– Bem melhor! – respondi.
– Quando me contaram que você havia fugido
para resgatar Alexis eu desconfiei, mas ter a
confirmação é sempre diferente. É definitivo!
– Não sei se é o melhor momento, mas gostaria
de saber como ficaria o nosso plano de resgate agora. –
não queria falar sobre isso naquele momento, mas
temia não ter outra oportunidade – Eu já sei me
defender sozinha e sei que os demais também não
iriam ter problemas.
– Ainda acho arriscado. – Rei Céleo fez uma
cara de desaprovação – Quanto menos você se expor,
melhor. Acho que devemos continuar com o plano
original e esperar o melhor momento para resgatar-las.

– Não sei se realmente é melhor seguir o plano.
– tentei não parecer desrespeitosa – Eu sei que posso
conseguir entrar e sair do castelo de Calidora sem ser
percebida.
– O que existe na geração de hoje que não
sabem esperar? – Rei Céleo levantou as mãos até a
altura do queixo e olho para cima.
– Tudo bem. Eu espero. – realmente meu
timing foi terrível. Não era o momento para aquela
conversa. – Acho que é tudo. Com licença.
Sai da sala do rei e Nicardo veio atrás de mim.
Ele parecia nervoso e desconfiado. Eu deveria estar
torturando demais o Nicardo. Ele não é burro e já deve
ter percebido que menti pra ele.

Antes mesmo que pudesse dar um passa para
fora da sala, Alexis entrou em minha frente. Nicardo o
fitou e ele devolveu o olhar como se tivessem trocando
bolas de canhão.

– Posso conversar com você? – Alexis segurava
minha mão, mas fitava Nicardo – Em particular.
– C-c-claro! – estava sem jeito.
Alexis não me tirou do campo de visão de
Nicardo, apenas me levou para um pouco mais longe,
perto da grande escadaria que fica em cima da porta da
sala do rei.

– Você ainda não contou a ele por quê? – Alexis
foi direto.

– Eu ainda não tive coragem! -fui sincera.
– Coragem? – ele sorriu debochadamente –
Você precisa de coragem para terminar com ele?

– Eu não quero magoar-lo. – fitei o chão.
– Ótima troca, deixa o outro feliz e me crava
uma faca no coração. – Alexis não quis olhar para mim
– Quem você acha que te ama mais? Eu ou o Nicardo?
– Alexis... – tentei falar. – Eu reconheço tudo o
que ele fez e, honestamente, fico agradecido por ter
cuidado tão bem de você, mas ele não te ama igual eu
te amo!
– Como pode ter tanta certeza? – tentei não
parecer grossa.
– Porque amor igual ao meu você nunca irá
encontrar. – Alexis segurou meus ombros – Apenas eu
posso te amar deste jeito!
– Alexis, por favor... – tirei as mãos dele dos
meus ombros.
– Eu devia ter desconfiado! – Alexis socou a
parede de leve – Vai ser igual da outra vez. Eu
sonhando sozinho. Nosso amor sempre foi mais meu
do que seu. Quer dizer, acho que nunca ouve um nosso
de verdade.
– Mas você nunca fez nada! – estava quase
chorando – Você demorou demais para tentar e
quando tentou, eu já estava dividida.
– Então você ainda está dividida? – novamente
ele não quis olhar em meus olhos.

– Não! – falei um pouco alto demais – Eu sei
que te amo e sei que é com você que eu quero passar o
resto da minha vida, mas... Alexis, me de um tempo
para eu arrumar as coisas do meu jeito?
– Uma semana! – ele ficou serio – É tudo o que
eu posso te dar.
– Tudo bem, eu aceito. – baixei a cabeça e
fechei os olhos.
– Mas se não fizer nada em até uma semana...
Alexis subiu deixando o restante da "ameaça" o
ar. Eu estava perdida. Talvez eu devesse simplesmente
falar, da melhor forma possível e esperar que Nicardo
não me odeie pelo resto da vida. Ou talvez fosse
melhor preparar o terreno antes de dizer, mesmo que
ele já desconfie, como disse o Rei Céleo "ter a
confirmação é sempre diferente."

– Nicardo... Eu preciso falar com você! – tentei
não olhar em seus olhos.
– O que vocês dois conversaram? – ele estava
nervoso – Você não vai quebrar sua promessa vai?
– Nicardo, ao fale assim! – fiquei sem jeito.
– Beatriz, você sabe, ninguém vai te amar como
eu te amo. Ninguém! – Nicardo me abraçou e toda a
coragem que havia juntado se dissipou naquele abraço.
Coragem é uma coisa muito difícil de se ter
quando se trata dos sentimentos de outra pessoa.
Ainda mais quando essa outra pessoa é alguém que


você ama. E quando você sabe que não existe outra
forma além de machucar aquele que você ama, a
coragem vira uma palavra desconhecida em seu
dicionário.

Não imaginei que um dia fosse sofrer tanto
para tomar uma decisão da qual eu sei que não irei me
arrepender. Tudo o que eu queria ouvir do Alexis eu
estava ouvindo. Ele estava apaixonado por mim e eu
loucamente apaixonada por ele. Nossas vidas seriam
maravilhosas e cheias de felicidade, eu não tenho
dúvida, mas e o Nicardo? Eu não conseguiria ser
plenamente feliz sabendo que o Nicardo não era
plenamente feliz por minha culpa. Esse é um peso que
nunca conseguiria carregar.

Neandro continuou na sala do pai e não voltou
com a gente. Seguimos vagarosamente pelas ruas
lotadas de guardas de volta para a casa de Neandro e
Linfa.

Os guardas continuavam vigiando alguma coisa
e desta vez fiquei um pouco mais interessada. Fitei o
céu, mas não vi absolutamente nada. Tentei e tentei e
tudo o que via era o céu azul e pássaros voando, livres
e felizes. Às vezes eu gostaria de ser um pássaro, acho
que eles não tem problemas sentimentais.

Vendo os pássaros voando, uma nova injeção
de coragem fluiu em mim. Eu não podia prolongar por
muito mais tempo, até porque eu não tinha muito
tempo. Sentia-me péssima em enganar o Nicardo de


forma tão descarada e ainda continuar com isso
mesmo vendo que ele está percebendo que alguma
coisa mudou de verdade entre nós.

– Nicardo, eu quero contar algo para você! –
disse baixo – Não queria que fosse aqui, no meio da
rua, mas não disser agora talvez não consiga dizer
depois.

– Beatriz – o rosto de Nicardo ficou branco – O
que você quer falar?
De repente, no céu por detrás de Nicardo, eu vi
uma mancha negra se aproximando e tirando minha
atenção. Mas aquilo era...

– Um cavalo voador? – falei alto.
– O que? – Nicardo se virou.
– Cavalo espião! – um dos guardas gritou –
Todos preparados! Assim que ele se aproximar!

– O que está acontecendo? – perguntei, mas
não tive resposta. O cavalo se aproximava.
De longe o cavalo parecia normal – apesar das
asas – mas quando desceu ao chão tive uma grande
surpresa. Uma grande e péssima surpresa.

O cavalo tinha no mínimo uns 3 metros de
altura. Ele andava pela rua lotada e passava por cima
das casas, mas nada acontecia. Era como se o cavalo
fosse feito de sombra.

Os guardas começaram a atirar flechas no
cavalo, mas todas passavam por ele ou se desfaziam


quando tocavam nele. O cavalo relinchava e batia com

o casco no chão. Grandes nuvens de fumaça saiam de
suas narinas e seus olhos eram de um vermelho vivo
que fazia contraste com a cor preta de seu pelo.
Apesar de não haver nada alem de um brilho
vermelho nos olhos, senti que o cavalo olhava para
mim. Era como se estivesse me procurando e eu já
sabia exatamente que havia enviado.

Mais guardas apareceram inutilmente e
continuaram tentando desesperados derrotar o cavalo,
mas nada acontecia. Era uma perda de tempo.

– Nicardo, eu sei o que fazer! – gritei.
– Do que você está falando? – Nicardo ficou
assustado.
– Eu acho que sei como derrotar esse cavalo! –
voei até a altura da cabeça do bicho.

– O que você pretende fazer? – Nicardo gritou.
– Você verá! – gritei respondendo.
Respirei fundo e me concentrei. Tentei juntar o
máximo de ar que consegui e senti uma grande pressão
se juntando em minhas mãos. Logo uma grande bola
invisível de ar começou a se formar. Só consegui
identificar o que era porque vários gravetos e folhas se
juntaram a bola e rodopiavam em uma velocidade
impressionante. O cavalo negro me fitou furioso. Ele
parecia saber o que eu pretendia fazer e não estava


gostando nada disso, mas por algum motivo não podia
fugir. Era com se estivesse preso ou paralisado.

A bola de ar continuou crescendo e pequenos
raios começaram a nascer dela. Esses raios soltavam
pequenas faíscas de fogo, que queimavam as folhas e
galhos. Não demorou muito para eu ter uma grande
bola de ar e fogo em minhas mãos. Aquela era a hora.

Olhei nos olhos do cavalo. O vermelho vivo
parecia estar brilhando mais que deveria e as
expressões do cavalo pareciam desesperadas. Juntei as
mãos e dei um forte assopro na bola de fogo e ar.

Uma grande rajada de vento e fogo envolveram

o cavalo que começou a ser consumido e sumindo
junto com o fogo. Seus olhos vermelhos saltaram para
fora e rapidamente atirei duas pequenas bolas de fogo
para destruir-las. Desci até o chão exausta.
– O que era aquilo? – perguntei ofegante.
– Era um cavalo espião! – um dos guardas
respondeu – Bianor vem usado vários para saber o que
anda acontecendo por aqui, mas antes ele costumava
esconder melhor.
– E esse... – outro guarda começou a falar
apavorado – Sem dúvida não era igual aos outros que
apareceram. Esse parecia ser feito de sombras.
– Beatriz! – Nicardo se assustou – Você não
pode ficar se expondo deste jeito! Se esse espião
tivesse levado a informação de que você está aqui?
– Mas eu já recuperei a memória! – estava
confusa – Por que estou tão exausta?

– Você recuperou a memória, mas não se
tornou invencível! – Nicardo sorriu – A magia que você
usou é poderosa demais. Ainda não sei como conseguiu
executar-la. Seu corpo ainda não está preparado para
esse tipo de magia.
– Mas desta vez eu não desmaiei! – sorri.
– Não, você não desmaiou! – Nicardo também
sorriu – Mas deixa que eu te levo no colo. Você não
pode ficar se cansado demais.
– Nicardo! – falei alto – Estamos ainda muito
longe.
– E o quê que tem? – ele sorriu.
– Você vai acabar se cansando!
– Não muito. – ele me pegou no colo – Você
precisa descansar muito mais que eu neste momento.
– Nicardo! – acabei desistindo.
– O que você ia dizer mesmo? – Nicardo
perguntou.
– Esquece! – respondi.
O que Nicardo estava fazendo era golpe baixo.
Joguinhos emocionais justo no momento em que estou
mais vulnerável? Ele realmente estava jogando sujo!
Mas por que, ainda assim, eu não conseguia falar com
ele?

No fim talvez tenha sido bom. Seria horrível
terminar com ele ali, no meio da rua. Isso seria cruel
demais para o meu jeito de agir. Era melhor esperar
que chegássemos à casa da Linfa para dizer a ele tudo o


que estava acontecendo comigo e que tudo havia
mudado e nós não poderíamos mais ficar juntos. Aos
poucos isso não parecia mais tão difícil de se fazer.


CAPÍTULO 17 / TROCANDO CONSELHOS E UMA
DECISÃO DIFÍCIL


J
J
á haviam passado dois dias desde que fiz o acordo com
Alexis. Eu deveria estar feliz por ele me dar uma

semana ao invés de um dia, como poderia ter
acontecido – visto o tempo que ele está me esperando.

Seria cruel demais eu prolongar essa difícil
decisão? Seria essa realmente uma difícil decisão? Por
que essa confusão em minha mente? Eu gostaria de
entender o que se passa comigo nessas horas. A
indecisão e tão grande, tão forte que não sei até que
ponto vai a minha coragem nesta situação.

Se outra pessoa estivesse me contando esse
caso ou mesmo se estivesse assistindo essa situação
em um filme ou livro eu diria "Essa garota é uma
completa retardada!" e ainda completaria com "Se
estivesse no lugar dela eu já teria dado um pé nele!"
Mas não é assim tão simples na prática. Melhor
dizendo, o que é simples na prática?

Eu sei o que quero e sei o que devo fazer, mas
imaginar que alguém terá o coração partido por minha
culpa é muito ruim. É realmente muito, muito ruim. Por
que as decisões mais importantes são sempre as mais
difíceis?

– Você está bem? – Tales perguntou.
Eu estava deitada debaixo da grande árvore da
casa de Neandro naquele momento. Era fim de tarde e

o céu estava ganhando aquele tom alaranjado de

quando o sol está se pondo. Um vento fresco fazia
algumas folhas caírem e o dia emanava paz e
tranquilidade. Era um dia perfeito e para Tales fazer
esse tipo de pergunta era porque eu devia estar
péssima.

– Eu estou! – menti – Por que eu não estaria?
– Sei lá... Você parece meio... Morta! – eu
realmente devia estar horrenda.
– Acho que é impressão sua! – dei um sorriso e
me levantei – Você às vezes tem cada uma.
– Sei... – ele me fitou com um sorriso
debochado no canto da boca.
– Está desconfiando de mim? – tentei parecer
descontraída.
– Imagina! – ele parecia tentar não parecer
debochado.
Fiz língua para ele e voltei para dentro de casa.
Ouvi algumas risadas antes de entrar e esperava que
ele me deixasse em paz. A última pessoa com quem eu
gostaria de conversar sobre esse assunto é o Tales. Ele
leva tudo na brincadeira. Ele só é serio quando tem que
ser o comandante-capital-general-e-mais-qualqueroutro-
título.

A noite não demorou muito a chegar. Do meu
quarto eu via as três grandes luas mais uma vez. Existia
algo mágico nelas que me acalmava. Estava esfriando,
mas eu não estava me apegando a esse fato. A única
coisa que pedia era coragem para o eu estava prestes a


fazer e que tudo acabasse da melhor forma possível
para mim e para o Nicardo. Principalmente para o
Nicardo.

Thalassa continuava dormindo comigo e os
meninos continuavam na sala. Linfa e Neandro
pareciam não se importar com a casa cheia, pelo
contrario, eles pareciam estar mais que satisfeitos.
Tales, Cosmo e Nicardo e que pareciam ao estar muito
felizes em ter que revezar o sofá, mas no fim todos se
entendiam de alguma forma.

– Nossa Beatriz, você está péssima! – Thalassa
se assustou quando entrou no quarto.
– Está tão visível assim? – perguntei triste.
– Está quase escrito em sua testa. – ela
balançava os cabelos com as mãos.
– Então é pior do que eu pensava. – constatei.
– E sobre você o Nicardo e o Alexis? – ela
perguntou.
– Vai me dizer que isso também está escrito na
minha testa? – perguntei tapando minha testa com a
mão.
– Sim. – ela sorriu.
– Acho que me testa é maior do que eu
imaginava. – tentei encarar com humor – Vou começar
a usar lenços!
– Você quer falar sobre isso? – ela perguntou.
– Sobre eu usar lenços? – rebati.
– Não sua boba! – ela sorriu – Sobre você, o
Nicardo e o Alexis.

– Tem certeza que quer me ouvir? – torci o
nariz.
– Se quiser falar...
– Thalassa eu estou totalmente perdida! – sai
da janela – Eu sinto como se estivesse cometendo um
crime. Eu sei exatamente o que fazer, mas não consigo.
É como se algo me prendesse e de repente e eu me
visse atada e impotente. Isso é terrível.
– Terrível e estranho! – Thalassa me fitou séria
– Você está apaixonada, ou melhor, sempre foi
apaixonada pelo Alexis. Eu sei que o Nicardo é um anjo,
mas ele também é grande o suficiente para aguentar o
término de um namoro. Você não devia estar assim, a
menos que...
– A menos que o que? – desconfiei do que ela
iria falar.
– A menos que seus sentimentos pelo Nicardo
sejam maiores do que o que você julga ser.
– Confesso que fiquei mexida com o Nicardo,
mas era por que ele me lembrava o Alexis! – respondi –
Sempre que u olhava para ele, era o Alexis que eu
estava buscando inconscientemente. Eu amo o Alexis.
– Então por que hesita tanto? – Thalassa
perguntou novamente séria.
– Eu já disse, eu não sei exatamente! – respirei
fundo – É como se algo dentro de mim dissesse que eu
irei me arrepender de terminar com ele.
– Então você tem sentimentos maiores pelo
Nicardo? – Thalassa perguntou.

– Não! – me entristeci com o que ia dizer –
Acho que é algo bem pior e bem mais nefasto do que
eu possa aguentar assumir. Acho que eu tenho pena do
Nicardo. Talvez seja isso que me faz hesitar tanto.

– Pena? – desta vez ela sorriu. – Beatriz ele não
vai tentar se suicidar e nem vai entrar em depressão
profunda por causa disso. Aposto como ele se sentirá
bem melhor em ver você feliz com o Alexis do que
infeliz ao lado dele.
– O Cosmo também me disse isso! – pensei
alto.
– Você anda se aconselhando com o Cosmo? –
Thalassa perguntou levantado uma sobrancelha.

– Também não sei como isso aconteceu, mas
ele tem dado bons conselhos! – respondi.
– Disso eu não tenho dúvida. – ela me fitou de
modo estranho – Mas vocês conversaram apenas sobre
isso certo?
– Sim! – respondi sem entender – Mas por que
a pergunta?... Espera um segundo!
– O que? – Thalassa perguntou assustada.
– Você está gostando dele! – falei alto.
– Silêncio! – ela tapou minha boca – Quer que a
casa inteira escute?
Fitei-a provavelmente com os olhos brilhando.
Ela ainda estava com a mão na minha boca e olhando
para a porta como se esperasse que alguém a abrisse e
dissesse algo sobre a minha declaração. Quando viu


que aparentemente ninguém havia ouvido, Thalassa
tirou a mão da minha boca.

– Então é isso! – disse baixinho – Você gosta do
Cosmo!
– Tudo bem. Não vou negar! – Thalassa
respirou fundo – Eu estou apaixonada pelo Cosmo!
– Mas como foi isso? – perguntei.
– Pouco depois de nos conhecermos. – ela
sorriu – Eu estava o observando trabalhar em uma de
suas invenções e de repente senti que poderia fazer
aquilo pelo resto da vida.
– Que lindo! – quase bati palmas. – Eu senti um
aperto no coração e uma vontade louca de dizer a ele
tudo o que estava sentindo e beijar-lo como se
precisasse disso para respirar.
– E por que não fez? – perguntei.
– O Cosmo não me vê dessa forma! – ele
suspirou – Para ele eu sou apenas uma amiga. Uma
irmã postiça e nada mais. Ele nunca me viu como
mulher.
– E você tem tanta certeza assim por que
mesmo? – brinquei.
– Ele já teria dito alguma coisa se tivesse
alguma intenção. – ele fitou a cama.
– O Cosmo? – desta vez eu que achei graça –
Olha, eu o conheço há pouco tempo e não sei tanto
dele quanto você deve saber, mas o Cosmo não parece
do tipo que fala esse tipo de coisa.


– Como assim? – Thalassa perguntou
interessada.
– Ele é um eterno tímido! – respondi – Ele
poderia ficar anos tentado juntar coragem para dizer
que mesmo assim ele não conseguiria.
– Você acha? – ela perguntou ainda mais
interessada.
– É claro! – fui segura na resposta – Eu conheço
muitos garotos como o Cosmo. Você precisará tomar
essa atitude.
– Mas e se ele não for assim tão... tímido? – ela
juntou um pouco mais o rosto dela com o meu – Se ele
realmente só me vê como uma amiga?
– Você terá que arriscar! – fui sincera – Mas se
quiser se sentir mais segura, repare nas atitudes dele.
Um olhar, um ato, um sorriso. Quando uma pessoa está
interessada, tudo é feito de forma diferente. Talvez ele
pense o mesmo de você ou está dando várias dicas,
com certa sutileza, e você nem repara.
– Será? – ela perguntou mais para si mesma.
– Pode apostar! – sorri – Faça o que eu disse,
comece a reparar mais nele e depois tome sua decisão.
Sua felicidade só depende de você! Nossa está ficando
frio aqui dentro!
– Sábias palavras! – Thalassa sorriu – Faço
minhas as suas palavras quanto ao seu caso.
– Que palavras? – perguntei – "Nossa está
ficando frio aqui dentro?"

– Não! – ela sorriu – Sua felicidade só depende
de você!
Rimos juntas e eu fui fechar a janela. Não era
por acaso que o quarto estava esfriando. Deitei em
minha cama e fiquei esperando o sono chegar. Apesar
do meu principal "problema" não me deixar em paz, o
sono não demorou muito em me pegar e quando
menos percebi já era de manhã.

O dia começou chuvoso e isso era um péssimo
sinal. Fui tomar café com os outros. Eu havia sido a
última a acordar.

– Bom dia! – disse ainda sonolenta.
– Bom dia! – todos responderam quase ao
mesmo tempo.
– Sente-se Beatriz! – Linfa estava sorridente –
Acabei de assar um pão! Está quentinho!

– Obrigada Linfa, mas eu vou beber apenas um
suco! – bocejei.
– Tem certeza? – Linfa colocou o pão na mesa.
– O cheiro está maravilhoso, mas tenho
certeza! – sorri – Hoje eu não estou com muita fome.
– Se prefere assim... – Linfa sempre sorridente.
– Então Thalassa, pensou sobre o que
conversamos ontem? – perguntei pegando um copo.
– O que vocês duas conversaram? – Tales
perguntou debochado.
– Coisas de menina! – respondi com certo tom
de grosseria e implicância.

– Já sim! – Thalassa respondeu um pouco
constrangida – Vou fazer o que disse. Mas é você?
Pensou no que eu te falei?
– Me deixa adivinha. – Tales sorriu – Coisas de
menina!
– Exato! – respondemos as duas ao mesmo
tempo.
– Ótimo! – Tales bufou – Não estava querendo
saber mesmo.
– Sei... – sorri – Mas ainda não. Estou quase.
Acho que de hoje não passa.
– De hoje não passa o que? – Nicardo entrou na
cozinha.
– Coisas de meninas! – Tales debochou.
Cosmo me olhou intrigado. Bebi o suco e segui
para varanda – lugar onde estava ficando acostumada a
pensar. Cosmo me seguiu.

– Você estava falando do Nicardo certo? – ele
perguntou.
– Sim. – respondi sem expressões.
– Mas o que ainda você precisa pensar? – ele
perguntou.
– Honestamente, eu já não sei mais. – suspirei
– Não sei s u realmente não quero fazer isso ou se eu
coloquei na cabeça que não podia. Eu já não
compreendo esse minha relutância.
– Mas você disse que de hoje não passa. –
Cosmo se sentou ao meu lado – Isso quer dizer que
você está quase decidida.


– Eu acho que já estou decidida! – disse fitando
o chão – Apesar de não entender o que me faz ficar
presa ao Nicardo, acho que vocês estão com a razão.
Nicardo vai sofrer muito mais se eu continuar com isso.
E ainda corro o risco de perder o Alexis. Ou seja, não
adianta nada ficar adiando algo que deveria ter sido
feito no mesmo momento. Não há motivos para isso.
– Que bom que está chegando a uma
conclusão! – ele sorriu – Era sobre isso que estava
conversando com Thalassa?
– Sim! – notei certo interesse que nunca havia
percebido – Pensa que só você é meu conselheiro? Eu
preciso de uma segunda opinião. Confesso que ás vezes
até uma terceira.
– E vocês conversaram só sobre isso? – ele
perguntou.
– Só! – provoquei – Ela deveria falar sobre
alguma outra coisa?
– Não. – ele ficou constrangido – Só perguntei
por perguntar.
– Vamos falar sério! – fui direta. Esqueci que
com o Cosmo essa era a pior estratégia – Você está
gostando da Thalassa?
Neste momento seu rosto ficou vermelho
sangue. Seus olhos se esbugalharam e ficaram ainda
maiores atrás das lentes do óculos. Ele começou a suar
e suas mãos ficaram tremulas.

– E-e-ela reparou e-e-em algo? – ele perguntou
– Digo... E-e-ela achou alguma coisa e-e-estranha e-e

em mim? Olha, se-se-se ela di-di-di-disse alguma coisa
foi um ma-mal...

– Calma! – sorri – Ela não achou nada estranho
e nem comentou nada sobre você.
– E-e-e-então por que a pergunta? – ele estava
nervosíssimo.
– A sua reação já responde. – continuei
sorrindo.
– Eu estou... Eu vou... Eu.... – ele suspirou – Isso
é um a-a-absurdo! Ela é só uma a-a-amiga!
– Tem certeza? – perguntei.
– Tenho! – ele tentava não gaguejar.
– Tudo bem, acredito. – menti – Mas não
conversamos só sobre isso. Nós também conversamos
sobre homens tímidos. Sabia que ela está apaixonada
por um carinha.
– Q-q-que carinha? – ele se levantou
– Um carinha. – sorri maliciosamente – Ela
disse que está gostando dele. Mas acho que se algum
outro carinha se declarar para ela... Esquece, você não
gosta dela mesmo.
– Espere! – ele mordeu a isca – Agora eu quero
saber!
– Por quê? – perguntei.
– Vai me contar ou não? – ele estava realmente
nervoso e aflito.
– Bem, eu acho que se alguém se declarar para
ela, Thalassa esquece rapidinho esse carinha e fica com
aquele que já se declarou. Mas acho que esse carinha,

se ele aparecer, tem que agir depressa. Eu não sei até
quando o outro carinha vai ficar indeciso para pedir
para namorar com ela.

– Espero que o carinha faça alguma coisa! – ele
disfarçou.
– Eu também espero! – disse fitando-o
sugestivamente.
Nicardo saiu e eu imediatamente e levantei.
Cosmo viu o que eu estava prestes a fazer e entrou
para casa de Linfa. Ficamos apenas eu e Nicardo.
Respirei fundo e quebrei o silêncio súbito que nasceu
no momento:

– Eu preciso conversar com você!
Fomos até a grande árvore e nos sentamos. A
chuva – que havia dado uma trégua – voltou como se
soubesse que estava prestes a acontecer. Respirei
profundamente antes de continuar a conversa.

– Eu acho que já sei o que você quer falar
comigo. – Nicardo me olhava triste.
– Como? – perguntei.
– "De hoje não passa" – ele deu um sorriso
pequeno – Não foi isso que disse quase agora?
– Nicardo, eu não queria...
– Eu sei que você não queria. – ele ficou sério –
Eu sei que você evitou e sei até que o Alexis te deu um
intimado, alias, isso é típico dele.
– Mas como? – estava espantada.

– Esqueceu que eu posso sentir o que os outros
ao meu redor sente? – seus olhos estavam cheios de
tristeza.
– E por que não disse nada? – perguntei.
– Essa é uma coisa que apenas você poderia
fazer. – ele tentou sorrir – Eu não podia fazer nada.
– Nicardo...
– Vamos tentar acabar isso em paz? – ele sorriu
de verdade – Sem palavras, sem magoas.
– Nicardo...
– Beatriz, eu te amo demais. – ele estava quase
chorando – Eu te amo tanto que não suportaria viver
com você infeliz. Seria um ato de extremo egoísmo da
minha parte. No fundo eu já sabia que não poderia te
ter para sempre.
– Nicardo...
– Não. – ele colocou o dedo indicador na frente
da minha boca – Não precisa dizer nada. Eu não queria
ter uma chance com você. Não queria te ter por algum
tempo e depois te perder. Eu sabia que se fizesse isso
eu não iria suportar a abstinência de te ter quando
você se fosse. Mas a minha vontade de ter você por
algum tempo, mesmo que pequeno, acabou falando
mais rápido e eu esqueci que o que estava tentando
fazer era me proteger deste sentimento que estou
sentindo agora.
– Nicardo...
– Eu só quero dizer que eu não irei impedir
você de nada. Eu não tenho esse direito. Eu...

– Nicardo! – desta vez eu que pedi o silêncio
dele – Eu não queria fazer isso por que sabia que o
resultado seria esse. Eu não suporto a idéia de te
magoar e não suporto a idéia de saber que você está
sofrendo por minha causa.
– Mas não é por sua causa! – ele segurou
minha mão – Eu sabia o que me esperava. Eu que não
fui forte o suficiente para resistir a você. Eu procurei
por isso.
– Não Nicardo!
– Sim! – ele fitou o chão – A culpa é minha. Mas
eu prometi uma separação sem palavras e acabei
dizendo mais do que devia. Desculpe.
– Nicardo...
– Eu só espero que não fique com raiva de
mim.
– Ficar com raiva? – eu estava chorando –
Nunca ficaria com raiva de você. Apenas de mim.
– Acho que já falamos demais! – Nicardo
estendeu a mão direita – Amigos?
– Amigos! – apertei a mão dele.
Abraçamo-nos e, como se realmente soubesse,
a chuva parou novamente.


CAPÍTULO 18 / UM SEQUESTRO ADORÁVEL


P


assamos o restante do dia muito bem. Estava feliz que

– apesar de tudo – eu e o Nicardo terminamos bem.
Estava tão aliviada e me sentindo tão leve que quase
me esqueci do real motivo de estar ali.
Fiquei imaginando o que Camila iria dizer
quando soubesse que terminei com Nicardo. Lembrar
dela me deixava preocupada. Que tipo de amiga eu era
deixando-a para trás? Queria que o Rei Céleo desse
logo a permissão para que fossemos resgatar a Camila
e as outras "noivas" do Bianor.

– Sente-se melhor agora? – Cosmo perguntou.
– Bem melhor! – respondi sorrindo enquanto
olhava a grande árvore pela porta da sala.
– Foi algo tão terrível como imaginava? – ele
estava sério, mas era possível sentir o tom de deboche
em sua voz.
– Tudo bem. Admito. Você estava com toda a
razão!
– Obrigado por reconhecer. – Cosmo sorriu – E
agora? Você vai falar com Alexis ainda hoje?
– Hoje não. – sorri maliciosamente – Vamos
deixar esperar mais um pouquinho. Amanhã cedo eu
vou falar com ele. Isso é, se eu conseguir realmente
esperar até amanhã. E a Thalassa?
– O que tem a Thalassa? – seu olho direito
começou a piscar estranhamente.

– Falou alguma coisa sobre o carinha? – bati o
ombro em suas costas.
– P-p-por que acha q-q-que ela falaria alguma
coisa comi-migo? – Cosmo começou a ficar nervoso.
– Você é bem próximo a ela. – fiz de
desentendida – Achei que ela poderia ter dito algo.
– Ela n-n-não disse nada comi-migo. – o olho
direito de Cosmo voltou a piscar.
– Por que você fica tão nervoso quando falo
neste assunto? – provoquei.
– E-e-e-eu? – ele quase gritou – Q-q-quem
disse que eu estou n-n-nervoso?
– S-s-sei La-la-la? – o imitei.
– Va-va-vamos falar de-de outra coisa? – ele
tentava não parecer nervoso.
– Tudo bem. – sorri – Só não se esqueça que,
caso alguém venha se declarar para ela, a Thalassa
esquece esse carinha no mesmo instante.
– E por que está falando isso para mim? – ele
conseguiu perguntar sem gaguejar.
– Por nada. Falei por falar – segurei o riso –
Acho que vou dar uma passeada pela montanha. Quer
vir?
– Não. Pode ir. – Cosmo já estava começando a
fugir de mim. Talvez eu devesse começar a pegar mais
leve com ele.
– Como quiser. – fiz um sinal de desdém com a
mão.

Fui para as montanhas respirar um pouco de ar
fresco. A chuva não havia aparecido novamente, mas a
terra estava molhada e tinha aquele cheirinho de chuva
que me fazia tão bem. As árvores pingavam pequeninas
gotas que se prendiam nas folhas e a montanha
emanava um clima úmido, porém aconchegante. Não
fui muito longe, apenas o suficiente para continuar
sendo vista por quem me procurasse na casa.

Desde que cheguei a Ofir pela primeira vez eu
sempre me sinto mais forte quando estou em contato
com a natureza. É como se tivéssemos uma ligação.
Talvez seja pelo fato de meus poderes estarem
concentrados em elementos da natureza, não sei dizer.
Percebi isso ainda na primeira vez, em Neide, quando
revivi aquele jardim congelado.

Enquanto caminhava pela montanha, tive um
encontro inesperado. Um encontro completamente
inesperado.

Começou com um vento forte, soprando as
folhas e pequeninos grãos de areia e aos poucos foi
tomando forma de um lobo com 2 metros de altura e
olhos de fogo.

– Você outra vez! – me assustei.
– Menina Beatriz, grande guerreira. – o lobo fez
o vento soprar mais forte quando falou – Tu me intrigas
com seu destino confuso. Existem vários caminhos e
vários destinos reservados para você. Destinos
vitoriosos, alegres e cheios de glórias. Mas existem
destinos cheios de dor, lágrimas, derrotas e mortes.

Tenha sabedoria nas suas escolhas e tome cuidado com
tudo o que faz para não acabar entrando em um
caminho de dores e derrotas.

– Do que está falando? – perguntei.
– Já escolhestes o caminho mais difícil uma vez
e veja no que Ofir se tornou. – a voz dele era dura e
severa – Não faça o caminho errado outra vez ou Ofir
poderá deixar de existir.
– Espere! – gritei, mas já era tarde. O lobo
havia desaparecido junto com o vento.
Voltei para a casa assustada. O que aquele lobo
quis dizer com escolhas erradas e vários destinos? Eu
estava um pouco atordoada para entender o que isso
queria dizer e tinha medo de entender.

– O que foi Beatriz? – Tales perguntou – Está
pálida. Parece que viu um fantasma.
– Não exatamente. – passei por ele e fui para
meu quarto.
Thalassa estava mexendo em alguns livros e fez
uma cara muito estranha quando me viu.

– Aconteceu alguma coisa?
– Não, eu estou bem. – respondi.
– Não é o que parece. – ela me fitou confusa.
– Você acha que eu realmente fiz certo em
terminar com Nicardo?
– Essa história de novo? – ela sentou ao meu
lado – Achei que você já tinha resolvido essa questão.

– Mas eu já resolvi. – disse séria – E mesmo se
não tivesse resolvido, agora está feito. Mas será que eu
fiz certo? Você acha que isso pode me prejudicar ou
prejudicar Ofir de alguma forma?
– Prejudicar Ofir? – ela franziu a testa – Do que
você está falando?
– Esquece! – botei a mão na cabeça – Nem eu
não sei mais o que estou dizendo.
– Acho que essa história te deixou muito
exausta. Talvez seja melhor descansar. – Thalassa
colocou a mão em minha testa como se quisesse ver s
eu estava com febre.
No dia seguinte eu tive uma surpresa
muitíssimo agradável.

Logo de manhã, bem cedo, Alexis apareceu na
casa de Linfa. Parecia que ele havia adivinhado. Eu –
obviamente – estava louca para falar que não existia
mais nada que nos impedisse de ficar juntos. Queria
que fosse a primeira coisa que ele ouvisse, mas não foi
bem assim que aconteceu.

Quem atendeu a porta foi Linfa. Diferente da
primeira vez em que a vi abrindo a porta de sua casa
para Alexis, Linfa estava bem segura e já não tinha mais
medo dele ou do que ele pudesse dizer e fazer.

– O que te trousse aqui assim tão cedo? – Linfa
perguntou – Para vir tão depressa deve ser algo
importante.

– Sim! – Alexis respondeu sério – É algo muito
importante.
Alexis pediu para que nos reuníssemos na sala,
que ele tinha um comunicado importante a fazer.
Fiquei imaginando o que seria, afinal, o dia havia
acabado de começar e o sol ainda estava naquele
laranja fraco, terminando de nascer.

Alexis vestia uma roupa bem imponente. Era
um terno azul marinho, com grandes ombreiras
douradas que fazia lembrar o uniforme de um general,
sargento ou qualquer outra autoridade superior do
exercito.

– Então? – Tales perguntou – Qual o motivo
dessa assembléia?
– Eu vim comunicar a todos que meu pai, Rei
Céleo, governante de toda a cidade...
– Poupe-nos das apresentações. – Neandro
interrompeu Alexis – Nós já sabemos quem é você e o
seu pai. Vá direto ao assunto. Para você nos acordar ás
05:40 da manhã, eu realmente espero que seja algo
muito importante.
– Posso garantir que sim. – Alexis continuou
sério – Indo direto ao assunto, nosso pai autorizou que
eu e mais outra pessoa fossemos resgatar as garotas
que foram capturadas e estão sendo obrigadas a serem
noivas de Bianor.
– O que? – Neandro gritou – Ele realmente flou
isso?

– Ele prometeu não foi? – Alexis estava
estranhamente calmo – Papai sempre cumpri as
promessas que faz.
– Isso eu sei! – Neandro estava desconfiado –
Mas isso não parece uma ordem do papai.
– Como assim não parece uma ordem? – Alexis
levantou a sobrancelha.
– Você e mais outra pessoa apenas? – Neandro
fitou Alexis desafiadoramente – Poupe-me Alexis!
– Por quê? Ou melhor, do quê? – Alexis parecia
estar bem seguro do que estava fazendo. Seja lá o que
estivesse fazendo.
– Papai é quase a forma humana da precaução
e ele nunca mandaria você em um resgate.
– Mas eu não vou sozinho. – Alexis sorriu – Eu
vou com a Beatriz.
– Eu? – gritei automaticamente.
– Sim. – Alexis respondeu – Vamos nós dois.
– Essa história está muito mal contada. –
Nicardo quem fitava Alexis agora.

– Ih... Não se mete não o menino-pedra que eu
não estou falando com você! – Alexis começava a
perder a paciência.
– Calma Alexis! – Thalassa ainda estava
sonolenta.
– Mas o Nicardo tem razão! – Neandro se
levantou – Essa história está muito mal contada.
– Não está acreditando? Então pergunte ao
papai. – Alexis sorriu debochado.

Neandro se sentou sem dizer nada.
Aparentemente havia desistido de investigar a história.
Neandro ficou fitando Alexis intrigado. Não sei se ele
havia acreditado ou desistido, mas pela cara de
desconfiança de Neandro, estava mais certo que ele
havia desistido – temporariamente.

– Mas não será perigoso apenas vocês dois? –
Linfa perguntou.

– E por que apenas vocês dois? – Nicardo
acrescentou.
– Não será perigoso por que vários soldados
irão nos acompanhar. – Alexis respondeu – E foram
escolhidos apenas dois para preservar os demais.
Todos nós precisaremos estar bem quando formos
lutar com Bianor.
– Mas se esse é o motivo, então Beatriz deveria
ficar. – Nicardo o fitou com ódio – Ela é a chave mestra,
a peça principal de toda a guerra. Se algo acontecer a
ela, o que será de Ofir?
– Nada irá acontecer a ela por que eu estarei a
protegendo – Alexis respondeu com um pequeno
toque de arrogância na voz.
– Como achar melhor, alteza. – Nicardo
respondeu debochado.
– Vamos parar vocês dois! – eu disse – Que
coisa mais feia!
– Mas o que Nicardo disse faz sentido. – Cosmo
estava prestes a se tornar mais um na lista negra de

Alexis – O destino de Ofir depende de Beatriz. Seria
mais prudente...

– Seria mais prudente fazer as coisas do modo
como foram ditas para fazer! – Alexis começava a
perder a paciência – Irei eu e Beatriz para Calidora
resgatar as meninas e não aconselho ninguém a se
opor.
– Credo Alexis! – Tales falou – Para que tanta
agressividade? Você nem sabe se a Beatriz vai querer ir
com você.
– É verdade! – Linfa se virou para me olhar – O
que você acha disso Beatriz?
Neste momento todos os olhos estava voltados
para mim. Estava acostumada a ter esse tipo de
atenção quando minha má sorte resolvia dar "oi", mas
já tinha um bom tempo que nós duas não nós
encontrávamos. Ela estava me devendo umas visitinhas
e tinha medo de que ela resolvesse pagar-las agora.

– Bem... O que eu posso dizer? – olhei para
Alexis – Acho que por mim tudo bem. Eu já sei como
me defender sozinha outra vez.
– Você tem certeza? – Neandro perguntou.
– Sim! – na verdade eu queria dizer "acho que
sim", mas aprendi que perguntas como "Você tem
certeza?" não devem ser respondidas com "acho".
– Se é assim... – Neandro bufou – Mas ainda
estou achando essa história muito estranha! Cadê os
soldados que irão acompanhar você dois?

– Iremos nos encontrar no castelo! – Alexis
respondeu.
– Ótimo! – Neandro ainda estava desconfiado –
Podem ir, mas eu irei descobrir o que está errado nessa
história. Pode ter certeza!
Seguimos a cavalo para o castelo. Alexis não
disse mais uma palavra e eu fiquei sem jeito de dizer
qualquer coisa.

Quase me perdi de Alexis quando ele mudou o
caminho. Pouco antes de pegarmos a rua que levava
para o castelo, Alexis cortou caminho e foi em direção
ao porto.

– O que está fazendo? – perguntei – Nós não
vamos para o castelo?
– Não é necessário. – ele respondeu.
– Mas e os guardas? – continuei perguntando.
– Não precisaremos de guardas. – ele sorriu.
– Espere! – raciocinei – Você mentiu?
– Sim! – ele respondeu tranquilamente.
– Você está me sequestrando? – perguntei com
um sorriso debochado.
– Se quer entender assim? – ele achou graça.
– Então não vamos resgatar Camila, Levinda e
Layla?
– Claro que vamos! – Alexis abriu um longo
sorriso – Mas vamos fazer isso sozinhos. Apenas eu e
você.
– Mas...

– Beatriz, eu passei muito tempo sem você. –
Alexis parou o cavalo. Fiz o mesmo – Perdi muito
tempo sozinho, lamentando não ter descoberto o que
eu sentia por você antes. Não ter vivido o que
deveríamos ter vivido. Eu quero tudo o que tenho
direito e quero aproveitar sozinho, sem mais ninguém
por perto.

Não sei como estava me rosto, mas Alexis
parecia um deus de tão lindo. Ele sorriu largamente
para mim e o cavalo voltou a galopar em direção ao
porto. Por alguns instantes me esqueci de que ainda
estava parada no mesmo lugar e assim que "acordei",
segui atrás de Alexis.

O porto estava cheio, mas acredito que não
veriam problemas conosco. Ninguém iria barrar o
príncipe de Ofir de sair de barco. Isso se ele tivesse um
barco.

Alexis pediu para um soldado cuidar dos
cavalos e mandar-los de volta a casa de Neandro. Ele
olhou, olhou e olhou para os barcos, como se
procurasse por um que não estivesse ai, até que algo
lhe pareceu familiar.

– Vamos! – ele me puxou pela mão – É por ali.
– Você vai usar algum barco do Neandro? –
perguntei.

– Sim. – ele respondeu – Iremos pegar
"emprestado".

Alexis entrou feito um raio no navio,
assustando a tripulação.

– Vocês estão seguindo para onde? – Alexis
perguntou.
– Estamos seguindo para lugar nenhum. – um
dos marinheiros respondeu – Nós cuidamos do barco e
estamos apenas fazendo o nosso trabalho.
– Pois agora vocês podem começar a preparar
as coisas, iremos zarpar! – Alexis falou autoritário – Eu
sou Alexis Melequíades Arrife Briseu do Corpeu
Clístenes de Ofir, príncipe herdeiro do trono de Ofir e
agora seu capitão!

CAPÍTULO 19 / UMA NOITE ESPECIAL


A


inda não estava acreditando no que estava vendo.
Alexis estava mesmo louco. Mas eu estava amando
tudo aquilo. Talvez uma das coisas que eu mais amei
fazer desde que voltei a Ofir.
A tripulação presente no navio ficou um pouco confusa
no inicio, mas ninguém quis contraria as ordens do
príncipe herdeiro de Ofir e correr o risco de perder a
cabeça por causa disso – tenho mais lembranças
quanto a esse assunto de "perder a cabeça".

– Você é louco mesmo! – disse para Alexis.
– Sou muito louco! – ele sorriu enquanto
observava o mar – Mas isso é ainda pouco se
comprarmos ao tamanho da loucura que eu tenho por
você. Eu te amo enlouquecidamente.
– Seria feio se eu copiasse sua frase? –
perguntei o abraçando – Eu te amo
enlouquecidamente também.

– Sabe que eu não queria estar em nenhum
outro lugar agora. – ele me abraçou mais forte – Isso
que estou vivendo agora é tudo o que eu sempre quis
viver. Estar com você faz todo o sofrimento que passei
valer à pena. Chegar aonde cheguei com você... Eu te
amo.
– Alexis! – virei para olhar seu rosto – Eu para
de falar essas coisas. Eu fico sem saber como
responder. O que eu estou sentindo agora... Não
existem palavras que descrevam o tamanho da minha

felicidade, apesar de haver mais motivos para ficarmos
tristes.

– Está falando de Bianor? – ele ficou sério.
– É difícil não pensar que neste momento ele
pode estar planejando o próximo passo. – sai do seu
abraço – Essa trégua não irá durar para sempre.
– Mas nós iremos fazer o possível e o
impossível, se for possível, para deter Bianor. – ele
tentou encarar a situação com humor.
– Alexis...
Antes que eu completasse a frase, Alexis
fechou minha boca com seus lábios.
Os beijos de Alexis eram completamente
diferentes dos beijos de Nicardo. Não eram vagos e
distantes. Os beijos de Alexis eram devoradores,
sedentos, quentes. Eram beijos devastadores e
sufocantes, mas ao mesmo tempo eram extasiantes e
me levava aos extremos. Eram beijos impossíveis de
resistir.

– Vamos combinar uma coisa? – ele perguntou
enquanto retomava o fôlego.
– O que? – disse um pouco ofegante.
– Não vamos falar de Bianor. Pelo menos
enquanto estivermos aqui no navio. – ele voltou a me
abraçar, porém com menos força – Eu preparei essa
"viagem" para curtir um pouco você. Para curtir um
pouco nós dois. Se formos conversar, vamos conversar
apenas sobre nós.
– Tudo bem! – respondi sorrindo.

A manhã passou bem rápido e logo chegou à
tarde. Eu e Alexis quase não vimos a tarde chegar.
Estávamos vivendo uma lua de mel antecipada, não
tinha como reparar o tempo passando.

– Sabe Beatriz. – Alexis estava atrás de mim,
me abraçando – Eu nunca achei que um dia pudesse
fazer loucuras por amor. Eu via meu irmão agindo
contra as leis de Ofir, se envolvendo com uma plebéia,
desafiando o nosso pai e renegando o trono em nome
desse sentimento que eu julgava ridículo.
– E hoje você ainda pensa assim? – perguntei.
– Hoje eu o entendo perfeitamente. – Ele sorriu
– Se estivesse em seu lugar eu teria feito o mesmo.
– Você enfrentaria a todos por mim? – me virei
sem sair do abraço.
– E você ainda pergunta? – ele abriu um largo
sorriso – Eu faria tudo o que Neandro fez e muito mais.
Hoje, você é a coisa mais importante na minha vida.
Ficar com você e resgatar minha mãe são minhas
únicas prioridades.
Eu o beijei na mesma hora e ele retribuiu o
beijo. Eu estava no céu. Flutuando entre as nuvens em
um céu muito azul.

– Já eu sempre acreditei e entendi o amor. –
disse séria – Até...

– Até?... – ele me fitou curioso.
– Nada. – fiquei um pouco triste – É só um
assunto bobo. Nada de importante.

– Se é sobre você, então é importante! – ele
insistiu.
– Mas é um assunto meio chato para se
conversar com o namorado. – tentei fazer-lo desistir.
– Tudo bem. – ele sorriu – Não sendo sobre
aquele namorado, eu não ligo.
– Tem certeza? – fiz uma última tentativa.
– Beatriz? – ele ficou sério.
– Sim? – sorri.
– Fala logo! – ele voltou a sorrir.
– Eu vou te contar, mas não fique bravo.
– Prometo! – ele levantou a mão direita.
– Sabe que hoje eu acho até graça. – sorri –
Não muita. Foi o meu primeiro namorado.

– O que tem o seu primeiro namorado? – ele
perguntou.
– Foi há 4 anos, quando eu tinha 16. –
relembrei – Eu estava muito apaixonada. Acreditava
que ele era o meu príncipe encantado e que viveria
com ele para sempre. Ele parecia ser perfeito. Era
bonito, educado, bem humorado, mas ninguém pode
ser perfeito certo?

– Acho que não. – Alexis respondeu sério.
– Eu estava vivendo uma grande felicidade e
achava que nada poderia destruir aquela felicidade. –
continuei relembrando – Até que um dia ele veio e
conversou comigo. Uma conversa séria. Ele me pediu
desculpas e disse que estava comigo apenas para fazer
ciúmes na ex-namorada e que ela estava querendo

voltar para ele. Eu achei que não sobreviveria com
aquela dor.

– Mas que cretino! – Alexis se irritou – Cretino
e burro. Perder uma garota como você.
– Acho que isso foi um elogio! – sorri – Mas eu
sobrevivi e continuei seguindo, porém, nunca mais quis
dar oportunidade ao amor novamente, até você
aparecer.
– Não me leve a mal, mas eu achei ótimo esse
babaca ter feito isso com você!
– Alexis! – dei um tapa em seu ombro.
– Claro! – ele sorriu – Raciocine. Se ele não
tivesse terminado com você eu não teria chances.
Talvez você nem tivesse vindo para Ofir. Eu tenho
muito a agradecer.
– Seu bobo! – dei outro tapa em Alexis, mas
desta vez seguido por um beijo – Eu amo demais você
sabia?
– Eu estou sabendo! – ele sorriu.
– Alexis... – um lampejo de realidade surgiu em
mim – E depois?
– Depois do que? – ele ficou sério.
– Depois que tudo isso acabar. Depois que
derrotamos Bianor e Ofir voltar a ser o que era antes, o
que vai acontecer?
– Como assim?
– Eu não sou apenas uma plebéia, eu sou uma
terráquea. De certa forma eu sou uma "alienígena"

neste mundo. – disse séria – Uma hora eu vou ter que
voltar para casa.

– Beatriz... Vamos deixar o futuro com o futuro,
eu já disse.
– Mas eu tenho tanto medo. – o abracei forte –
Eu não sei o que eu faria sem você e essa incertezas me
deixam aflitas. Agora que te consegui, não queria que
nada nos separasse.

– E nada irá nos separar! – ele também me
abraçou forte – Eu posso garantir que nada poderá nos
separar. Nada!
– Eu sei, mas ainda tenho medo. – fiquei séria –
Na minha vida eu aprendi a ter minha felicidade
arrancada de mim. É muito difícil não ter medo quando
se está vivendo uma felicidade como a que estou
vivendo agora, com tantos riscos ao meu redor.

– Você pena demais no que está para
acontecer. Não fique pensando tanto no "e se..."
– Alexis! – encostei a cabeça no ombro dele –
Eu te amo.
Mais uma vez o beijo veio automaticamente.
Eu não sabia o que esperar daquela viagem. Não sabia

o que estava para acontecer e nem imaginava que
poderia ser de mim, mas quando Alexis me beijava
todas essas incertezas sumiam e ficava apenas uma
coisa em minha cabeça: como eu amo esse príncipe
metido!

A noite também chegou rápido. As luas vistas
do navio eram bem mais brilhantes e bonitas. Ver-las
ao lado da pessoa que você ama também ajuda muito.
Eu não queria me afastar daquilo jamais. Estava tudo
sendo especial demais para se imaginar um fim.

– Você está tão pensativa. – Alexis perguntou –
O que aconteceu.

– Desta vez nada. – estava aconchegada nos
braços de Alexis – Eu só gosto de olhar as luas. Elas são
tão lindas e me trazem tanta paz. Agora elas parecem
ainda mais lindas e brilhantes.
– Realmente. – Alexis fitou as luas – Elas
parecem estar contemplando a nossa felicidade e
abençoando o nosso amor.
– Que dure para sempre e seja tão belo quanto
essas luas. – apertei a minha mão com a de Alexis.
– Essas palavras nem eu poderia ter dito
melhor! – ele suspirou.
– Acho que já ouvi essa frase antes!
– Você ficou com muito medo? – Alexis
perguntou.
– De que? – rebati.
– De Ofir. – ele ficou sério – Às vezes, quando
estava preso no bosque, eu te sentia tão aflita e com
tanto medo. Parecia que você queria estar em qualquer
lugar, menos aqui.
– Eu realmente não tive bons momentos
enquanto estava sem memória. – fitei o chão – Eu me
sentia perdida e sem identidade. As pessoas falavam

sobre coisas que eu havia feito e eu não conseguia
lembrar. Eu tentava puxar da memória, mas as
lembranças nunca apareciam. Era algo muito
perturbador na verdade.

– Sinto-me horrível por não estar ao seu lado
neste momento. – ele beijou minha mão – Eu queria
tanto ter estado ao seu lado.
– Acho que eu só não recuperei a memória
mais depressa por que você não estava por perto. –
brinquei, apesar de acreditar nisso – Eu que me sinto
horrível toda vez que olho para essa cicatriz em seu
braço.
– Já eu sinto orgulho dela. – ele levantou o
braço esquerdo – É a prova de que eu faço qualquer
coisa por você. Eu tenho outra nas costas, quer ver?
– Não! – disse alto – Eu não gosto de lembrar
que isso aconteceu. Eu não consigo imaginar a dor que
você sentiu.
– Não foi tão grande assim. – ele sorriu e
depois ficou sério – Tudo bem, doeu pra Caramba, mas
já passou. Fora que ter você comigo compensa
qualquer dor que eu já tenha passado em minha vida e
qualquer dor que eu venha a sentir. Se eu puder
continuar vivo para ouvir você dizer que me ama,
qualquer coisa será valida.
– Não diga uma coisa dessas! – briguei.
– Bobagem. – ele sorriu.
– Disse tudo: BOBAGEM!

– Vamos entrar? – Alexis se levantou devagar –
Está ficando frio aqui.

– Está mesmo. – me levantei também – Vamos
entrar.
A cabine do capitão era bem luxuosa para o
padrão do resto do navio. Parecia um quarto de hotel.
Havia uma cama enorme revestida com pequenas
pedrinhas douradas e com lençóis de seda branca, um
longo tapete com um desenho de forma irregular – me
fazia lembrar uma baleia engolindo um caminhão, mas
sabia que não era aquilo – e um guarda roupas bem
grande que, assim como a cama, era revestido em
pedras douradas.

– E um quarto bem aconchegante! – disse
assim que entrei.
– Acho que escolhi bem o navio! – Alexis sorriu
– Fico feliz que tenha gostado dele.
– É muito bonito. – sorri – Adorei os
candelabros. A iluminação da luz de velas da um clima
romântico ao quarto.
– Acho que é exatamente o que estávamos
procurando! – Alexis deitou na cama – Esse colchão é
ótimo. Deita aqui Beatriz!
– Não, não! – fiz um sinal negativo com o dedo
– Pensa que eu não sei qual são as suas intenções?
– E quais são minhas intenções? – ele se
sentou.

– Você quer que eu me deite, para depois me
seduzir e fazer-me fazer o que não quero fazer.
– E o que você não quer fazer? – ele me olhou
malicioso.
Alexis se levantou e começou a me beijar
lentamente. Seus lábios beijavam meu braço e iam
subindo até o pescoço. Alexis me abraçou por trás e
continuou beijando meu pescoço devagar. Meu
coração estava por um fio. Ele pegou meu braço e me
fez abraçar-lo também. Seus lábios quentes foram
descendo novamente e beijaram meus ombros. Joguei

o meu cabelo para o lado contrario ao que Alexis
estava beijando e segurei firme em sua mão. Minhas
pernas estavam tremendo e eu estava sem ação e só
conseguia pensar em querer mais e mais.
Alexis me soltou e me fez virar, olhando em
meus olhos. Um olhar sedento e sedutor. Seus lábios
agora atacavam meu queixo. Ele dava leves mordidas e
subia até minha orelha, dando mais leves mordias e
seguindo para minha boca. Suas mãos desciam pelas
minhas costas e agarravam minhas pernas. Quando
menos percebi, Alexis estava me segurando no colo e
beijando novamente meu pescoço.

– Você realmente não quer fazer nada essa
noite? – Alexis perguntou e eu respondi com um beijo.
Alexis me levou até a cama e sentou comigo no
colo. Ele começou lentamente a me despir e beijar a
cada nova parte descoberta do meu corpo. Acabei


fazendo o mesmo e retirando sua camisa. Segurei firme
em seus braços e o beijei desesperadamente.

Deitei-me na cama enquanto Alexis se despia
por completo. Meu coração estava mais acelerado que
nunca e meu corpo estava em chamas. Eu quase não
conseguia respirar direito, mas mesmo assim eu não
queria que ele parasse.

Alexis pegou minha perna e começou a me
beijar começando pelos pés. Enquanto seus lábios
subiam pela minha perna, meu coração tentava fugir
pela boca e quando seus beijos alcançaram minha
barriga, achei que o sentiria sair de verdade.

Alexis me puxou para perto dele e grudou seu
corpo no meu. Pude sentir que seu coração também
estava acelerado. Ele envolveu seus braços em minha
cintura enquanto nos beijávamos. Eu acariciava suas
costas lentamente e segurei bem forte em seus
cabelos. Minha boca só não estava seca por que estava
ocupada demais beijando e recebendo beijos de Alexis.

As mãos de Alexis passeavam pelo meu corpo,
enquanto ele tentava conseguir parar de me beijar.
Minhas mãos também exploravam o corpo em forma
de Alexis e isso fazia nossos corpos entrarem em
combustão.

Alexis voltava a beijar meu corpo, enquanto eu
esperava sentada em seu colo por seus lábios em
minha pele. Aquele estava sendo um os momentos
mais românticos e bonitos que eu já havia vivido e
queria aproveitar bem cada segundo.


Ainda no colo de Alexis, fui deitando devagar
na cama, puxando Alexis para se deitar comigo e o
beijando como nunca o havia beijado. Seu corpo
quente se juntou ao meu corpo em chamas e logo nós
já não éramos mais dois corpos queimando, mas um
único corpo vivendo um único sentimento e vivendo
uma única sensação.

Entre abraços e beijos quentes a noite
prosseguiu de forma mágica. Não sei se preciso
descrever o que aconteceu depois e nem sei se
conseguiria. Foi o momento mais mágico e mais
sensual que havia vivido em toda minha vida. Um
momento do qual eu não iria me arrepender de ter
vivido com Alexis. Melhor, esse momento não poderia
ter sido vivido com outra pessoa que não fosse o Alexis.
Eu estava em completo êxtase e não queria que a noite
acabasse tão cedo. Mas uma hora ela tinha que acabar
e meu único consolo e que essa noite havia sido a
primeira de muitas outras que viriam. Muitas outras.


CAPÍTULO 20 / UM PLANO ARRISCADO


D


epois de uma noite como aquela era impossível não
acordar bem. Eu já estava em outro nível de
relacionamento com o Alexis e aquela noite só
confirmou o que eu já sabia: Alexis é meu príncipe
encantado.

Tentar imaginar minha vida sem o Alexis era
quase impossível e isso era bem preocupante. Melhor
dizendo, era muito preocupante.

Eu sabia que em Ofir eu teria Alexis para
sempre, mas e na Terra? Eu teria que voltar para Terra
um dia. Como deixar minha mãe para trás.
Provavelmente ela deve ter me encontrado desmaiada
em minha cama ou talvez pensado que eu desapareci.
O que mais ela poderia pensar? Quais são as condições
dela agora? Tudo que eu mais quero na vida e ficar ao
lado de Alexis, mas não é justo que minha mãe sofra
por egoísmo meu.

– Beatriz? – Alexis me acordou dos meus
pensamentos – Onde você foi? Seu olhar estava tão
distante, parecia que estava a milhas e milhas daqui.
– E eu realmente estava! – fiquei séria – Estou
preocupada com minha mãe. Cm o que estão pensando
que aconteceu comigo. Da última vez acreditaram que
eu havia ficado em coma, mas é agora?
– Eu já disse para você não se preocupar. – ele
me abraçou – Mas acho que entendo você. A última
coisa que você quer e que sua mãe sofra certo?

Não disse nada, apenas assenti com a cabeça.

– Tudo o que eu menos desejo e ver minha
mãe sofrendo. Minha mãe e você, claro. Por isso eu
entendo sua preocupação, mas do que adianta? Você
não vai poder voltar agora. Pensar nisso só irá te fazer
mal.
– Acho que sei. – disse de cabeça baixa.
– Vamos fazer o seguinte? – ele sorriu – Vamos
pensar apenas em nós dois por enquanto. Depois a
gente pensa no resto.
– Uma hora dessas o pessoal já deve estar em
Calidora. – disse lembrando que havíamos fugido – Do
jeito que aquele submarino é rápido, não duvido que
tenha dado tempo deles resgatarem as garotas e já
estar de volta na Capital.
– Será? – Alexis sorriu.
– Eu realmente acredito nisso. – também sorri
– Se bobear eles já estão de volta a Calidora só para
nós dar uma bronca daquelas.
– Você acha mesmo? – Alexis estava quase
gargalhando – Seria ótimo não?
– Por quê?
– Assim nos poupava tempo. – ele voltou a me
abraçar – Eu queria mesmo era ter um pouco de paz e
sossego para aproveitar com você. Nós dois sozinhos.
Agora, se eles tiverem feito isso por nós... Não ligo de
levar bronca.

Fiquei observando Alexis olhar o mar. Desde
que nos reencontramos, eu tenho sentido o Alexis
mudado. Ele parece mais seguro e menos arrogante.
Talvez o tempo em que passou como um ser do bosque

o tenha feito amadurecer um pouco mais. Porém não
era apenas isso que havia mudado, existia algo mais.
– Sabe Alexis. – eu disse – Agora eu vejo o
quanto eu senti falta de você, mesmo estando
desmemoriada. Você sempre esteve em meu coração.
Não sei como eu consegui passar todo esse tempo sem
você.
– Bom ouvir isso. – ele me presenteou com seu
belo sorriso – Assim não me sinto tão solitário.
Também senti muito a sua falta. Não sabe como eu
estou feliz em ter você ao meu lado agora.
– Acho que sei sim! – me agarrei em seu braço
– E a mesma felicidade que eu estou sentindo agora.
– Eu te amo tanto. – Alexis me abraçou e me
beijou.
– Quero ficar bem aqui, ao seu lado, por toda
vida. – encostei minha cabeça em seu peito.
No dia seguinte já estávamos em Calidora. Já
fim de tarde quando chegamos ao porto local. Haviam
guardas para todo lado e eu fiquei muito preocupada.
Melhor dizendo, apavorada. Tínhamos nos deixado
levar pelas emoções e com essa história de "deixar
para depois", acabamos esquecendo de planejar como
desceríamos do navio sem ser percebidos.


– Fique tranquila! – Alexis parecia ler meus
pensamentos.
– Como assim "tranquila"? – sussurrei.
– Eles não vão nos ver. – ele segurou firme
minha mão – Pelo menos não agora. Ainda não está na
hora.
– Como assim "não está na hora"? – sussurrei
assustada.
– Eu te explico depois! – ele beijou minha testa.
Sem soltar minha mão durante um único
segundo, descemos do navio.

Meu coração estava prestes a parar de tanta
aflição. Aparentemente ninguém estava notando a
nossa presença e isso – apesar de bom – me
incomodava. Parecia que nem estávamos sendo vistos.

– Por acaso estamos invisíveis? – perguntei
quase sem emitir som.
– Não. – Alexis respondeu tranquilo.
– Então por que ninguém parece nos notar? –
perguntei cochichando.

– Ficar invisível no meio dessa multidão e
complicado. – Alexis sorriu – Além de correr risco de
trombar com alguém e ser pego, os guardas de Calidora
perceberiam um feitiço tão simples como esse.
– Sim, mas ainda não respondeu minha
pergunta. – falei um pouco mais alto.

– De certa forma, eles estão nos vendo. – ele
sorriu – Mas não é as nossas imagens que eles estão
vendo.
– Não entendi nada! – bufei.
– Preste mais atenção em você mesma. – ele
continuou sorrindo.
Olhei para mim e não vi nada demais. Até que
comecei a notar algo tremeluzindo em todo meu
corpo. Pisquei e olhei novamente. Era uma segunda
pele. Uma segunda e peluda pele de leão.

– Nós somos Leons? – perguntei.
– Não. – Alexis fez piada – Mas eles acham que
somos.
– Mas que ótimo! – fiquei feliz e tentei bater
palmas. Alexis segurou firme minha mão.
– Esqueci de dizer um detalhe. – ele me olhou
sério – Não solte a minha mão. Essa magia e bem forte
e eu sozinho não dou conta. Desculpe, mas estou
sugando um pouco de sua energia para fazer a magia.
Você não está sentindo tanta diferença por que eu
estou usando a magia em você também.
Depois que ele falou, comecei a notar que
estava levemente cansada. Meus olhos pareciam não
querer ficar abertos, mas eu ainda me aguentava de
pé. Não estava exausta e nem com sono, apenas
levemente cansada. Mas era por um motivo muito
importante.

– Você pretende entrar assim no castelo? –
perguntei.


– Não! – ele respondeu sério – Nem eu e nem
você agüentaríamos gastar tanta energia assim. Nós
iremos de cara limpa.
– Você quer dizer, sem nenhum disfarce ou
feitiço? – perguntei assustada.
– Sim! – ele respondeu sem reação.
– Mas nós seremos presos na mesma hora! –
falei um pouco alto.

– Shhh! – Alexis colocou o dedo indicador na
frente da boca – Eles podem não estar prestando
atenção na nossa conversa, mas se falar alto demais
eles podem nos ouvir. Nós iremos de cara limpa. Sem
disfarces, sem feitiço. Apenas nós. Eu quero ser pego! E
de preferência ser entregue a Bianor.
– Você enlouqueceu? – gritei.
– Tudo bem, eu não irei responder mais
nenhuma pergunta sua. – Alexis fez sinal de que tinha
trancado a boca.
– Desculpe. – falei mais baixo – Mas isso é
loucura.
– Quando chegar o momento, eu te explico! –
Alexis me fitou repreensivo.

Eu realmente iria querer uma explicação. Uma
boa explicação. O que exatamente ele estava querendo
se arriscando tanto assim? Tudo isso por causa das
meninas? Acho que não. Mas então o qual outro
motivo Alexis estava fazendo todo aquele plano
arriscado?


Quando saímos das vistas dos soldados, Alexis
soltou minha mão e de imediato eu senti um forte
cansaço e um baque muito grande. Foi algo parecido
com o que se senti quando estamos carregando algo
muito pesado junto com outra pessoa e essa pessoa
acaba, por algum motivo, jogando todo o peso para
você por alguns instantes.

Alexis também parecia ter sentido o mesmo,
mas em proporções bem maiores. Ele estava ofegante
e parecia estar suando, mas logo voltou ao normal. Ou
pelo menos aparentou ter voltado ao normal.

– Acho que Neandro e Cia não deram as caras
por aqui. – Alexis vigiava as ruas.
– Talvez estejam em outro lugar. – disse
seguindo-o – Ou talvez realmente não vieram.
– De qualquer forma nós teremos que ir para o
castelo. – Alexis continuava vigiando a rua.
– Agora que estamos longe da grande multidão,
será que você poderia me explicar o que pretende
fazer? – perguntei autoritária.
– Não agora. Depois. – ele olhou rapidamente
em meu rosto e depois voltou a vigiar.
– Mas talvez fosse mais útil eu saber de tudo
agora! – continuei autoritária.
– Quer esperar um pouco?! – ele me segurou
pelo braço e me puxou para trás de uma grande árvore.
– O que foi? – cochichei.
– Leons. – ele apontou com os olhos.

Dei uma leve espichada com o pescoço e vi três
Leons caminhando pela rua. Era engraçado como que
em Calidora e Neide seres como aqueles caminhassem
livremente. Eu não acharia nem um pouco normal.
Apesar de que, em Ofir, nada é realmente normal. Já
era para eu ter me acostumado.

Chegamos ao castelo sem ser vistos. Eu
continuava sem uma explicação e ainda não tinha
achado um sentido nas atitudes de Alexis. Não sei se eu
estava exagerando, mas o fato e que eu estava muito
aflita. Talvez fosse o fato de eu estar com muito medo
de perder novamente o Alexis.

– Pronto, chegamos. – disse tentando me
esconder atrás dos grandes portões – O que vamos
fazer agora?
– Vamos entrar! – ele disse como se fosse algo
super obvio e simples.
– Assim? – olhei-me de cima a baixo.
– Eu disse que entraríamos sem disfarces e sem
magia. – ele sorriu.
– Mas isso é loucura! – tentei segurar-lo – Nós
seremos presos!
– Mas ainda não entendeu que é essa a
intenção? – ele me fitou sorridente.
– Isso é muito maluco. Muito arriscado! Não sei
se...

– Beatriz, você não confia em mim? – ele fez
um olhar de "anjinho". Quem conseguiria resistir
aquele olhar?
– Confio. – sorri, apesar de estar um pouco
aflita – Não muito, mas confio.
– Eu juro que tenho um bom plano. – ele me
beijou – Não tenha medo!
– Se você está falando... Vamos lá! – disse me
rendendo.
– Mas antes... – Alexis se abaixou, pegou um
punhado de areia e colocou dentro de um saco de pano
– E com isso que iremos fugir.
Olhei para Alexis sem entender, mas deixei
passar.
Alexis pediu para entrarmos como se
tivéssemos tentando invadir o local, mas de uma forma
bem fácil e com todas as chances de ser pego. A
intenção ali era entrar no castelo como prisioneiro e
não como invasor.

Voamos por cima dos grandes portões e
tentamos entrar pendurados nas correntes que
seguravam o portão principal. Poderia ser uma forma
de entrar no castelo, mas de jeito nenhum teria como
não ser percebido.

Não demorou muito para os guardas nos
achassem e começassem a atirar flechas em nossa
direção. Fingimos cair. Os guardas correram e nos
pegaram no mesmo instante. Estava me sentindo


ridícula sendo presa por uma invasão tão mal
elaborada.

Os guardas nos levaram imediatamente para a
sala principal, onde deveria ser o salão real, onde o rei
ficava para reuniões e para receber visitas relacionadas
a assuntos do reino. Nem me espantei quando vi quem
estava sentado no trono do rei.

Calidora havia sido o primeiro reino a se juntar
a rebelião e um dos primeiros a dar apoio a Bianor. Era
muito mais que esperado que Bianor estivesse no
controle, mesmo que não tenha sido apresentado
oficialmente como novo rei de Calidora.

– Mas o que temos aqui? – Bianor sorria
maliciosamente – Príncipe Alexis. A que devo a honra
de sua tão ilustre visita?
– Não seja cínico. Por mais que cinismos e
hipocrisias sejam exatamente a sua cara, não fica bem
quando é tão deslavado. Chega a ser ridículo.
– Obrigado pelo conselhos – Bianor nos fitou e
seus olhos mudaram de cor. De verdes, passaram a
dourados – mas eu irei recusar. Gosto do meu estilo.
– Acredito. – Alexis estava calmo.
– Quando disseram que era você eu quase não
acreditei. E quando disseram a forma como foram
capturados... Que ridículo! Tentando entrar pelas
correntes do portão.
– Foi um descuido nosso. – Alexis continuava
calmo.

– Agora eu que peço para não ser cínico. –
Bianor começou a gritar e seus olhos se tornaram
vermelhos – Acham que sou imbecil? Pelo que me
tomam? Eu sou o maior mago que existe, não pensem
que eu vou cair nessa história. O que vocês querem?

– Você não é o todo poderoso? – Alexis agora
falava com deboche – Descubra você mesmo! Leia
nossas mentes! Saiba se realmente armamos tudo isso!
Ah, esqueci, você não pode. Mesmo tendo todo esse
poder, você não pode conseguir um dom.
– Dom? – perguntei mais para mim mesma. –
Tem certas magias que apenas uma pessoa, ou um
pequeno grupo de pessoas geralmente da mesma
família, podem ter. E mesmo que você conseguisse ler
nossas mentes, não pode se vangloriar de ser o mais
poderoso dos magos. Dâmaris foi quem te deu esse
poder e ele pode tirar com a mesma facilidade.

– Mas para isso alguém tem que pedir. – Bianor
ficou serio. Seus olhos continuavam vermelhos, porém
mais claros passivos. – E os cristais foram destruídos
por mim. Eu já tenho o que queria, não precisaria
daquilo.
Bianor se aproximou de mim e levantou meu
rosto segurando-me pelo queixo, mas sem encostar em
mim, apenas usando magia. Ele era bem exibido.

– Agora eu estou reconhecendo você garota. –
ele sorriu – Você é a Mallory.

– Deixe-a em paz! – Alexis me puxou para perto
dele.

– Deixar-la em paz? – os olhos de Bianor
ficaram roxos e ganharam um brilho de insanidade –
Essa garota está predestinada a me destruir. Eu devia
matar-la neste exato momento. Mas eu irei poupar-la.
Na verdade eu serei piedoso com vocês. Deixarem que
morram juntos. Um do lado do outro. Estou sentindo
que vocês estão selados para toda a vida. Muito bem,
acho que irei abreviar essa vida.
– Incrível não? – Alexis voltava com seu tom
debochado – Tanto poder dentro de si e já há tanto
tempo e ainda não aprendeu a usar e administrar-lo
por completo. Aposto como desmaia muitas vezes. Ser
o mago mais poderoso do mundo pode ser um fardo
muito pesado para um corpo tão frágil quanto o seu.
– Cale-se! – Bianor bateu no rosto de Alexis
usando magia ele parecia transtornado. Seus olhos
mudavam de cor várias vezes – Leve-os daqui! Amanhã
eu mando cuidar de vocês. E eu não terei um pingo de
piedade. Quero que cortem as cabeças dos dois.
Colocarem na parede do meu quarto como troféus de
mais uma batalha vencida.
– Batalha que você irá perder mesmo que nos
mate. Esse guerra já é perdida para você de qualquer
forma. O que você irá fazer com um reino arruinado e
destruído?
– E quem disse que eu quero destruir o reino? –
Bianor soltou uma gargalhada – Acha que eu sou o
que? Um vilãozinho de conto de fadas? Meus planos
para Ofir são bem maiores que apenas destruir.


– Eu imaginei. – Alexis ficou sério – Posso te
fazer uma pergunta?
– Aproveite enquanto pode! – Bianor falou
nervoso.
– Onde está minha mãe? – Alexis perguntou –
Sei que ela não morreu.

– Espertinho você não? – Bianor sorriu – Nos
vemos amanhã.
– E a minha resposta? – Alexis perguntou antes
de Bianor sair.
– Eu disse que poderia perguntar, não prometi
uma resposta. – Bianor ficou parado na frente da porta
– Mas se fosse você eu tomava cuidado onde você pisa.
Fomos levados mais uma vez para os
calabouços. Na verdade eu fui levada novamente para
os calabouços. Era um pouco estranho estar ali de
novo. A primeira vez que entrei em contato com Alexis
foi ali e aqui estava eu novamente e com ele ao meu
lado. Não sei nem se podia achar graça disso.

– Será que agora você pode me explicar o que
está acontecendo? – perguntei quando as luzes foram
apagadas.
– Fique tranquila, o plano esta seguindo como
o planejado! – ouvi apenas a voz de Alexis.
– Mas será que é tão difícil me dizer o que está
planejando? – perguntei, mas fui ignorada.
Vi o vulto de Alexis pegando alguma coisa.
Meus olhos ainda estavam um pouco confusos na


escuridão, mas aos poucos foi se acostumando com
manto negro que aquilo se tornava quando apagavam
as luzes.

– Muito bem. – fiquei irritada – Deixe-me sem
saber dos planos. Mas depois, se eu fizer algo que nos
prejudique por não saber exatamente o que estamos
fazendo, não reclame. Não reclame, ouviu?
– Ouvi e entendi. – consegui ver a silueta de
Alexis na escuridão – Mas nada do que você faça irá
atrapalhar os planos. Já estamos na parte final dele.
– Parte final? – perguntei nervosa – Estamos
presos!
– Mas vamos fugir! – Alexis pareceu sorrir.
– Como?
– Lembra do punhado de areia? – ele
realmente devia estar sorrindo. Isso só podia ser uma
piada.
– Você está falando sério? – perguntei.
– Fogo, por favor. – ele abria o saco de pano.
Fiz uma pequena chama de fogo com a mão e
consegui ver melhor o rosto de Alexis e o saquinho de
pano cheio de areia. Era impossível imaginar que aquilo
nos ajudaria a fugir.

– Beatriz, apenas veja!
Alexis tirou um pouco de areia do soco e
estendeu a mão, colocando-a na frente da chama de
fogo. Alexis soprou levemente os grãos de areia, que
atravessaram a chama de fogo. Inicialmente eu não vi
nada, até olhar mais atentamente para trás.


– O que é isso? – me espante.
– Uma replica exata minha! – ele sorriu – Claro,
é inanimada. Mas até eles repararem nisso já
estaremos longe.
Alexis pegou outro punhado de areia e
novamente soprou na frente da chama de fogo, mas
desta vez foi uma replica minha que apareceu.

– Mas como...
– Depois eu explico! – Alexis me interrompeu.
– Isso já está ficando chato! – disse emburrada.
– Sem dramas, vamos sair logo daqui!
Alexis estiou bem a palma da mão e colocou na
frente do portão que começou a gemer e entortar até
abrir passagem para que pudéssemos sair. Alexis me
mandou sair e depois saiu fazendo as grades do portão
voltarem ao normal.

– Você realmente terá muitas coisas para me
explicar! – sussurrei.
– Sim, mas...
– Deixa-me adivinhar? – o interrompi – Agora
não, depois?
Alexis sorriu e apagou a chama que ainda
estava na minha mão. Saímos dos calabouços.


CAPÍTULO 21 / SUGADOS PELO CHÃO


A


ssim que saímos do calabouço, o primeiro lugar que
seguimos foi o quarto de Nínive. Ela era a única que
tinha certeza absoluta que poderia nos ajudar.
Por alguns instantes eu quase me perdi no meio de
tantos corredores, mas consegui localizar o quarto de
Nínive sem muitos estragos.

Abri a porta bruscamente. Nínive estava no
quarto sozinha – para minha sorte, o que é uma
surpresa. Ela olhou ao redor e fez uma cara não muito
agradável.

– Quem entrou? – ela perguntou autoritária –
Eu estou sentindo que há duas presenças aqui. Exijo
que se mostrem!

– Calma! – fiquei visível.
– Você? – Nínive estava espantada – O que faz
aqui?
– Viemos resgatar as noivas. – respondi.
Alexis resolveu ficar visível. A cara surpresa de
Nínive ao encontrar-lo foi ainda maior do que a
surpresa de me encontrar ali. Ela parecia estar vendo
um fantasma ou qualquer outra coisa do tipo.

– Mas o que ele está fazendo aqui? – ela
perguntou.
– Ajudando. – respondi.
– Vocês... Vocês são loucos ou o que? – ela
falou um pouco alto – Estão querendo ser presos?

– Tecnicamente nós já fomos presos! – Alexis
sorriu um pouco debochado.
– Como? – Nínive não entendia nada.
– Esquece! – fiz um sinal de desdém –
Precisamos da sua ajuda para levar as noivas daqui.

– Sim, eu imagino. – ela respondeu – Mas ainda
acho que vocês se arriscam demais. Bianor pode entrar
aqui a qualquer momento e por qualquer lugar.
– Qualquer lugar? – perguntei.
– É uma coisa que ele gosta de fazer. – ela dizia
como se estivesse explicando para as amigas uma
daquelas manias chatas que o marido faz com
frequência – Ele gosta de se materializar nos locais e às
vezes aparece de surpresa, enfim... É uma coisa bem
chata.
– Mas você vai nos ajudar? – Alexis perguntou
um pouco alto demais.
– Sim, eu vou! – ela respondeu fazendo sinal
com a mão para que baixasse a voz.
– Traga todas! – disse.
– Eu irei trancar a porta, para evitar que outras
pessoas entrem. – Nínive fez um gesto e a chave saiu
da porta e foi para a mão dela – Se alguém bater, não
respondam. Finjam que o quarto está vazio ou que eu
estou dormindo, sei lá... Mas não respondam!
Nínive saiu ouvimos a porta ser traçada.
Estávamos "presos" outra vez e Alexis não pareceu
gostar muito da situação.

– O que foi? – perguntei sussurrando.

– Tem certeza que podemos confiar nela? – ele
também sussurrou.
– Claro! – sorri – Ela é irmã do Nicardo.
– Grande consolo. – Alexis revirou os olhos.
– Alexis... Ela é legal! – falei sem sussurrar.
– Tão legal que está do lado de Bianor! – Alexis
continuou sussurrando.
– Mas ela... Sei lá. Talvez ela foi enfeitiçada!? –
sugeri.
– E porque ele não fez isso com as outras? –
Alexis rebateu.
– Ah... Bem... Ah... Alexis eu confio nela. –
fiquei sem argumento – Você acha que eu sou tola?
Fácil de se enganar?

– Não. – ele respondeu.
– Então pare de implicância! – dei um tapa em
seu ombro.
A desconfiança de Alexis fez com que os
minutos parecessem horas intermináveis. Cada
segundo de demora de Nínive parecia uma eternidade.
Sentia-me como se eu estivesse sendo a enganada e
que Nínive estava apenas nos segurando para avisar a
Bianor e nos entregar.

Alexis ficou invisível e segui para a janela. Não
sei se ele ficou muito tempo na janela, mas quando ele
ficou visível outra vez o seu rosto estava sério, porém
aliviado.

– O que aconteceu? – perguntei.

– Eu acabei de ver Bianor saindo do castelo.
– E isso é bom né? – estava confusa.
– Isso é mais do que ótimo. – Alexis sorriu – O
único problema que eu poderia ter era ele. Mas agora
acho que a parte final do meu plano vai ser concluída
com perfeição.
De repente minha visão começou a ficar
escura. Não estava me sentindo tonta, nem fraca, mas
comecei a sentir como se meu corpo tivesse deixado de
existir. Tudo ficou escuro e quando voltei a enxergar, já
não estava mais no quarto de Nínive.

Era uma sala grande. Uma sala bem grande. Eu
estava parada em frente a uma grande porta e parecia
que a porta crescia cada vez mais. A porta tinha um
fecho de luz a iluminando e o restante da sala estava
toda escura. Eu não fazia idéia do que estava
acontecendo, mas sabia que aquilo não era real.

A porta se abriu lentamente e um enorme pé
surgiu. Não era a porta que havia crescido, eu havia
diminuído. Desviei do pé para não ser esmagada. Uma
grande capa preta repousava sobre os ombro de seja lá
quem tivesse entrado. Não consegui ver a pessoa de
frente. Talvez, na altura em que estava, nem
adiantasse.

O homem sentou em um trono, que ganhou
um feche de luz igual ao da porta. Andei um pouco
para trás na tentativa de conseguir ver quem estava


sentado no trono e tive uma terrível surpresa. Era
Bianor.

– Beatriz? – Alexis deu um leve tapa no meu
rosto.
– Alexis! – estava assustada – Eu vi.
– Viu o que? – ele perguntou.
– Nada irá adiantar. Nada.
– Do que você está falando garota? – Alexis me
segurou pelo ombro.
– Bianor. – respirei fundo – Bianor.
– O que tem Bianor?
– Ele vai... Não, não! – estava assustada demais
com a idéia.
– Beatriz, pare com isso! – Alexis gritou – Está
me assustando!
– Eu vi Alexis! – disse quase delirando.
– Beatriz – Alexis tentou falar com mais calma –
O que você viu?
Neste exato momento a porta se abriu. Quase
deu um grito, mas Alexis tapou minha boca. Eu estava
com tanto medo e tanto ódio do que eu tinha
constatado com o que vi que nada mais parecia estar
valendo à pena.

– O que vocês estão fazendo? – Nínive falava
baixo – Pude ouvir vocês gritando corredores daqui.
– A Beatriz... – Alexis começou.
– Amiga! – Camila entrou no quarto gritando
mais alto do que todos nós – Eu achei que não sairia

dessa. Mas eu sabia que você não iria desistir de mim
assim tão fácil.

– Amigas são par isso! – sorri sem muita
animação – Mas o que aconteceu da outra vez?
– Eu não sei dizer. – Camila coçou a cabeça – Eu
estava bem atrás de vocês. De repente... Eu não estava
mais.
– O que? – Alexis perguntou.
– Quem é seu novo amigo gatinho? – Camila
perguntou.
– Alexis! – corri para abraçar-lo – Mas ele já é
meu.
– E o Nicardo? – Camila perguntou.
– Nós terminamos.
Um clima meio estranho ficou pairando no
quarto. Nínive parecia não gostar muito do que estava
ouvindo e eu provavelmente estava com aquela cara de
quem se arrependeu amargamente de não ter medido
as palavras antes de proferi-las.

Alexis também pareceu não gostar muito de
como tudo aconteceu. Não sei se foi a forma como
Nínive olhou ou se foi a cara de espanto da Camila.
Talvez as duas coisas ou talvez nenhuma. Palavras não
devem ser ditas sem se pensar nas consequências.

– Mas então... Nós dois terminamos. Estamos
bem. – tentei corrigir.
– Será que podemos resolver o problema delas
logo? – Alexis falou com um pouco de urgência.

– Ah claro! – aproveite a deixa – Você vai fazer
do mesmo jeito que da outra vez?
– Sim! – Nínive respondeu – E o jeito mais
seguro. Só eu tenho acesso aquela passagem.
– Que passagem? – Alexis perguntou.
– É uma passagem que eu mesma criei. Para
emergências. – Nínive respondeu.
– Você criou uma passagem? Dentro do
castelo? – Alexis estava confuso.
– Não no castelo. – Nínive sorriu – É uma
passagem mágica.
– Mágica? – Alexis quase gritou – Você está
querendo dizer que criou uma dimensão?
– Sim. – ela pareceu não entender a surpresa –
Você pode ir para qualquer lugar que desejar por essa
passagem.

– Mas você tem certeza de que foi você quem
criou? – Alexis estava muito desconfiado.
– Por que desconfia tanto? – Nínive realmente
parecia não entender.
– Não vem com brincadeira, você não criou isso
nunca! – Alexis gritou.
– Alexis!? – também gritei – O que é isso?
– Você realmente acredita nessa história? –
Alexis ficou nervoso.

– E por qual motivo não acreditaria? – rebati.
– Nem você que tem metade de todo o poder
mágico da minha mãe sabe criar passagem simples,
quanto mais passagem tão complexas como essa.

– Mas eu criei sim! – Nínive também ficou
nervosa.
– Não me convence! – Alexis continuava
irredutível – Você pode até achar que criou, mas você
não criou.
– É claro que criei! – Nínive gritou.
– Isso deve ser alguma armadilha. – Alexis
cruzou os braços.
– Pare! – eu quem gritei – Já passei por essa
passagem antes e posso garantir que ela é segura!
Meninas, vocês podem passar.
Neste momento apenas que notei uma garota
alta, com um corpo exuberante e longos cabelos loiros
e olhos azuis como o mar. Seu rosto tinha um formato
bruto, porém atraente. Parecia uma sereia de tão
bonita e misteriosa. Era a Layla.

– Desculpe. – disse olhando para ela – Não
somos sempre assim. É que o Alexis hoje não está
muito bem.
– Nem você! – Alexis interrompeu – Até agora a
pouco estava gritando feito louca.
– Ignore. – eu disse – Eu sou a Beatriz. Você
deve ser a Layla?
– Sim, sou eu. – ela disse um pouco
constrangida – Você me conhece?
– O Nicardo já falou de você para mim. – tentei
ser simpática.
– Ele falou? – ela ficou surpresa.
– Falou! – continuei tentando ser simpática.

– Se não estiverem com medo de serem
guilhotinados em uma armadilha friamente planejada
por mim para matar vocês, eu já posso abria a
passagem. – Nínive falou em um tom sínico.
– Sim, estamos todos! – fitei Alexis.
– Eu não vou. – Alexis continuou de braços
cruzados.
– Alexis! – o fitei mais cruelmente.
– Não é por causa da passagem. – ele ficou
sério – Eu ainda não terminei o que vim fazer.
– O que ainda falta? – perguntei.
– Um pequeno, porém importantíssimo
detalhe. – Alexis respondeu – Mas pode ir com elas.
Cheguei mais perto do Alexis e o fiz se abaixar
um pouco. Alexis me olhou confuso e eu fui direto em
sua orelha e tirei um brinco.

– O que está fazendo? – Alexis gritou.
– Tome! – entreguei a Levinda – Quando vocês
chegarem a uma porta, peçam para saírem no castelo
da Capital. Acredito que você e a Layla sabem como é o
castelo certo?
As duas assentiram.

– Vocês tem que visualizar o castelo para dar
certo. – dei dois passos para trás – Mandaria vocês
para casa de Neandro, mas acredito que vocês nunca
tenham visto a casa. Quando chegarem ao castelo,
mostrem esse brinco e eles saberão que vocês foram
mandadas por nós.
– Você não vem? – Levinda perguntou.

– E eu posso deixar esse aqui sozinho? –
brinquei olhando para Alexis.

– Não precisa disso! – ele estava sério.
– Podem ir tranquilas! – ignorei Alexis – Assim
que terminarmos aqui iremos nos encontrar na Capital!
– Tudo bem. – Levinda sorriu.
Nínive abriu a passagem e as três – apesar de
temerosas – entraram na passagem mágica.

– Você poderia muito bem ter ido! – Alexis
reclamou assim que o portal fechou.
– Até agora você não contou o que você
planejou. Eu vejo as coisas acontecerem, acho que
entendo, mas preciso ter a certeza de seus planos. Vai
que esse último passo é algo perigoso demais para se
fazer sozinho?
– Beatriz... – ele sorriu – Eu me cuido muito
bem sozinho.
– Ah sei! – debochei – Cuida tão bem que virou
um ser do bosque. Mas você é muito mal agradecido.
Eu te salvo e você ainda fica com ignorância comigo.
– Desculpe interromper a briga de casal, mas
acho melhor vocês saírem daqui logo. – Nínive foi em
direção a porta – Já fiz o que tinha que fazer. Agora
vocês dois que se virem. Desculpe Beatriz, você é legal.
– Tudo bem! – sorri – Obrigada por ter cuidado
da Camila.
– Sem problemas. – ela também sorriu – Mas
eu estou falando sério. É melhor saírem.

Eu e Alexis ficamos invisíveis. Eu não o
enxergava, mas sentia onde ele estava. Consegui seguir
sua presença, mesmo sem ver a imagem. Não sei
explicar se isso acontecia com todo mundo que usava
magia ou se era apenas uma ligação minha com Alexis,
mas eu sentia que ele também sentia a minha
presença.

Seguimos por vários corredores e eu estava
completamente perdida. Se ao menos soubesse o que
Alexis tanto procurava poderia tentar ajudar-lo, mas
ele parecia gostar de fazer suspense.

Na verdade eu já havia entendido um pouco o
plano dele, mas não tinha certeza se tudo o que eu
havia presumido era exatamente o que ele havia
pensado. Se tratando do Alexis qualquer coisa é valida.

Continuamos caminhado por vários corredores
e quase nos perdemos varias vezes – ou eu quase me
perdi varias vezes – até chegarmos novamente ao
inicio: A sala do trono.

Alexis parou nas grandes portas da sala do
trono e fico ali por alguns segundos. Não sabia ainda o
que queria fazer, mas acho que finalmente ele
encontrou o que tanto procurava.

Alexis abriu a porta ignorando todos os guardas
ali presente. Ele ficou visível e entrou dentro da sala.
Fiquei visível e entrei também enquanto os guardas
seguiam atrás dele.

– Alexis você está doido? – gritei.
– Parem onde estão! – um dos guardas gritou.

– Beatriz, é aqui! – Alexis parecia ignorar os
guardas.
Corri para perto de Alexis, mas um guarda me
segurou antes que eu pudesse alcançar-lo.

– Solte-me! – gritei – Alexis o que você quer
fazer?
– É aqui mesmo! – Alexis ignorava todo mundo.
– Fiquei ai rapaz! – outro guarda foi em direção
a Alexis, que consegui escapar.
Alexis seguiu para o meio da sala, desviando de
vários guardas. Ele se abaixou e colocou a mão no
chão, bem no centro da sala. Um grande círculo
dourado rodeou a sala e foi diminuindo até formar um
pequeno círculo em volta da mão de Alexis. O
fenômeno se repetiu mais duas vezes.

– O que você está fazendo? – um dos guardas
gritou assustado. Ninguém conseguia se mover.
De repente a mão de Alexis começou a
atravessar o chão. Quanto mais sua mão era sugada,
mas o chão começava a se tornar instável. Varias
pequenas ondas começaram a surgir, como quando
você taca uma pedra em uma lagoa. Melhor dizendo, o
chão estava se transformando em uma lagoa. Estava
tudo ficando tão movediço que parecíamos estar em
cima de uma grande poça de água. Não demorou muito
e começamos a afundar e afundar até todos serem
tragados pelo chão. Depois disso não enxerguei mais
nada.


CAPÍTULO 22 / O LABIRINTO SUBTERRÂNEO


N


ão sei se adormeci ou se foi o impacto da queda que
fez eu ter essa impressão, mas quando abri os olhos
tudo o que eu conseguia enxergar era o lado de baixo
de um tapete.
Ao meu lado estava Alexis, aparentemente pensando o
mesmo que eu. Do outro lado três guardas tão
visivelmente confusos quanto eu.

– O que fez? – um dos guardas perguntou – O
que vocês fizeram?
– Não devo explicações para vocês! – Alexis
falou sem expressão.
– São nossos prisioneiros! – outro guarda gritou
– Devem explicações!
– Já disse que não. – Alexis continuava sem
expressão.
– Exijo que diga onde estamos! – o terceiro
guarda estava apavorado.
– Se forem inteligentes o bastante,
descobriram sozinhos. – Alexis ficou alguns segundos
fitando a reação do guardas – Já vi que não são
inteligentes o bastante... Beatriz, você já sabe onde
estamos.
– Acho que desconfio. – respondi olhando para
cima.
No mesmo instante os outros guardas também
olharam para cima e ficaram ainda mais assustados.


Ninguém sabia o que estava acontecendo, mas sabia
que algo não estava ocorrendo muito bem por ali.

– Aquilo no teto é...
– O chão da sala do trono! – Alexis interrompeu
um dos guardas – Pelo visto o teto dessa passagem
funciona como um espelho. Nós estamos bem embaixo
dele. Eu senti essa passagem mágica e resolvi abrir-la.
Bianor deu uma pista valiosa sobre o paradeiro de
minha mãe.
– Então todo aquele reboliço era para
encontrar sua mãe? – perguntei.
– E para resgatar as meninas. – Alexis
completou – Eu queria ter a certeza de que iria poder
caminha livremente pelo castelo, por isso me deixei ser
pego. A certeza da nossa prisão fez com que
dispersasse a nossa presença quando estávamos
invisíveis. Se não houvesse essa certeza, eles sentiriam
nossa presença. Talvez não esses guardas, mas Bianor
sentiria.
– Deixa eu ver se entendi? – ignorei os guardas
– A nossa presença foi camuflada?
– Sim. – Alexis respondeu – A certeza é algo
muito forte e pode cegar. Eles estavam tão confiantes
de que haviam nos pego, que ignoraram nossa
presença inconscientemente.
– Vocês dois! – um dos guardas se irritou –
Parem de ficar conversando. São prisioneiros.

– Eu acho que não! – Alexis disse um pouco
debochado.

– Tire-nos daqui imediatamente para que
possam voltar para suas celas! – o guarda insistia.
– Você realmente acredita que vai me
intimidar? – Alexis gargalhou – Eu sou um homem com
uma missão. E não irei a lugar algum antes de cumprirla.
Mas se querem tanto sair...
Alexis estendeu a mão e ficou com ela
estendida por alguns segundos. Nada aconteceu. Alexis
impulsiona o corpo como se estivesse se preparando
para voar, mas nada acontece novamente.

– Que ótimo! – disse já desconfiando.
– A magia não funciona aqui! – Alexis
confirmou minhas desconfianças.
– Mas esse lugar deve haver uma saída. – um
dos guardas estava ficando desesperado.
– Talvez. – Alexis disse alto – Vamos ter que
procurar. Depois de achar minha mãe, claro.
– Mas até lá vocês estão todos presos. – o
"guarda intimista" puxou um par de algemas que
estavam presas em sua cintura.
– Que saber, tanto faz! – Alexis estendeu as
mãos – Podem me algemar. Não vai adiantar de nada
mesmo.
Outro soldado também retirou as algemas da
cintura e veio em minha direção. Resolvi fazer o que
Alexis estava fazendo e deixar que me algemassem,
mas não foi preciso.


– Ela não! – Alexis falou alto – Pode precisar
muito dela ainda. Talvez ela consiga descobrir um jeito
de usar magia e nos tirar daqui.
– Mas por onde iremos seguir? – perguntei
olhando em volta – Parece que existem várias
passagens.
O salão onde estávamos era redondo, como a
sala do trono. As paredes eram de pedras roxas, sujas e
úmidas. Estavam repletas de musgos e manchas pretas.
Havia algumas gretas que escorriam uma água suja e
nojenta e, entre um intervalo e outro, portas.

Eram ao todo cinco portas rodeando o salão.
Tínhamos cinco passagens. Cinco possíveis saídas. E
nenhuma delas era certeza de segurança e salvação.
Teríamos que seguir os instintos e nos guiar pela
intuição.

– O que você acha Beatriz? – Alexis perguntou.
Pensei bem. Olhei cada saída com atenção.
Tentava ver se alguma parecia com uma saída segura,
mas estava difícil. Quanto mais olhava mais tinha
certeza de que aquelas saídas podia ser tudo, menos
seguras. Acabei escolhendo a segunda a minha direita.
Era o local mais limpo de toda a sala – em comparação
ao resto, claro – e era a que menos me instigava medo.

– Aquela ali! – apontei.
– E quem garante que devemos confiar em
você? – o guarda intimista.

– Alguém tem alguma outra sugestão? – Alexis
foi híspido – Ela é a nossa única opção.
Nenhum dos guardas questionou, mas também
não pareciam ter se convencido. O guarda medroso
tremeu um pouco e sem dúvida faria tudo o que Alexis
dissesse, mas os outros dois continuaram firmes apesar
de seguirem o meu conselho.

Entramos em um amontoado de murros e
corredores. No mesmo instante voltamos para a sala
principal.

– Ótima idéia! – o guarda intimista debochou –
Agora deixe que eu escolho!

O guarda olhou e olhou e resolveu escolher a
segunda porta a esquerda. Entramos e novamente nos
deparamos com o mesmo amontoado de muros e
corredores. Voltamos e olhamos todas as portas até
voltarmos a porta que eu havia escolhido. Todas as
passagens davam para o mesmo lugar.

– Estamos presos em um labirinto? – o guarda
medroso perguntou.
– E o que parece. – respondi.
– E agora? – o segundo guarda perguntou – O
que vamos fazer?
– Acho que não temos outra alternativa além
de entrar no labirinto! – Alexis falou.
– Mas que maravilha! – o guarda intimista
começava a ficar furioso – Nunca iremos sair daqui!
– Nunca diga nunca meu amigo! – Alexis
brincou debochado.

– Mas de qualquer forma nos não temos outro
lugar para ir. – tentei ficar calma – Se é para ficarmos
presos para sempre aqui, pelo menos vamos ficar
sabendo que tentamos. Não temos mais nada a perder
se entrarmos no labirinto.
– Nossas vidas! – o guarda medroso disse alto.
– O que? – Alexis perguntou.
– Nossas vidas! – o guarda medroso repetiu –
Não sabemos o que nos espera lá dentro.

– Mas se ficarmos aqui iremos morrer também.
– eu disse – Quanto tempo acha que sobreviveremos
sem água e alimento?
– Sem água nós não iremos ficar! – o guarda
medroso fitou as gretas que escorriam água.
– Credo! – gritei – Eu não quero chegar ao
extremo de ter que beber essa água nojenta para
sobreviver. Voto para entramos no labirinto!
– Eu também! – Alexis levantou as mãos
algemadas.
– Eu também! – o segundo guarda.
– E independente do voto que vocês derem, já
são três contra dois – Alexis se adiantou – Por tanto,
vamos seguindo em frente. Ou fiquei ai. Vocês e quem
sabem.
Seguimos para o labirinto e os outros dois
guardas acabaram seguindo junto com a gente. Eles
estavam um pouco relutantes, mas pareceram
perceber que aquela realmente era a única saída.


O labirinto era um lugar muito sinistro. Assim
como a sala principal, o labirinto era úmido e sujo. Uma
fumaça leve, parecia uma névoa, pairava no local e
vários barulhos metálicos ecoavam pelos corredores.
Um batida se repetia junto com os sons metálicos
parecendo varias pessoas marchando. Era como se
estivéssemos dentro de um ferro velho.

A cada novo corredor que cruzávamos, novas
sensações iam aparecendo. O labirinto aos poucos foi
ficando cada vez mais escuro e um clima tenso acabou
sendo criado. Começávamos a ouvir o som de um piano
desafinada, junto com o eco de ago que parecia estar
sempre quicando. Ouvimos também, quase
silenciosamente, gemidos como o de um coral
agourento. Era como se o vento soprasse os gemidos e
os destorcesse. Mas o pior e que, por mais que
tentássemos, parecia que estávamos sempre andando
para o mesmo lugar.

– Eu desisto! – o guarda medroso – Esse lugar
está me dando arrepios!
– Já vi coisas piores! – Alexis debochou, mas
tinha razão. Eu e ele já enfrentamos coisas bem piores.
Os corredores começaram a ficar mais estreitos
e agora ouvíamos sons de algo sendo esticado. Era
como se tivessem pegado algum daqueles elásticos
bem duros e estivessem tentando esticar ao máximo,
até rasgar ao meio. Tive a terrível sensação de que
poderia ser outra coisa que estava sendo esticada.


Olhamos para o teto. Estávamos bem debaixo
do quarto dos empregados. Não era sempre que
conseguíamos ver onde estávamos, mas quando
apareciam era quase um alivio. A única certeza de que
não estávamos andando em círculos.

O corredor seguinte tinha batuques de tambor
e um cheiro horrível. Ouvíamos grunhidos de animais
selvagens e um som de gritos primitivos. A única coisa
que nos acompanhava desde que havíamos entrado
naquele labirinto era a névoa. De repente o chão
começou a tremer.

– Mas o que é agora? – Alexis gritou.
Quando olhamos para trás, um enorme vulcão
havia se formado atrás de nós e estava prestes a entrar
em erupção.

– Que droga! – Alexis gritou novamente – Por
que essas coisas sempre acontecem?
– E o que estamos esperando para sair logo
daqui? – perguntei, mas o vulcão já estava explodindo.
Fiquei desesperada neste instante, mas logo
em seguida fui invadida por um calor imenso que
entrou em meu corpo. Estava me sentindo mais forte e
senti a magia voltar ao meu corpo.

– Todos para trás! – gritei enquanto a onda de
larva vinha em nossa direção.
– O que você vai fazer? – Alexis gritou.
Senti uma energia se concentrando em minhas
mãos. Uma força dominou o local e uma grande
barreira começou a crescer e se transformou em um


escudo no exato momento em que a larva iria nos
atingir. A larva passou por cima do escudo e continuou
seguindo corredor a fora. Aos poucos o vulcão foi
voltando para debaixo do chão e os gritos e grunhidos
cessaram e quando dei por mim estavam todos me
olhando.

– O que foi? – perguntei.
– Como conseguiu executar magia? – Alexis
perguntou.
– Não sei. – fui sincera – De repente ela estava
lá. Mas agora não consigo sentir mais.
– Você é incrível! – Alexis sorriu – Eu disse que
era melhor não algemar-la! Ela sempre faz coisas
assim... Surpreendentes.
– Estão todos bem? – perguntei.
– Acho que sim. – Alexis respondeu olhando
para os guardas que estavam de boca aberta.
– Vamos morrer a qualquer momento! – o
guarda medroso caiu para trás desmaiado.
Continuamos seguindo pelos corredores, desta
vez com o peso extra do guarda que desmaiou, mas
como não era eu quem estava carregando não fez
diferença. As coisas começaram a ficar mais calmas e
apenas a neblina parecia anormal.

Andamos até um grande beco sem saída.
Estávamos prontos para dar meia volta quando uma
porta apareceu. Todos nós nos assustamos. Os guardas


ficaram tão surpresos que deixaram o guarda medroso
cair no chão, o fazendo acordar.

– O que aconteceu? – o guarda medroso disse
meio zonzo.
– Mas que droga é essa agora? – o guarda
intimista.
– Alexis, o que você acha? – perguntei –
Entramos?

– Pode ser uma armadilha...
– Mas pode não ser! – o segundo guarda
interrompeu Alexis.
– O que está acontecendo? – o guarda medroso
estava se recuperando.
– Chegamos a um beco sem saída, uma porta
apareceu do nada e agora estamos pensando se
entramos ou não. – respondi.
– Não entra não! – o guarda medroso gritou
acordando definitivamente – Isso é uma armadilha.
– Eu também não estou sentindo que isso seja
seguro. – completei.
– Eu não acredito em suas intuições! – o
segundo guarda ficou desesperado – Se você soubesse
os lugares seguros teria evitado o vulcão. Eu vou
entrar. Eu quero viver!
Alexis deu um passo para trás e fez um gesto
indicando que o caminho estava livre para quem
quisesse seguir. O segundo guarda não pensou duas
vezes e foi em direção a porta. Ele segurou a maçaneta
e recuou. Por um instante achei que ele fosse desistir,


mas ele foi em frente. Sem olhar, ele seguiu e só
conseguimos ver sua imagem caindo em alta
velocidade, seguido por um grito. Seguimos para perto
da porta para ver o que havia acontecido. Talvez aquela
tivesse sido a cena mais horrenda que já tinha
presenciado.

– Minha nossa, que horror! – disse tapando os
olhos imediatamente.
– Acho que ninguém vai querer seguir esse
caminho. – Alexis tentou não parecer sarcástico.
Prefiro não dizer qual foi a imagem horrenda
que presenciamos. Não sei se teria estômago o
suficiente para descrever-la. Mas uma coisa eu posso
garantir: Não foi uma morte bonita de se ver – se é que
existe alguma morte bonita.

Demos meia volta e seguimos por outro
corredor. O clima começou a ficar gélido e as minhas
mãos começaram a endurecer. Eu não sei explicar, mas
apesar de todo o clima estranho que estava se
formando, eu sentia que ali poderia ser um caminho
seguro.

– Sabe o que mais me intriga nisso tudo? –
disse fitando os muros.

– O que? – Alexis perguntou.
– Essas paredes! – passei a mão sobre as
pedras das paredes – Elas... Eu tenho certeza de que já
vi essas paredes antes.

– Tem certeza? – Alexis perguntou, agora
também fitando os muros.
– Tenho, mas não consigo me lembrar
exatamente onde.
– Seria de algum sonho? – Alexis sugeriu.
– Talvez...
Encontramos no caminho outro beco, mas
desta vez nenhuma porta apareceu de surpresa. Ele já
estava lá quando chegamos. Os guardas já estavam
dando meia volta quando os fiz parar.

– Esperem! – disse alto.
– Você está pensando em entrar por essa
porta? – o guarda intimista – Está ficando louca?
– Não. – respondi – Essa porta é segura!
– Tem certeza? – Alexis me fitou.
– Tenho! – respondi com toda segurança.
– Então vamos entrar! – Alexis seguiu em
direção a porta.
– Vocês vão entrar por essa porta? – o guarda
intimista gritou – Loucos!
– Eu não passo por ai! – o guarda medroso se
manifestou – Mas não passo mesmo!
– Então fiquem os dois, que nós iremos! –
Alexis falou em seu tom confiante.

– Que se danem vocês dois! – o guarda
intimista gritava feito louco.

Eu fiquei um pouco temerosa antes de abrir a
porta. Havia afirmado firmemente que aquele era um
caminho seguro, e ainda sentia que era um caminho
seguro, mas e se não fosse?

Abri a porta devagar e olhei bem para toda a
sala.

O piso era branco e bem liso. Parecia ter sido
encerado por umas duzentas vezes pelo menos de
tanto que brilhava. Era uma sala grande, mas muito
fria. Não parecia ter riscos, mas também não parecia
ser um caminho agradável.

– A sala é o nosso único caminho para sairmos
daqui! – afirmei com segurança – Se não passarmos por
ela ficaremos vagando por ai até não poder mais.
Precisamos passar por ela.
Os guardas não pareceram se convencer, então
entrei para dar mais segurança a eles. Alexis fez o
mesmo e continuamos andando pela sala. Pouco
depois eles já estavam atrás de nós.

A sala parecia bem maior depois que entramos.
E o frio também aumentou. Depois reparei que o piso
era tão liso e brilhoso por que estava congelado. A sala
inteira estava congelada. As paredes, o teto, tudo
estava coberto por uma grossa camada de água
congelada.

– Estou me sentindo mais forte. – comentei –
Igual quando aquele vulcão entrou em erupção. Sinto
minha força aumentando.


– Acho que sei por que isso aconteceu! – Alexis
coçou a cabeça – Foi o contato com o seu elemento.
Acho que já cheguei a te falar sobre isso. Todo grande
mago domina um elemento. Alguns dominam o fogo,
outros a água. Alguns o vento, outro a terra. Os
grandes magos, apenas os grandes, conseguem se
fortalecer e criar mais que simples truques com os
elementos. Você se encontrou com o calor, como o
fogo, é por isso o seu poder aumentou e você
conseguiu criar o escudo. Agora você está em contato
com a água e isso está te fortalecendo. Você tem noção
do que isso significa?
– Não. – fui sincera. – A maioria dos grandes
magos só domina um elemento, você domina dois
elementos! Pelo menos dois que nós conhecemos. Não
há dúvidas, você será a pessoa que vai derrotar Bianor.
– O que é aquilo? – o guarda medroso seguiu
para um objeto preto no meio da sala.
Ele encostou no objeto e um barulho estranho
começou a ecoar pela sala. Todos nós nos
entreolhamos e ficamos temerosos. O gelo começou a
derreter e logo a sala havia virado uma grande piscina.
O guarda medroso parecia estar vendo a própria
morte, mas eu sentia que estávamos cada vez mais
perto da saída.

De repente o chão se abriu e caímos em uma
grande rampa.
Escorregamos desenfreados rampa abaixo com
litros de água caindo em nossas cabeças, enquanto o


chão – que agora havia se tornado o nosso teto – se
fechava e nos deixava na escuridão total.

Gritamos desesperados enquanto
escorregávamos para sabe-se lá o que. Apesar de não
sentir que aquilo pudesse ser perigoso, não pude deixar
de ficar aflita quanto ao destino final daquela rampa.

Caímos todos em um chão duro e molhado.
Tateamos uns aos outros e tentamos nos manter
unidos. Aos poucos nossos olhos começavam a se
acostumar com a escuridão e conseguimos enxergar
pequenas coisas a nossa frente, mas ainda não era o
suficiente para nos sentirmos seguros e para evitar que
tropeçássemos.

Segurei bem firme a mão de Alexis. Senti as
algemas geladas e segurei as correntes. As algemas
tinham uma corrente logo, que permitia que Alexis
esticasse o braço até a largura de sua cintura. Isso o
ajudou na hora de se localizar tateando as coisas.

Continuei andando e acabei batendo a cabeça
em algo. Estava demorando – alias, demorando muito –
para que minha "sorte" desse um olá. Achei que ela
havia me abandonado.

– Você está bem? – Alexis perguntou depois de
ouvir o meu "ai".
– Estou! – respondi colocando a mão na testa –
Mas eu bati em alguma coisa.
Alexis entrou em minha frente e pude ver o seu
vulto tateando seja lá o que eu tivesse batido.


– Parece uma grade! – Alexis falou – Acho que
é um portão. Espere.
Um ranger de portão velho ecoou na escuridão.
Parecia um portão bem enferrujado e com muitos anos
de vida marcados em suas grades. Não senti que fosse
algo ruim.

– Você vai passar pelo portão? – não sei qual
guarda perguntou. Acho que foi o medroso.
– Não há riscos. Eu estou sentindo. – falei.
– Por via das duvidas... – um guarda se
aproximou de nós. Era o intimista – Jogue pelo portão o
meu capacete. Se for um buraco ou uma armadilha
acho que saberemos.
– Não sei se é necessário, mas tudo bem. –
Alexis falou com um pouco de indiferença.

Alexis jogou o capacete. Ele bateu em algo.
Depois bateu novamente. E novamente. E novamente.
E mais uma vez antes de bater nos pés de Alexis.

– Estranho. Muito estranho. – Alexis pegou o
capacete.
Alexis pareceu analisar o capacete e jogou
novamente. E novamente ele bateu em algo e depois
de novo e de novo e de novo até voltar aos pés de
Alexis.

– O que você acha Beatriz? – Alexis perguntou
– Seguimos em frente mesmo?
– Eu não vejo por que não. – disse sorrindo,
mas acho que ninguém viu.

– Jogue o capacete mais uma vez, só para eu
conferir uma dúvida! – o guarda intimista pediu.
Alexis jogou e o capacete fez exatamente o
mesmo que das outras vezes. Bateu em algo e depois
continuou batendo até voltar aos pés de Alexis.

– Acredito que seja uma escada! – o intimista
falou – Talvez ela tenha razão. Pode ser a nossa saída.
Subimos a escada. A longa escada. A longa e
irregular escada.

Era uma escada bem diferente. Ela não levava a
uma única direção. Ao mesmo tempo em que
estávamos subindo, começávamos a descer e quando
achávamos que desceríamos mais, começávamos a
subir. Em algumas horas já não sabia mais em que
direção estávamos seguindo, até vermos uma pequena
linha de luz retangular.

A luz vinha das frestas de uma porta. Ela
contornava toda a porta e era a única coisa que
conseguíamos enxergar. Senti que algo muito
importante nos aguardava atrás daquela porta. Algo
que talvez fosse mudar toda a situação atual de Ofir.

A surpresa foi imensa quando abrimos a porta
e nos deparamos com o lugar. Talvez não houvesse
surpresa nenhuma para os outros, mas para mim foi a
grande revelação. Finalmente havia lembrando onde
eu tinha visto aquelas paredes roxas.


A sala com teto cinza e tijolos roxos. Era
exatamente como no meu sonho. As pessoas de capa
preta também estavam ali, com seus rostos tomados
pela escuridão e suas orbitais girando para vários lados
ao mesmo tempo. Era a sala do meu sonho. A primeira
vez que eu vi Alina. Até o espelho estava ali.

– Alexis. – falei – Acho que finalmente achou o
que tanto procura.
– O que? – ele perguntou assustado.
– Sua mãe! – respondi – É aqui que Bianor
esconde a Rainha Alina!

CAPÍTULO 23 / OS HOMENS SOMBRA


Orosto de Alexis continuava perplexo quando acordou

da minha declaração. Ele parecia não acreditar no que
estava ouvindo. Ou acreditava, mas estava surpreso

demais para dizer alguma coisa. Só sei que tudo o que

ele conseguiu fazer foi me olhar atônito.

– Parece que não estamos sozinhos! – o guarda
medroso apontou para os homens de capa preta.
Eles estavam parados poucos metros a nossa
frente. Seus olhos – duas orbitais verdes – haviam
parado de rodar para vários lado e se focou apenas em
nós. Eles pareciam estar nos analisando. Ruídos
estranhos, como o de uma respiração presa, cheia de
fanhos e de serra elétrica eram emitidos pelos homens
de capa preta.

– O que será que eles querem? – o guarda
intimista perguntou.
– Acho que não é boa coisa. – Alexis sussurrou
cauteloso.
– Será que pretendem nos atacar? – o guarda
medroso perguntou.
– Não vamos fazer nada ainda. – Alexis
continuou sussurrando – Vamos esperar e ver o que
eles pretendem fazer. Às vezes não é nada do que a
gente está pensando.
Os homens de capa preta continuaram nos
olhando e começaram a seguir lentamente em nossa


direção. Continuamos parados, esperando ver até onde
eles chegavam.

O guarda medroso estava com as pernas
bambas e o guarda intimista parecia estar sussurrando
algo para ele. Estava tão nervosa com os homens de
capa preta que nem tentei ouvir o que um estava
falando para o outro. Um grande erro.

– Esperar coisa nenhuma! – o guarda intimista
gritou – Morram!
O guarda intimista puxou sua espada e correu
em direção aos homens de capa preta. Tentamos
impedir, mas não conseguimos. Ele cravou a espada no
peito de um dos homens de capa preta, mas nada
aconteceu. A espada atravessou completamente o
corpo do homem de capa preta e aos poucos foi
puxando o guarda intimista para dentro do corpo dele.
O guarda gritou desesperadamente. Tentamos puxarlo,
mas ele parecia preso ao corpo do homem de capa
preta.

– Olhe Alexis! – gritei horrorizada quando
reparei melhor no braço do guarda.
– Mais que droga! – Alexis gritou e continuou
puxando com mais força o guarda.
O braço do guarda estava sendo estilhaçado. A
pele estava sendo arrancada, como se o homem de
capa preta a estivesse sugando e o braço do guarda ia
entortando em carne viva. O guarda medroso tentava
fugir, mas a porta por onde entramos havia
desaparecido.


– Em vez de tentar fugir, venha e ajude o seu
companheiro! – Alexis gritou.
O braço direito do guarda intimista já havia
sido levado. O homem de capa preta pareceu começar
a puxar-lo com mais força, enquanto os outros ficavam
completamente paralisados, com as orbitais brilhando.

O guarda estava completamente desesperado e
acabou – em uma tentativa inútil de acertar o homem
de capa preta – puxando a capa, que veio abaixo.

Debaixo da capa se escondia uma sombra. Era
um homem sombra. Ele era uma nuvem em forma de
gente. O local onde o guarda havia enfiado a espada
estava com um buraco manchado de sangue. Os olhos
dele pareciam estar revirados e brilhavam, como os dos
outros homens sombra. O susto foi tão grande que
acabamos soltando, por alguns instantes, o guarda que
foi sugado com tudo para dentro do homem sombra.

– E agora? – o guarda medroso – Nós vamos
morrer?
– Deve haver um jeito de derrotar-los, sem
precisar encostar neles.
– Alexis? – tentei me manter afastada dos
homens sombra – Eu sei onde sua mãe está!
– Sabe mesmo? – ele perguntou vigiando os
homens sombra.
– O espelho! – apontei para o espelho que
estava no final da sala.

Neste momento um grito de horror ecoou pela
sala. Eram os homens sombras. Agora estavam todos
sem capa. A imagem era apavorante.

– E agora? – o guarda medroso falou – Acho
que eles querem brigar.
– Então vamos brigar! – Alexis falou – Beatriz,
vá e resgate minha mãe. Ficaremos aqui distraído esse
homens sombra!
– Tudo bem. Tome cuidado! – apertei sua mão.
– Lembre-se, não encoste neles. Vamos tentar
desviar seus golpes. – Alexis instruía o guarda medroso,
mas não sei se adiantaria muito.
Os homens sombra partiram para cima de
Alexis, que esquivou do golpe. O guarda medroso
conseguiu fazer o mesmo. Alexis se esquivou de outro
homem sombra e saltou para o teto. O homem sombra
se grudou na parede e foi atrás de Alexis. O guarda
medroso continuava se esquivando atrapalhado no
chão. E tinha quase certeza que não eram os dotes de
luta dele que o estavam ajudando.

Cheguei no espelho desesperada. Olhei e olhei
e a única coisa que via era o meu reflexo. Tinha certeza
que a Rainha Alina estava ali, mas como eu iria
encontrar-la.

Bati varias vezes no espelho, mas nada
aconteceu. Pelo reflexo do espelho pude ver parte da
luta. Alexis estava indo muito bem e conseguia se
esquivar rapidamente dos homens sombras. Agora o
guarda medroso já estava muito cansado e


desesperado demais para continuar aquela luta. Em
alguns momentos achei que ele teria o mesmo destino
do outro guarda.

Alexis continuava muito bem, se esquivando e
atirado coisas que ia encontrando pelo caminho em
uma esperança inútil de derrotar os homens sombra. O
guarda medroso parecia querer usar sua espada, mas o
medo de ser engolido estava visivelmente falando mais
alto.

Alexis quase sempre fazer os homens sombra
de tolos. Ele estava indo muito bem, mas toda aquela
luta estava sendo apenas para ele se cansar e isso me
preocupava demais.

Tentei novamente bate no espelho e procurei
por algo que pudesse fazer a Rainha Alina parecer.
Qualquer coisa. Mas nada apareceu. Nada e nem
ninguém.

Por alguns segundos quase tive um ataque do
coração quando um dos homens sombra chegou bem
perto de Alexis. Por poucos centímetros Alexis não
acaba ganhando o mesmo trágico e infeliz final que o
guarda intimista teve. Foi um momento horrível e
desesperador.

– Rainha Alina, por favor, apareça. – pedi em
frente ao espelho. Mas nada aconteceu.
Eu precisava agir rápido. Alexis e o guarda
estavam distraindo os homens sombra para que eu
pudesse resgatar a Rainha Alina, mas eu estava
fracassando.


De repente o vidro do espelho começou a se
transformar em um portal e assim que encostei, fui
sugada para dentro dele.

Eu estava no mesmo local absolutamente
branco que havia encontrado a Rainha Alina da
primeira vez, antes de enfrentar Bianor no deserto de
Orestes. A Rainha Alina estava presa, com as mãos
amarradas encima da cabeça. Seus olhos estavam
completamente brancos e suas pupilas estavam
dilatadas. Seus cabelos estavam soltos e tinham uma
aparência horrível, praticamente sem vida.

– Rainha Alina! – corri para encontrar-la.
– Não Beatriz! – Alina gritou.
Antes que eu pudesse parar, levei um grande
choque. Uma barreira invisível. Tentei me recuperar do
susto e do choque elétrico e voltei a falar com a Rainha
Alina.

– Rainha Alina? – minha voz estava falhando –
O que está acontecendo?
– Beatriz! – Alina tentava olhar em meus olhos
– Eu sabia que você iria me achar. Eu tinha certeza
absoluta disso.
– Mas o que está acontecendo? Como eu posso
te tirar daí? – perguntei atropelando as palavras.
– Você é uma garota de coragem! – Alina
continuou falando – Uma garota de muita coragem. É
uma garota muito esperta também e tem um grande
poder em suas mãos.

– Rainha Alina?
– Beatriz, você precisa lembrar-se disso. – Alina
tentou erguer a cabeça – Bianor é muito forte. Ele é
extremamente forte. Mas não sabe usar toda essa
força. Você precisa aprender a usar essa força. Precisa
superar-lo para poder vencer-lo.
– Sim, sim. – tentei não parecer arrogante –
Mas agora precisamos te tirar daqui!

– Eu estou bem. – Alina tentava me convencer
– O seu pedido me salvou da outra vez e se estou aqui
hoje é por sua causa. Você me salvou, nobre garota.
– Eu fico agradecida, mas sério, preciso te tirar
daí! – tentei apressar-la.
– Beatriz, eu estou bem! – ela sorriu – Eu vou
ficar bem. Eu te trousse até aqui apenas para lhe dizer
que você precisa sair o mais rápido possível. Bianor
está rumando em direção a Capital, eu estou sentindo
isso. Sua grande batalha está prestes a começar.
– Mas eu não posso sair daqui sozinha! – resisti
ao impulso de dar alguns passos a frente.
– Vocês não precisam de mim. – ela continuava
com um ar alegre no rosto – Minha missão com você já
foi cumprida. Eu deveria te trazer para Ofir. E eu
trousse. Agora o restante é com você Beatriz! Você já
está mais forte do que esperava, mas ainda não é o
suficiente para liberar o seu poder máximo. Você
precisa achar a sua inspiração. O seu motivo para lutar.

– Mas eu já achei! – disse alto – Eu quero salvar
Ofir. Eu quero ajudar a fazer de Ofir um lugar pacifico
novamente.
– Mas será que as suas ambições éticas
correspondem aos anseios do seu coração? – ela
continuava com um sorriso no rosto.
– Do que está falando? – perguntei confusa.
– Quando sua motivação chegar, você saberá o
que eu estou dizendo. – Alina fechou os olhos.
– Rainha Alina? – fiquei desesperada – Rainha
Alina?
– Eu ainda estou aqui! – ela respondeu
tranquila.
– Achei que tivesse acontecido o pior! –
suspirei aliviada.

– Eu não te disse que ficaria bem? – ela
continuava de olhos fechados – Meus olhos doem
quando tento impedir o labirinto de usar minha magia.
– O labirinto? – perguntei.
– Bianor criou o labirinto para jogar seus
prisioneiros. – ela começou a explicar – Existem muitas
armadilhas e todas são mortais. O fato de ter
conseguido chegar até aqui só prova o quanto você é
capaz de derrotar Bianor.
– Mas nem foi assim tão difícil! – não estava
usando de falsa modéstia.
– Você sabia por quais caminhos seguir. – Alina
estava ficando mais fraca – Acha que todas as pessoas
conseguem fazer isso com tanta exatidão? E mesmo

sem saber o seu instinto te trousse até mim. Isso sem
dúvida não é para qualquer pessoa.

– Falando assim parece até que sou uma
pessoa extraordinária! – fiquei constrangida.
– E quem disse que não é? – Alina tentou abrir
os olhos – Você deve acreditar mais em você mesma
Beatriz. Você salvará Ofir.
– Às vezes eu não acredito. – disse séria – Se eu
não posso nem te salvar, como irei salvar Ofir?
– Não tenha medo! – Alina sorria – Você
conseguirá. Você está predestinada a isso. Você irá
salvar Ofir.
– Mas por que eu? – perguntei.
– Não existem motivos para o que é
predestinado. As coisas simplesmente são como devem
ser. E você foi escolhida para isso. Não é por acaso que
você está se tornando mais forte a cada momento.
Você nasceu para salvar Ofir.
– Mas Rainha Alina?
– Você precisa voltar! – Alina abriu
definitivamente os olhos.
– Sozinha? – perguntei.
– Alexis está em perigo! – ela levantou a cabeça
– Está precisando da sua ajuda. A outra pessoa que
estava com ele já se foi. Ele está sozinho.
– Não! – fiquei desesperada – Não pode
acontecer nada com o Alexis.
– Então volte agora! – Alina ordenava.
– E eu terei que te deixar? – perguntei.

– Eu irei ficar bem! – ela sorriu.
– Por onde eu volto? – perguntei e o reflexo do
espelho apareceu.
– Antes de ir eu quero te dizer uma coisa. –
Alina voltou a fechar os olhos – As chamas vencem as
sombras.

– Acho que entendi o que quis dizer, mas
minha magia não funciona. – falei.
– Ninguém pode aprisionar sua magia. – Alina
falava baixo – Ela está sempre dentro de você.
Novamente fui sugada para fora do espelho. A
situação estava realmente muito feia. Alexis estava
muito cansado e os homens sombra estavam o
cercando. Ele tentou voar, mas um homem sombra o
barrou.

– Ei! – gritei chamando atenção dos homens
sombras.
Eles viraram e seguiram em minha direção,
esquecendo Alexis. Por alguns instantes eu fiquei
desesperada, mas lembrei das palavras da Alina.

– A magia está dentro de mim! – sussurrei.
– Beatriz, ficou louca? – Alexis gritou cansado.
– Não se preocupe, eu sei o que estou fazendo!
– falei tentando acender uma chama.
– Você vai se matar! – Alexis tentava chegar até
mim, mas estava muito cansado.
– Pode deixar que eu sei o que estou fazendo!
Não tinha certeza se iria funcionar, mas tentei.
Fechei os olhos e me concentrei. Respirei fundo e


tentei ficar calma. Sentia a presença dos homens
sombra se aproximando. Eles estavam mais rápidos do
que da última vez em que os havia visto e isso
atrapalhou um pouco minha concentração.

– Beatriz, saia daí! – senti Alexis chegando
perto de mim. Senti uma ferida. Sua perna estava
machucada. O que será que havia acontecido?
Tentei não dar atenção a isso – o que era
impossível – e voltei a me concentrar em liberar minha
magia. Estava sentido que algo estava segurando
minha magia. Sentia que ela estava desesperada para
sair, mas algo a segurava. Continuei lutando e lutando.
Os homens sombra já havia me cercado. Por um
instante achei que tudo estava perdido, quando uma
grande explosão saiu do meu peito.

Abri os olhos e uma grande bola de fogo estava
em minha mão. Os homens sombras corriam e
gritavam feito loucos. A bola de fogo foi aumentando e
aumentado até não aguentar mais. Joguei a bola de
fogo na parede. Os homens sombras gritaram e
começaram a sumir enquanto o local pegava fogo.

– Beatriz? Como? – Alexis estava perplexo.
– O que aconteceu com sua perna? – perguntei
assim que vi o ferimento.
– Um deles encostou a mão em mim. – Alexis
tentava não olhar para o ferimento – Parece que um
simples toque pode fazer um estrago.
Parte da perna de Alexis estava em carne viva,
como se tivesse sido queimada. Não era um ferimento


grande, mas eu sabia que aquela ferida exposta não era
nada boa – mesmo pequena.

– Nós precisamos sair daqui! – falei alto – Este
lugar está em chamas!
– Você não encontrou minha mãe? – Alexis
perguntou aflito.
– Encontrei, mas não consegui trazer-la! –
respondi constrangida.

– Como assim? – ele perguntou. – A força que a
aprisiona é muito grande, mas ela está... relativamente
bem.
– Como assim relativamente bem? – Alexis
ficou zangando.
– Alexis, ela não quis vir! – fui honesta.
– Como não? – Alexis gritou – O que
aconteceu?
– Alexis, eu tentei. – comecei a falar – Mas ela
disse que você estava em perigo...
– Me deixasse em perigo! – Alexis se zangou –
Você deveria ter ajudado minha mãe.

– Mas eu tentei...
Neste momento parte do teto começou a
desabar. O fogo estava se espalhando muito rápido e
logo não iríamos conseguir sair dali.

– Alexis, ela quis assim! – tentei convencer-lo –
Vamos sair enquanto há tempo.
– Não sem minha mãe! – ele gritou.

Alexis foi em direção ao espelho que estava
começando a trincar. Ele bateu desesperadamente
contra o espelho, gritando pela mãe. Tentei afastar-lo
dali, o fogo estava muito forte naquela parte, mas ele
me ignorou.

O teto continuava desabando aos poucos e
uma parte dele caiu bem ao nosso lado. Alexis não
pensou duas vezes e pegou uma parte do teto e atirou
no espelho. No momento nada aconteceu, mas depois
uma luz forte saiu do espelho e subiu até o teto.

– O que é isso? – perguntei.
A luz foi se apagando e revelando uma forma
humana. Minha surpresa não foi muito grande quando
vi quem estava caindo no teto para os braços de Alexis.

– Mãe! – Alexis gritou – Você não disse que ela
estava bem?
– Eu disse que ela estava relativamente bem,
mas isso não vem ao caso. Precisamos sair daqui agora!
– respondi observando as chamas se espalhando.
– Mas em que direção? – Alexis estava mais
desesperado ainda – A porta sumiu!
Olhei em todos os lugares. Tudo o que via eram
chamas, partes do teto desmoronando e muita fumaça.
Continuei procurando até ter encontrar a saída.
A porta que havia desaparecido estava lá novamente.
Fiquei temerosa, achando que poderia ser uma
armadilha, mas era a melhor opção naquele momento.

– Veja, a porta voltou! – Alexis quase não me
ouviu.

– Vamos passar por trás daqueles destroços a
esquerda. Ali as chamas estão mais fracas. – Alexis
sugeriu.
– Mas ainda é perigoso. – comentei.
– É a nossa saída mais segura!
Caminhamos com a Rainha Alina pendurada em
nossos ombros. Ela estava desacordada, mas ainda
estava viva. Esquivamos-nos das chamas e
conseguimos chegar até a porta com segurança. Mas o
que vimos atrás da porta não foi nada agradável.


CAPÍTULO 24 / A FUGA DO LABIRINTO


A


sala escura havia desaparecido. Apenas uma grande
escada estava no lugar, onde conseguíamos ver boa
parte do labirinto.
O local estava em chamas e ruínas. Paredes caiam,
junto com chamas. Estávamos cercados em um
labirinto pior do que o que entramos. E ainda não era
tudo. Vários portais se abriam e fechavam em vários
locais do labirinto. O lugar estava completamente
desgovernado.

– E agora? – perguntei – O que faremos?
– Acho que não tem outra forma a não ser
entrar nesse inferno. – Alexis não parecia gostar da
idéia.
– Mas não é perigoso? Não digo nem por nós. –
falei olhando para a Rainha Alina.

– Mas é a única saída. – Alexis olhava em volta.
O teto estava completamente coberto por
chamas, formando uma capa laranja que cobria todo o
labirinto. As saídas mais seguras estavam bloqueadas
por paredes que havia caído e em algumas as chamas já
começavam a tomar conta. Alexis tinha razão, não
existia outra saída além daquela. Teríamos que entrar
no meio do labirinto e enfrentar as chamas.

Estava muito preocupada com a Rainha Alina.
Nós poderíamos nos virar caso tivéssemos algum
problema, mas ela dependia da gente. A
responsabilidade de qualquer coisa que acontecesse


com a Rainha Alina seria nossa e eu odiaria carregar
essa culpa.

– Já que não temos outra escolha. Vamos! –
disse ajeitando a rainha no meu ombro esquerdo.

– Eu só não consigo imaginar para qual destino.
– Alexis disse preocupado – Nós não fazemos a mínima
idéia de onde é a saída. Será que iremos conseguir?
– Pensamento positivo! – tentei animar-lo, mas
não estava com toda essa confiança.
Começamos a analisar o local antes de
entrarmos de vez no labirinto. Tentamos encontrar
algum caminho que levasse a algum lugar que não
estivesse bloqueado. Apesar de muitas paredes terem
desabado, o labirinto ainda tinha muitos corredores.

Descemos as escadas com cuidado. Partes dela
começavam a cair assim que passávamos por ela.
Varias vazes quase caímos metros abaixo. Não
lembrava que aquela escada era tão alta. Lembrava
que havia uma parede, acompanhado a escada, coisa
que já não existia. Estávamos nos equilibrando para
não tropeçarmos, mas era difícil fazer isso quando se
tem alguém nos ombros. Alexis tentou varias vezes
carregar a rainha sozinho, mas eu nunca iria permitir
uma coisa dessas. Estávamos ali juntos para toda e
qualquer situação.

O labirinto estava mais complicado agora do
que antes. Passar por aqueles corredores e chegar com
vida ao destino final – seja lá qual for – era mais uma


questão de sorte do que de habilidades. E era
exatamente isso que me apavorava.

Passamos por vários corredores que davam em
saídas bloqueadas. Tentamos ficar calmos e raciocinar

o melhor lugar para se passar, mas isso se torna uma
situação impossível quando se tem um turbilhão de
chamas ao seu redor.
O calor também estava atrapalhando um
pouco. Mas esse era dos males o menor, estava
preocupada mesmo era com os portais. Eles abriam e
fechavam nos mais diversos lugares e não tínhamos
idéia de onde poderíamos ser levados caso caíssemos
em um desses portais.

No meio do caminho a Rainha Alina começou a
dar sinais de vida. Seu corpo se mexia levemente e de
vez em outra ela dava algumas tossidas, mas
continuava inconsciente.

– Acho melhor a gente parar um pouco para
descansar. – Alexis falou já parando.
– Mas e esse fogaréu? – perguntei –
Precisamos sair logo daqui antes que nos alcance!

– Beatriz! – Alexis falou um pouco alto – Eu não
aguento mais. Preciso descansar um pouco.
– Se ao menos tivesse com os meus poderes...
– disse pra mim mesma.
– E àquela hora? – Alexis se sentou e colocou a
mãe no colo – Você executou uma magia lá na sala.
Será que não consegue outra vez?

– Vou tentar!
Concentrei-me e tentei executar uma magia,
mas nada aconteceu. Tentei outra vez e novamente
nada. Fiz uma última tentativa, desta vez com mais
vontade e continuou não adiantando de nada.

– Vamos ficar só mais um pouco. – disse
olhando ao redor – Esse labirinto e bem maior do que
eu imaginava.
– E esse fogo? – Alexis perguntou – Já reparou
que ele só está onde nós não estamos? Fugimos e
fugimos do fogo, mas ele sempre só aparece depois
que saímos do local.
– Isso é realmente muito estranho. – concordei
balançando a cabeça.
– Beatriz olhe! – Alexis quase deu um grito.
A Rainha Alina começava a acordar. Ela mexia
um pouco a cabeça, como se quisesse acordar de um
pesadelo e lentamente abriu os olhos.

– Mãe? – Alexis estava emocionado.
– Alexis! – Alina disse um pouco fraca – Mas o
que está acontecendo? Eu não deveria estar com você.
– Calma mãe! – Alexis impediu que Alina se
levantasse – A senhora precisa descansar.
– Eu estou bem! – Alina tentou se levantar de
novo – Eu não deveria estar aqui. O que foi que
aconteceu?
– Eu fiz o que me pediu! – disse para Alina
segurando a sua mão – Fui proteger Alexis e derrotei os

homens com o fogo. Mas o fogo se espalhou por toda a
sala e de alguma forma tomou todo o labirinto.

– A sala pegou fogo? – Alina perguntou
preocupada – Ela está destruída?
– Acredito que sim. – respondi um pouco
acanhada.
– Então está explicado. – Alina se sentou –
Aquela sala era o cérebro do labirinto. Toda a energia
que era tirada de mim era enviada para sala e
redistribuída para o labirinto. Era desta forma que ele
sobrevivia. Se a sala está destruída, toda a estrutura do
labirinto está comprometida. Ele deve ter perdido o
controle e agora todas as armadilhas devem estar
desgovernadas.

– E o fogo? – Alexis perguntou.
– É um reflexo do que está acontecendo com a
sala principal. Ela, ao invés de enviar energia ao
labirinto, está enviando fogo. – Alina respondeu – Só
não entendo como eu consegui sair do espelho.
– Nós também não sabemos. – comecei a
explicar – Estávamos indo embora quando uma luz
surgiu no teto.
– E de repente a senhora estava lá, nos meus
braços. – Alexis completou.
– Acho melhor a gente sair daqui antes que o
fogo resolva aparecer! – disse cortando o assunto.
– Tem razão! – Alexis concordou – Venha mãe.
Eu te ajudo.

– Vamos. Deixe que eu te ajudo também. –
ofereci meu ombro.

Continuamos seguindo por corredores
infindáveis. Não sabíamos onde poderíamos chegar,
mas sabíamos que tínhamos que chegar a algum lugar.
De preferência um lugar seguro. E como se já não
bastasse, a nossa situação ainda piora quando viramos
um dos corredores.

Pareciam que estavam apenas esperando por
nós. Três grandes e gosmentos monstros estavam
parados, se rastejando pelo chão. Eram três bichos com
corpo de cobra, porem com patas dianteiras de um
jacaré e cabeça de águia.

– Era só o que faltava. – Alexis grita nervoso.
– E agora? – perguntei.
– Deixem comigo! – a Rainha Alina falou um
pouco cansada.
– Não mãe! – Alexis já foi impedindo – Você
não pode lutar.
– Nós iremos te proteger rainha! – disse
colocando bem devagar a Alina no chão.
– Mas que tipo de bicho é esse? – perguntei.
– Não faço a mínima idéia! – Alexis respondeu.
– Mas como iremos matar-los se não podemos
usar poderes? – um surto de realidade me veio no
momento.
– Com aquilo!

Alexis apontou para duas espadas cruzadas
penduradas em uma das paredes. Fala sério? Isso não é
algo que se acontece todo dia. Seja lá o que a sorte
estivesse planejando para mim, bem, até agora eu
estava agradecida.

Pegamos as espadas e tentamos manter os
monstros longe da rainha antes de começar a atacar.
Arrastamos as espadas no chão, fazendo algumas
fagulhas de fogo aparecerem e depois ameaçamos
atacar. Os bichos recuaram e emitiram um som agudo
que ecoou por todos os corredores.

– Vamos tentar ficar mais próximo da Rainha
Alina. Não é seguro ficar tão longe dela! – sugeri
quando reparei que a rainha estava quase sumindo do
nosso campo de visão.
– Você tem razão. – Alexis olhou para trás.
Demos alguns passos para trás e atraímos os
bichos para mais perto de nós. Um dos monstros
tentou atacar, mas acabei defendendo com a espada,
cortando levemente sua pata. Outro grito agudo.

Os outros dois monstros começaram a recuar,
mas logo voltaram e tentaram atacar. Eu e Alexis
esquivamos e tentamos dar o revide, mas eles também
se esquivaram.

– Pelo jeito eles são mais inteligentes do que
presumi. – Alexis sussurrou – Temos que agir com
cuidado.
Assenti e caminhei lentamente em direção a
um deles. Alexis fez o mesmo. Os monstros recuavam e


ameaçavam. Ficamos nisso por alguns minutos até que
um deles resolveu atacar. Alexis defendeu no mesmo
instante arrancando um dos dedos do monstro fora.
Tivemos outro grito agudo e o monstro começou a
atacar com mais ferocidade. Os outros entraram no
embalo.

Eu e Alexis entramos em modo de defesa e a
todo minuto olhávamos para a Rainha Alina, conferindo
se estava tudo bem. Os monstros continuaram
atacando e nós defendendo, até que Alexis aproveitou
uma deixa e atacou. Ele arrancou a cabeça de um dos
monstros, que caiu no chão tremendo até o corpo
inteiro ficar em pedaços. Também aproveitei a
distração dos monstros e ataquei o outro, também na
cabeça. O monstro seguiu os passos do companheiro e
tremeu até ficar em pedaços.

– Agora somos dois contra um! – Alexis falou
sorrindo.
– Alexis, olhe! – gritei.
No chão, os pedaços dos monstros começaram
a se juntar e formaram 1 novo monstro. Sua forma era
irregular e as partes haviam se juntado no lugar errado,
fazendo as patas ficarem junto à cabeça – que estava
virada ao contrario – e as partes da cauda estavam
deformadas e montadas de forma estranha.

– Corrigindo, dois contra dois. Luta justa! –
Alexis falou mais sério desta vez.
Continuamos lutando. O monstro que se
remontou estava mais forte que o outro, por isso


acabamos prestando mais atenção nele. O outro
monstro seguiu a estratégia do inicio recuando e
ameaçando atacar, enquanto o monstro remendado
tentava atacar. Ele teve dificuldades em atacar por
causa da nova localização dos seus braços, mas em
compensação estava mais resistente aos nossos
ataques.

– O que nos iremos fazer? – perguntei.
– Não sei, mas não podemos deixar que eles
cheguem perto da minha mãe! – Alexis falava firme.
– Se ao menos conseguíssemos executar algum
poder. – lamentei.
– O pior é que não sabemos a forma correta de
matar-los. – Alexis se esquivava dos golpes do
remendado.
– O jeito é continuar lutando! – falei.
– Lutando até nos cansarmos? – Alexis parecia
não gostar da idéia.
– Mas é a única opção que temos! – tentava
encontrar outra solução.
– Tem que haver outra forma. – Alexis também
parecia estar pensando em outra solução – Nós
precisamos sair daqui.
– E rápido! – acrescentei.
– E o fogo que não aparece quando a gente
precisa? – Alexis estava muito irritado.
Continuamos lutando contra os monstros.
Tentamos evitar destroçar-los. Queríamos também


tempo para pensar em uma saída, mas estava difícil
demais.

Os monstros começaram a atacar de verdade e
nós não tivemos outra escolha a não ser revidar.

Eu fiquei com o monstro remendado. Por mais
que Alexis demonstrasse querer lutar contra ele, eu
não podia deixar-lo fazer isso. Ele já tinha lutado com
os homens sombra e deveria estar mais cansado que
eu. Seria muito injusto ele ficar com a mais forte, sendo
que ele não estava em condições de vencer-lo. Não que
eu estivesse com chances maiores, mas pelo menos eu
demoraria mais em cansar. E quem sabe até lá não
descobriríamos um jeito de escapar daquela
emboscada?

Ataquei sem dó o monstro, mas a espada fazia
apenas pequenos cortes onde acertava. O monstro
aproveitava minha aproximação e me pegava pelo
braço, atirando-me contra a parede. Tentei amortecer

o impacto com os pés e aproveitei para pegar impulso
e pulei para cima de sua cabeça, acertando-lhe com a
espada.
Alexis e o outro monstro estavam novamente
nas ameaças, exceto por uma e outra vez que um deles
atacava. A luta parecia bem mais pesada do meu lado.
Alexis tentou perfurar o monstro na barriga, mas ele
esquivou. O monstro conseguiu fazer um leve corte na
perna de Alexis, o que me fez chamar atenção para
luta.


Ver Alexis sangrar me deixou louca. Pulei das
costas do retalhado e fui com tudo para cima do
monstro que estava com Alexis. O impacto foi tão
grande que acabei derrubando o monstro no chão. Sem
pensar acabei cortando a cabeça do monstro e
esquecendo o que tanto estava tentando evitar.

Assim como os outros dois monstros, ele
tremeu e se desfez em vários pedaços. Poucos
segundos depois ele também se juntou ao monstro
retalhado, fazendo-o ainda mais estranho e horrendo.

Agora com 2 metros de altura, 2 cabeças, 4
braços e 2 caudas igualmente deformadas o monstro
parecia uma criatura invencível. O seu grito agudo era
muito mais alto e irritante que os dos outros monstros
e parecia muito mais resistente.

– O que iremos fazer agora? – perguntei.
– Acha que devemos correr? – Alexis retrucou.
– Não vejo uma alternativa melhor. – respondi.
Alexis pegou a Rainha Alina e colocou em suas
costas. Ele parecia muito cansado, mas motivado.
Querer salvar a mãe parecia estar dando uma força
sobre-humana a ele.

O monstro pareceu perceber o que estávamos
tentando fazer e deu um pulo, fazendo o chão tremer e
as paredes caírem, bloqueando a passagem. Se duas
cabeças pensam melhor que uma, três devem trazer
idéias brilhantes – pelo menos para o nível de
inteligência deles.


– E agora o que faremos? – perguntei quase
atropelando as palavras.
– Agora eu realmente não sei! – Alexis parecia
realmente desesperado.
– Eu sei! – Alina disse quase que sem som
algum.
– Não mãe! – Alexis se antecipou – Não irei
deixar à senhora lutar!
– E quem aqui está falando em luta? – mesmo
fraca, senti um tom de deboche em sua voz.
– Então o que está pensando? – perguntei.
No mesmo instante notei que um portal estava
se abrindo. Ainda não conseguia enxergar para onde
ele levaria, mas já imagina qual era a idéia da Rainha
Alina.

O portal se abriu um pouco mais e consegui ver

o local. Era o local onde a Rainha Alina estava
aprisionada.
– Quando eu disse já. – Alina falou baixo.
– Já entendi! – continuei fixando no portal
enquanto o monstro se aproximava.
– Do que vocês estão falando? – Alexis ainda
não tinha percebido a idéia.
– Já! – desta vez a Rainha Alina gritou bem alto.
Não esperei duas vezes e dei um salto bem alto
me jogando para cima do monstro. O monstro
desequilibrou, mas não caiu. Teria que ser rápida.
Continuei forçando o meu peso para que o monstro
virasse e caísse no portal antes que ele fechasse. O


monstro relutou, mas consegui fazer-lo perder o
equilíbrio. Rapidamente dei um salto para trás e o
monstro caiu no portal que se fechou no exato
momento em que ele caiu.

– Beatriz? – Alexis estava de boca aberta.
– Eu sabia que conseguiria! – a rainha deu um
leve sorriso.
– Mas a idéia foi sua majestade! – fiz uma
reverencia.
– Não há necessidade dessas formalidades
comigo. – Alina estava fraca, mas ficou de pé – Já
esqueceu que eu sou sua sogra?
– É verdade! – disse sorrindo.
– Fico feliz em ver que estão se dando bem,
mas nós precisamos sair daqui! – Alexis cortou o
"momento descontração" – E precisamos sair rápido,
antes que o fogo nos alcance. Não sei nem como ele
ainda não nos alcançou.
– E nem irá nos alcançar! – Alina disse baixo –
Esse incêndio não é fruto de uma magia de Beatriz?
– Sim! – respondi – Acho que o feitiço se virou
contra o feiticeiro, como diz o ditado.
– Um feitiço nunca se volta contra o feiticeiro. –
Alina sorriu – Seja lá quem inventou essa frase, ela está
completamente errada. Nenhum feitiço que você
executar irá se voltar contra você. A menos que você
deseje isso.

– Mas nós continuamos presos aqui. – Alexis
olhou em volta – Não temos saída.

– Eu também não faço a mínima idéia de como
sairemos daqui. – disse olhando para Rainha Alina.
– Eu acho que a saída virá em breve. – Alina
estava calma – Não precisa se desesperar. Só temo pela
Capital.
– O que tem a Capital? – Alexis ficou nervoso.
– Bianor está seguindo para invadir a Capital. –
respondi.

– Eu senti isso enquanto estava presa. – Alina
completou – Senti que o exercito de Bianor também se
fortaleceu. Se não agirmos rápido a Capital pode ser
destruída.
– E por que não me contaram antes? – Alexis se
irritou – A Capital em perigo e nós aqui presos!
– Alexis, não houve tempo. Você viu. – comecei
a explicar a situação – Saímos da sala principal direto
para esse labirinto e depois ainda tivemos que
enfrentar os monstros. Mas nós iremos conseguir
chegar a tempo.
– Como? – Alexis gritou – Até a gente sair desse
labirinto. Se a gente sair, vai demorar muito de barco.
– Mas quem disse que iremos de barco? – Alina
sorriu.
– O que está falando? – Alexis e eu
perguntamos ao mesmo tempo.
– O nosso transporte acabou de chegar!

CAPÍTULO 25 / PRELÚDIO DE UMA GUERRA


O
O
portal saiu exatamente na sala do trono da Capital.
Rainha Alina parecia bem mais cansada e fraca agora.

Não duvidaria nada se ela tivesse influenciado de
alguma forma aqueles portais para que se abrisse um
para a Capital a nossa frente – isso se ela mesma não
tiver aberto sozinha.

Rei Céleo ficou um misto de espanto, alegria e

preocupação. Ele parecia não saber o que demonstrar

primeiro e olhava fixamente para a Rainha Alina.

– O que está acontecendo aqui? – Céleo
perguntou esfregando os olhos.
– Papai, eu consegui. Nós conseguimos! –
Alexis disse olhando para mim – Achamos a mamãe!

– Mas como? – Céleo se aproximou – Vocês são
loucos?
– Talvez, mas se não fosse essa loucura nunca
teríamos encontrado a mamãe! – Alexis estava com
Alina no colo.
– Mas é ela mesma! – Céleo passava a mão no
rosto de Alina – Ela está tão pálida. Desacordada. O que
aconteceu?
– Bianor estava mantendo a rainha presa e
usando suas energias mágicas para alimentar um
labirinto subterrâneo em Calidora. – respondi – A
rainha já havia me mostrado aquele lugar antes, mas
foi Alexis quem o encontrou.

– Fizemos um belo trabalho de equipe! – Alexis
sorriu e segurou minha mão.
– Mas a rainha está muito mal! – voltei às
atenções a Alina – Ela precisa urgentemente de
cuidados médicos.
– Eu estou vendo! – Céleo a pegou no colo –
Vamos! Irei levar-la para o quarto.
Rei Céleo chamou alguns guardas e pediu para
chamarem o médico do castelo imediatamente e que
também chamasse o conselho da Capital. A principio
estranhei o rei ter convocado o conselho da Capital, só
depois imaginei que era para anunciar que a rainha
havia sido encontrada. Mas logo em seguida lembrei-
me de outro motivo tão urgente quanto esse para
comunicar ao conselho.

– Rei Céleo? – chamei quando ele colocou Alina
na cama – Preciso contar algo. Não sei se já ficou
sabendo, mas a Rainha Alina previu uma invasão de
Bianor e seu exercito para breve. Eles já devem estar a
caminho e não demorarão muito para chegarem.
– Invasão? – Céleo se assustou – Eu não fiquei
sabendo de nada. Uma invasão... Não estamos
devidamente preparados para uma invasão.
– Foi o que eu imaginei, por isso resolvi avisar o
quanto antes. – disse séria.
– Fez bem. Muito obrigado. – Céleo colocou a
mão em meu ombro – Preciso comunicar isso

imediatamente ao conselho. Precisamos tomar
providencias o mais rápido possível.

– Eu queria dizer que estou aqui para o que
precisar! – disse confiante.
– E iremos precisar. – Céleo disse apreensivo –
Você é nossa última esperança. A nova esperança.
– Eu farei de tudo para não decepcionar-los! –
falei já sentindo o peso da responsabilidade.
Sempre soube que um dia iria ter que salvar
Ofir, mas nunca havia sentido esse peso antes. É como
se todo o peso do mundo estivesse em minhas costas e
eu não pudesse aguentar. E o pior é que o peso de um
mundo realmente estava nas minhas costas, não era
apenas uma forma de dizer.

– Alexis, eu irei para a casa de Neandro. – disse
baixo – Devem estar todos querendo saber notícias de
nós.
– E eles estão aqui? – Alexis perguntou.
– Em Calidora pelo menos eles não foram. –
lembrei.

– Espere um pouco, só até os médicos
chegarem, alias estão demorando demais. Eu irei com
você até a casa de Neandro.
– Tudo bem. – sorri – Eu também quero saber
notícias da rainha.
– Majestade? – um dos guardas entrou no
quarto – Os médicos chegaram!
– Mande-os entrar! – Céleo disse apressado.

Os médicos examinaram a Rainha Alina de uma
forma diferente. Eles usavam magia. E eram vários
médicos examinando ao mesmo tempo. Enquanto um
examinava a cabeça, outro examinava a barriga, outro
os braços e mais um examinando as pernas.

O Rei Céleo estava apreensivo e parecia não
gostar nada da demora em que os médicos estavam
examinando a Rainha Alina.

– Ela vai ficar bem! – disse tentando acalmar
Céleo.
– Eu espero que sim. – ele olhou inquieto para
Alina.
Os médicos terminaram de examinar a Rainha
Alina e pediram para conversar com o Rei Céleo em
particular. Eles ficaram algum tempo conversando, mas

o Rei Céleo parecia mais aliviado. Não devia ter
acontecido nada demais com a Rainha Alina.
– E então? – Alexis perguntou quando Céleo se
aproximou.
– Ela passou muito tempo sendo explorada por
Bianor e isso a enfraqueceu demais. – Céleo parecia
bem mais aliviado – Ela vai ficar bem, só precisa de
cuidados. Só me preocupo com essa guerra que parece
não ter mais como fugir. Eu não sei se conseguiremos
nos manter firme. Estamos enfraquecidos e o exército
de Bianor é grande demais para competirmos.
– Calma Rei Céleo, nós estamos aqui! – disse
em um tom animador.

– Como disse, você é nossa esperança nesta
inevitável guerra. – ele sorriu.
Sai do quarto e Alexis veio atrás. Ele me
abraçou como se soubesse de minhas novas
inseguranças – e talvez realmente soubesse. Consegui
não cair em lágrimas e ficar contente pela Rainha Alina.
Não sei se seria uma boa hora para ficar me
lamentando de um destino incerto.

– Vamos para a casa de Neandro? – perguntei
sorrindo.
Alexis não disse nada, apenas assentiu
sorrindo. Mesmo ainda não sendo comunicados sobre
a possível invasão de Bianor, os guardas da Capital
estavam todos bem alertas, não pareciam tão
despreparados como o Rei Céleo dizia. Mas eu também
não tinha visto ainda o tamanho e nem a competência
do exercito de Bianor que contava com homens de dois
reinos. Provavelmente apenas os melhores de cada
reino foram chamados para essa batalha, mas ainda
tinha alguma esperança de que o nosso exército ser o
suficiente para lutar contra Bianor.

Chegamos à casa de Neandro ainda à tarde.
Assim como eu havia imaginado, estavam todos lá.
Todos mesmo. A casa de Neandro havia se tornado
quase que um tipo de pensão, abrigando todos que
estavam ligados a minha missão.

Além de Linfa, Neandro, Tales, Thalassa e
Nicardo estavam na casa Camila, Levinda e Layla.


Apenas Cosmo não estava presente. Não sabia como
eles estavam abrigando tanta gente em uma casa tão
pequena, mas pareciam estar todos muito
confortáveis.

– Olha quem apareceu! – Neandro falou
quando nos viu na porta – Os fujões!
– Beatriz! Alexis! – Thalassa correu para nos
abraçar – Achei que tivesse acontecido o pior.
– Calma Thalassa. – sorri – Estamos todos bem.
Pelo menos por enquanto.
Contamos a eles toda a nossa viagem ao
castelo, o plano de Alexis, o labirinto, o resgate da
Rainha Alina e sobre a invasão de Bianor. A noticia da
invasão não pareceu ser surpresa para eles como foi
para o Rei Céleo.

– Eu sonhei com isso. – Nicardo falou – Eu vi
Bianor e seu exercito chegando a Capital e destruindo
tudo. Fazendo com a Capital o mesmo que fizeram com
Sotero, Leander e Menelau.
– Menelau também foi destruída? – perguntei
assustada.
– Não como aconteceu com Sotero e Leander,
mas ela foi atacada. – Nicardo estava sério.
– Destruíram toda a cidade do castelo, assim
como o castelo também. – Tales continuou – Bianor
conseguiu, a força, o comando de Menelau e só por
isso não destruiu o reino inteiro.
– Mas isso é terrível! – lastimei.

– Isso é mais que terrível! – Nicardo me olhava
triste – Isso é o inicio do fim. As tropas de Bianor
acabaram ganhando mais um reforço.
Era estranho olhar para Nicardo agora.
Principalmente depois de tudo o que havia acontecido
comigo na minha viagem com Alexis. Não conseguia
olhar em seus olhos. Sentia como se estivesse em
divida com o Nicardo. E talvez esse sentimento
continuasse dentro de mim enquanto eu não tivesse
certeza de que ele está feliz de verdade.

– Acho que a visão da rainha e a confirmação
que estávamos esperando. – Tales falou em um tom
estratégico – Já podemos começar a por em prática o
nosso plano.
– Que plano? – Alexis perguntou.
– Não acredito que será possível impedir a
entrada de Bianor no reino, mas podemos diminuir a
carga para facilitar a vida do exército da Capital. – Tales
se aproximou um pouco mais de nós.
– E o que pretende fazer? – perguntei.
– Cosmo foi até Leander buscar os meus
homens e iremos reforçar a tropa. Eles são homens
fortes e a batalha que todos eles enfrentaram só os
tornou ainda mais fortes. Ficaremos a postos no porto,
eles terão que passar por ali. Provavelmente invadirão
já atacando, ainda mais depois de nos ver esperando
por eles. A intenção é impedir que eles prossigam, mas
acredito que muitos conseguirão passar pela nossa

barreira e chegar ao castelo. Invadirão a Capital, mas o
número será menor e mais fácil de lutar.

– Uma idéia um pouco maluca e arriscada, mas
quem sou eu para julgar planos malucos e arriscados? –
Alexis pareceu gostar da idéia.
– Mas você disse bem – eu não estava
gostando da idéia – É muito arriscado!
– Mas é nossa única opção no momento. –
Neandro falou.

– Você também está de acordo com esse
plano? – perguntei.
– Beatriz, é o que podemos fazer. – Linfa sorriu
tentando me convencer, mas ela também não parecia
gostar do plano.
– E as pessoas de Tales? – perguntei – Toda
batalha dessa dimensão sempre acabam em mortes.
– Mas se o exército de Bianor chegar ao castelo
vai haver muito mais mortes! – Neandro defendeu a
idéia.
– Meus homens sabem dos riscos de uma
batalha e estão todos prontos para o pior. – Tales
parecia um pouco preocupado – Mas eles farão o
impossível para não morrer, isso eu posso garantir!
– O fato é que não temos muitas escolhas. –
Nicardo também defendeu a idéia – Se o exército de
Bianor atacar inteiro o castelo nós não teremos chance
nenhuma. Mesmo tendo você no grupo.

– O exército dele é tão forte assim? – perguntei
assustada.

– São os melhores dos melhores! – Tales falou
assustado – Beatriz, eu vi o que o exército dele é capaz
de fazer quando eles não eram nem a metade do que é
hoje. Por isso não temos esperanças de parar-los nesse
plano e é por isso que precisamos eliminar o máximo
de pessoas possível para atacar o castelo.
– Mas se lutarmos antes você acha que seus
homens, os que sobrarem, terá forças para ajudar em
outra batalha? – tentei ser realista.
– Eles lutaram até o fim, isso posso garantir! –
Tales disse confiante, mas parecia preocupado com
alguma coisa.

– Isso é loucura demais! – disse pra mim
mesma.
– Beatriz, se meter em um labirinto que
poderia te levar a morte não é algo muito prudente. –
Nicardo falou tentando não parecer ressentido.
– A situação era diferente. – tentei me justificar
– Era uma situação de urgência!
– E essa não é uma situação de urgência? –
Neandro perguntou.

– Não sei se gosto da idéia de por outras
pessoas em risco. – disse – Eu deveria enfrentar essa
guerra sozinha. Não é assim que a profecia diz?
– Isso sim é loucura! – Alexis falou alto – Você
acha mesmo que conseguiria vencer um exército
inteiro?
– Mas não é essa a profecia? – também falei
alto.

– Não. – Neandro normalizou nossos tons de
voz – A profecia diz que você salvará Ofir, mas isso
pode ser de várias formas. Não quer dizer que você,
sozinha, vai derrotar um exército e ainda o mago mais
poderoso do mundo.
Respirei fundo e fechei os olhos. Talvez eu
estivesse assustada demais. Talvez começar a sentir o
peso do mundo tenha fervido meus nervos, mas eles
tinha razão. Eu não conseguiria acabar com uma guerra
sozinha. Eu não sou tão extraordinariamente forte para
isso. Eu precisaria de toda a ajuda possível.

– Tudo bem, vocês estão certos! – baixei a
cabeça – Eu estou muito assustada com tudo isso.
Sempre soube que esse momento chegaria, mas agora
que ele está prestes a chegar eu não sei como agir.
– Nós entendemos! – Thalassa falou colocando
a mão em meu ombro – Acho que está sendo parecido
para todos nós. Ninguém nunca havia passado por algo
parecido antes. Ofir sempre foi um mundo pacifico,
houveram pouquíssimas guerras.
– Nós precisamos nós preparar enquanto é
tempo! – disse tentando parecer muito segura.
– E haverá tempo? – Alexis perguntou.
– Precisamos usar o tempo que tivermos! –
Neandro estava aparentemente tranquilo – Enquanto
os homens de Tales não chegam, seria uma boa idéia
nos prepararmos. O que iremos enfrentar será
completamente novo e devemos estar prontos para
tudo.


– Quando os meus homens chegarem,
ficaremos de plantão esperando o exercito de Bianor
chegar. – Tales falou seguro.
– Nosso plano é arriscado, mas pode dar certo
sim! – Nicardo estava mais animado.
– O plano vai dar certo! – Thalassa sorriu.
– E se o plano não der certo? – voltei a ser
realista.
– Não vamos ficar pensando nisso. – Alexis me
abraçou.
– Mas ele pode não dar certo. – estava
preocupada – O que iremos fazer?
– Não temos um plano B em mente. – Tales
fitou preocupado para todos nós – Acho que esse plano
não pode falhar de jeito nenhum ou será o fim de Ofir.
– Mas ele vai funcionar! – Alexis se levantou –
Nós iremos lutar juntos!

– Para proteger Ofir! – Tales completou.
– Iremos unir nossas forças e nos tornam uma
única arma! – Thalassa sorriu.
– Esse vitória será nossa! – Neandro também se
levantou.
– Juntos somos imbatíveis! – Linfa segurou a
mão de Neandro.
– E não existe mal neste mundo que não
poderemos derrotar! – Nicardo pareceu mais
confiante.
Levantei-me bem mais confiante e
esperançosa. Era engraçado como algumas palavras


positivas podem mudar tanto o animo de uma pessoa.
Se fossem ditas mais vezes talvez as coisas não
parecessem tão ruins.

– Todos juntos nesta batalha! – sorri – E que
seja a última!
– Por Ofir! – juntamos nossas mãos e gritamos
todos juntos.
À noite eu tive um sonho muito estranho. Um
pesadelo para ser mais exata. E não tinha dúvida de
que aquilo era um pressagio do que eu iria viver.

Eu estava novamente no deserto Orestes, mas
desta vez era noite e um vento muito forte soprava
areia para todos os lados. Raios e trovões pipocavam a
cada minuto e chovia pouco para o clima que havia sido
formado.

Eu estava muito fraca e via varias pessoas
caídas ao meu redor. Alexis, Thalassa, Linfa, algumas
pessoas que não conhecia ou não conseguia identificar,
estavam todos muito mal e pareciam tentar dizer algo
para mim. Eles estendiam as mãos, mas eu não
conseguia entender o que eles estavam dizendo. Bianor
estava atrás de mim. Ele não parecia bem, mas estava
melhor que os outros e eu estava completamente
confusa.

De repente a imagem mudou. Eu estava em um
local isolado e com uma paisagem bonita. A minha


frente estava um tumulo. Não conseguia ler o que
estava escrito na pedra do tumulo, mas eu estava
muito triste por ter perdido aquela pessoa.

Novamente a imagem mudou. Estava na frente
do castelo, vendo uma grande batalha acontecer. Eu
queria fazer alguma coisa, mas não conseguia. Eu
estava presa.

A imagem mudou novamente, agora para uma
grande montanha. Rainha Alina estava na frente de um
precipício e atrás dela estava um grande portal. Eu
olhei novamente e não era mais a rainha e sim eu que
estava prestes a entrar no portal, mas existia algo que
me fazia hesita.

A imagem mudou pela última vez. Agora eu
estava no mesmo deserto em que sempre encontrava o
grande lobo. Como já esperava, ele apareceu e deixou
comigo palavras que ecoaram em minha cabeça por
muito tempo:

– O que você escolherá deixar para trás no final
disso tudo?

AGRADECIMENTOS

Sempre e sempre a Deus e a minha família.
Dois grandes pilares em minha vida.

Aos melhores amigos que uma pessoa pode ter

– e que estarão sempre aqui – Yasmin e Pryh.
Gostaria de deixar meus agradecimentos
também ao Diego Imperiano, que segurou minha barra
em alguns momentos cansativos da minha vida
enquanto escrevi esse projeto.

Queria aproveitar também para agradecer
novamente a Vicky, do blog Minha Vida Vampira
(http://mylifevampira.blogspot.com/) , que ajudou a
divulgar o meu trabalho e ainda abriu espaço para uma
singela, porém importante, entrevista.

E por fim a todos os meus fãs, desde os que me
acompanham em meus primeiros passos até os mais
recentes. Todos vocês são muito importantes para mim
e se eu continuo seguindo esse caminho e por vocês!

Espero todos em "Hart"!


Não perca o incrível desfecho da história de Beatriz Misse

Hart



MAIS INFORMAÇÕES SOBRE O LIVRO E O AUTOR EM:

WWW.FELIPEREINO.WEEBLY.COM



Hart



Hart


FELIPE REINO


Para minha amiga Dandara e meu avô José que se
mudaram para o andar de cima enquanto eu escrevia
este livro.



O FUTURO DE BEATRIZ MISSE


A
A
ntes de começarem a ler o desfecho da história de
Beatriz Misse eu gostaria de deixar algumas

palavras. Poucas palavras.
Todos que acompanharam a história pelo
site devem se lembrar das várias vezes em que atrasei
entregas de capítulos e de como as coisas foram
ficando corridas no decorrer dos meses. Não preciso
dizer que essa falta de tempo afetou a história e em
alguns casos de forma prejudicial. Não será difícil
encontrar algumas diferenças entre os primeiros e os
últimos capítulos – que acabaram se tornando mais
corridos. O resultado final não ficou como gostaria, mas
está aceitável.

A trilogia "Eventyr" é muito especial para mim
e meus planos para ela não acabaram com esse livro.
Eu quero continuar a história de Beatriz Misse de
outras formas.

Primeiro: eu pretendo contar algumas coisas
sobre o que aconteceu depois deste livro através do
Twitter @BeatrizMisse. Ele já estava funcionando antes
do lançamento deste e-book e continuará por pelo
menos 1 ano.

Segundo: quero ainda escrever alguns spin-offs
com alguns personagens como Neandro, Linfa, Nicardo.
Provavelmente estas histórias aparecerão em forma de
contos, mas pode ser que alguma delas vire algo maior.


Terceiro e último lugar: eu quero deixar esta
promessa de que – em um futuro não muito distante –
todos os três livros serão reescritos. A trilogia contem
erros dos mais variados e pretendo corrigir-los. Não
mexerem na estrutura, apenas retirarei alguns
acontecimentos desnecessários, acrescentarei novas
cenas e retirarei alguns personagens que, na época,
pareciam importantes, mas acabaram não tendo
serventia nenhuma. Provavelmente o livro que sofrerá
a maior mudança será esse. Pretendo colocar uma
nova batalha final e alterar algumas cenas que ficaram
um pouco cansativas.

Eu poderia arrumar isso agora, mas eu
realmente não estou com cabeça para fazer essa
releitura. Por isso deixo o relançamento da trilogia
como uma promessa para o futuro.

Espero que, mesmo com as falhas, todos vocês
se divirtam e se emocionem com essa parte final da
aventura de nossa amada Beatriz Misse.

Um abraço

– Felipe Reino

"O destino só existe por causa de nossas escolhas."



PRÓLOGO
"Este é o momento!"
"O dia em que a profecia se cumprirá está próximo de


chegar!"
"Qual caminho ela irá seguir?"
"Apenas espero que ela faça a escolha certa."



CAPÍTULO 1 / O PLANO "INFALÍVEL"


P
P
arecia que estávamos ali há séculos, mas tinha
apenas uma semana. Uma longa e cansativa

semana. Talvez mais longa e cansativa para

mim, pro Alexis, o Tales e a Thalassa do que para

qualquer outro que estivesse por ali.

Estávamos de guarda no porto, esperando o

ataque que havia sido previsto para breve. Iríamos por

em pratica o plano que havíamos criado há algum

tempo. Esperava não ter que utilizar-lo. Não apenas

por Ofir, mas por conta do cansaço que eu me

encontrava. Tínhamos criado um sistema de

revezamento, mas há dois dias que eu, Alexis, Tales e

Thalassa estávamos sem descansar.

Cosmo, Neandro e Nicardo ficaram no castelo,

caso algum imprevisto acontecesse. Talvez eles

estivessem mais descansados do que nós. Eles seriam

mais úteis aqui do que no castelo. Levinda e Camila

também estavam no castelo por motivos de segurança.

Tentava manter o foco a todo custo. Era difícil,

mas estava conseguindo. Andar de um lado para o

outro e jogar copos de água gelada no rosto ajudam

um bocado a ficar acordado. Alguns comerciantes que

ainda continuaram a morar próximos ao posto nos

ajudavam dando alimentação, apesar do prejuízo.

Todos os homens – e algumas mulheres – que

estavam no esconderijo de Tales em Leander foram


trazidos para a Capital. Ficaram apenas as crianças e
um pequeno grupo de mulheres que não quiseram
abandonar seus filhos ou não estavam preparadas para
uma guerra.

O cansaço me dominou e acabei não
suportando mais e resolvi me deitar um pouco. Fechei
os olhos, mas tentei ficar atenta a tudo o que estava
acontecendo ao meu redor. Não poderia me deixar
levar pelo sono também. Mas quem consegue lutar
contra isso quando se está próximo ao seu limite?

– Eles estão chegando! – ouvi uma voz perto de
mim.
Demorei um pouco para entender o que aquele
aviso significava. E se eu continuasse deitada no canto
sem fazer nada acabaria morrendo sem saber o que me
atingiu.

Levantei como um relâmpago. Um pulsar de
energia dentro de mim acabou me revitalizando para a
batalha que estava prestes a começar, exatamente
como havia sido previsto.

Homens de armadura preta descem aos
montes de vários barcos que chegam bem próximos ao
porto. Estávamos todos prontos para a batalha. E eles
também.

– Bianor não parece estar entre eles! – disse a
Tales que estava do meu lado.

– Não creio que ele apareça tão cedo. – Tales
estava apenas esperando pelo primeiro ataque –
Bianor só irá aparece quando as batalhas menores
acabarem. Ele nós quer sozinhos.
Antes que todos os "homens de preto"
terminassem de entrar no porto o nosso plano foi
descoberto. Saímos todos dos nossos esconderijos e
começamos o ataque. Obviamente os homens de
Bianor revidaram o nosso ataque.

Alguns homens me cercaram e começaram a
me atacar. Não tinha muito tempo para tentar lançar
alguma magia, por isso apenas me defendi da melhor
maneira que pude até Alexis e Tales aparecerem para
me ajudar.

Continuamos apenas nos defendendo dos
golpes. Revidamos algumas vezes, mas estávamos
esperando o momento certo para começar a atacar de
verdade.

Tales e Alexis estavam se dividindo, atacando
em parceria. Eu e Thalassa começamos a fazer o
mesmo.

Atacamos dois deles com golpes na altura do
estômago. Tentamos atingir as cabeças, mas eles as
protegiam muito bem e sempre conseguiam desviar os
golpes. Reparei que Alexis e Tales estavam tendo a
mesma dificuldade.

Pouco depois finalmente consegui me
distanciar da batalha e voei até alguns metros para


analisar a batalha de um modo mais amplo. A batalha
estava favorável para o nosso lado. Os homens de
Bianor pareciam inexperientes e estava sendo muito
fácil de derrotar-los. Poucos homens que estavam no
nosso grupo foram atingidos e a maior parte deles
haviam sido feridos de raspão.

Comecei a jogar algumas bolas de fogo e água
em alguns homens de Bianor, que caiam como se não
tivessem ossos, todos desconjuntados. E todos mortos.
Ou pelo menos muito feridos para levantarem. E isso
era muito estranho.

O que Bianor pretendia mandando homens tão
despreparados? Isso, sem dúvida alguma, não era
apenas uma escalação ruim de soldados. Será que
Bianor estava obrigando seus prisioneiros a lutarem?
Será que todos essas pessoas com quem estávamos
lutando eram pessoas inocentes, vitimas de Bianor?

– Alexis! – gritei enquanto voltava para o chão
– Acho que estamos cometendo uma atrocidade!
– O que você está falando? – Alexis perguntou
assustado.
– Esses homens... Olhe como eles morrem com
facilidade! – disse desesperada.
– Sim, eu reparei nisso também e estranhei.
São inexperientes demais para uma batalha como essa.
– Alexis tentava se esconder. Só então reparei que ele
estava com um ferimento na mão direita.
– O que foi isso? – perguntei quase gritando.

– Não foi nada. – Alexis orgulhoso como
sempre.
– Nada não, isso é alguma coisa sim! – o ajudei
a se esconder.
– Foi apenas um golpe de raspão. O soldado me
atingiu por sorte. – Alexis segurava a mão.
Realmente o corte não parecia nada de grave,
mas ele estava impossibilitado de usar espadas.
Daquela família o único que sabia usar com perfeição
espadas segurando apenas com a mão esquerda era
Neandro, que não estava ali. Peguei uma faquinha que
estava pendurada em minha cintura e rasguei um
pedaço da roupa de Alexis.

– O que você está fazendo? – Alexis gritou
zangado.
– Um curativo de emergência nesse corte. –
respondi amarrando o tecido na mão de Alexis.

– Ai! – ele resmungou quando apertei o nó – E
tinha que ser com a minha roupa? Por que não tirou da
sua?
– Que parar de reclamar? – usei da mesma
arrogância – Achei que você já tinha aprendido a ser
mais agradecido, mas parece que você continua o
mesmo príncipe autoritário e arrogante de sempre.
– O que vocês estão fazendo ai? – Tales nos
descobriu – Essa não é a hora para ficar de namorico.
– Nós não estamos de namorico. – Alexis disse
bufando.

– Também é uma péssima hora para discutir
relacionamento. – Tales aproveitou o esconderijo para
recarregar energia.
– Alexis se cortou e eu estava cuidando do
ferimento. – respondi com a tranquilidade que a
situação permitia. Ou seja, nenhuma.
– Mas você estava falando sobre os homens de
Bianor? – Alexis voltou ao assunto inicial.
– Vocês também notaram que eles estão
morrendo com facilidade? – Tales perguntou.
– Isso não é estranho demais? – perguntei.
– Sim isso é...
– Tales cuidado! – Alexis interrompeu Tales.
Um soldado estava vindo em direção a Tales,
que conseguiu desviar a tempo. Tales derrubou o
homem com um golpe nas costas e o segurou pelo
braço.

– Mas o que é isso? – Tales disse
completamente confuso.
Tales jogou o soldado no chão e arrancou seu
capacete. Todos nós levamos um grande susto com o
que vimos em seguida. A armadura estava vazia.
Completamente oca.

No mesmo instante mesmo instante todas as
armaduras que estavam lutando caem inanimadas no
chão, se desmontando inteiras. Todas tão ocas quanto
a que havíamos visto. Uma fumaça negra começou a
dissolver as armaduras até que todas elas
desapareceram.


– Mas o que foi isso? – Alexis perguntou
confuso.
– Armaduras enfeitiçadas! – Tales falou para
ele mesmo e depois repetiu gritando com um tom de
ódio – Armadura enfeitiçadas!
– Enfeitiçadas? – perguntei.
– Claro, como não desconfiei antes? – Tales
continuava com o tom de ódio – Era para se esperar
que Bianor fosse brincar com a nossa cara com esse
tipo de truque!
– Mas do que ele está falando? – perguntei a
Alexis.
– Armaduras enfeitiçadas eram muito usadas
em épocas de guerra. – Thalassa se aproximou – Elas
eram usadas com o objetivo de distrair o inimigo e
cansar-lo, assim quando houvesse o ataque real todos
estariam cansados demais para lutar e seriam
facilmente vencidos.
– Já aconteceram casos de batalhas onde os
dois reinos mandavam armaduras enfeitiçadas para
guerrear, o que acabava causando um grande
constrangimento por ambas as partes. – Tales
começava a se acalmar – Esse truque acabou deixando
de ser usado por conta da facilidade em que se
descobria a armação, fazendo com que os soldados que
estavam sendo atacados ignorarem a presença do falso
exercito.
– Mas eles deixavam as armaduras atacarem e
não faziam nada? – perguntei.

– As armaduras só atacam se forem atacadas. –
Thalassa explicou – Elas não tem inteligência e apenas
reagem da mesma maneira em que o ambiente onde
ela se encontra está. Se esse ambiente estiver em
guerra, ela ficará em guerra. Se estiver em paz, ela
ficará em paz.

– E nós fomos os idiotas que caímos no truque
mais velho que existe! – Tales voltava a ficar com ódio.
– Vocês estão querendo dizer que toda essa
batalha foi em vão? – perguntei assustada.
– Infelizmente. – Thalassa baixou a cabeça –
Provavelmente Bianor queria nos distrair e nos cansar,
como nos tempos antigos.

– E agora? – estava sem ação.
– Bem, não podemos deixar de vigiar. – Alexis
continuava segurando a mão – Bianor pode ter armado
esse truque para nós pensarmos que ele começará a
invadir em outra parte da Capital.
– E pode também ter planejado esse falso
ataque para que nós pensássemos que ele queria nos
afastar daqui pra justamente atacar em outro local. –
Thalassa mostrou a outra possibilidade.
– Acho que o melhor agora é pensarmos com
calma em nossos próximos passos! – Alexis estava mais
calmo.
– Espero que não aconteça mais nenhuma
surpresinha hoje. – Tales também havia se acalmado –
Caso contrário nem eu, nem vocês e nenhum dos meus

soldados resistiram. Estamos todos exaustos. Fomos
levados aos nossos limites nessa brincadeirinha.

– Mas esse falso ataque não foi tão ruim assim.
– Thalassa era quem estava mais centrada – Agora nós
já sabemos que Bianor pode querer "brincar" mais um
pouquinho com todos nós. Mas se isso acontecer já
estaremos preparados e atentos para o verdadeiro
embate entre as nossas tropas com as de Bianor.
– A Thalassa está certa! – tentei não parecer
nervosa – Temos que aproveitar o dia de hoje e tomar
como um aprendizado. Eu nunca participei de uma
guerra antes, mas tenho certeza de que agindo desta
forma estaremos mais preparados para lutar.
– Beatriz tem razão. – Alexis deu um sorriso
tímido – Tudo o que precisamos agora é prestar mais
atenção e reforçar nossa vigilância para que isso não
aconteça novamente.
– Agora acho melhor...
– Senhor, senhor – um dos homens de Tales o
interrompeu – Rápido. É o Acelo.
– Não diga que...
Tales olhou para o rosto do rapaz que o
devolveu com um olhar de que não tinha boas notícias.
Tales colocou as mãos na cabeça e respirou fundo. Ele
olhou para nós como se procurasse uma saída. Só não
conseguia entender se ele queria que nós déssemos
uma saída pra ele ou se ele procurava uma saída para
engabelar-nos.

– Podemos ajudar em algo? – perguntei.

– Não! – ele falou em um tom alto e
desesperado.
– Mas se for o que estou pensando...
– Seja lá o que você está pensando, não! –
Tales falou um pouco mais baixo – Eu não quero que
ninguém venha atrás de mim.

– Mas Tales...
– Beatriz, não! – Tales estava nervoso.
– Será que ao menos podemos saber o motivo?
– Thalassa perguntou preocupada.
– Não! – ele voltou a falar alto – Será que vocês
não podem respeitar o meu pedido?
– Tales, isso que você está fazendo não faz
sentido. – Alexis se aproximou – Nós sempre lutamos
juntos e sempre nos ajudamos. Sempre. De repente
você não quer que nenhum de nós vá ajudar seu
soldado. Por quê? Nós não iremos matar seu soldado.
– Alexis! – dei um beliscão nele.
– Ai! – Alexis resmungou – Não precisa disso.
– Alexis, Beatriz, Thalassa. Não é nada disso. –
Tales se acalmou – Se a situação fosse outra eu até
permitiria, melhor, adoraria ter a ajuda de vocês.

– Então por quê? – Thalassa perguntou.
– Eu não posso dizer a vocês o motivo. – ele
parecia realmente triste em não poder aceitar nossa
ajuda – Talvez, um dia, eu possa contar tudo a vocês.
– Conte agora! – Thalassa insistiu – Não há
razões para esconder de nós seja o que for.

– Acredite, há razões! – Tales olhou triste para
todos nós.
– Senhor, é melhor nos apressarmos. Já vai
começar a anoitecer. – o soldado de Tales o apressou.
– Eu juro que eu irei contar quando for a hora.
– Tales respirou fundo – Por enquanto eu peço apenas
que respeitem minha decisão de tomar conta dos meus
soldados sozinho.
– Se não existe outro jeito. – segurei nas mãos
dele – Vá. Iremos te esperar na casa de Neandro, tudo
bem.
– Obrigado! – Tales sorriu.
Tales e o soldados correram tão rápidos que
nem pareciam ter ficado quase dois dias sem dormir e
ainda participado de uma batalha, mesmo que não
tenha sido tão longa quanto esperávamos que fosse.

– O que será que ele está escondendo de nós?
– Alexis perguntou.
– Não sei. – respondi – Honestamente, eu não
sei. Mas senti que ele está muito angustiado.
– Você não consegue mais ver o que se passa
na mente dele? – Alexis ficou curioso.
– Não. E espero nunca mais conseguir isso. É
horrível você saber o que passa na mente das pessoas.
– Nunca pensei que diria isso, mas gostaria que
o cabeça de pedregulho estivesse aqui! – Alexis gostava
mesmo de zoar com Nicardo. Aprendi a ignorar.
– Eu não sei o que pode ser, mas não estou
gostando nada dessa história. – Thalassa continuava

fitando o Tales levando o seu soldado para dentro de
um dos estabelecimentos que foram abandonados.

– Confesso que essa história também não está
me agradando. – disse em um tom mais baixo que o de
costume – Acho que temos motivos para ficar bem
preocupados.
– O que foi que você disse? – Alexis perguntou.
– Nada. – balancei a cabeça – Estava apenas
pensando um pouco. Vamos?
– Vamos! – Alexis e Thalassa responderam
juntos.
Seguimos para a casa de Neandro já planejando
como iríamos contar o que aconteceu – isso é, se ele já
não ouviu de outra pessoa. Não sabíamos se
contávamos ou não da atitude de Tales em esconder-se
e não deixar que ninguém ajudasse a cuidar de seus
soldados. Talvez nem fosse preciso, o próprio com
certeza falaria em outra ocasião.

Chegamos a casa de Neandro no meio da noite.
Fiquei o tempo inteiro com o coração apertado – e os
pulmões também, mas isso era por outro motivo. Tinha
algo de muito grave acontecendo, isso eu podia sentir.
Tales estava escondendo um segredo muito grande e
provavelmente muito doloroso. Mas o que seria?


CAPÍTULO 2 / SONHOS E DISCUSSÕES


C
C
hegamos a casa de Neandro quase que desmaiando.
Estávamos todos muito, mas muito cansados. Neandro

e Levinda tiveram que carregar Thalassa até o sofá. Eu
e Alexis estávamos bem próximos de chegar aquele
extremo de não se aguentar em pé.

– Mas o que houve com vocês? – Levinda
perguntou preocupada.
– Tudo que não poderia acontecer! – Alexis
respondeu ofegante.
– Vocês andaram do porto até aqui a pé? –
Neandro perguntou assustado.

– Sim! – respondi também ofegante – Não
havia cavalos. Os que estavam com nosso grupo
acabaram sendo levados para o castelo. Eles não
chegaram?
– Não. – Neandro respondeu confuso.
– Eu vou pegar uma jarra de água. Não, duas.
Vocês estão horríveis! – Levinda estava desnorteada.
Deveríamos estar muito horríveis mesmo.
– Conte o que aconteceu? – Neandro
perguntou.
– Poderia nos dar um tempo para
recuperarmos nossas forças? – Alexis já estava
fechando os olhos – Iremos contar tudo, prometo.
– Não, quer dizer, claro. – Neandro também
estava desnorteado – Vou ajudar-los a chegar até os
quartos.

Desde que foi declarado oficialmente guerra,
Neandro resolveu ampliar a sua casa. Construiu mais
quartos e banheiros, além de aumentar a cozinha.
Neandro e Alexis usaram um pouco de magia para
agilizar a obra. Eu e Thalassa continuamos dormindo no
mesmo quarto, mas agora cada uma tinha seu espaço.
Os meninos também haviam ganhado um espaço para
cada um deles. Cosmo ganhou um espaço, mas acabou
não utilizando. O Rei Céleo achou mais útil deixar
Cosmo no castelo ajudando a projetar algumas armas
novas.

Thalassa foi novamente carregada até a cama.
Eu entrei no quarto e me joguei na minha cama como
se minha vida dependesse disso. E de certa forma ela
dependia. Não cheguei sequer a reparar que Levinda já
havia posto uma jarra d'água e um copo ao lado de
minha cama, na escrivaninha. Bebi a jarra inteira em
meio minuto.

Meus olhos fecharam de imediato quando
deitei novamente na cama. A janela do quarto estava
aberta e a única coisa que senti foi o vento fresco que
entrava por ela. Uma esperança crescia dentro de mim
nesses momentos. Era como se a natureza estivesse
dando um aviso de que ainda existe beleza neste
mundo e que nem tudo está perdido. Pelo menos não
completamente perdido.

Comecei a lembrar da primeira vez em que
estive aqui. Parece que faz séculos que eu acordei


naquela floresta e encontrei o príncipe encantado mais
metido e arrogante do mundo. É tão engraçado ver
como eu mudei. Eu era tão infantil e insegura. Naquela
época eu nunca imaginaria que um dia ficaria de tocaia,
apenas esperando a hora de atacar. Nunca imaginaria
que um dia eu me tornaria uma guerreira mágica e que
um mundo inteiro dependeria de mim para sobreviver.
São tantas coisas que mudaram. Esses quase dois anos
parecem uma vida inteira se for olha tudo o que já
aconteceu comigo.

Cai no sono poucos minutos depois. Poucos
minutos mesmo. Como já estava virando uma regra,
meus momentos de descanso, assim como minhas
noites de sono, eram sempre invadidas por pesadelos
horríveis. E mais horrível ainda era acordar e não ter o
consolo de que aquilo era apenas um sonho ruim,
aquilo era um presságio.

Eu estava deitada, exatamente como eu estava
fora do sonho. Eu abria os olhos e via um reflexo do sol
bater muito forte no local onde estava deitada. Vi o
castelo da Capital em chamas. Era terrível. Tentei
correr para ajudar, mas não conseguia. Estava presa.

"O castelo está sendo destruído!" ouvi a voz de
Alexis.

"Os homens de Bianor estão invadindo o
reino!" uma voz que não conhecia era quem falava
desta vez.

"Onde está a Beatriz?" era a voz de Nicardo.


– Eu estou aqui! – tentei chamar atenção deles
– Aqui!
"Beatriz, onde está você?" a voz do Rei Céleo
"Onde está você Beatriz?"

– Alguém?! – bati na parede invisível que me
prendia – Alguém me tire daqui!
"Beatriz?" uma voz poderosa vinha de dentro
da minha prisão "Você precisa voltar!"

– Eu sei, mas como eu saio daqui? – perguntei
assustada.
"Use se coração!" a voz se distanciava "Apenas
seu coração pode te levar de volta a Ofir!"

– Meu coração? – perguntei – O que você quer
dizer com coração?
Acordei com um salto que me levou da cama
ao chão. Meu bumbum ficou completamente dolorido
com o tombo, mas esse era o mais mínimo dos
detalhes. Pensei no que aquele sonho poderia
significar. Eu? Presa? Já estava assustada demais
achando que poderia não dar conta do que estava pra
acontecer estando com as duas mãos livres. Se estiver
presa...

– Beatriz? – Alexis estava do meu lado – Você
está bem?
– Eu... eu... – quase coloquei mais uma
preocupação na cabeça de Alexis – Não foi nada.
Apenas tive um sonho com o dia de hoje. Com a

batalha. Tudo novamente passando em minha cabeça.
Acho que fiquei impressionada, mas estou bem.

– De verdade? – ele perguntou com um olhar
de zelo irresistível.
– E eu já menti pra você? – tentei usar do
humor para fazer-lo parar de insistir.
– Você quer que eu seja sincero? – ele sorriu.
– Não há necessidade. – retribui o sorriso da
melhor forma que pude.
– Apesar de estar um caco você continua linda.
– Alexis me abraçou.
– Mentiroso. – sorri. Desta vez de verdade.
– Mas é verdade! – ele deu um cheiro no meu
pescoço – O que eu posso fazer se eu amo você. Amor
a gente não escolhe. Paixão até que conseguimos, mas
o amor... Ou você acha que se eu escolheria uma
garota rabugenta, abusada e encrenqueira para ser
minha futura esposa.
– Esposa? – fiquei surpresa – Está falando
sério?
– Quando tudo isso acabar eu quero me casar
com você Beatriz!
– Mas assim, agora? – continuava surpresa –
Nós ainda nem completamos 20 anos. E mesmo assim
ainda acho cedo.

– Pra quem tem a vida todo pode até ser
mesmo, mas nós não precisamos casar agora. – Alexis
me apertou um pouco mais – Podemos esperar até eu
ser coroado. E se depender de mim isso ainda vai

demorar muito. Quero que meu pai ainda tenha muitos
anos de vida pela frente.

– Mas...
– Veja bem – Alexis me soltou. Coisa que não
gostei – nos oficializamos o nosso relacionamento.
Assim todos saberão que eu pertenço a você. Depois
nós esperamos alguns anos e fazemos a cerimônia.
– É realmente necessário ficarmos noivos? –
perguntei.

– É obrigatório. – Alexis ficou sério – Para um
príncipe não existe a palavra "namoro". Aqui em Ofir os
príncipes costumam ser prometidos a grandes futuras
damas da realeza ou princesas de outros reinos antes
mesmo de nascerem.
– Não estou gostando disso. – fiquei nervosa –
Você já foi prometido para alguém por acaso?

– Não. – ele achou graça – Apenas os
primogênitos são prometidos. Afinal, eles que
assumiram o reino. No meu caso, como meu irmão
optou por ser deserdado eu acabei sendo o primeira
opção para sucessão da coroa. Mas o meu casamento
não foi planejado. Acho que eu já estava prometido a
você.
– Você quer dizer que eu irei me tornar rainha?
– achei estranho em como isso soava em meus
ouvidos.
– Se aceitar meu pedido...
– Você ficaria muito chateado se eu não
respondesse nada agora? – tentei não parecer grossa –

Se fosse outros tempos eu responderia a você que sim,
mas eu não tenho cabeça para nada disso.

– Claro. – Alexis sorriu – Eu entendo
perfeitamente. Não veja isso como uma cobrança, mas
uma sugestão de um plano para o futuro.
– Obrigada. – sorri meio sem jeito – Você sabe
que tudo o que eu quero e ficar ao seu lado sempre.
– Eu sei. – ele voltou a me abraçar – Eu
também quero ficar com você para o resto da minha
vida. Nem que seja uma breve vida.
– Não fale isso nem brincando! – me apertei
mais a ele – Eu não consigo nem pensar em não poder
te ver nunca mais. Agora você é tudo o que eu tenho.
– Acho que não preciso dizer que sinto o
mesmo por você!
– Alexis? – perguntei – Poderia me dar um
beijo?
– E você ainda pergunta?
Os beijos de Alexis nos últimos tempos tem
sido a única coisa que me acalmava de verdade. Eles
eram sempre do jeito que precisavam ser. É como se
Alexis sempre adivinhasse como eu quero seus beijos.
Eles são quentes quando devem ser quentes, doces
quando devem ser doces, selvagens quando eu desejo
que seja e delicados como o que ele estava me dando,
justamente o tipo de beijo que mais me acalma e mais
me deixa apaixonada por ele.


– Não acredito! – uma voz ecoava pelas
paredes. Parecia vir da sala e parecia ser de Neandro.
– Vamos ver o que está acontecendo? –
perguntei.

– Acho que sei o que é. – Alexis olhou aflito –
Veja.
Olhei pela janela do quarto e vi dois soldados
de Tales na porta. Nenhum deles estava com cara de
boas noticias. Pelo contrario, estavam com cara de
quem trazia mais problemas para as nossas mãos.

–... E foi isso que aconteceu. – era a voz de
Tales.

– Mas por quê? – Neandro perguntava no exato
momento em que entravamos na sala.
– Beatriz? – Tales parecia ter encontrado em
mim seu ponto de salvação – Contaram-me que estava
quase desacordada.
– Eu já estou melhor. – fiz uma cara de quem
estava vendendo saúde – A Thalassa que ainda está
dormindo. Ela é uma garota forte, mas acho que desta
vez acabou sendo demais para ela. Vocês estavam
discutindo ou era impressão minha.
– Não exatamente. – Neandro fitou Tales
repreensivo.
– Vocês estão me escondendo algo! – já estava
entendendo as trocas de olhares – Exijo que me
contem!
– Alexis! – Neandro achou graça – Pare de
ensinar coisas erradas a Beatriz!

– Eu não estou ensinando nada! – Alexis
levantou as mãos – Sou inocente!
– Vocês querem parar com isso? – falei alto –
Eu sei que está acontecendo algo que vocês não
querem me contar. E melhor me contar logo ou terei
que descobrir por mim mesma!
– Não há nada...
– Não! – Tales interrompeu Neandro – Ela está
certa. Ela tem o direito de saber.
– Obrigada Tales. – dei um sorriso debochado.
Realmente, eu estava pegando as manias do Alexis.
– O que está havendo aqui? – Thalassa se
levantou – Estão fazendo uma reunião? Eu dormi por
quanto tempo?
– Já é de manhã. – Neandro respondeu.
– E não me acordaram por quê? – Thalassa
perguntou esfregando os olhos.
– No estado em que você chegou ontem à
noite, achei melhor não te incomodar. Achei até que
você dormiria até amanhã. – Neandro ajudou Thalassa
a se sentar. Ela ainda parecia cansada.
– Mas o que está acontecendo aqui? – Thalassa
quem perguntou dessa vez.
– Era exatamente o que eu estava perguntando
a eles faz poucos minutos. – respondi em um tom
debochado.
– E eu estava prestes a responder. – Tales
voltou a olhar torto para Neandro.

– Então diga logo de uma vez! – Thalassa
respondeu em um visível mau humor. Algo nada típico
da parte dela que sempre foi tão calma.
– Alguns dos meus homens acabaram com
ferimentos mais graves do que pareciam. – Tales
começou a explicar – As armas que os falsos soldados
usaram parecia estar envenenada. Todos que foram
atingidos por ela, mesmo que de raspão, acabaram
sendo envenenados. O veneno parece agir da seguinte
forma: A primeiro momento causa uma ferida
imperceptível, mas com o passar do tempo essa ferida
vai se abrindo até corroer todo o local atingido
deixando o restante imóvel. Muitos dos meus homens
perderam completamente os movimentos dos braços e
alguns das pernas.
– Espere! – gritei – Alexis você foi atingido!
– Eu fui? – Alexis balançou a cabeça – Nossa!
Tinha me esquecido!
Retiramos imediatamente o curativo
improvisado que eu havia feito na mão de Alexis e o
que vimos não foi muito bonito. A ferida, que a
principio parecia pequena na parte superior, perto do
dedo mínimo, agora havia tomado os dois últimos
dedos de Alexis e um pedaço da parte inferior da mão,
na palma.

– Que horror! – disse alto – Precisamos fazer
algo urgente.
– Era exatamente isso que estava falando para
Neandro. – Tales tentou ficar calmo – Eu preciso ir com

urgência ao castelo. O Rei Céleo deve conhecer algo
que posso eliminar esse veneno antes que atinja os
órgãos vitais das pessoas. Mas precisamos agir rápido,
não sabemos quanto tempo o veneno demora para
infectar outras partes do corpo.

– E por que vocês estavam discutindo sobre
algo tão sério? – perguntei nervosa – Vamos
imediatamente ao castelo!
– Mas ele não contou que quer cuidar de sabe
lá quantos homens sozinho. – Neandro falou em tom
de deboche provando que era da família.
– Tales? Aquela história? – perguntei.
– Beatriz, você prometeu esperar!
– Eu sei o que prometi! – respondi.
– Você já sabia dessa história? – Neandro
perguntou confuso.
– Sabia. – respondi sem expressão.
– Gente, acho que agora não é lugar para
decidir isso. – Thalassa começava a acordar de verdade.
– Será que podemos ir logo? – Alexis parecia
desesperado.
– O que foi? – perguntei.
– Eu acho que o veneno está se espalhando.
Olhamos todos para a mão de Alexis.
Realmente não parecia nada bem. Estávamos vendo
exatamente o caminho se formando. A ferida estava
começando a descer, seguindo para o braço de Alexis.
Nós tínhamos mesmo algo mais importante para


pensar naquele momento do que se Tales iria ou não
ajudar seus homens sozinho.


CAPÍTULO 3 / ESTRANHOS CONHECIDOS


C
C
orremos imediatamente para o castelo da Capital.
Como se não bastasse todas as coisas ruins que nos

aconteceu nos últimos dias, ainda acontece isso. Eu
estava com tanta pena do Alexis. Nunca gostei de ver
ninguém sofrendo em desespero, ainda mais alguém
que amo tanto como ele.

Estávamos sem cavalo, por isso demoramos
mais tempo para chegar ao castelo. A ferida tinha
parado de crescer, mas metade da mão de Alexis
estava cheia de ferimentos pequenos, enquanto o
ferimento inicial tinha estacionado pouco depois do fim
da mão.

Alexis não tirava os olhos dos ferimentos e,
consequentemente, eu também fiquei olhando sua
mão de minuto a minuto. Estava com tanto medo de
que Alexis pudesse perder o braço. Ele ficaria péssimo
se isso acontecesse.

O castelo parecia bem mais triste agora do que
da primeira vez em que o vi. Eu não sei dizer quando
ele começou a parecer mais sombrio. Neste momento
desejei muito poder ver novamente toda a glória e
beleza de outrora, já tão distante e quase perdida no
passado.

O castelo estava mais bem vigiado do que eu
havia imaginado. Soldados e mais soldados estavam


espalhados por todos os cantos, mas ainda parecia
insuficiente caso acontecesse um ataque surpresa.

– O que está acontecendo? – Rei Céleo
perguntou assustado quando entramos na sala do
trono.
– Rápido papai, precisamos urgente de um
atendimento médico especial. – Neandro estava quase
gritando.
– Atendimento medico especial? – Rei Céleo
mudou completamente as expressões de susto para
desespero.
– Alexis e mais vários homens de Tales foram
envenenados durante a batalha...
– Batalha? – Rei Céleo interrompeu Neandro –
Que batalha?
– Não foi informado? – Neandro estranhou –
Mas pedi para que mandassem informações para o
castelo.

– Isso não importa neste momento. –
interrompi – Precisamos urgente ver esse ferimento de
Alexis e ajudar os homens de Tales.

– Espere – Rei Céleo se sentou – Vamos com
calma. O que está havendo?
– Papai, Beatriz tem razão – Neandro apressou
as coisas – Vamos imediatamente para o bloco médico
e depois explicamos o que está acontecendo.

O tal bloco médico era um imenso salão, cheio
de repartições e médicos – ou algo do tipo – espalhado
por todos os lugares. As únicas coisas que
diferenciavam o salão de um plantão médico da Terra
eram os fatos de nenhum deles usarem jalecos
brancos, a ausência das aparelhagens e equipamentos
médicos e, principalmente, o fato de todos eles usarem
magia.

Alexis foi levado para uma repartição especial.
Era um local mais confortável e com alguns acessórios
de luxo. Algo bem típico de um príncipe.

– Ótimo...
– Péssimo! – Alexis interrompeu o mago-
médico.
– Alexis... – Rei Céleo o olhou repreensivo.
– Vamos dar uma olhada nessas suas feridas. –
o mago-médico pegou a mão de Alexis com muito
cuidado – Vocês disseram que isso foi obra de um
veneno. Estavam certos.
– Agora diga uma novidade! – Alexis debochou
do mago-médico.
– Estou surpreso em ver esse tipo de veneno
agindo tão rapidamente. – o mago-médico continuava
analisando a mão de Alexis com um tipo de lupa
flutuante.
– Mas isso pode ser curado? – perguntei.
– Sem dúvida que sim, mas tem um pequeno
problema. – o mago-médico olhou torto para mim,
Neandro e o Rei Céleo.

– Diga o que é de uma vez! – Alexis estava
nervoso.
– O antídoto para esse veneno precisa de uma
erva que só nasce em Calidora.
– E Calidora está sob o domínio de Bianor. –
chutei uma mesinha, que quase virou.

– Calma! – o mago-médico segurou a mesa
antes que caísse.
– Mas não existe nenhuma outra forma de
eliminar o veneno? – perguntei desesperada.
– Eliminar não, mas tem uma forma de fazer
com que ela não evolua. – o mago-médico começou a
explicar – Esse veneno age como um vírus mortal. Ele
vai crescendo e crescendo até chegar aos órgãos vitais.
– E como eu faço para fazer com que isso não
evolua? Fale logo! – Alexis estava nervoso.
– Ela continuará exatamente no lugar onde ela
está, mas você precisará tomar esse remédio aqui. – o
mago-médico pegou um frasco dentro de um grande
armário – O veneno irá parar de crescer, mas sua mão
ficará impossibilitada de fazer qualquer coisa.
– O que? – Alexis deu um salto da cama.
– Pode ser que o seu braço inteiro fique imóvel,
mesmo depois de tomar esse remédio, mas isso só vai
acontecer se ficar fazendo muito esforço. – o mago-
médico parecia ter uma grande intimidade com Alexis.
– Isso não está acontecendo! – Alexis deitou na
cama e colocou a mão boa na cabeça.

– E quanto aos meus homens? – Tales
perguntou – Eles precisam lutar.
– Sugiro que se quiser proteger seus homens
que os dispense. – o mago-médico mudou seu tom de
voz deixando mais séria à conversa – Eles podem
acabar morrendo caso lutem infectados com esse vírus
disfarçado de veneno. Tome essa autorização. Pegue
alguns comprimidos, quantos precisar, na sala aos
fundos e faça com que seus homens descansem.
– Espere, se os homens de Tales não podem
lutar isso quer dizer que...
– Exatamente isso Príncipe Alexis, você
também deve ficar de repouso. – o mago-médico
deixou Alexis uma fera – Por hora isso é tudo o que
posso fazer. Essa guerra está destruindo tudo sem dó. É
uma pena que ela não possa ser evitada.
Saímos do salão médico e fomos direto para a
sala do trono. Tales voltou imediatamente para o seu
acampamento para tratar de seus soldados. Rei Céleo
ainda não sabia de nada do que havia acontecido no
porto e ficou extremamente abalado quando contamos
que a invasão na verdade era um truque para
envenenar as nossas tropas e nos deixar enfraquecido
para o confronto real.

– Mas isso é um absurdo! – Rei Céleo gritou –
Como não conseguiram reconhecer um truque tão
antigo?


– Papai, nós nunca que iríamos esperar um
golpe desses. – Alexis se defendia.
– Ele tem razão – Neandro tomava partido do
irmão – Ninguém nunca esperaria que ele usasse desse
truque.
– Mas em uma guerra devemos estar prontos
para o previsto e principalmente para o imprevisto! –
Rei Céleo estava nervoso.
– Papai, me escute...
– Eu não quero saber – Rei Céleo interrompeu
Alexis – Vocês deveriam ter feito alguma coisa!
Rei Céleo respirou fundo e se sentou. Aquele
desagradável silêncio pairou pela sala durante alguns
minutos. Aos poucos víamos o Rei Céleo se acalmar e
sua fisionomia mudar de raivoso para arrependido.

– Perdoe-me, eu não deveria ter falado assim
com vocês. – Rei Céleo voltava a ficar de pé – Toda essa
situação, esse caos, isso tudo é muito estressante para
mim.
– Claro. Eu compreendo. – disse tentando
reconfortar-lo.
– Para nós também não está sendo fácil! –
Alexis se aproximava do pai.

– Eu não queria que você tivesse que passar
por isso. Nenhum de vocês. – Rei Céleo agora estava
com um tom de culpa.
– O senhor não poderia evitar. – Neandro
abraçou o pai – Como poderia adivinhar que Bianor se
rebelaria dessa forma?

– Vocês têm algum outro plano? – Rei Céleo
estava mais calmo.
– Por hora não. – Neandro respondeu – Mas
precisamos pensar em algo.
– Mas até lá nós pensamos em dividir os
grupos. – Alexis começou a explicar – Nossa intenção
era mandar um grande número de soldados que estão
a serviço de Tales montarem guarda nas redondezas do
castelo, mas agora não será mais possível. Ainda
mandaremos os soldados, mas em menor escala.
– Vocês estão falando sério? – o Rei Céleo
perguntou assustado – Isso é loucura! É um plano
muito arriscado. Vocês precisaram de todos os
soldados que puderem agora para proteger a cidade.
Não podem fazer um desatino desses!
– Mas nós não temos muita escolha. – Neandro
tentava acalmar o pai – Temos que nos arriscar para
termos uma chance de sobreviver a isso tudo. Papai,
nós não podemos vacilar com Bianor em um só
segundo.
– Neandro tem razão. – Alexis tentava não
olhar para sua mão – Tudo o que pudermos fazer para
proteger a Capital nós faremos. Mesmo que seja
arriscado. Não é verdade Beatriz?
– Para ser honesta eu partilho da mesma
opinião que o Rei Céleo. – também não estava
satisfeita com essa decisão – Acho extremamente
arriscado. Eu não queria que as coisas tivessem que ser
assim, mas eu sou voto vencido.

– Beatriz, se pudesse ser de outra forma pode
ter certeza que faríamos – Neandro se aproximou de
mim – Mas não existe outra forma neste momento.
Precisamos demais de qualquer ajuda.
– Até quando você acha que conseguiremos
seguir dessa forma? – perguntei – Se não conseguirmos
essa erva que o mago-médico disse os homens de Tales
podem fica parados por toda guerra. Isso se não
acontecer o pior.
– Então o primeiro passo é buscarmos dessa
erva! – Alexis sugeriu como se fosse a idéia mais
incrível que existe.
– Agora você que enlouqueceu! – Neandro
falou alto – Você acha mesmo que vai conseguir chegar
até Neide? E mesma que você consiga, acha mesmo
que volta vivo de lá?
– E não voltaria por quê? – Alexis perguntou
irônico.
– Quer mesmo que eu responda? – Neandro
tentou avançar em Alexis.
– Sem brigas! – Rei Céleo ordenou.
– Mas papai, esse moleque precisa levar uns
cascudos para ver se acorda e entende a idiotice que
ele está falando. – Neandro ficou nervoso.
– Mas eu sei que eu posso. – Alexis gritou.
– Alexis, eu também não acho que você deva...
– Até você Beatriz? – Alexis me interrompeu.
– Com esse braço imobilizado você acha que
vai poder se defender? – perguntei.

– É por causa desse braço que estou querendo
ir para Neide! – Alexis falou alto.
– Se depender de mim você ficará preso até
que a guerra acabe. – Neandro gritou.
– E se ela não caminhar bem? – Alexis
perguntou – Vai deixar a única esperança de fortalecer
as nossas tropas escaparem das nossas mãos? Ou vai
esperar a guerra pegar fogo para fazer alguma coisa?
Neandro olhou para Alexis furioso, bufou e saiu
batendo a porta como um raio. Rei Céleo segurou o
impulso de ir atrás do filho e voltou a se sentar em seu
trono.

– Acho melhor vocês ficarem aqui, pelo menos
por essa noite. – Ele sugeriu.
– Tudo bem papai. Eu fico. – Alexis baixou a
cabeça.
– Eu também acho melhor. – concordei.
– Mas eu não desisti de ir até Neide. – Alexis
falou sério.
– Tudo bem meu filho. – Rei Céleo tentava não
se estressar – Vá para seu quarto e pense bem.
Amanha você diz se ainda que ou não ir para Neide.
Subimos para os nossos quartos. Neandro havia
voltado para casa sem nem se despedir. Mas eu não o
culpava. Alexis realmente não devia estar pensando
direito quando disse que iria para Neide buscar essa
erva. Onde já se viu? Correr o risco de ser capturado ou


morto? Mas em uma coisa ele tinha razão: essa era
nossa única esperança.

Fiquei no mesmo quarto em que fui
"hospedada" da primeira vez que estive aqui. Quanta
coisa mudou desde aquela época. Na primeira vez que
entrei nesse quarto foi como uma prisioneira suspeita
de ser espiã de Bianor. Agora eu sou uma das peças
mais importantes para destruir o Bianor. Quase uma
convidada ilustre.

O banheiro continuava exatamente como eu
me lembrava. A imensa banheira, o "troninho" que
achei tanta graça do primeira vez, as tolhas com
bordado de águia, a pia de porcelana; estava tudo
igual. Melhor, quase tudo. O grande espelho estava
diferente. A garota confusa e com os joelhos
machucados não estava mais lá. Agora estava uma
mulher com roupas de guerreira e com um porte
confiante e imponente. Não tinha reparado em como
eu havia mudado. Eu havia crescido. Foi a primeira vez
que havia reparado que já tinha deixado de ser uma
garota desastrada e me tornado uma mulher. E apesar
de todo o medo que via dentro dos meus olhos, eu
estava bela. Eu estava me achando bela, como nunca
havia achado em toda minha vida.

Acordei no dia seguinte como se tivesse
dormido por séculos. Meu corpo estava com uma
preguiça de se levantar. Estava tão bem ali, entre os


cobertores quentes e macios travesseiros que poderia
sentir que o mundo estava em perfeita ordem lá fora.
Mas eu sabia que não estava e que precisava levantar e
tentar por ordem em tudo.

Levantei, lavei meu rosto e olhei para o quarto
mais uma vez. Queria decorar-lo. Guardar em minha
mente qualquer diferença que pudesse notar em uma
terceira vez que aparecesse aqui.

Fui até o quarto de Alexis, mas estava vazio. Fui
a sala do trono, ver se ele e o pai estavam
conversando, mas a sala do trono também estava vazia.
Já estava começando a me preocupar. Subi novamente
para meu quarto na esperança de que Alexis estivesse
me procurando, mas meu quarto estava do mesmo
jeito que havia acabado de decorar.

– Com licença? – perguntei a uma das
faxineiras que estava passando por perto – Por acaso
você viu o Príncipe Alexis?
– O Príncipe e vossa majestade tiveram que
resolver um problema na porta do castelo. – a faxineira
respondeu assustada – Parece que é sério.
– O que será agora? – fiquei preocupada –
Muito obrigada, pode ir.

O que poderia ser tão sério que o rei em pessoa
teve que ir resolver? Não estava gostando nada dessa
história. E que loucos. Todos os dois. E se for uma
armadilha? Onde estão os soldados que deveriam estar
resolvendo essa questão? Quem foi mesmo que disse


que nada está tão ruim que não possa piorar? Ah, sim,

o maldito conceito da Lei de Murphy.
Cheguei ao local e tive um grande susto. Vários
soldados estavam caídos no chão e várias pessoas
estavam assustadas com sabe lá o quê que estivesse no
portão.

Aproximei-me um pouco mais e vi Alexis e o Rei
Céleo conversando com alguém. Fui para mais perto
deles e consegui ver o rosto da pessoa que estava
causando tanto tumulto.

– Você?!

CAPÍTULO 4 / AMADEUS


E
E
u havia visto aquele rosto apenas uma vez, mas já era

o suficiente para gravar-lo para o resto da vida.
Aqueles cabelos loiros, os olhos esverdeados e o porte
de nobreza faziam dele uma pessoa única. Ainda usava
um brinco na orelha, mas já havia abandonado a velha
e gasta armadura dourada que o vi usando da primeira
vez.

– Você conhece esse jovem? – Rei Céleo
perguntou.
– Não exatamente. – falei aproximando-me do
rapaz – Nós nos conhecemos na época em que fui
presa em Calidora com o Nicardo. Ele não é uma
pessoa ruim. Deixem que entre.
– Tem certeza? – Alexis perguntou desconfiado.
– Acho que sim. – minha resposta não o
agradou.
Rei Céleo fez um sinal com a mão permitindo
que o jovem entrasse. O que ele queria? Como esse
rapaz havia me encontrado? Eu não me lembrava das
coisas que conversamos, mas tinha quase certeza de
que não havia dito nada que o fizesse chegar até aqui.
Mas isso agora não importava.

Fomos para a sala do trono e Alexis trancou a
porta. Pelo visto ele estava mesmo interessado em
saber quem era o jovem loiro. E para falar a verdade,
eu também.


– Então, jovem, qual o seu nome? – Rei Céleo
perguntou.
– Da última vez que nos falamos eu fique lhe
devendo isso. – o jovem se direcionou a mim, o que fez
parecer uma afronta ao Rei Céleo.
– Meu nome é Amadeus Abnara Policarpo
Laerte de Calidora, príncipe e herdeiro do reino de
Calidora. Ou pelo menos era.
– O que?! – Alexis gritou.
– Isso é sério? – perguntei.
– Mas é óbvio que não! – Alexis já começava a
se irritar – O que quer aqui? No mínimo deve ser um
espião...
– Essa história de novo não Alexis! – já fui
cortando logo o assunto – Eu estive com ele nas
masmorras. Ele é tão vitima quanto nós. É tão difícil
assim acreditar nos outros?
– Não! – Alexis falou em um tom seguro – Mas
a história dele é absurda.
– Por quê? – perguntei.
– Amadeus está morto há anos. – Alexis fitou
com ódio o rapaz – Há 19 anos para ser mais exato.
– O que? – estranhei.
– Espere. – Rei Céleo não parecia bem – Deixe-
me olhar para você.
– Papai, você não está acreditando nesse...
– Quieto! – Rei Céleo falou tão alto que chegou
a fazer eco – Como não reparei antes?
– Papai...

– Já disse para ficar quieto Alexis! – o Rei Céleo
falou mais baixo desta vez.
– O que está havendo? – sussurrei enquanto
via o Rei Céleo analisar com cuidado o rosto do jovem
que se dizia príncipe de Calidora.
– Papai e o Rei Hiero, antigo rei de Calidora,
eram muito amigos. – Alexis também sussurrou – Eu
tinha apenas dois anos, mas me lembro que papai ficou
arrasado quando ele morreu e mais arrasado ainda
quando o verdadeiro Amadeus morreu.
– Você é a cara de seu falecido pai, Hiero. – Rei
Céleo estava emocionado – Mas seus olhos são da sua
mãe, a Rainha Evelyn. Olhos verdes.
– Papai! – Alexis reclamou, mas o pai o ignorou.
– Eu me lembro muito bem da música – Rei
Céleo começou a contar suas lembranças – foi o baile
mais bonito que Calidora já viu. O tão esperado
herdeiro estava para nascer.
– Do que você está falando? – Alexis tentou,
mas uma vez, interromper o pai.
– Eu me lembro como se fosse hoje. – Rei Céleo
continuou falando – Calidora inteira estava em festa.
Sua família estava em uma felicidade enorme, mas nem
de longe chegava perto da felicidade indescritível que
seu pai, Rei Hiero, estava.
– Papai, o Rei Hiero deve estar se retorcendo
no túmulo! – Alexis falou alto.
– Ele parecia finalmente ter começado a viver.
– Rei Céleo estava com o olhar longe – Ninguém

desejou tanto um filho quanto seu pai te desejou. Ele
estava realmente no paraíso. Mas então aconteceu...

– O que aconteceu? – sussurrei para Alexis.
– O início das tragédias aconteceu quando
Hiero descobriu que estava com uma rara doença. –
Rei Céleo continuou a história – Ele sofreu muito,
principalmente quando soube que poderia não ter a
oportunidade de conhecer o seu filho. Eu fui
testemunha de como um homem pode entrar em dois
extremos tão repentinamente quanto um raio.
– Papai... – Alexis já estava começando a me
incomodar.
– O seu reino também sofreu com isso. – Rei
Céleo continuava ignorando Alexis – Enquanto Hiero
estava em extrema alegria seu reino estava em paz,
feliz, prosperando e compartilhando dessa felicidade
tão grande. Mas quando ele descobriu sua doença e
entrou no extremo da tristeza... Não foi nada bonito
ver Calidora cair em depressão. O reino inteiro sentiu
pela doença do rei e passaram tempos de muita
infelicidade e dor.
Rei Céleo parou por alguns minutos. Seus olhos
estavam cheios de lágrimas. Ele respirou fundo e
tentou se recuperar da emoção, mas não teve muito
sucesso e acabou ignorando as gotas de lágrima que
insistiam em cair.

– Quando Hiero faleceu, isso eu me lembro
como se fosse hoje, o reino entrou em desespero. – Rei
Céleo conseguiu falar – Na época Calidora e a Capital

estavam fazendo grandes negócios. Lucrativos
negócios. Nós também sentimos a morte de Hiero e
entramos em luto junto a Calidora.

– Eu me lembro desse fato! – Alexis mudou o
disco, mas foi novamente ignorado.
– Talvez o único erro de seu pai fosse o de ter
confiado o trono ao Circeu, o conselheiro real. Circeu
nunca me inspirou confiança. Não acredito que ele lhe
devolveria o trono quando completasse a maior idade.
– Rei Céleo estava mais calmo – Sabia que aquela não
era a escolha mais prudente, acabei deixando que ele
cometesse essa loucura.
– Papai...
– Poucas semanas depois você nasceu. Ou
melhor, você morreu. – Rei Céleo parecia não notar
Alexis.
– Isso se ele realmente for o Amadeus...
– Alexis! – eu disse em um tom repreensivo.
– Sua mãe ficou arrasada com a morte de seu
pai. – Rei Céleo continuou – A única coisa que a
mantinha de pé era você. Acho que você era a única
força que a sustentava. Foi muito doloroso para ela
perder você também. Foi muito difícil para ela suportar
tudo sozinha.
– Papai, já chaga! – Alexis falou bem alto.
– Alexis, o que é isso? – perguntei nervosa.
– Papai este sujeito não é Amadeus! – Alexis
ficou frente a frente com o pai – Pare de agir como se

ele fosse. O senhor não vê os absurdos que está
dizendo.

– Absurdos que eu vejo estão saindo de você! –
ele finalmente deu atenção ao filho – Não sabe o que
diz. Ele é Amadeus Abnara Policarpo Laerte de Calidora,

o príncipe e herdeiro do reino de Calidora. – Rei Céleo
se afastou do filho – Neste momento era para ele estar
sendo coroado rei.
– Não! – Alexis gritou – O senhor está muito
equivocado.
– Alexis, por favor, não faça confusão. – pedi.
– Eu não estou fazendo confusão – Alexis
continuou fitando o pai – Eu apenas quero fazer meu
pai acordar.
– Eu não posso te obrigar a acreditar em mim –

o suposto Amadeus resolveu se defender – sua opinião
não irá mudar em nada o fato de que eu sou Amadeus
Abnara Policarpo Laerte de Calidora.
– Você disse o que? – Alexis se estressou.
– Alexis, você estava pedindo isso. – tentei
levar no humor.
– Beatriz, você também está do lado desse...
– Olha, não vá dizer besteiras! – coloquei o
dedo indicador na frente da boca.
Alexis olhou pra mim, para o Rei Céleo e para
Amadeus. Ele fez um sinal negativo com a cabeça olhou
para cima e bufou. Estava com saudades disso. – Tudo
bem – ele deu um sorriso claramente falso – eu irei lhe
dar o beneficio da dúvida. Explique-se.


– Explicar o que? – Amadeus fitou Alexis.
– Não se faça de sonso! – Alexis gritou – Você
sabe muito bem o que eu estou pedindo.

– Alexis! – o segurei – Acredito que ele queira
que você conte como sobreviveu. Certo?
– Se é apenas isso... – Amadeus e Alexis
trocaram mais olhares ameaçadores – Não sei contar
como, mas a mulher que me criou e que por muito
tempo acreditei que fosse minha mãe me roubou no
dia que nasci.
– Já começa dando furo? – Alexis provocou.
– Deixe-o falar! – Rei Céleo repreendeu o filho.
– Como estava contando – Amadeus
novamente provocou Alexis com o olhar – Fui criado
por uma mãe adotiva e só vim descobrir isso poucos
meses antes de completar 18 anos. Fui descoberto por
Hiero, que junto com Bianor, acabou descobrindo
quem eu era de verdade. Hiero ficou furioso e mandou
prender minha mãe adotiva. Não sei o que aconteceu a
ela, mas acredito que não deva ter sido nada de bom.
– Imagino. – Rei Céleo estava prestando
atenção em cada palavra.
– Fui preso, mas fugi usando uma armadura
velha como disfarce. – Amadeus sorriu – Acabei sendo
preso outra vez. Foi engraçado.
– Desde quando ser preso é engraçado? –
Alexis provocou – Você realmente não deve bater bem
da cabeça.

– Alexis... – desta vez eu que o repreendi.

– Eu achei engraçado devido às circunstâncias
em que fui pego. – Amadeus sorriu de novo – Estava
andando pelos corredores do castelo e acabei entrando
em um quarto. Um quarto que deveria estar sendo
vigiado, mas aparentemente não estava.
– E isso é engraçado? – Alexis debochou.
– Não – Amadeus continuava sorrindo – O
engraçado foi pegar Hiero sentado em um trono...
especial, se é que me entendem.
Todos nós rimos neste momento. Alexis tentou
segurar, mas acabou dando uma gargalhada leve,
quase imperceptível. O Rei Céleo sorriu discretamente,
mas soltou algumas rápidas risadas. Só eu e o Amadeus
que estávamos as gargalhadas altas.

– Isso é humilhante! – Alexis resolveu tirar a
graça da história.
– Isso é engraçado sim! – rebati.
– Continue. – Rei Céleo resolveu encerrar o
assunto.
– Eu acabei ficando, contando com os dias
antes da fuga, um ano preso. – Amadeus prosseguiu –
Foi então que a encontrei. Beatriz, certo?
– Sim. – respondi.
– Ela estava acompanhada de um rapaz
simpático. Onde está aquele rapaz? Se não me engano
ele era seu namorado? – Amadeus estava começando a
perder a noção do perigo.

– Disse muito bem – Alexis falou alto – era
namorado dela. Agora não é mais. Eu estou com ela e
ficarei para o resto da vida.
– Que destino horrível você foi arranjar! –
Amadeus provocou.

– Ora seu... – segurei Alexis antes que ele
fizesse uma loucura.
– Calma Alexis – dei um rápido beijo nele – Eu
bem que reparei na sua postura. Você parecia mesmo
agir como um príncipe.
– Minha mãe adotiva me ensinou tudo. –
Amadeus deu um sorriso melancólico – Acho que ela
tinha esperanças de que eu conseguisse tomar o lugar
que é meu de direito. Ela me ensinou até alguns
truques de magia.

– Magia? – Alexis gritou.
– Claro que se eu tivesse sido treinado por
magos da realeza eu estaria em um nível mais
avançado – Amadeus resolveu ignorar Alexis.
– Então é por isso que... burro! – Alexis deu um
tapa na cabeça – Eu não reparei nisso. Você usou magia
para fazer os homens adormecerem?
– Óbvio... que não. – Amadeus brincou – Aquilo
são apenas truques de combate e defesa.
– E como você chegou até aqui? – perguntei.
– Seguindo o seu rastro. – Amadeus foi direto –
Eu senti que deveria te encontrar e fui atrás de você.
Eu posso sentir onde as pessoas estão.
– Sentir? Tipo, farejar? – perguntei.

– Não. – ele achou graça – Isso é para lobos. Eu
apenas sinto a presença dentro de minha mente. Eu
vejo o caminho até ela na minha cabeça e sigo.
– Que estranho. – Alexis zombou.
– Depois eu fiquei sabendo que você era a
Mallory e resolvi ficar ao seu lado. – Amadeus se
aproximou de mim.
– Tira a mão! – Alexis entrou na minha frente –
Pode parar com esses olhos de urubu porque Beatriz
não é carniça.

– Alexis! – briguei – Pare!
– Não se preocupe. Eu não ligo – Amadeus
sorriu – mas se isso te tranquiliza, eu quero apenas
ajudar nas batalhas.
– Você está louco? – Alexis gritou – Mas nem
pensar!
– Por que não? – perguntei – Alexis, nós
precisamos de toda a ajuda que conseguirmos.
– Mas quem disse que ele vai nos ajudar? –
Alexis ficou irritado – Não confio nele.

– Alexis! – Rei Céleo falou alto.
– Mas eu confio. – disse me afastando um
pouco de Alexis – E gostaria muito que ele ajudasse.
– Mesmo contra minha vontade? – Alexis
perguntou em um tom de ameaça.
– Claro! – fui firme – Se isso for para ajudar a
salvar Ofir.
– E também concordo com Beatriz. – Rei Céleo
se aproximou – Ele é visivelmente um jovem forte.

Percebe-se de longe que ele sabe lutar e ainda tem
alguns conhecimentos de magia.

– Isso eu ainda tenho minhas dúvidas. – Alexis
bufou.
– Mas, desta vez, você é voto vencido! – falei
com gosto – Amadeus, pode ficar com a gente. Você
será muito bem recebido por todos, não tenho dúvida!
– Desisto! – Alexis bufou mais uma vez – Mas
depois não venham chorando dizendo que ninguém
avisou nada.
– Alexis, escreva o que eu digo e não tome isso
de forma negativa – Amadeus sorriu – você ainda vai
me pedir desculpas. Pode ter certeza.
– Mas era só o que me faltava!
De repente, um barulho de explosão invade
todo o castelo. Apesar de o som ter sido muito alto,
não parecia estar vindo de dentro do castelo.

– Majestade! – um guarda entra desesperado –
Estão invadindo a cidade!

CAPÍTULO 5 / EXPLOSÕES


J
J
á estava começando a ficar com raiva de não poder ter

mais um segundo de sossego. Qual era a intenção de
Bianor? Nós deixar loucos? Se for ele está conseguindo.
Essa guerra estava ficando cada vez mais complicada.

– Nós temos que verificar isso imediatamente!
– Alexis não pensou duas vezes.
– Sim, vão e tomem cuidado. – Rei Céleo
parecia ficar muito triste por não poder ajudar nas
batalhas.
– Eu vou também! – Amadeus se prontificou a
nos ajudar.
– Mas não vai mesmo! – Alexis começou a
implicar.
– Alexis, achei que já tínhamos resolvido isso. –
falei irritada.

– Não resolvemos não! – Alexis gritou – Você e
meu pai decidiram isso, mas os outros do grupo nem
sabem da existência dessa pessoinha. Se for para ser
justo...
– Que justo? Justo o que? – perguntei – Por
favor, Alexis...
– Eu não quero! – Alexis bateu o pé feito
criança.
– Alexis cresça! – briguei.
– Isso não é questão de ser ou não ser infantil –
Alexis tentou se defender – a questão aqui é confiar ou
não nele.


– Mas eu confio, Rei Céleo confia – estava
ficando irritada de verdade – só você que parece não
confiar.
– E não confio mesmo! – Alexis quase gritou.
– Pra que toda essa implicância? – perguntei –
Custa deixar-lo participar da ação?

– Custa! – Alexis gritou – Ele pode nos
atrapalhar. E ainda tem a chance dele ser um...
– Espião de Bianor? – adivinhei – Faça-me o
favor Alexis de calar essa sua boca e deixar o Amadeus
ir conosco!
– Ele não é o Amadeus! – Alexis continuou
gritando.
– Ele sendo ou não o Amadeus não me importa
– também gritei – ele quer ajudar e ele vai ajudar!
– Se você está tão a fim de proteger esse
"inho", que fique com ele. – Alexis virou o rosto – Mas
também não venha me procurar.
– Você está terminando comigo? – perguntei.
– Estou! – Alexis não olhou para mim.
– Ótimo! – bufei – Se você quer assim!
– Ótimo pra mim também – Alexis continuou
sem olhar pra mim – É exatamente assim que eu quero.
– Então vai ser assim! – virei o rosto para ele
também – Ótimo!
– Ótimo mesmo! – Alexis ficou emburrado.
– Digo mais – retruquei – É mais que ótimo. É
ótimo, ótimo, ótimo.

– Então... arg... Que seja, pra mim está ótimo! –
Alexis voltou a me fitar no mesmo instante em que eu
voltei a olhar pra ele.

– Eu te odeio! – gritei.
– E eu te odeio mais! – Alexis rebateu.
– Mas eu te odeio o dobro do que você me
odeia! – continuei gritando.
– É eu te odeio o triplo desse dobro! – Alexis
falou alto.
– E eu te odeio o...
– Desculpe – Amadeus interrompeu – Vocês
poderiam decidir quem se odeia mais depois? Acho que
agora temos algo mais importante para fazer!
– Minha nossa, as explosões! – gritei.
– É tudo culpa sua! – Alexis alfinetou.
– Minha? – perguntei.
– Sua sim! – Alexis insistiu.
– Quem estava barrando a inda de Amadeus a
ação? – dei minha alfinetada.
Ficamos nessa discussão durante todo o
caminho até a cidade. Amadeus foi conosco e acredito
ter tentado ignorar a nossa infantilidade. Se eu me
visse fazendo isso teria vergonha de mim mesma. Uma
guerra acontecendo e eu brigando com o Alexis para
saber quem começou com o que. Acho que foi uma
péssima segunda impressão pro Amadeus.

Chegamos à cidade e não encontramos nada.
As explosões pareciam ter acabado e não tinha
ninguém invadindo a cidade. Se não fosse os rastros


das explosões poderíamos pensar que não aconteceu
nada por aqui, que foi apenas um engano.

As casas não foram completamente destruídas.
As poucas que foram atingidas havia perdido apenas
uma parte do telhado, mas nada que não pudesse ser
reparado rapidamente. Os danos maiores estavam nos
estabelecimentos. Toda mercadoria estava perdida e
muitos dos estabelecimentos estavam em ruínas.

– Não! – Alexis sussurrou – Isso não podia ter
acontecido!
– Mas o que foi que passou por aqui? –
perguntei a mim mesma.

– Moça? – Amadeus foi mais rápido que eu e
Alexis – A senhorita estava por aqui quando tudo
aconteceu certo?
– Foi horrível! – a moça tapava os olhos com as
mãos – Foi tudo horrível.
– Será que poderia nos contar o que
aconteceu? – perguntei.
– É muito importante! – Alexis ajudava a moça
a se levantar.
– Foi tudo muito horrível! – a moça não tirava
as mãos dos olhos.
– Sim, você já disse isso. – Alexis falou baixo.
– Alexis! – dei um beliscão no bumbum dele –
Deixe a moça se recompor.

– Desculpem-me – a moça começava a se
acalmar – É que foi tudo muito horrível mesmo.

– Mas a senhorita consegue se lembrar de
algo? – Amadeus perguntou calmo – Como começou? A
senhorita viu?
– Eu... – a moça respirou fundo – Sim, eu vi. Foi
horrível.
Alexis bufou e virou os olhos para cima. Eu,
novamente, dei um beliscão no bumbum dele, que
revidou com um tapa leve na minha mão. Olhando
assim nem parecíamos recém ex-namorados.

– Você poderia tentar se lembrar de algo além
do horrível? – Alexis tentou não ser rude, mas foi.
– Não estrague as coisas! – sussurrei no ouvido
de Alexis.
– Mas nós não temos tempo a perder! – Alexis
sussurrou de volta.
– Nós temos tempo sim! – Amadeus o
enfrentou – O pior parece já ter passado.
– Disse bem – Alexis rebateu furioso – parece.
– Não enche! – Amadeus fez sinal de desdém e
voltou a aparar a moça.
– Ele disse o que? – Alexis se enfureceu.
– Calma Alexis – já fui segurando-o.
– Você acredita mesmo que é um príncipe –
Alexis tentou se acalmar – Pois bem, prove e porte-se
como um príncipe. Você está agindo feito um vândalo.

– Você é um príncipe legitimo certo? –
Amadeus encarou Alexis.

– É evidente que sim! – Alexis encheu o peito
mostrando superioridade. – Pois então você já tem

provas o suficiente de que estou me portando como
um príncipe, pois não fiz nada de diferente do que você
vem fazendo desde que nós conhecemos.

– Mas que atrevido! – Alexis falou alto.
– Do nada. – a moça começou a reagir – Do
nada.
– Do nada o que? – perguntei carinhosamente.
– Do nada. – ela voltou a repetir.
– Ótimo – Alexis bufou – pelo menos ela
mudou de página. Já tava cansado do "foi terrível".
– Alexis! – dei um tapa em seu ombro.
– Mas é verdade! – Alexis passou a mão no
ombro estapeado.
– Moça, por favor, tente se lembrar. –
perguntei com cuidado.

– Eu estava andando – a moça parecia estar
começando a se recompor – estava indo até o
mercado. Eu precisava comprar frutas. Frutas para os
meus irmãos. Esse tem sido tempos difíceis para todos
nós.
– Sim, mas chegue ao ponto. – Alexis
novamente foi rude. Olhei com cara feia para ele.
– Continue. – disse segurando a mão da moça.
– Eu entrei no mercado, quando... quando...
– Quando o que? – Alexis foi mais gentil desta
vez.
– Não! – a moça começou a gritar – Por favor,
não me machuque! Não me machuque!

– O que estava tentando te machucar? –
Amadeus perguntou.

– O monstro – a moça estava desesperada –
Um monstro horrendo.

– Um monstro? – perguntei – Como era esse
monstro? Você pode nós contar? Você consegue?
– Era horrendo! – a moça tapava os olhos – Era
muito horrendo. E aquele olhos. Oh, o que eram
aqueles olhos. Eles gritavam. Gritavam de horror. Suas
cabeças lutavam pelo controle do corpo e os olhos
gritavam. Eles gritavam.
– Cabeças? – Amadeus ficou preocupado.
– Eram cabeças de que? – perguntei.
– Eram cabeças de homens. – ela sussurrou –
Cabeças de homens em um corpo de dragão. Mas os
olhos não. Os olhos eram diferentes. Os olhos gritavam.
Eles gritavam. Eles gritavam.

– Mas como isso começou? – perguntei.
– Do chão. – a moça continuava com os
tapados – Ele abriu um buraco do chão e veio subindo
e subindo soltando fogo pele nariz. Seus gritos
pareciam explosões. Grandes explosões.
– E o que aconteceu com esse monstro? –
Amadeus perguntou.

– Não! – a moça destapou os olhos. Estavam
arregalados de forma quase inumana – Eu não vi nada.
Eu não sei de nada. Se eu souber de alguma coisa ele
vai vir me pegar. Ele me pega. Ele me pega!

– Ele não vai te pegar – tentei tranquilizar a
moça – Nós protegeremos você.
– Não. – a moça continuava com os olhos
arregalados – Você não podem me proteger. Ninguém
pode me proteger. Apenas eu posso me proteger. Ele
só vai vir me pegar se eu contar. Se eu não contar ele
não vem. Eu só estarei a salvo quando ele vier
novamente se eu não contar.
– Vier novamente? – Alexis falou alto – Ele vai
atacar novamente a cidade?
– Não! – a mulher gritou desesperada – Eu não
falei. Eu não falei. Eu não falei.
– Calma moça! – tentei segurar-la, mas ela se
debatia demais.
– Eu não falei nada. – ela continuava gritando –
Eu não falei nada.
– Moça espere! – Amadeus tentou segurar a
moça, mas ela conseguiu escapar.
A moça correu pela cidade feito louca. Ela
continuava gritando e parecia completamente
desgovernada. Corremos atrás dela. A moça correu até

o porto.
O porto não era assim tão longe da cidade, mas
de qualquer forma era um bom caminho. Tentamos
segurar-la e quase conseguimos algumas vezes, mas ela
parecia completamente fora de si e continuava
correndo. Ela correu e correu e nem viu que foi em
direção ao mar. Ela se atirou de tal forma que não
conseguimos imaginar-la sobrevivendo aquilo, mas


Alexis e Amadeus pularam na água de qualquer forma.
Não encontraram nada.

– Que coisa horrível! – eu estava chorando.
– Mas de onde saiu um monstro tão horrível
assim a ponto de enlouquecer uma pessoa até a
morte? – Amadeus também parecia triste.
– Eu não sei – Alexis ficou sério – mas ele
precisa ser destruído o quanto antes!
– Nisso eu sou obrigado a concordar com você.
– Amadeus também ficou sério.
– Eu só espero que isso não tenha acontecido
com mais ninguém. – respirei fundo.
Voltamos para a cidade e encontramos
Neandro e Nicardo. Eles estavam tão confusos quanto
nós quando chegamos para averiguar o que havia
acontecido por ali. E pela cara que eles fizeram quando
nos viram provavelmente já desconfiavam de que viria
bomba pela frente.

– O que aconteceu? – Neandro perguntou
assustado.
– É uma longa história. – Alexis respondeu –
Vamos para o castelo e no caminho eu te conto.

– E esse amigo de vocês? – Nicardo perguntou
fitando Amadeus.
– Ah, esse? – Alexis respondeu em um tom
híspido – Esse é uma história mais longa ainda.
– Nicardo, você fica aqui e vigia a cidade, tudo
bem? – Neandro sugeriu.

– Tudo bem. – Nicardo não pareceu gostar
tanto assim da idéia.
– Agora conte o que aconteceu. – Neandro
apressou o assunto.
– Ao que tudo indica, um novo monstro surgiu.
– contei – Falamos com uma moça e ela contou,
completamente atordoada, que o monstro saiu do
chão e que tinha duas cabeças humanas grudadas em
um corpo de dragão.
– Cabeças humanas? – Neandro estranhou.
– Foi o que eu pensei. – Amadeus entrou na
conversa – Não acham muito estranho um monstro
com cabeças humanas?
– Isso só seria possível se houvesse alguma
experiência de metamorfose – Neandro cogitou a
hipótese – mas esse tipo de experiência e proibido!
– E desde quando Bianor liga para o que é ou
não é proibido? – Amadeus lembrou muito bem.
– Mas para que ele faria algo tão terrível? –
Neandro perguntava mais para si próprio.

– Castigo talvez? – Amadeus sugeriu – Alguns
pobres inocentes que acabaram na linha de fúria de
Bianor.
– Mas teve outra coisa estranha nessa história.
– lembrei – A moça mencionou varias vezes sobre os
olhos do monstro. Olhos que gritavam.
– Olhos que gritavam? – Neandro se assustou –
Isso é realmente muito estranho.


– Ela pareceu ficar muito traumatizada com
esses olhos. – continuei contando – E ainda disse que o
monstro irá voltar.
– Como? – Neandro se apavorou – E onde está
essa mulher? Precisamos falar com ela imediatamente!
Nós precisamos de mais informações para...
– Não vai dar! – encurtei a conversa – Ela ficou
tão amedrontada por ter nos contado isso que saiu
desesperada em direção ao porto e se jogou ao mar.
– Eu e esse ao meu lado até tentamos ajudar –
Alexis não parava de implicar – mas o corpo da moça
desapareceu.

– Desapareceu? – Neandro ficou chocado –
Essa guerra está indo mais longe do que eu gostaria.
– Eu também não estou gostando nada do
rumo que essa guerra está tomando. – tentei consolar
Neandro.
– Ninguém está gostando. – Alexis concordou.
– Eu não sei se estou preparada para enfrentar
o que está por vir. – confessei.
– Mas é melhor que fiquem preparados –
Amadeus colocou a mão no ombro de Neandro – essa
guerra ainda nem começou.

– Infelizmente eu sei disso! – Neandro baixou a
cabeça.
– Então não fique com essa cabeça baixa e
vamos juntos enfrentar o que vier! – Amadeus animou
o grupo.

– Você está certo! Não devemos fugir. –
Neandro ergueu a cabeça e fitou Amadeus – Mas, com
perdão da indelicadeza, que é você?


CAPÍTULO 6 / MEDOS


A


madeus contou toda a sua história a Neandro. Alexis Fe
questão de ressaltar os pontos que ele achava
absurdos ou fictícios. Mas Neandro não pareceu se
deixar levar por Alexis. Ele parecia estar tão convencido
de que Amadeus era quem dizia ser quanto seu pai.
Claro, Alexis ficou furioso.

– Eu achei que você teria um pouco mais de
juízo! – ele gritou.
– Eu não entendo o motivo de você não
conseguir acreditar nessa história. – Neandro parecia
tentar achar traços familiares em Amadeus.
– Você quer que eu liste? – Alexis debochou –
Mas vou logo avisando que a lista é grande.

– Alexis! – falei alto – Será que, por apenas um
minuto, você não poderia ficar calado?
– Vocês estão brigando de novo? – Neandro
sorriu.
– Estamos! – Alexis ficou emburrado.
– Como é bom ver isso – Neandro achou graça.
– Bom? – Alexis e eu gritamos juntos.
– Claro. – Neandro sorriu debochado – É o
único vestígio dos bons tempos de paz e tranquilidade
de Ofir. Fora que eu sei que isso é passageiro. Aposto
como um está louco para correr pros braços do outro.
Fechei a cara para Neandro e Alexis fez o
mesmo. Não gostei do comentário e sabia exatamente

o motivo. Era a mais pura verdade. Eu não via a hora de

Alexis me pedir desculpa para eu poder voltar para os
braços dele. Por que mesmo às vezes sou tão
orgulhosa? E eu tinha que me apaixonar por um rapaz
tão orgulhoso quanto eu.

Amadeus e Neandro continuaram conversando
e nos ignoraram. Eu não os culpo. Alexis e eu ainda
estávamos discutindo. Uma discussão chata e sem
fundamentos que só estávamos sustentado ainda por
ser uma forma de chamar atenção do um do outro.
Apesar de me enxergar agora como uma mulher, ainda
tinha sentimentos de uma adolescente insegura e
orgulhosa. Mas às vezes esse orgulho e quebrado por
um sentimento maior.

Chegamos ao castelo e fomos correndo contar
as novidades ao Rei Céleo. As más novidades.

– E então? – Rei Céleo perguntou – O que
houve?
– As noticias não são nada boas papai. – Alexis
já foi preparando o terreno.
– Parece que surgiu um novo monstro. –
comecei a contar – Quando chegamos à cidade ele já
havia sumido, mas conversamos com um moça que viu
tudo o que aconteceu.

– Ela contou que o monstro tinha duas cabeças
humanas presas em um corpo de dragão. – Amadeus
contou – E acreditamos que Bianor possa estar fazendo
experiências usando humanos como cobaia.
Provavelmente algum tipo de castigo ou coisa parecida.

– Mas Bianor está indo longe demais! – Rei
Céleo se apavorou.
– A moça também mencionou sobre os olhos
da criatura. – Amadeus lembrou – Ela dizia que os olhos
gritavam.
– Olhos que gritam? – Rei Céleo se perguntou –
O que isso quer dizer?

– Nós também não sabemos. – Neandro
respondeu.
– E a moça ainda contou que esse monstro
voltaria. – contei o fato mais importante – Logo em
seguida a moça saiu correndo, completamente fora de
si, e se jogou ao mar desaparecendo sem deixar
rastros.
– Que coisa horrível! – Rei Céleo lamentou.
– Bianor está tentando de todas as formas nos
enfraquecer. – Neandro controlava a raiva – Ele já fez
nossos homens se cansarei e ficarem imobilizados e
agora destruiu todas as lojas da cidade.
– Vocês não haviam me contado esse fato. –
Rei Céleo se assustou – Precisamos fazer alguma coisa
e rápido.

– Papai – Neandro o segurou – Neste momento
não há muita coisa a se fazer além de se preparar e
ficar atento. Deixei Nicardo de vigia na cidade e
Thalassa em minha casa. Tales está no porto e nós
iremos ficar pelo castelo.

– Eu me sinto tão impotente em não poder
ajudar. – Rei Céleo estava realmente perturbado com
isso.
– O senhor não foi treinado para as batalhas. –
Neandro consolou o pai – Na sua época Ofir estava em
perfeita harmonia, não havia motivos de preparar um
rei para batalhas desse porte. Vovô era muito sábio,
mas não tinha noção de que o senhor viveria uma
guerra.

– Eu os preparei melhor por precaução. – Rei
Céleo sentou-se em seu trono – Mas eu deveria lutar.
Sim, é isso que irei fazer! Vou me juntar a vocês.
– Não papai! – Neandro o parou – O senhor
precisa ficar aqui. Não deixarei que o senhor se
arrisque desta forma.
– Mas filho...
– Não papai! – Alexis entrou na conversa – O
Neandro tem razão. O senhor precisa ficar aqui.
– E a mamãe? – Neandro perguntou – O senhor
precisa ficar aqui. Acredite; o senhor já está ajudando.
– Por falar na Rainha Alina, como ela está? –
perguntei.

– Ela continua um pouco fraca, mas já está bem
melhor. – Rei Céleo respondeu – Às vezes ela fala
algumas coisas, mas logo volta a dormir.
Eu me sentia péssima toda vez que me
lembrava da Rainha Alina. Ela me ajudou tantas vezes,
em tantas situações e agora eu nem conseguia visitar-la


direito. Essa guerra estava tomando o tempo de todos
nós.

Subi até o quarto onde ela estava. Ela dormia
profundamente. Era triste ver-la naquela situação.
Queria tanto fazer alguma coisa para ajudar-la.

– Rainha Alina, não demore muito para
acordar! – sussurrei no ouvido dela.
Sai do quarto e quase tropecei em um dos
soldados que estava vigiando o quarto. Com a rainha
inconsciente, qualquer proteção era pouca.

Fui até o quarto de Alexis. Era um quarto digno
de um príncipe. Provavelmente a casa onde morava
devia ser menor que o quarto dele. Sua cama dava para
quatro pessoas dormirem sem problemas. Cinco se
deixasse um pouquinho mais apertado. Acho que me
perderia durante a noite se dormisse em um quarto tão
grande assim.

As paredes eram todas brancas com vários
detalhes em ouro. Eram longos e grossos fios de ouro
que se fantasiavam de pilastras na parede e fazia quase
uma cascata quando chegava ao teto.

O teto havia, além do exageradamente grande
e dourado lustre, uma pintura imensa de um céu com
vários anjos e querubins e todas as outras espécies que
existem. Era uma pintura belíssima e deveria ter
demorados meses – talvez até anos – para ser
terminada.


Havia também um grande espelho com mais
anjos esculpidos em ouro fazendo a moldura e mais
abaixo havia uma lareira branca e com mais detalhes
dourados.

Candelabros eram coisas que não faltavam no
quarto. Estavam espalhados por todos os cantos – mas
para iluminar um quarto daquele tamanho, acho que
tinha o suficiente.

O guarda roupa era embutido na parede, com
suas portas revestidas em ouro e uma grande cortina
de cor vinho tapando a entrada.

No chão havia um tapete tão belo quanto
grande. Havia uma cadeira solitária em um canto do
quarto e algumas outras coisas que não reconheci.

Parei de reparar no quarto quando me dei
conta de que jamais conseguiria listar tudo o que havia
ali sem que me perdesse. Era um quarto realmente
belo, mas um pouco exagerado.

– Beatriz? – Alexis se assustou – O que está
fazendo aqui?
– Eu? – fiquei sem ação – Bem, eu estava...
como posso dizer? Eu estava... O que você está fazendo
aqui?
– É o meu quarto! – ele falou o óbvio.
– Claro, seu quarto. – virei os olhos – E agora
você fica no seu quarto? Você não tem vergonha não?
– De ficar no meu quarto? – ele estranhou –
Beatriz você está bem?


– Alexis me abraça – corri desesperada para os
braços dele.
– O que foi? – ele me abraçou forte.
– Estou tão assustada com tudo o que está
acontecendo. – desabafei – Eu não sei se vou conseguir
aguentar essa pressão. Eu preferia não saber que o
destino de Ofir depende de mim.
– Calma Beatriz. – Alexis beijou minha testa –
Calam. Eu estou aqui.

– Eu tenho tanto medo de falhar, decepcionar
este mundo.
– Fique calma Beatriz. – ele continuava me
abraçando.
– E se eu falhar? – comecei a chorar.
– Você não ira falhar. – Alexis segurou minha
mão – Pode ter certeza que não irá.
– Como pode ter certeza? – perguntei ainda
chorando.
– Eu estou com você. – ele sorriu – O Neandro
está com você, a Thalassa, o Tales, o carinha de pedra.
– Carinha de pedra? – achei graça.
– Muito bem. – ele me beijo.
– Alexis, me desculpe por hoje mais cedo. –
encostei minha cabeça em seu peito – Você sabe que
eu quero você ao meu lado para sempre.

– Eu também te quero ao meu lado pro resto
da vida. – ele sorriu – Você nasceu para mim, assim
como eu só existo pra você.

– Sabe que agora eu estou me achando ridícula.
– sorri.
– Ridícula? – ele estranhou.
– Sim – continuei achando graça – tudo o que
eu disse foi tão infantil quanto a sua atitude de implicar
com Amadeus.
– Esse assunto de novo? – ele olhou torto.
– Tudo bem, parei! – bati na boca – Não falo
mais neste assunto.
– Mas você tem razão – ele sorriu – fomos
infantis.
– Mas não vamos falar mais nisso. – enxuguei
as lágrimas – Neste momento eu quero apenas ficar
com você e esquecer essa guerra maldita.
– Você não precisa ter tanto medo. – Alexis
passou a mão em minha cabeça – Eu já disse que você
não está sozinha.
– Alexis... – suspirei – Você não entende.
– Você acha que eu não estou com medo? – ele
segurou meu queixo – Eu estou morrendo de medo. Eu
já estava com medo antes da guerra começar.
– Antes? – estranhei.
– Eu estava prestes a completar a maior idade
quando você apareceu e mudou minha vida. – ele fitou
o grande espelho – Se você não tivesse aparecido e me
feito fugir para ir atrás de minha mãe eu teria sido
apresentado como o novo herdeiro. Eu.

– É verdade! – às vezes me esquecia de que,
quando tudo isso acabasse, Alexis seria proclamado o
novo herdeiro do trono.
– Eu estava morrendo de medo do dia em que
teria que assumir o trono. – Alexis continuou fitando o
espelho – Eu tinha medo de não conseguir dar conta da
responsabilidade. Tinha medo de decepcionar o meu
povo. Tinha medo de não honrar com a memória do
meu pai e sujar o nome da família. Eu tinha medo de
ser rei.
– Mas isso é normal, todos nós temos medo
quando grandes responsabilidades são postas em
nossas mãos. – falei também fitando o espelho – Mas
nós devemos enfrentar-las e seguir em frente, sem
medo.
– Exatamente! – Alexis sorriu –Então a
senhorita pode me dizer o motivo de estar chorando
até agora a pouco?
– Eu estava com... – engoli a seco – Estava com
medo de enfrentar a responsabilidade que foi entregue
a mim.
– É a senhorita pode me dizer por qual razão
que não está seguindo o próprio conselho? – ele sorriu
debochado.
– Alexis! – dei um tapa leve no seu peito.
– Como você mesma disse – Alexis e eu
estávamos conversando com nossos reflexos – Não
podemos fugir do medo, mas enfrentar-lo. Estamos
todos juntos nessa guerra e estaremos junto até o final.

– Juntos até o fim! – sorri.
– Você vai ficar aqui no castelo, certo? – Alexis
perguntou.
– Eu irei. – assenti – Precisam mais de mim
aqui. Só quero ir buscar algumas coisas na casa de
Neandro, você vem comigo?
– Sim eu vou. – ela falou com uma mansidão
que não é de costume. Ele parecia ter ficado em paz
com ele mesmo.
– Então vamos? – perguntei sorrindo.
– Vamos! – Alexis devolveu o sorriso.
Fomos o caminho inteiro conversando. Fazendo
mais declarações de amor e mais planos para o futuro.
Mas havia uma coisa que ainda me deixava triste nesta
história. Quando tudo isso acabasse? Eu teria que
voltar para Terra, para casa. Como eu poderia viver
tudo o que eu e Alexis estamos planejando se não
estiver aqui? Tentei não pensar nisto.

– Ouro, prata ou Bronze? – Alexis perguntou.
– Mas que pergunta é essa? – estávamos
fazendo joguinhos no meio do caminho.
– É uma pergunta! – ele sorriu – E nem é tão
difícil assim.
– Ouro? – chutei.
– Resposta errada! – Alexis fez careta – É
verdade que gosto muito de ouro, mas quando se trata
de botões, os de prata sempre causam uma aparência
harmoniosa. Ouro fica um pouco espalhafatoso.

– Sei – fiz outra careta – como se uma camisa
com botões de prata não fossem!
– Mas eles não são! – Alexis sorriu.
– Tudo bem Alexis, agora é a minha vez! –
pensei em uma pergunta – Eu prefiro ganhar um buque
de: rosas, tulipas ou narcisos?

Continuei seguindo o caminho e esperando a
resposta. E fiquei esperando e esperando e esperando
e esperando um pouco mais. Alguma coisa havia
acontecido.

– Alexis? – procurei por todos os lados – Alexis,
cadê você? Alexis?
De repente ouvi um barulho. Parecia algo
correndo muito rápido. Fiquei atenta e me preparei
para atacar, até que vi uma criatura minúscula e
brilhante descendo do tronco de uma árvore
pendurado em um fio. Era uma aranha feita de
diamantes, mas como?

Neste exato minuto senti uma forte pancada
em minha cabeça e a última coisa que me lembro foi de
estar caindo e alguém me segurar, depois disso eu já
não me lembro mais de nada.


M


CAPÍTULO 7 / ACORDANDO COM OS LOBOS


inha cabeça doía muito. Era como se alguém tivesse

dado uma paulada na minha cabeça. Sentia que

havia feito um galo e tentei encostar, mas minhas

mãos estavam presas. Abri os olhos e reparei que
estava em um lugar que nunca havia visto na vida.

Eu estava deitada em um tipo de caixão de
vidro, o que me fez sentir a própria Branca de Neve, e
estava com os braços e pernas amarrados ao caixão. O
lugar era tão suspeito quanto à situação.

O local parecia uma sala minúscula. Parecia ser
uma sala redonda e eu deveria estar no meio dela. A
sala era toda feita de barro e havia vários armários
embutidos na parede. No teto havia um lustre. Um
lustre grande o suficiente para esconder uma pessoa.

Concentrei-me e deixei que a energia do local
fizesse o trabalho por mim. Não demorou muito e
consegui fazer com que as amarras que me prendiam
quebrassem. Mas não sai do caixão tão rapidamente.
Ouvi barulhos e resolvi fingir que ainda estava
desacordada.

Entraram duas pessoas na sala. Ouvi passos me
rodeando e risos vindo dos dois lados. Eles pareciam
estar muito felizes.

– Olha só Max! – o que estava a minha direita
disse – Não é incrível?
– Muito incrível! – o tal do Max respondeu.

– Nem posso acreditar. – o da minha direita
parecia estar realmente feliz – Você sabe o que isso
significa Max?
– Sim! – Max respondeu – Isso significa que... O
que isso significa mesmo Ali?
– Santa ignorância! – o Ali pareceu ter perdido
a paciência – Eu já te expliquei mais de mil vezes.
– Mas é que é muita coisa Ali! – o Max
começou a choramingar – Você fala tanto que eu me
confundo.
– Claro que se confunde! Você sempre se
confunde! – Ali gritou.
– Explica mais uma vez? – Max pediu manhoso.
– Não! – Ali pareceu híspido.
– Mas por quê? – Max voltou a choramingar.
– Você ainda pergunta? – Ali estava sendo
grosso.
– Pergunto o que? – Max parecia ser muito
inocente.
– Está vendo! – Ali gritou – É por isso que eu
não vou explicar outra vez.
– Mas eu quero! – Max continuou
choramingando.
– Vai ficar querendo! – acho que havia
encontrado alguém mais infantil que o Alexis.
– Poxa, você é muito malvado! – Max começou
a chorar de verdade.
– Pode chorar que eu não ligo! – Ali pareceu ter
se virado, mas não tenho certeza.

– Você não vai me explicar de novo? – desta
vez Max falava em um tom mais sério.
– Não! – Ali continuava híspido.
– Então eu vou soltar-la! – Max pareceu se
aproximar do caixão.
– Nem pense em fazer isso! – senti as mãos de
Ali bater no caixão – Tudo bem que foi muito fácil
pegar-la. Fácil até demais. Achei que sequestrar a
Mallory daria mais trabalho, mas isso não te dá o
direito de soltar-la antes do tempo!
Eu não sabia se havia ouvido realmente o que
ouvi ou se era apenas minha imaginação brincando
comigo. Esse Ali havia dito que capturou a Mallory? Se
ele sabe quem sou e sinal de que eu estava correndo
um possível perigo. Apesar de que, julgando a
inteligência de ambos, não seria muito difícil de sair
dali.

– Como vou saber quando será o tempo certo
se você não me conta nada? – Max perguntou.
– Deixe tudo comigo e não faça nada! – Ali
ficou mais calmo.
– Assim não vale! – Max brigou – Eu que tive
que amarrar o outro. Ele me deu um corte que saiu
sangue. Ó!
– Isso não é nem um corte direito! – Ali
zombou – Você tem quantos anos? 53? Pare de agir
feito criança! – Então pare de me tratar como criança e
explica o plano de novo. Eu juro que vou prestar muita,
muita, muita, muita...

– Tudo bem! – Ali gritou – Não precisa fazer
juramentos, você não vai cumprir mesmo. Mas fique
sabendo que essa será a última vez que eu explico tudo
isso para você.
– Tudo bem! – Max bateu palmas.
– Essa é a Mallory, a da lenda. – Ali falou bem
devagar – Ela vai salvar Ofir. Ela é a chave da guerra
que vai começar. Sem ela Ofir estará perdida. Está
entendendo?
– Mallory, lenda, chave, guerra, perdida. Estou
entendendo tudinho! – Max bateu palmas novamente.
– Sei... – Ali não pareceu confiante na resposta
de Max – Vamos continuar. Eu pretendo pedir ao Rei
Céleo, o grande governante da Capital e rei mais
importante do mundo de Ofir, um resgate milionário
por essa garota aqui.
– Rei, governante, mundo, milionário, garota. –
Max parecia estar prestando atenção.

– Eu mereço... – Ali bufou – Quando nós
conseguirmos o dinheiro do resgate iremos até
Menelau e compraremos uma casa imensa e
gastaremos essa fortuna em investimentos e nos
tornaremos os seres mais ricos de Ofir. Entendeu tudo?
– Claro! – Max disse sorridente.
– Então repita o que entendeu! – Ali falou
como se esperasse bomba.
– A Mallory é a lenda de uma chave que ficou
perdida e acabou com um rei e virou governante de um
mundo de milionários onde ela virou garota e agora

nós iremos comprar a casa dela e virar milionários
também!

Um minuto de silêncio pairou pelo ar.
Provavelmente o Ali estava fazendo uma cara
impagável e o Max deveria estar olhando sem entender
nada para Ali. Já começava a me sentir ridícula por me
deixar capturar por esses dois patetas. Acho que já li
um livro com isso.

O silêncio foi quebrado por barulhos de passos
e resmungos e depois outros passos e outros
resmungos – desta vez misturado a choramingo – e por
fim a porta batendo. Abri um olho para conferir se eles
haviam deixado a sala. Estava vazia novamente.

Abri o caixão de vidro e pulei para fora dele no
mesmo instante. Fui até a porta, mas estava trancada.
Pensei em arrombar-la, mas acabei ouvindo os dois se
aproximando outra vez. Dei um salto para trás e
esbarrei em alguns livros e cadernos. Ouvi os passos se
aproximando da porta e voei para o teto em uma
tentativa de conseguir fugir sem ser vista e sem
precisar partir para violência.

A porta se abriu e dois lobos entraram. Um
lobo era maior e mais forte. Provavelmente o Ali. Ele
tinha o pelo branco e cinza e usava um colete preto e
botas marrons. Sua calça parecia ser de couro e estava
rasgada até o joelho na perna direita. Sua postura era
de um grande líder e parecia usar um brinco dourado
na sua orelha esquerda.


O outro, que deveria ser o Max, tinha os pelos
marrons e era mais gordo e baixo que o seu
companheiro. Ele usava uma camisa branca com as
mangas rasgadas e uma calça azul com um furo por
onde passava o rabo dele. Ele estava com a pata inteira
dentro da boca, o que dava a ele um aspecto infantil.

– Cadê a garota? – Ali perguntou gritando.
– Eu não sei! – Max respondeu.
– Max por acaso você soltou a prisioneira? – Ali
continuou gritando.
– Como se eu estava o tempo inteiro com
você? – Max continuava com a pata na boca.
– Mas você é um incompetente mesmo! – Ali
deu um tapa na cabeça de Max.
– Ali! – Max tirou a pata da boca para esfregar
o local onde Ali bateu – Isso dói sabia?
– Mas é para doer! – ele não parava de gritar –
Você deixou a Mallory escapar!

– Eu não deixei não! – Max choramingou.
– Deixou sim! – Ali analisava o caixão – Se não
teria visto-a fugindo!
– Mas eu estava com você! – Max reclamou –
Se eu não vi, você também não vi.

– Cale a boca Max! – Ali gritou.
– Por que você é tão malvado comigo Ali? –
Max voltou a choramingar.

– Quer mesmo que eu dê motivos? – Ali
começou a farejar.
– O que foi Ali? – Max perguntou.

Bem devagar eu fui chegando perto deles, por
trás, e os peguei de surpresa agarrando-os pela gola da
camisa. Os dois levaram um grande susto.

– Por favor, não nos machuque! – Max gritou.
– Se quiser machucar esse traste, fique a
vontade! – Ali zombou – Agora se me der licença!
Ali puxou a camisa e se soltou. Chegou perto do
caixão, arrumou o local e ficou me encarando com uma
cara de bravo muito engraçada.

– Queira fazer o favor de voltar para esse
caixão de vidro! – Ali ficou batendo o pé.
– Você está brincando comigo? – gargalhei.
– Não! – Ali continuou sério.
– E o que te faz pensar que eu te obedeceria? –
disse ainda achando graça.

– Eu sou autoridade aqui! – Ali fez como se
tirasse poeira do travesseiro.
– Enfrentei dragões, monstros de fogo,
exércitos e várias outras criaturas poderosas para
acabar prisioneira de uma dupla de patetas.
– Eu também sou pateta? – Max perguntou
como se já tivesse esquecido de que eu o estava
segurando pela gola da camisa.
– Sim, mas não é mais pateta do que aquele ali!
– respondi com deboche.
– Viu Ali! – Max zombou – Você é mais pateta
do que eu.

– Nossa! – Ali também zombou – Que coisa
horrível de se dizer. Agora se puder me fazer o favor de
torcer o pescoço desse sujeito e voltar para o caixão...
– Cala a boca! – gritei.
– Você me mandou calar a boca? – Ali ficou
sério.
– Mandei e mando outra vez. – continuei
gritando – Cale essa sua grande e fedorenta boca!
– Mas eu não estou ouvindo o que eu acho que
estou ouvindo. – Ali se zangou.
– O Ali ficou bravo! – Max tapou os olhos – Não
gosto de ver quando Ali fica bravo. Sempre sobra pro
Max. Sempre pra mim.
– Calma Max, desta vez ele não fará nada com
você! – garanti.
– Virou defensor dessa anta! – Ali foi rude.
– Eu não tinha dito para você calar a boca? –
perguntei sarcástica.

– Você está pedindo um sacolejo na fuça! – Ali
fechou os punhos.
– Você bate em mulher? – zombei – Típico.
– Por que está com medinho? – ele também
zombou.
– De você? – cai na gargalhada – Nunca!
– Então vem que eu quero ver! – ele gritou.
– Só se for agora! – também gritei.
Soltei o Max e fui em direção ao Ali. A sala era
pequena e quase no mesmo instante sofremos o
impacto. Foi bem rápido. Na verdade tudo foi bem


rápido. Parei o soco que Ali estava preparando e o
peguei pela perna girando-o por completo e o
derrubando no chão.

– Agora eu quero ver você tentar me obrigar a
deitar neste caixão de novo! – disse triunfante
colocando o pé no pescoço dele igual a uma heroína de
jogo de vídeo game.
– Tudo bem! – Ali tirou meu pé do pescoço dele
– Você venceu!
– Ótimo! – sorri deixando-o se levantar – Agora
eu quero saber de tudo!
– Tudo o que? – Max perguntou.
– Tudo o que aconteceu. – respondi – Desde o
inicio.
– No inicio eu era um bebê lobo muito...
– Cale a boca Max! – Ali gritou – Ela está
perguntando sobre o sequestro.
– É sobre o sequestro? – Max perguntou
inocente.
– Sim Max. É sobre o sequestro. – ele tinha um
coração puro.
– Então tudo bem! – Max sorriu – Mas o Ali que
sabe essa história.
– E eu estou me perguntando o que ele está
esperando para começar a contar. – fitei o Ali zangada.
– Eu não sei se você conhece a situação dos
seres errantes neste mundo. – Ali começou a explicar –
Não somos tratados na maior parte deste mundo como
seres de maldade ou abominações, o que não é justo.

Outra, se for olhar por esse ângulo os povos de Neide,
Leander e Sotero...

– Corta logo esse papinho e vamos ao que
interessa! – gritei.
– E vamos ao que interessa! – Max imitou meu
tom de voz – E o que interessa mesmo?
– O sequestro, meu querido. – respondi
sorrindo.
– Tudo bem. Só estava querendo te pôr a par
sobre o atual estado de um ser errante. – Ali se zangou
– Queríamos pedir uma grana alta pelo seu resgate.
Você é a Mallory, a chave da guerra, eles pagariam
qualquer coisa para te ter de volta.
– E o que vocês fariam com esse dinheiro? –
perguntei.

– Compraríamos uma mansão em cada reino de
Ofir e iríamos nos tornar os produtores mais
importantes de cada reino, assim geraríamos lucros tão
grandes para cada reino que ninguém poderia nos
tratar com descriminação. Seriamos os maiorais.
Por um instante fiquei em dúvida de quem era
mais inocente e iludido daquela história. Como alguém
pode sonhar tão alto no meio de uma guerra tão
ameaçadora?

– E você pretendia ficar esperando até a guerra
acabar? – tive que quebrar a ilusão dele – Ou você
achou que no meio dessa guerra toda que está para
começar você conseguiria alguma coisa?
– Mas...

– Os reinos de Sotero e Leander foram
completamente destruídos – interrompi o Ali – e os
reinos de Calidora, Menelau e Neide foram tomados
por Bianor.
– Mas...
– E honestamente, eu não acredito que Bianor
possa ter alguma consideração por vocês. – continuei
interrompendo – Caso conseguisse comprar as
mansões que tanto sonha, no mínimo, ele cobraria
impostos altíssimos para cada prego que você
comprasse.
– Eu não pensei nisso! – Ali parecia
envergonhado.
– Pelo visto não pensou em muita coisa! –
zombei.

– E onde está o Alexis? – perguntei.
– O garoto do cabelo grande? – Max
perguntou.
– Sim! – respondi apreensiva – Esse mesmo!
– Eu amarrei em uma árvore e o amordacei! –
Max respondeu cheio de orgulho – Mas ele fez dodói
aqui ó!

– Imagino. – olhei o corte minúsculo. Aquilo
provavelmente foi a unha de Alexis.
– Agora ele deve estar com muito medo de
mim! – Max sorriu.
– Com certeza ele está. – achei graça.
– Mas é verdade! – Max insistiu.
– Max? – Ali o fitou entediado – Cale a boca.

– Tudo bem! – Max fez um gesto como se
fechasse a boca com chave.
– Bem melhor assim! – Ali suspirou aliviado.
– Coitado do seu amigo! – brinquei.
– Ele não é meu amigo. Eu escolho bem minhas
amizades. – Ali fechou a cara – Esse é o meu irmão.
Mas alguma coisa? – Ali perguntou debochado.
– Sim. – respondi – Como sabia que eu era a
Mallory?
– Isso eu não posso contar! – Ali sorriu
debochado.
– Foi da pintura! – Max respondeu.
– Max, seu idiota! – Ali gritou.
– Não chame o coitado de idiota! – briguei com
Ali – Conte-me mais sobre essa pintura!

CAPÍTULO 8 / CAMINHOS QUE NÃO LEVAM A NADA


S


aímos da salinha e fomos para outra sala, desta vez
maior. Max abriu um baú e pegou um pedaço de papel
enrolado, parecendo um pergaminho. Ele desenrolou e
olhou bem para o pedaço de papel e depois olhou para
mim e assentiu com alguma coisa. Provavelmente um
pensamento que teve.

– Veja! – ele se aproximou.
Peguei o pedaço de papel e desenrolei. Era
uma pintura minha. Uma pintura perfeita. Se não fosse
pelo cabelo preso em coque e o vestido de rainha,
poderia dizer que alguém muito talentoso estava me
observando e resolveu me pintar.

– Mas é incrível! – admirei – É realmente
incrível!
– E tem mais. – Max estava todo animado –
Veja o que está escrito em baixo.
Olhei a frase que estava escrita no final da
pintura. Uma frase estranha e perturbadora demais
para ser verdade.

– "Vida longa a Rainha Beatriz I, a imbatível." –
estava chocada – Onde vocês conseguiram isso?

– Roubamos há uns 100 anos atrás. – Ali
respondeu – Na época em que o avó do Rei Céleo
governava.
– E vocês têm quantos anos mesmo? –
perguntei assustada.


– Eu tenho 190 – Ali respondeu – e o Max tem
178.
– Tudo bem, isso não é exatamente o tempo de
vida de um lobo. Pelo menos não da forma como
aprendi. – tentei digerir aquilo, mas estava tentando
entender mesmo o motivo da minha surpresa. Já era
para ter me acostumado – O que mais vocês sabem
sobre essa pintura?
– Bem, sabemos que ela foi uma visão de
alguém muito importante na época. – Ali começou a
puxar pela memória – Não lembro o nome do pintor,
mas lembro que essa pintura já era antiga quando a
roubamos.
– Quantos anos? – estava assustada.
– Uns 200 anos... 210 no máximo. – Ali
respondeu.
– E vocês sabem o motivo desse pintor ter feito
esse retrato? – estava aflita.
– Como disse, foi uma visão. – Ali começou a
andar pela sala – Não me recordo muito bem, mas
parece que ele acordou uma noite e começou a pintar
um retrato de uma rainha, mas não conseguia ver o
rosto. Somente depois que a pintura estava prestes a
ser finalizada que ele conseguiu ver o rosto da rainha e
junto com o rosto veio essa mensagem.
– E o que mais aconteceu? – perguntei.
– Não sei. – Ali me decepcionou – Eu não me
lembro de muita coisa. Só sei que essa pintura era
muito valiosa na época.

– Tem certeza que você não se lembra de mais
nada? – insisti.
– Acredite, seu eu soubesse de mais alguma
coisa eu lembraria. – Ali sorriu.
– Você tem certeza mesmo? – continuei
insistindo.
– Que coisa mais chata – Ali falou alto – já disse
que não me lembro de mais nada.
– Mas você precisava lembrar! – fiz cara de
choro.
– Não, eu não precisava! – Ali fechou a cara – E
quer saber, se eu soubesse não te contaria.
– Sabia! – gritei.
– O que? – Ali se assustou.
– Você sabe de mais alguma coisa e não quer
me contar! – continuei falando alto.
– Mas será que eu encontrei alguém mais
irritante que o Max! – Ali virou os olhos.
– Ali! – Max gritou – Eu não sou irritante.
– Você é sim Max. – Ali falou de forma
debochadamente carinhosa – Você é uma anta!
– Mas você vai me contar o que sabe? – eu já
não estava mais me reconhecendo. Havia ficado
obcecada por aquela pintura.
– Ótimo. – Ali respirou fundo – Que parte do
"isso é tudo que me lembro" você não entendeu? Eu
explico de novo.
– Você disse que se soubesse de algo não me
contava! – comecei a falar feito uma tonta – Sempre

que ágüem diz "se soubesse de tal coisa não te
contaria" é por que sabe!

– E como você chegou a essa conclusão? – Ali
achou graça.
– Bem, sempre falamos isso para reforçar a
idéia de que não sabemos mais nada – expliquei minha
teoria – E como todo bom mentiroso, usar um artifício
deste para parecer que realmente não sabe de nada
pode ser uma boa jogada.
– Olha aqui... – Ali se interrompeu deixando o
dedo indicador esticado no ar – Faz sentido.
– Não disse! – sorri vitoriosa.
– Mas eu realmente não sei de mais nada! – Ali
parecia estar se controlando – Agora me devolva essa
pintura!
– Mas nem por cima do meu cadáver! – sai do
meu tom de voz.
– O que? – Ali gritou.
– Ela não vai devolver a pintura! – Max entrou
na conversa.
– Eu entendi! – Ali resmungou.
– Então está perguntado por quê? – Max
bufou.
– Cale a boca Max! – Ali gritou – E como assim
não vai devolver a pintura?
– Isso aqui agora é meu! – falei alto – Tenho
que investigar-la melhor.

– Eu não escondi isso durante 100 anos para
perder assim tão fácil! – Ali tentou tomar a pintura da
minha mão, mas eu o empurrei.
– Agora que já resolvemos o problema...
– Resolvemos nada! – Ali me interrompeu –
Devolve essa pintura!

– Já disse que não! – falei alto – E como estava
dizendo...
– É Ali, ela estava falando e você interrompeu.
– Max brigou com o irmão.
– Obrigada Max, mas eu gostaria que ninguém
me interrompesse. – sorri para ele – Eu quero que
vocês me mostrem como sair daqui.
– Claro é por...
– Calado! – Ali interrompeu o irmão tapando
sua boca – Agora nós podemos entrar em um acordo. A
pintura pela saída.
– Tudo bem! – bufei – Eu acho a saída sozinha.
– Tem certeza que quer se aventurar por esses
corredores subterrâneos? – Ali perguntou sarcástico.
– Eu já corri por um labirinto em chamas. –
lembrei – Acho a saída de olhos fechados!

– Então vá em frente! – Ali debochou – Está
esperando o que?
– Realmente! – fiquei brava – Não sei o que eu
ainda estou fazendo aqui. Seu desaforado.
A sala em que estávamos tinha três grandes
corredores do lado direito e um corredor do lado


esquerdo. Resolvi seguir pelo mais obvio para mim, o
da esquerda.

– Aquele desaforado! – resmunguei – Espero
que ele e o Alexis nunca se conheçam. Ele seria uma
péssima influência para ele. Já imaginou o Alexis duas
vezes pior? E por qual raio de motivo eu estou falando
sozinha?
– Talvez você seja doida mesmo! – Ali apareceu
na minha frente.
– Ai! – gritei – Como você apareceu aqui?
– Por aquele corredor! – ele apontou para um
corredor mais a frente.
– Mas o que? – gritei.
– Esse corredor da no segundo corredor, ou
corredor do meio se preferir, da outra sala. – Ali sorriu.
– Ótimo! – bufei.
– Quer tentar o acordo agora?
– Não! – gritei.
– Você sabia que eu poderia tomar a pintura de
você? – Ali continuou sorrindo.
– E levar outra surra igual a que eu te dei agora
a pouco? – perguntei.
– Esquece. – ele ficou constrangido. Ponto pra
Beatriz! – De qualquer forma eu continuo duvidando
que você consiga achar a saída.
– É o que veremos! – mandei um olhar furioso
para Ali.
De repente um barulho tomou conta do lugar.
Era como se um gigante estivesse caminhando no


andar acima do nosso. Lembrei da época em que a
Camila morou em apartamento, porém o barulho dos
passos era muito maior e muito mais assustador.

– O que é isso? – perguntei – As pessoas
costumam dar passos tão fortes assim?
– Na verdade não, mas acho que sei o que pode
ser. – Ali olhou temeroso para o teto.
– Então diga logo criatura! – estava
preocupada.
– Ultimamente esses barulhos se tornaram
frequentes. – Ali continuava com o tom temeroso –
Provavelmente algum monstro deve estar agindo.
– Ah, um monstro. – demorei em perceber a
gravidade – Você disse um monstro?!
– Sim! – Ali agora respondeu como se fosse a
coisa mais natural do mundo.
– Agora eu realmente preciso sair daqui! –
fiquei desesperada – Rápido, onde é a saída?

– Não irei te dizer! – Ali sorriu maliciosamente.
– Ótimo! – resmunguei – Vou continuar
procurando por mim mesma.
Entrei em outro corredor e segui o mais
depressa que pude. Andei corredor por corredor, mas
parecia que todos acabavam dando no mesmo lugar –
ou dando em lugar nenhum. No final eu estava
novamente na sala, com Ali e Max a minha espera.

– Por favor, a saída, ou eu terei que usar a
força! – disse séria.

– Use da força então. – Ali respondeu
debochado.
– Eu estou falando sério! – o peguei pelo
pescoço – Onde é a saída?
– Nossa que garota violenta! – Ali debochou da
minha cara mesmo com a voz abafada e quase sem
respirar.
– Eu não estou brincando! – fiquei furiosa.
– E o que vai fazer? – Ali continuou
debochando – Vai me matar? Vá em frente e me mate!
As palavras dele me tocaram. Ele sabia que eu
não seria capaz de matar um outro ser. Matar
monstros e diferente de matar seres mau caráter. Para
esses eu preferia entregar ao rei e deixar que ele cuide
do restante.

Soltei o pescoço de Ali, que caiu no chão. Com
muito sacrifício tirei a pintura da minha cintura e
entreguei a Ali.

– Agora me mostre a saída! – tentei não gritar.
– Muito bem! – ele sorriu pegando a pintura –
Poderia ter sido muito mais fácil se você tivesse feito
isso antes.

– Já entendi! – falei alto – Agora me mostre a
saída.
– Claro. – ele sorriu.
Ali segui até ao centro da sala e me apontou
para uma parede. A princípio não entendi o que ele
queria e cheguei a achar que ele estava brincando com


minha cara, mas depois reparei em pequeninos feixes
de luz saindo de uma linha arredondada.

– Aquela que é a saída? – quis ter certeza.
– Exatamente! – Ali sorriu.
– Fala sério! – disse alto – Eu estive com ela o
tempo todo debaixo do meu nariz e não percebi?
– O que eu posso fazer? – Ali continuava com
seu sorriso debochado e irritante na boca – Inteligência
é uma dádiva dada para poucos.
– Engraçadinho! – fiz careta para ele – Mas
saiba que eu volto para buscar minha pintura!
– Vai sonhando! – Ali abriu a passagem – Siga
essas lanternas e você chegará até uma escada. Há
uma "tampa" que serve de porta para o mundo
superior.
– Mundo superior? – achei graça.
– Esquece. – Ali bufou.
– Até mais Beatriz! – Max se despediu
sorridente. Provavelmente nem se lembrava mais que
eu havia sido prisioneira dele.
– Até Max! – respondi sorridente.
Ali fechou a porta e o túnel ficou um pouco
mais escuro. O túnel era igual aos corredores que
passei, porém com lanternas maiores. As lanternas
ficavam penduradas não muito alto, na altura do meu
ombro, e seguiam em fileira.

O chão e a parede – obviamente – era feitas de
pedras e barro. Era um túnel subterrâneo muito bem
construído, o que me fez pensar que deveria ter sido


feito pelos avós ou bisavós deles – eles sozinhos não
teriam essa capacidade.

O caminho estava sendo longo, mas desta vez
não achei que pudesse estar sendo tapeada por Ali.
Diferente dos túneis da casa dele, esse parecia estar
levando a algum lugar. E realmente levou.

Depois de muito tempo eu finalmente cheguei
a escada que ele estava falando. Era uma escada larga,
feita de madeira e muito alta.

– Para que escadas se você pode voar? – disse
em voz alta.
Voei até o topo do túnel e encontrei a tal porta
que Ali havia dito. Era um pedaço redondo de madeira,
muito pesado. Tive que usar quase toda a força que
tinha para empurrar a porta e novamente fiquei
pensando em como aqueles dois conseguiam fazer isso
sozinhos.

A passagem dava exatamente no mesmo lugar
onde eu estava quando fui sequestrada: o meio do
caminho para casa de Neandro. Estava prestes a seguir
de volta a cidade quando encontrei com Neandro,
Nicardo, Amadeus e Thalassa.

– Beatriz! – Nicardo falou nervoso – Onde você
estava?
– O que aconteceu? – perguntei apavorada.
– Um escorpião gigante atacou a cidade. –
Neandro explicou – Por sorte nós chegamos antes dele
causar grandes danos e conseguimos destruir-los.


– Sem sua ajuda! – Nicardo estava
estranhamente agressivo.
– Desculpe, mas eu não tive culpa. – me
defendi – Eu estava esse tempo todo no subsolo.
– E o que você fazia no subsolo? – Thalassa
perguntou confusa.
– Eu fui sequestrada por dois seres errantes. –
comecei a contar o que aconteceu – Eram dois lobos.
Eles me levaram e acharam que poderiam... Ah,
esquece. Eu fui levada por esses dois até o subsolo e
acabei ficando presa. Eu consegui que eles me
libertassem agora.

– Lobos? – Neandro achou graça – Os seres
errantes que tomaram forma de lobos não costumam
ser muito inteligentes.
– Eu pude perceber. – disse constrangida.
– E como você deixou-se capturar dessa forma?
– Nicardo perguntou quase gritando.
– Calma Nicardo. – fiquei um pouco
amedrontada – Você está tão estranho.
– É mesmo Nicardo. – Neandro concordou – O
que está havendo?
– Desculpe. – Nicardo ficou constrangido –
Acho que é essa guerra que está me tirando do meu
normal.
– Tudo bem. – disse mais calma – Só não
precisava ser tão agressivo comigo. Está perdoado.
– Mas essa eu também queria saber. – Neandro
sorriu.

– O que? – fingi que não sabia.
– Como você foi capturada por dois seres
considerados "burros"? – Neandro riu.
– Vocês estão se divertindo não é? – fiz careta
para eles – Eu sei, admito, foi realmente um descuido.
Eles são muito burros.
– Mas você vai contar? – Neandro insistiu.
– Que curioso! – fiz cara feia e depois soltei um
sorriso forçado – Eu não me lembro. Juro.
– Claro. – Neandro debochou – Não precisa
ficar tão vermelha. Seu nariz não vai crescer. Eu acho.
– Mas eu estou falando sério! – falei alto.
– Tudo bem Beatriz. – Thalassa veio para o meu
lado – Eu acredito em você.
– Obrigada. – sorri – Mas teve uma coisa muito
estranha que encontrei com os dois.
– O que? – Neandro perguntou.
– Prefiro falar com todos juntos. – fiquei séria.
– Tudo bem, mas primeiro temos que achar o
Alexis! – Neandro também ficou sério – Ele foi levado
com você?
– Minha nossa! – lembrei – O Alexis!

CAPÍTULO 9 / DECISÃO ARRISCADA


N


ão precisei procurar muito por Alexis. Ele estava
poucos metros de onde eu sai, amarrado dos
ombros aos tornozelos em uma corda grossa, feita
de um material que eu desconhecia e parecia bem

forte.

– Finalmente apareceu alguém! – Alexis gritou
assim que nos viu chegar – Pensei que ficaria aqui igual
a um carneiro posto para sacrifício.
– Que exagero Alexis! – disse em tom de
deboche – Carneiros não são sacrificados desta forma.
– Engraçadinha. – ele fez língua – Agora me
tirem daqui!
– Você está muito arrogante para uma pessoa
que está completamente imóvel. – resolvi brincar um
pouquinho e fiquei rodeando a árvore.
– Quer parar! – Alexis gritou – Você vai ficar
dando voltas ou me tirar daqui?
– Depende. – sorri maliciosa.
– O que foi desta vez? – Alexis bufou.
– O de sempre. – continuei sorrindo – As
famosas palavrinhas mágicas que demonstram que,
além de educação, você tem um pouco de humildade.
– Então agora vai ser sempre assim? – ele
revirou os olhos – Tudo bem. Poderiam me desamarrar
desta árvore? Por favor?
– Agora sim falou como uma pessoa educada. –
dei um tapinha de leve no rosto de Alexis.


Peguei uma faca que estava amarrada na
cintura de Nicardo e segui para a árvore. Continuei
brincando um pouquinho com Alexis, rodeando a
árvore até finalmente tentar cortar a corda. Uma corta
realmente resistente.

– Que demora! – Alexis reclamou.
– Do que é feito essa corda? – perguntei –
Parece que eu estou cortando um pedaço de mármore.

– Eu não faço a mínima idéia. – Alexis
respondeu.
– Onde está o nó? – Neandro perguntou.
– Acho que estão perto do meu tornozelo. –
Alexis apontou com a cabeça.

– Mas isso aqui é um nó oceânico. – Neandro
se espantou. Eu também.
– E o que viria a ser um nó oceânico? –
perguntei – Nunca ouvi falar.
– Nem nunca ouvirá falar novamente! –
Neandro desistiu – Esse nó foi extinto há muitas
décadas por ser quase impossível de se desatar.
Somente quem fez o nó poderia ter alguma idéia de
como começar.

– Deixe-me ver! – joguei a faca na mão de
Neandro, que agarrou rapidamente.
O nó era realmente diferente de tudo o que eu
aprendi nos acampamentos de verão que minha mãe
sempre me obrigava a frequentar na infância. Era a
gambiarra mais bem feita que eu já havia visto.


– A coisa está feia! – também desisti de desatar
aquele nó.
– E vocês vão me deixar preso aqui? – Alexis se
desesperou.
– Não. – fui direta – Espere um segundo. Estou
tentando pensar em algo.
– Mas não demora muito que meu braço já
está ficando dormente! – Alexis tentou se acalmar.
– Vou pensar melhor se você parar de ficar
falando. – respondi – Já sei!
– O que? – todos perguntaram ao mesmo
tempo.
– Afastem-se! – quase ordenei, o que pareceu
assustar-los um pouco – Mas não precisa ser tanto
assim.
Não tinha certeza se isso daria certo, mas já
tinha visto algo parecido em alguns filmes de magia e
neles sempre funcionava. Fechei os olhos e me
concentrei. Fui notando a energia fluir e logo comecei a
sentir minha mão ficar mais úmida. Era exatamente o
que queria.

Joguei um jato de água sobre a corda e
rapidamente enviei outro jato, congelando a água e
esperei um pouco antes de virar uma de lutadora de
vídeo game e dar um chute na parte congelada da
corda. E tudo saiu exatamente como eu havia
imaginado. A parte congelada se estilhaçou em mil
pedaços e a corda cedeu e caiu como chumbo no chão.


– Agora eu fiquei realmente impressionado! –
Alexis continuava parado no mesmo lugar.

– Tudo foi muito bonito, mas nós temos coisas
realmente importantes. Sem ofensas. – Thalassa
direcionou o "sem ofensas" a mim.
– Não fiquei ofendida. – respondi não só por
educação, eu realmente não havia ficado.
– Vamos continuar seguindo até minha casa. –
Neandro apontou o caminho com os olhos – Eu acho
que já tenho algo em mente.

Entramos na casa de Neandro feito loucos.
Pouco antes de chegarmos, uma chuva forte começou
a cair e tivemos que nos apressar para não chegar
completamente encharcados. Foi inútil.

Depois de enxutos e devidamente vestidos
fomos para a sala. Neandro tinha um plano e
estávamos todos ansiosos para ouvir. Os planos de
Neandro, em sua maioria, eram bons.

– Conte o que pensou. – disse ainda enxugando
meus cabelos.
– O plano que bolei é arriscado, mas é nossa
única saída no momento. – Neandro estava
visivelmente receoso em contar sobre seus planos.
– Fale logo Neandro! – Alexis falou alto.
– Já ficou claro que Bianor quer nos
desestabilizar – Neandro começou – disso ninguém
discorda, certo?

– Certo. – todos nós dissemos quase ao mesmo
tempo.
– Ele provavelmente está querendo eliminar o
maior número de pessoas possíveis – Neandro
continuou – e isso nos inclui. Acredito que, se ele
aparecer, vai ser apenas para dar o golpe final. Seu
exercito está intacto e não temos como reforçar nossos
exércitos de nenhuma maneira. Somos o único reino
que ainda sobrevive longe das garras de Bianor.
– Sim, já sabemos de tudo isso que você falou.
– Alexis interrompeu – Mas será que pode pular essa
introdução e ir direto ao plano?
– Alexis! – dei um tapa em seu braço – Que
coisa feia!
– Não enche! – ele respondeu na mesma hora.
– Vamos parar de criancice! – Neandro chamou
atenção de Alexis e, consequentemente, a minha
também.
– Como eu estava dizendo, se tudo continuar
desta forma o nosso reino será tomado e Bianor irá
controlar toda Ofir e as chances de voltarmos a ser o
que éramos se dissipa feito água.
– E o plano? – Alexis interrompeu novamente.
– Não existe outra saída a não ser revidar. –
Neandro parou de enrolar.

– Revidar? – eu e Alexis falamos ao mesmo
tempo.

– Sim. – Neandro continuava com o tom
receoso – Eu sei que é arriscado, mas é a única forma
de fazer algo pela Capital.
– Mas quando você diz "revidar"...
– Eu quero dizer ir a Calidora, onde se encontra
o maior número de soldados de Bianor, é fazer uma
bagunçazinha por lá também. – Neandro antecipou a
resposta para pergunta de Alexis.
– Mas você realmente deve estar louco! – falei
alto e levantei do sofá – Como nós iremos invadir
Calidora, fazer uma "bagunçazinha" e voltar sem
sermos pegos?
– É um risco que temos que tomar! – Neandro
defendeu sua idéia.
– Mas é quase suicida. – continuei falando alto
– E se você está pensando em invadir Calidora, vai ter
que tirar alguns homens que estão vigiando o porto e o
castelo.
– Eu sei disso. – Neandro ficou sério – Beatriz,
essa idéia não surgiu do nada.
– Mas é o que parece! – quase gritei. Eu já
estava trabalhando nela faz algum tempo.
– Desde que soube da planta de Calidora que
curaria o ferimento do Alexis e dos homens de Tales eu
tenho pensado nisso. – Neandro tentou falar o mais
devagar possível – Não queria ter que usar-la, mas é a
única escolha.
– Eu não acredito no que você está falando! –
continuei quase gritando – E vocês não vão falar nada?


– Eu acho muito perigoso – Alexis começou a se
manifestar – mas concordo com Neandro. Essa é nossa
única alternativa.
– Você também Alexis? – fiquei decepcionada.
– Independente da decisão que for tomada eu
estarei com vocês. – Amadeus não parecia estar em
cima do muro.
– Você fica insistindo em querer lutar com a
gente? – Alexis já começou a implicar.
– Alexis, o Amadeus está nos ajudando muito. –
Thalassa defendeu Amadeus – E eu penso como a
maioria. É um plano arriscado, mas é o que temos.

– Acho que qualquer passo que déssemos
agora seria arriscado. – Nicardo também se mostrava a
favor daquele plano absurdo.
– Ótimo. Mesmo que o Tales estivesse aqui
para votar ao meu favor vocês teriam vencido. – fiquei
emburrada – Por falar nele...
– Está tratando de um dos seus homens. –
Nicardo respondeu – Escondido.

– Mas o que o Tales tanto esconde? – Thalassa
fez a pergunta que não quer calar.
– Então ficou decidido desta forma. – falei –
Vocês irão mesmo invadir Calidora.

– Parece que sim. – Alexis sorriu debochado.
– Falou o palhaço. – fiquei irritada.
– Nós precisamos começar a agir depressa. –
Neandro voltou ao assunto principal – Todo o tempo é
preciso agora. Eu vou para o castelo contar nossas


decisões para o meu pai e depois começar a planejar a
invasão. Alguém me acompanha?

– Eu irei com vocês. – Linfa quase se
materializou – Eu também irei participar dessa missão.
– O que estão colocando na água desse povo? –
estava quase revoltada – Linfa você enlouqueceu?

– Eu? – Linfa sorriu – Por quê?
– Linfa... – Alexis tentou dizer algo.
– Eu também não vejo impedimentos. –
Neandro me surpreendeu. Definitivamente estavam
colocando algo na água deles.

– Você concorda mesmo com isso? – Alexis
parecia estar de acordo comigo.
–É claro! – Neandro reforçou sua opinião
dando uma entonação mais incisiva no "claro".
– Mas, com todo respeito, você sabe lutar? –
Alexis perguntou.

– Eu só sei lutar. – Linfa brincou.
– E eu posso garantir que ela luta muito bem! –
Neandro abraçou a esposa.

– Estou começando a ficar com medo dessa
"missão". – disse colocando aspas com o dedo na
palavra "missão".
– Que seja. – Alexis fez um gesto de rendição
com as mãos – Como você mesmo disse Neandro, todo
tempo é precioso.
– Claro. Vamos! – Neandro endireitou o corpo
como se quisesse colocar ordem no local.

Seguimos para o castelo quase correndo.
Estávamos repetindo tanto esse caminho nos últimos
meses que já começávamos a deixar rastros por onde
passamos. Por hora isso não fazia a menor importância.

Chegamos ao castelo e a primeira coisa que
vimos foi Cosmo. Estava há tanto tempo sem ver-lo que
se demorasse mais um pouco eu nem iria reconhecerlo.
Thalassa foi correndo dar um abraço e um beijo um
pouco mais longo que o normal. Ignoramos.

– O que vocês vieram fazer aqui? – Cosmo
perguntou preocupado – Não me diga que aconteceu
algo de grave?
– Não exatamente. – Neandro tentou parecer
calmo – Queremos falar com o meu pai. Temos um
plano um pouco arriscado para executar.
– Plano arriscado? – Cosmo levantou a
sobrancelha direita – Não sei por que ainda me assusto
com isso.
– Eu sei! – falei – O plano é realmente arriscado
e eu sou completamente contra.
– Eu também estava indo falar com o Rei Céleo.
– Cosmo continuou abraçado com Thalassa – Vamos
todos juntos. É bom que já fico sabendo que plano
arriscado é esse.
Entramos na sala sem sermos anunciados –
nossa aparição no castelo já estava virando uma sirene
de urgência e formalidades do tipo eram dispensáveis.
Rei Céleo parecia já saber do que se tratava, seu rosto
não estava muito "contente".


– Papai as coisas já estão ficando fora de
controle. – Neandro dizia o obvio – Nós precisamos
fazer algo e é por isso que estou aqui.
– Imagino. – Rei Céleo não demonstrava mais
nenhuma emoção – Conte-nos.
– O Cosmo quer falar algo também. – lembrei
em uma tentativa de fazer Neandro e os outros
desistirem da idéia de invadir Calidora. Desde o inicio
sabia que não funcionaria. Mas pelo menos tentei.
– O que eu tenho para falar é rápido e direto. –
Cosmo se pôs um passo à frente – Eu e minha equipe já
terminamos a frota de submarinos que o senhor pediu.

– Isso é ótimo. – Rei Céleo tentou mostrar
alguma expressão de gratificação, mas falhou.
– Estão todos apenas esperando para serem
usados. – Cosmo completou.
– Isso é ótimo! – Neandro ficou contente com a
notícia – Se for permitido, queremos usar um em nossa
missão.
– Conte esse plano. – Rei Céleo parecia cansado
demais para demonstrar qualquer tipo de expectativa.
– Como já deve ter percebido – Neandro
chegou mais perto do pai – Bianor quer fazer com que
nosso exercito diminua o máximo possível. Podemos
dizer que ele já está atacando, aos poucos, apenas para
tirar nossas atenções detonar com nosso exercito. E o
que nós estamos fazendo?
– Nada. – Rei Céleo respondeu inexpressivo.

– Exatamente. – Neandro parecia um daqueles
vendedores ambulantes fazendo propaganda de um
produto milagroso – Nós não estamos fazendo nada. Se
continuarmos assim Bianor irá conseguir o que quer.
– E o que você tem em mente filho? – Rei Céleo
continuava inexpressivo.
– Invadir Calidora! – desta vez Neandro foi
direto.
– O que?! – Rei Céleo pulou de seu trono como
se um raio de energia tivesse passado por seu corpo.
– É arriscado? Sim, mas é nossa única saída! –
Neandro defendeu sua idéia.

– Mas isso é realmente muito arriscado. – Rei
Céleo balançou a cabeça como se tentasse entender o
que estava acontecendo – Invadir um reino requer um
exercito. Você está pensando em retirar homens da
proteção da Capital?
– Papai – Alexis entrou em defesa do irmão –
nós não temos muito que fazer. Mas ficar parado
também não vai nos adiantar de nada.
– Se não fizermos algo agora pode ser tarde
demais. – Neandro e Alexis ficaram cercando o pai.
– Eu disse que era um plano arriscado demais.
– comentei – Mas sou voto vencido.
– Entendo. – Rei Céleo não parecia realmente
entender.
– Papai – Alexis falou com uma voz manhosa e
nada apropriada para o pedido e nem para ocasião –
pense bem e nos ajude.

– Mas filho...
– Papai é a nossa única chance! – Neandro
resolveu reforçar mais ainda o fato.
– Eu estou apoiando a decisão geral, mas
acredito que o melhor caminho seja invadir. – Amadeus
resolver deixar suas opiniões bem claras.
– Eu concordo com a Beatriz – Cosmo tomou
meu partido – Não sei se seria a melhor saída.
– Cosmo, já não é mais questão de melhor
saída – Alexis se aproximou dele – essa é a única saída.
– Tem certeza? – perguntei.
– Você consegue pensar em algo melhor? –
Alexis levantou as sobrancelhas. E eu não conseguia
pensar em outra saída.

– Eu não gosto nenhum pouco desta situação,
mas vocês dois tem razão. – Rei Céleo já havia decidido
o que fazer – Não consigo pensar em nada. Essa é a
única saída.
– Isso que dizer que...
– Vocês estão autorizados. – Rei Céleo adiantou
a resposta de Alexis.
– Então podemos passar para a segunda fase:
planejar o ataque! – Neandro se animou.
A idéia de invadir um reino nessas
circunstancias me apavorava. A idéia de poder perder
alguém em uma batalha era horrível. Eu me sentia
completamente responsável por qualquer coisa que
viesse acontecer. Eu era o principal motivo disso estar


acontecendo. Eu que estava destinada a trazer paz a
Ofir ou destruir-la de vez. Era impossível não se sentir
responsável. Só esperava que esse plano desse
realmente certo e que essa guerra acabasse o quanto
antes.


CAPÍTULO 10 / ESTRATÉGIAS E LENDAS


A


semana passou feito vento de tão rápida. Não

queria que passasse tão rápido. Esperava que

mudassem de plano e que não fosse mais preciso

invadir Calidora e correr um risco tão grande. Mas
tudo ocorreu como esperavam.

Tales não quis participar da missão. Ele iria
continuar cuidado dos homens que se feriram e não
quis que nenhum de deles fosse à missão. Preferiu
espalhar-los pelo porto e nos arredores do castelo.

Cosmo também ficou. Ele seria mais útil no
castelo. Agora que a frota de submarinos estava
pronta, ele e sua equipe estavam começando a
desenvolver um armamento novo, para aqueles que
não sabem usar magia. Quando a coisa pegasse fogo
mesmo teríamos que ter todo o tipo de reforço
possível. Isso era péssimo.

Todos nós ficamos a semana criando as
estratégias de ataque. Tales e Cosmo, apesar de não
participarem da ação, ajudaram a bolar o plano.

– Você não acha que seria um pouco arriscado?
– Tales questionou uma sugestão de Alexis.
– Ganharíamos tempo. – Alexis se defendeu.
– Mas os riscos de serem pego aumentam
consideravelmente. – Tales continuava contra.
– Então o que você sugere? – Alexis perguntou.

– Que tal a parte norte? – Linfa deu a idéia – Ela
é uma parte pouco vigiada e não é tão distante do
castelo. Poderíamos entrar sem sermos vistos.
– E nos espalharmos entre o povo para não
chamar muita atenção. – Thalassa completou.
– É uma opção válida! – Cosmo sorriu satisfeito.
– Andaríamos um pouco, mas chegaríamos em
segurança com certeza. – Neandro, claro, comprou a
idéia de Linfa.
– Então está fechado. – Tales organizou as
idéias – Sairemos daqui a três dias, com dois
submarinos seguindo em frente e mais dois esperando
ao redor. Entraremos pela parte norte.
– Alexis, Nicardo e Beatriz irão seguir para o
caminho do castelo – Neandro começou a dividir
grupos – Linfa, Thalassa, Amadeus e eu iremos dar
cobertura.
– Por mim tudo bem. – Thalassa fez sinal
positivo com o dedo.
– Os grupos não serão problema. – Alexis
sorriu.
– Ótimo. – Neandro continuou – Quando eu der
o sinal os demais soldados irão invadir aos poucos e se
misturar com o povo.
– Quando o grupo de Alexis entrar no castelo,
vocês podem dar o sinal para atacar. – Tales continuou
a estratégia – Teremos que tomar muito cuidado nesta
hora. Eles estarão em maior número e atacaram com
toda a força.

– Alexis, Nicardo e Beatriz – Neandro voltou a
falar – Vocês irão aproveitar esse momento para
libertar todos os prisioneiros possíveis das masmorras
do castelo.
– Você realmente irá deixar Linfa lutar? –
perguntei.

– Pode confiar Beatriz. – Linfa sorriu – Eu
mando bem.
Não estava muito certa de que Linfa poderia
ser uma boa lutadora. Depois que inventaram essa
idéia, Neandro só fala de Linfa como se ela fosse uma
verdadeira amazona, coisa que não combinava em
nada com Linfa e seus belos cabelos loiros. Apenas seus
olhos azuis eram fortes. Seria ali que encontraríamos
essa Linfa guerreira?

No final do dia já estava tudo completamente
decidido. Nós entraríamos primeiro e depois os
soldados do primeiro submarino seguiriam atrás.
Iríamos nos misturar e esperar o momento certo para
começar o ataque. Daríamos o sinal para o outro
submarino e os outros soldados entrariam em ação. No
meio da confusão, Alexis, Nicardo e eu entraríamos no
castelo e libertaríamos os prisioneiros. Caso algo
falhasse, deveríamos recuar o mais rápido possível.
Não me pareceu um bom plano, mas o resto do grupo
aprovou. Mais uma vez fui voto vencido.

– Você não gostou do plano? – Alexis
perguntou enquanto me abraçava.

– Honestamente? – o fiz me abraçar mais forte
– Estou achando tudo arriscado demais.
– Ninguém disse que não seria arriscado. –
Alexis tentou dizer isso de uma forma delicada, mas
acabou saindo um pouco grosseiro.

– Eu sei. – suspirei triste – Mas eu queria que
tudo isso acabasse de uma forma que não colocasse
ninguém em risco.
– Você sabe que isso não é possível. – Alexis
deu um beijo na minha cabeça – Infelizmente isso é
uma guerra e em guerras sempre haverá riscos.
– Talvez se eu não me sentisse responsável –
aproximei minha cabeça para mais perto da de Alexis –
acho que aceitaria melhor tudo isso.

– Beatriz! – Alexis desfez o abraço – Não fique
carregando essa cruz tão grande. Cada um tem seu
destino e você não é responsável pelo mundo.
– E eu consigo? – sorri – Tento dizer isso a mim
mesma sempre. Mas acho que não sou muito boa em
me convencer de seja lá o que for.
– Mas aconteça o que acontecer você não
estará sozinha. – Alexis deitou em meu colo – Você tem
ao Neandro, a Thalassa, o Tales. Por mais que eu não
goste você tem o Nicardo e principalmente você tem a
mim. E eu posso garantir que, se depender de mim,
você nunca ficará sozinha.
– Você quando quer consegue ser muito bom
com as palavras. – passei a mão em seu cabelo.

– Eu sempre sou bom com as palavras! – Alexis
se gabou.
– Mas não pode elogiar mesmo! – o empurrei
do meu colo, mas logo o puxei de volta e o beijei.
– Eu gosto tanto quando estamos assim. Bem. –
Alexis sorriu.

– Eu também. – deitei ao lado dele.
– Pena que esse momento não pode durar para
sempre. – meu lado pessimista aparecendo.
– O céu está tão bonito hoje. – Alexis continuou
deitado.
– Realmente. – comecei a reparar – Esse céu,
essas luas. Sempre que aparecem eu sinto como se
fosse um aviso de que as coisas poderão melhorar.
– Então se apegue a isso. – ele se virou para
ficar rosto a rosto comigo – As coisas vão melhorar.
Você vai ver. Tudo vai voltar a ser como antes.
– Não. – sentei-me – Como antes eu tenho
certeza que não será. Muita coisa aconteceu. Muito foi
destruído. Muito foi perdido para sempre. E ainda tem
a ferida no coração dos que sofrem com o que está
acontecendo. Essa marca eles carregaram por toda
vida.
– A vida não é feita apenas de alegrias. – Alexis
segurou minha mão – Precisamos da tristeza. O
sofrimento e a dor são necessários para que possamos
crescer. Não existe obstáculos que não possamos
superar.
– Será? – perguntei.

– Pode ter certeza! – Alexis tentava me animar
com sorriso. Estava conseguindo.
– Espero que tenha razão. – deu um sorriso
forçado – Acho que senti algo pingando.
– Está começando a chover! – Alexis olhou para
o alto – Vamos entrar!
A chuva caiu mais depressa do que
esperávamos, mas conseguimos entrar na casa de
Neandro secos. Ou mais secos do que achamos que
chegaríamos. Não tinha ninguém na sala, mas ouvimos
barulho na cozinha. Provavelmente Linfa.

– Oi? – perguntei. Nenhuma resposta. – Oi? –
tentei de novo.

– Quem está na cozinha? – Alexis perguntou.
Ninguém respondeu.
Alexis fez sinal com a cabeça para entramos na
cozinha e verificarmos o que era. Apesar de já termos
anunciado para quem quer que estivesse na cozinha
que ele não estava sozinho, decidimos ir devagar.

– Mas o que é isso? – gritei.
Alexis ficou tão pasmo quanto eu. Era uma
cobra enorme. Muito grande mesmo. Provavelmente
uns 5 metros de largura e 2 de altura. Tinha o corpo
todo escamado em prata, com tons mais escuros na
cabeça. Seus olhos eram imensos e – assim como o
lobo que de hora em outra aparece para mim – tinha
duas chamas no lugar.


Ela fez um barulho estranho quando nos viu e
abriu a boca. Achei que iria nos engolir vivos, mas ela
fez o contrario. Recuou e fugiu atravessando a janela
como um fantasma e aos poucos foi sumindo.

– Você viu o que eu vi? – perguntei.
– Não sei. – Alexis estava gaguejando – Mas se
o que você viu foi uma cobra gigantesca, acho que a
resposta é sim.
– Ótimo! – tentei me acalmar – Louca pelo
menos eu sei que não sou.
– O que era aquilo? – Alexis continuava parado
no mesmo lugar.
– Não tenho certeza, mas acho que sei. –
respirei fundo.

– Acha que é obra de Bianor? – Alexis
começava a se movimentar novamente.
– Não. – fiz um sinal negativo com o dedo –
Lembra do lobo que eu te contem algum tempo?
– Aquele que aparecia muito em seus sonhos e
que você viu pela primeira vez nas montanhas? – Alexis
começava a voltar ao normal.
– Esse mesmo! – me sentei – Os olhos dessa
cobra. Eles eram os mesmos olhos daquele lobo. Você
sabe alguma coisa!
– Beatriz, o que eu sei é só lenda. – Alexis
achou graça.
– Aquilo pareceu lenda para você? – perguntei.
– Reza a lenda que Ofir foi criado por três
grandes irmãos guardiões. – Alexis começou a explicar

– Ansur, o mais novo, ficou encarregado de gerar a
terra e as águas, assim como tudo que cresce delas.
Astra, a do meio, criou tudo o que fica no céu, incluindo
o dia e a noite. E por fim vinha Anselm, o mais velho,
que se encarregou de dar vida ao mundo de Ofir.
– Conte mais. – o interrompi sem querer.
– Esse guardiões tinham forma de animais. –
Alexis prosseguiu – Ansur, a ave. Anselm, o lobo e
Astra, a cobra.

– Então você quer dizer que...
– Se tudo isso for verdade, acabamos de
encontrar com um dos guardiões mágicos. – Alexis
completou meu pensamento.
– Mas o que guardiões sagrados poderiam
estar querendo aqui? – perguntei.
– Eles criaram esse mundo. – Alexis começou a
acreditar na lenda – Eles podem estar tentando fazer
algo por esse mundo.
– Mas isso ainda não explica o fato de
encontrarmos um deles na cozinha. – estava intrigada.
– Acho que, se for para sabermos, vamos ter
que esperar e ver. – Alexis deu de ombros.
– O que está acontecendo? – Neandro entrou.
– Nós vimos uma cobra gi...
– Uma cobra girando. Quero dizer, rondando a
janela. – Alexis me interrompeu.
– Onde ela está? – Neandro perguntou.
– Já a espantamos. – Alexis e eu trocamos
olhares.

– Que estranho. – Neandro olhou pela janela –
Tantos anos vivendo aqui e nunca vi uma cobra por
essas redondezas.

– Mas com essas confusões que a guerra tem
gerado pode ter trazido algumas para cá. – Alexis
tentava disfarçar.
– Pode ser. – Neandro acreditou –
Provavelmente queria se esconder da chuva. Melhor
fecharmos a janela.

– Achei que estavam nos seus quartos. –
Neandro pegou um copo d'água – Todos já foram se
deitar.

– Ficamos um pouco lá fora, apreciando a
noite. – Alexis sorriu.
– Estava uma bela noite mesmo. – Neandro
voltou a olhar pela janela – Boa noite.
– Boa noite! – Alexis e eu falamos juntos.
– Por que não contou ao Neandro? – perguntei
assim que ele saiu.
– Ainda não temos certeza de nada. – Alexis
sussurrou – Acho melhor não ficarmos colocando mais
preocupações na cabeça deles. Vamos guarda isso só
para nós. Pelo menos até termos certeza do que se
trata.
– Tudo bem. – falei baixo – Mas só até termos
certeza.
– Agora vamos dormir. – Alexis desconversou –
Está tarde mesmo.

– Boa noite! – dei um beijo rápido em Alexis.

– Boa noite! – Alexis deu outro beijo.
E claro que não consegui dormir direito. A
possibilidade de ter visto um dos seres guardiões não
me saia da cabeça. Mas isso não era o mais confuso. O
mais confuso era o motivo que levou ao Anselm e a
Astra aparecerem por aqui. Provavelmente Ansur já
deve ter aparecido, voando por esse céu e eu nunca
reparei. O que eles estariam tramando? Provavelmente
algo bom. Ou será que não? Por um instante me
passou um terrível pensamento de que eles poderiam
estar planejando destruir o que criaram. Sim, Ofir
estava corrompida bem antes da minha chegada. Seria

o meu destino dar o golpe de misericórdia? Destruir
Ofir era a verdadeira missão que me foi designada?
Não queria pensar nisso.
Aos poucos fui ficando cansada e minhas
pálpebras foram ficando cada vez mais pesadas, até
que me vi em total escuridão. O sono sempre chega
para quem está cansado.


CAPÍTULO 11 / MUDANÇA DE PLANOS


O


s dias novamente correram feito maratonistas. Odiava
essa pressa toda que as horas tinham em passar. Até
pareciam estar querendo brincar com minha cara. De
qualquer forma eu já estava mais conformada com o
plano e acordei decorando cada passo que eu teria que
dar.

A cobra, ou melhor, Astra – a essa altura eu já
tinha me convencido de que o que eu e Alexis vimos
era realmente um dos guardiões – não apareceu.
Também não esperava que aparecesse novamente.
Alexis e eu continuamos mantendo em segredo a
aparição de Astra, por mais estranho que isso pudesse
parecer. O que Alexis temia?

Saímos bem cedo e seguimos para o porto.
Cosmo e sua equipe conseguiram mandar quatro
submarinos para lá sem chamar muita atenção. Os
submarinos percorreram um túnel subterrâneo. Assim
como todo bom castelo, o da Capital também tinha
seus segredos.

Alexis, Nicardo, Neandro, Linfa, Thalassa,
Amadeus e eu seguimos no primeiro submarino, junto
com mais oito soldados. O submarino estava maior que

o primeiro e mais bem equipado. Cada submarino
seguiu com 15 passageiros, totalizando um exercito de
60 soldados incluindo a "turma principal" – que agora
contava com Amadeus e Linfa como oitavo e nono

integrante. O número não é muito grande comparado
ao que vamos enfrentar, mas não podíamos deixar a
Capital desprotegida.

Minhas mãos gelaram no mesmo momento em
que entrei no submarino. Talvez só neste instante que
fui realmente perceber o que estávamos fazendo.
Acabei me sentindo um pouco idiota, mas meu
estômago embrulhou quando pensei nisso. Mas logo
passou. Tinha coisas muito mais importantes para fazer
naquele momento. Já era tarde demais para voltar
atrás.

– Você está preocupada? – Nicardo se
aproximou.
– Muito. – confessei.
– Não está confiando nesta missão? – ele
perguntava como se estivesse certo que tudo iria correr
bem.
– Não é questão de estar ou não estar
confiante. – consegui manter meu tom de voz – Minha
preocupação é com o que pode acontecer. Essa missão
pode seguir como planejada e mesmo assim perdemos
mais gente.
– Mas se perdemos alguém, já será algo fora do
planejado. – ele tentou usar um tom de piada, mas logo
se concertou quando percebeu que o assunto era sério.
– Você entendeu o que eu quis dizer. – disse
séria.
– Acho que sim. – desta vez ele falou com mais
seriedade.

– Eu sei que parece bobagem, mas eu sinto que
se algo acontecer a qualquer um nessa guerra será
culpa minha. – fitei o chão.
– Não fique guardando tanta responsabilidade
para si própria. – Nicardo sorriu – Não é tarefa sua
manter todos seguros.
– Claro que é! – falei mais alto do que gostaria
– Eu vou salvar Ofir. Ou destruir-la.
– Algum problema por aqui? – Alexis
praticamente se materializou do nosso lado.
– Só estávamos conversando. – Nicardo
respondeu calmo.
– Poderia me juntar à conversa? – Alexis falou
em um tom mais grosseiro do que educado.
– Sente-se! – Nicardo fez um gesto com a mão
– Estava tentando convencer essa garota de que não é
responsabilidade dela cuidar de todos.
– Ainda essa história? – Alexis se sentou quase
bufando.
– Sim! Ainda essa história. – respondi nervosa.
– Beatriz, eu já disse que todos que estão aqui
sabem dos riscos. – Alexis segurou minha mão – E eles
querem fazer isso. Aposto como eles se sentiriam
humilhados se fossem deixados de fora dessa luta. Eles
estão fazendo isso não só pela honra a Ofir, mas por
eles próprios.
– Alexis tem razão Beatriz. – Nicardo cortou o
impulso de segurar minha outra mão – Se algo
acontecer...

– Para de insinuar que pode acontecer algo! –
novamente falei mais alto do que gostaria.

– Tudo bem. – Nicardo se levantou – Só não
tome todo o peso do mundo para você.
– Acha mesmo que eu não já tentei? – voltei ao
meu tom normal – Eu tento colocar na minha cabeça
essa maldita idéia, mas não entra. Provavelmente meu
cérebro entraria em curto se eu insistisse mais.
– Você é realmente uma caixinha de surpresa
Beatriz. – Nicardo sorriu – Sabe que desde que voltei da
Terra nunca mais consegui ver o que se passa na sua
cabeça?
– Engraçado. – esqueci da batalha que
estávamos prestes a travar – Eu também não consigo
mais ver a mente de ninguém. Quando voltei do meu
"coma" eu ainda sentia as intenções das pessoas, às
vezes conseguia visualizar exatamente o que se
passava dentro da cabeça de cada um. O que será que
houve?
– Eu continuo sabendo o que se passa na
cabeça de todos. – Nicardo sorriu – Mas quando tento
ver sua mente... É estranho.
– Como assim estranho? – fiquei assustada.
– Não é como se não houvesse nada. – ele
agora parecia falar para si próprio.
– Você está me assustando. – falei.
– E está me assustado! – Alexis arregalou os
olhos.

– As coisas que passam na sua mente são um
absoluto mistério para mim. – Nicardo voltou para nós
– Elas aparecem e desaparecem. É como se sentissem
que estão sendo observadas e se escondessem de mim.
– Definitivamente eu estou com medo. –
levantei.

– Aonde você vai? – Alexis perguntou.
– Para ali. – apontei para uma direção qualquer
– Não há muitas opções dentro desse submarino.
Mesmo ele sendo do tamanho que é.
– Desculpe Beatriz, mas não pude controlar. –
Nicardo se levantou – E que quando começo a pensar
nisso...

– Tudo bem. – o interrompi – Se você puder
nunca mais falar sobre esse assunto já estará mais que
desculpado.
– Entendi. – ele sorriu.
– Chegamos! – Neandro me assustou.
– Já? – falei alto.
– Cosmo fez várias melhorias nesses
submarinos. – Neandro deu um leve sorriso.
– Ótimo. – bufei – Chegou à hora.
– Beatriz – Alexis me abraçou – você tem que
pensar positivo.
– Claro! – fiz cara de deboche – É muito fácil
pensar positivo em casos como esse.
– Você está muito nervosa! – Neandro me fitou
assustado – Não deveria ficar tão tensa antes de uma

luta. Estamos todos nervosos, mas temos que tentar
manter a calma.

– Para vocês é muito simples. Não serão vocês
que irão salvar ou destruir Ofir. – gritei.
– Beatriz! – Alexis ficou sério – O que está
acontecendo com você? Eu já não estou te
reconhecendo. Você sempre foi um pouco estressada,
mas agora está exagerando.
– Alexis – respirei fundo – Tudo bem. Eu já
estou melhor. Você tem razão, acho que estou
exagerando um pouco. Podemos seguir para a missão?
– Podemos? – Neandro rebateu olhando
diretamente para mim.
– Podemos! – tentei parecer confiante.
– Ótimo! – Neandro sorriu – Vamos seguir com
a missão.
– Quando quiser! – Alexis tentou quebrar o
clima dando uma entonação mais cômica a frase.
Estava tudo saindo como planejado. Assim
como havia sido previsto, a parte norte de Calidora não
havia uma viva alma. Na verdade havia alguns guardas,
mas eles pareceram não perceber e estavam um pouco
distantes.

Neandro saiu na frente e Alexis o seguiu.
Depois saíram Nicardo e Amadeus e por fim Thalassa,
Linfa e eu. Seguimos disfarçados até o caminho que
levava para a cidade do castelo. Neandro deu o sinal e
um dos soldados que estava de vigia começou a
comandar os homens que haviam viajado em nosso


submarino. Eles se espalharam pelo local e pegaram os
guardas de surpresa. Assim que a barra ficou limpa eles
deram o sinal para os homens do outro submarino.
Seguimos todos para a cidade.

Calidora não parecia mais a mesma. As casas
medievais deram lugar a mansões imensas e luxuosas.
As pequenas lojas que existiam ali, agora eram quase
um shopping de tão grandes. Seja lá o que Bianor
estivesse planejando, de uma coisa eu tive certeza
quando vi a cidade: Bianor quer tudo, menos destruir
Ofir. Mas existe algo de muito errado nisso tudo.

Continuamos seguindo discretamente.
Espalhamos-nos com o povo, que parecia bem menor
agora. Outra coisa estranha foi as expressões das
pessoas. Elas pareciam tão superficiais e egoístas.
Andavam e agiam como se existissem apenas eles no
mundo. Calidora estava virando um reino de magnatas
e isso era definitivamente estranho.

– Você também percebeu? – Alexis cochichou.
– Que está tudo muito estranho por aqui? –
perguntei.

– Bianor fez alguma coisa muito séria. Ainda
não sei dizer o que. – ele olhava em volta.
– Mas desconfia. – completei.
– Sim. – ele continuava olhando ao redor –
Desconfio.
Não sabia do que Alexis desconfiava e nem me
lembrei de perguntar. As coisas estavam rumando para


um caminho tão inesperado que começava a temer
pelo pior. E isso, claro, não era nada bom.

– Vamos seguindo para o castelo. – Nicardo
apareceu.
– Vamos. – Alexis não tirava os olhos das
pessoas ao redor.
– Isso aqui está mais sinistro do que filme de
terror japonês. – deixei escapar.
– O que? – Alexis perguntou confuso.
– Esquece. – fiz um sinal com a mão – Vamos
seguir com o plano.
– Espere! – Nicardo entrou na minha frente, o
que me fez acabar derrubando Alexis perto de uma
árvore.
– Está maluco? – Alexis falou baixo.
– Olhe. – Nicardo se agachou.
Os portões do castelo estavam sendo abertos.
Ouvimos sons de cavalo e nos deparamos com uma
cena tão bizarra quanto a do povo estranhamente frio.
Uma fumaça preta surgiu no ar e foi se transformando
em um imenso corcel negro. Logo em seguida asas tão
imensas quanto o animal surgiram e uma imagem
começou a se formar, montada no cavalo. Era Bianor.
Meu coração gelou quando vi aquela imagem subindo
aos céus e sobrevoando a cidade. Mas o susto de ser
descoberto passou assim que ele sumiu da mesma
forma que apareceu. A coisa estava realmente ficando
séria.


– Acho melhor esperar pelo sinal de Neandro. –
falei.

– Mas que cheiro estranho é esse? – Nicardo
franziu o nariz – Está vindo da direção do Alexis.
– O que? – Alexis se assustou – Não fui eu. Juro.
Eu não faço essas coisas na frente dos outros.
– O que é isso debaixo da sua mão? –
perguntei.

– O que? – Alexis se levantou.
– É uma flor! – falei – Você esmagou a
pobrezinha.
– E era ela que estava soltando esse cheiro. –
Nicardo cheirou a flor.

– Olhe! – falei um pouco alto – Ela está
voltando ao normal.
– Que planta estranha! – Alexis falou.
– De que espécie ela pertence? – perguntei.
– Nunca vi antes. – Nicardo fitava a flor.
– Corram! – Alexis gritou.
Virei rapidamente. Havíamos sido descobertos.
Os guardas que estavam vigiando o castelo estavam
vindo em nossa direção. Não tínhamos outra saída
além de seguir o conselho de Alexis. Avistei Neandro e
Linfa de longe. Eles não haviam sido descobertos, mas
já tinham reparado que o plano não estava correndo
como o planejado.

– E agora? – gritei enquanto corríamos.
– Acho que teremos que lutar. – Nicardo
respondeu.

Nicardo parou e virou uma cambalhota se
pondo frente a frente com os guardas. Ele puxou uma
das espadas da mão de um dos guardas e começou a
defender os golpes que já começavam a ser investidos
contra ele e contra nós.

Vi Neandro fazendo sinais para Linfa e um dos
soldados que estava no nosso submarino repetindo
para os demais. Agora a coisa iria ficar feia de verdade.

Neandro retirou o disfarce e veio nos ajudar.
Logo outros guardas de Calidora apareceram e as
pessoas que estavam na praça simplesmente pararam
tudo o que estavam fazendo e ficaram observando, de
longe, toda a confusão.

Thalassa também entrou em cena e logo em
seguida Amadeus também mostrou as caras e por fim
Linfa apareceu, com duas grandes espadas na mão.
Não sabia onde ela havia encontrado, mas eram belas
espadas. E para minha surpresa, ela sabia usar-las
muito bem.

Linfa lutava com um hibrido de delicadeza e
fúria que nunca havia visto antes. O modo como ela se
defendia e atacava era impressionante. Ela não parecia
à mesma Linfa que eu conhecia. Mas mesmo com
passos e golpes delicados, havia algo de feroz em seus
ataques. Seus olhos pareciam os de um tigre de olho
em sua presa.

Amadeus e Thalassa estavam lutando em
conjunto com alguns soldados, fazendo golpes que se
fossem ensaiados não sairiam tão perfeitos. A sincronia


era perfeita. Ela saltava dos braços de um para os de
outro, pegando impulso enquanto atacava pelos ares.
Amadeus usava as costas de um soldado para por mais
força em seus chutes, enquanto suas espadas batiam
com a mesma força nas armaduras, perfurando-as.

Neandro, Alexis e eu estávamos apenas nos
defendendo. Haviam mais guardas ao nosso redor e
qualquer movimento precipitado poderia ser perigoso.
Tentávamos nos afastar, mas estava muito difícil. Os
guardas não davam trégua e atacavam com toda a
força. Havia perdido Nicardo de vista e desejava que
ele estivesse por perto, preparando algo para nos
ajudar.

Notei que mais soldados estavam aparecendo.
A batalha já estava ficando fora do controle. Não queria
que chegasse a tanto.

Thalassa e Amadeus começavam a ter
dificuldades para lutar. Por varias vezes quase foram
atingidos, mas não demorou muito para Linfa aparecer
e dar um reforço. Era estranho, mas eu não estava
conseguindo pensar em nada. Minha mente estava
completamente perdida e desesperada. Só conseguia
defender e defender.

– O que está havendo aqui? – falei um pouco
alto.
– A situação está ficando insustentável. –
Neandro cochichou para ele mesmo.

– Lutamos? – sugeri.
– Não há outra alternativa. – Alexis respondeu.

E realmente não havia. Precisávamos sair
daquilo ou acabaríamos sendo derrotados pelo
cansaço.

Consegui executar uma magia de água e afastar
os guardas. Alexis aproveitou a deixa para tomar
distancia e fôlego. Neandro fez o mesmo. Ataque com
mais golpes d'água e Alexis começou a atacar com suas
espadas. Neandro usava suas espadas de gelo.
Começamos a ter alguma vantagem, mas ainda era
muito pouco. Toda aquela situação não estava
ajudando a me fazer ficar concentrada na luta. Acabei
perdendo o equilíbrio.

– Beatriz! – Neandro gritou – Cuidado!
Uma espada veio em minha direção. Se
Neandro não tivesse avisado teria me acertado, mas
ainda sim fui atingida de raspão no ombro. Alexis
correu e me empurrou para trás dele, atacando os
guardas que estavam na minha frente. Levantei e tomei
fôlego antes de defender outro golpe que veio feito
relâmpago. A situação estava ficando perigosa demais
e iríamos perder se continuássemos neste ritmo. Até
que aconteceu.

– O que é isso? – Neandro gritou. Um berro
aterrorizante ecoou pela praça.
– Não creio no que vejo! – Alexis caiu para trás.
Literalmente.
Todos de repente pararam a batalha e ficaram
desesperados com a imagem que surgia. Uma sombra


que ocupava toda a praça. Um dragão enorme. Todos
se desesperaram.

A correria foi geral e neste momento acabamos
virando algo insignificante. Ao que parecia aquilo não
pertencia a Calidora e os guardas começaram a atacar

o monstro que se aproximava.
– Rápido e a nossa deixa! – Neandro sussurrou
enquanto fazia alguns sinais. Todos entenderam.
Alguns guardas tentaram impedir nossa fuga,
mas o pandemônio que se formou era tão grande que
acabamos conseguindo nos livrar deles com facilidade.

Corremos o mais longe que pudemos. Quanto
mais andávamos, mas surpresas tínhamos com as
mudanças que ocorreram em Calidora. Chegamos até
uma estrada de terra, que levava em direção a uma
floresta – ou o que havia restado dela. Resolvemos nos
esconder por ali temporariamente.

– Estão todos bem? – Neandro perguntou.
– Sim. – quase todos responderam em coro.
– Ótimo. – Neandro suspirou aliviado – Os
submarinos ficaram vazios?
– Não. – um dos soldados respondeu –
Achamos melhor mandar apenas metade dos homens.
Ainda tem soldados escondidos.

– Bom. – Neandro deu outro suspiro de alivio –
Realmente muito bom.
– Mas de onde surgiu aquilo? – perguntei.

– Seja lá de onde, veio em boa hora. – Neandro
estava ofegante – Só espero que isso não seja mais um
problema para nós. Estão todos aqui.
– Acho que sim. – Linfa olhava entre os
soldados.
– Espere um minuto! – também estava
observando – Onde está Nicardo e Amadeus?

CAPÍTULO 12 / REENCONTROS E REENCONTROS


U


m aperto enorme invadiu o meu coração. Nicardo e
Amadeus desaparecidos. Imediatamente eu pensei no
pior e constatei o quanto eu estava sendo pessimista
nos últimos meses. Mas creio que qualquer pessoa no
meu lugar agiria da mesma forma. Ou não?

– Precisamos achar-los! – Linfa me acordou dos
meus pensamentos.
– Claro! – disse impulsivamente – Eles podem
estar em perigo. Precisamos voltar!
– Voltar? – Alexis se assustou.
– Sim, voltar! – falei alto.
– Beatriz, eu entendo sua preocupação. – Alexis
se aproximou – Por mais que eu não goste daqueles
dois, não quero que nada de ruim aconteça.
– Não Alexis. – Neandro interrompeu – A
Beatriz tem razão. Não podemos deixar ninguém para
trás. Não desta forma.
– Você está de acordo com essa idéia? – Alexis
se assustou.
– Eu iria sugeri exatamente isso. – Neandro
ficou sério.
– Eu também acho que devemos voltar. –
Thalassa apoiou a idéia.

– Vocês estão calculando o risco do que
pretendem fazer? – Alexis perguntou.
– Eu sei exatamente o risco que iremos correr –
Neandro continuou defendendo a idéia – e sei que os


dois correriam o mesmo risco se qualquer um de nós
estivesse no lugar deles.

– Mas não sabemos como está a Praça de
Calidora. – Alexis continuava contra – Depois que
aquele dragão, ou o que for aquilo, apareceu... Gente é
loucura!
– E o que você sugere? – Neandro perguntou –
Abandonar os dois sem sequer saber o que aconteceu?

– Alexis, eles são nossos amigos. – Thalassa
tentou convencer-lo – Amigos não abandonam amigos.
– Eu sei disso...
– Se sabe o que ainda está fazendo? –
interrompi – O que todos nós estamos fazendo?
Perdendo tempo?

– Beatriz! – Alexis falou alto – Você sempre é a
primeira a ser contra planos arriscados. O que deu em
você agora?
– Alexis, não me faça perguntas difíceis. – fui
sincera – A única coisa que tenho certeza e que não
posso deixar que nada de ruim aconteça a ninguém.
Apenas isso.
– Mulheres são assim e ponto. – Linfa sorriu –
Acho que isso é uma das milhares de coisas que vocês
homens nunca entenderam.

– Tudo bem. – Alexis levantou a mão – Desisto.
Se for o que vocês querem, não serei eu que tentarei
impedir.
– Mas você vai vir conosco! – falei.
– O que? – Alexis se assustou.

– É claro! – consegui sorrir – Pensou que iria
ficar na moleza enquanto nós enfrentamos sabe-se lá o
que?
– Estava bom demais! – Alexis bufou – Eu vou.
– Muito bem. – dei um tapinha em suas costas.
– Ótimo! – Neandro foi para o meio do grupo –
Os soldados podem voltar para o submarino. Será mais
seguro manter o maior número de homens em
segurança caso algo dê errado.
– Você está falando sério? – Alexis gritou.
– Alexis, se chegarmos aos montes
chamaremos muita atenção. – Neandro explicou –
Mesmo que a praça esteja uma loucura, não podemos
arriscar perder ninguém.
– Claro. – Alexis ficou nervoso – Salvem os
soldados e o resto que se...
– Alexis! – tapei a boca dele – Não há crianças
no recinto, mas continua sendo feio falar palavrões.
Sobrevoamos a cidade devagar. Tentamos não
arriscar procurar por Nicardo e Amadeus por terra.
Tive uma nova surpresa com Linfa. Ela sabia
voar. Ela já havia me contado que Neandro ensinou
alguma coisa de magia, mas nunca pensei que chegaria
a esse ponto. Ela deveria ter treinado muito ou eu
sabia menos da Linfa do que julgava.

Chegamos à praça mais rápido do que
imaginávamos e encontramos uma confusão ainda
maior do que a que havíamos criado. Eram pessoas


correndo desesperadas para todos os lados e guardas
tentando controlar a situação. De repente era como se
todos tivessem acordado. Apesar do desespero, agora
eles pareciam pessoas com alma.

– Vocês estão vendo o dragão? – perguntei.
– Parece que ele sumiu. – Neandro olhava ao
redor.
– Então qual é o desespero dessas pessoas? –
fitava o povo correndo.

– Não faço à mínima. – Neandro também
começou a fitar – Mas seja lá o que for está assustando
de verdade essas pessoas.
– Mas seja como for nós não iremos encontrar
ninguém no meio dessa confusão. – Linfa tentava
enxergar algo.
– Acho melhor descermos. – Neandro falou um
pouco cansado.
– Acho que podemos descer ali. – Alexis
apontou para um ponto mais isolado da praça. Bem
perto do castelo.
Descemos e nos escondemos atrás de alguns
arbustos. Estávamos ainda cansados da batalha. As
pessoas continuavam correndo como se a vida delas
dependesse daquilo e aparentemente ninguém nos viu.

– Será que eles estão no meio desta confusão?
– Linfa observava por entre as folhas do arbusto.
– Espero que estejam bem. – disse enquanto
me sentava.

– As pessoas estão exageradamente
desesperadas. – Linfa continuou observando – O
mundo acabou e eu não fiquei sabendo?
– Acho que você não chutou tão longe. – falei –
Este mundo está acabando, isso não há dúvidas.

– Nós vamos ficar parados aqui? – Alexis
perguntou.
– Não. – Neandro começava a se recompor –
Vamos começar a procurar.
Respirei fundo e levantei. Mas algo muito
estranho começou a acontecer. A parte onde eu estava
começou a tremer e descer. Era como se um pedaço da
terra estivesse caindo. Ou alguém acionando o
elevador na parte térrea.

– Mas o que está acontecendo? – dei um salto
para o lado.
Aos poucos o buraco revelou uma escada e um
túnel. Isso sim era muito estranho.

– Uma passagem? – Neandro estranhou.
– Ou pelo menos se parece com uma. – Alexis
também parecia não ter entendido.
– Como será que abriu? – Linfa perguntou.
– Eu sentei nessa área. – falei e imediatamente
fui procurar algum tipo de botão que eu pudesse ter
acionado. Não achei nada.
– Para onde ele vai levar? – Thalassa
perguntou.
– Provavelmente para o castelo! – Neandro
arregalou os olhos – Claro!

– Será? – perguntei.
– Só há um jeito de saber. – Linfa se prontificou
a descer.
– Então vamos fazer o seguinte – Neandro
começou a dividir o grupo. Senti-me em um episódio
de Scooby-Doo – Beatriz, Linfa e Thalassa descem pela
passagem. Se ela sair no castelo tentem ir para as
masmorras e libertem os prisioneiros. Alexis e eu
vamos procurar Nicardo e Amadeus por aqui.
– Ei! – Alexis falou alto.
– Silêncio! – Neandro colocou o dedo na frente
da boca – E sem reclamações!
– Mas não vai ser perigoso ficar só vocês dois
no meio dessa confusão? – perguntei.
– Vai ser perigoso para vocês se essa passagem
sair em outro lugar. – Neandro falou – Até mesmo se
sair no castelo será perigoso.
– Mas estamos em três. – falei.
– Eu valho por dois. – Neandro brincou – Agora
vão!
Linfa, que já estava à frente, presenteou
Neandro com um sorriso de força e desceu. Logo atrás
estava Thalassa, que também parecia não gostar muito
da idéia de explorar um desconhecido túnel que pode
dar para qualquer lugar. Eu fui a ultima a descer e de
cara não gostei nada do que vi.

Assim que descemos a passagem se fechou e a
escuridão tomou conta do local. Fiz aparecer uma


chama com minha mão esquerda e não precisou andar
muito para reconhecer o local. Era exatamente o
mesmo corredor que Nínive usava em suas passagens
mágicas. E continuava achando aquele lugar
extremamente estranho e perigoso. Algo digno de
dúvida. Mas a Nínive já havia nos ajudado tantas vezes.

– Que lugar peculiar. – Linfa reparou.
– E como. – disse para mim mesma.
– Para onde ele vai nos levar? – Linfa
perguntou por perguntar.
– Esse é o mistério. – deixei escapar.
Mas havia algo de diferente nesses corredores.
Não sabia explicar o que era, mas sabia que existia algo
ali que não estava presente da primeira vez que estive
"passeando" por eles. Era uma sensação totalmente
nova, um desespero diferente. Não estava gostando
nada disso.

Não precisamos andar muito para chegar a
uma saída. Na verdade a impressão que deu foi de que
a porta simplesmente se materializou na nossa frente.
E como em Ofir tudo pode acontecer, hesitei em abrirla.
Linfa tomou a frente da situação.

Saímos exatamente onde queríamos sair. Acho
que tinha me esquecido desse detalhe. As passagens de
Nínive sempre saiam nos lugares onde desejávamos
sair.

As masmorras continuavam as mesmas. Sujas,
escuras e repleta de inocentes. Estávamos dentro de
uma das celas e a passagem havia desaparecido. Não


que isso fosse realmente um problema, mas fiquei um
pouco preocupada. Talvez o Alexis e o Nicardo tenham
razão em dizer que estou levando tudo a sério demais.

Ouvimos barulhos de guardas se aproximando
e resolvemos nos esconder. Pegamos alguns panos
velhos que estavam na cela e tapamos rapidamente
nossos rostos. Os guardas passaram conferindo cela
por cela. E eu já estava gelando.

Vagarosamente um dos guardas chegou a
nossa cela. Ele olhou e olhou e olhou mais uma vez.
Isso estava sendo péssimo.

– Quem são vocês? – meu coração quase
parou.
– Nós? – Linfa tentou parecer segura.
– Sim, vocês! – o guarda se irritou.
– Prisioneiros. – Linfa continuava disfarçando o
nervosismo em sua voz.
– Levante-se! – o guarda enxerido agora
ordenava – Todos vocês! Quero ver seus rostos!
– O que? – deixei escapar.
– O que você está fazendo? – o outro guarda
chegou.
– Quem são esses? – o guarda enxerido
perguntou nervoso.
– Você decora? – o outro perguntou – Eu só
lembro o número. Nunca rostos, quanto mais nomes.
Só números. São três nessa cela e existem três nesta
cela. Para mim está tudo certo.

O enxerido olhou mais uma vez para nós e
pareceu não se convencer de que estava tudo
realmente certo.

– Desta vez eu vou deixar passar. – ele falou
quase como se sentisse nojo.
– Fomos salvas por pouco! – Thalassa suspirou
aliviada depois que os guardas se foram.
– Eu diria mais, diria que fomos salvas por
muito pouco. – Linfa brincou.
– Olhe! – Thalassa falou um pouco alto.
– A passagem apareceu outra vez. – estranhei.
– Essa história está ficando um tanto bizarra e
confusa. – Linfa também estranhou – Mas vamos fazer
o que temos que fazer.
– Isso! – Thalassa se animou.
Quebrar as grades sem fazer grandes barulhos
não foi o problema. Consegui fazer isso com uma
rapidez ninja. O grande problema era controlar as
pessoas e fazer-las passar pela passagem rapidamente
e organizadamente. Quase pensei que não fossemos
conseguir, mas no fim deu tudo certo. Todos os
prisioneiros haviam sido libertados. Apesar de não
confiar muito naquela passagem, sabia que a eles ela
não traria danos.

– Missão cumprida! – Thalassa ergueu a mão
para que pudéssemos bater uma nas outras.
– Agora, aproveitando que estamos aqui,
poderíamos já ir procurando por Nicardo e Amadeus. –

Linfa sugeriu – Eles podem ter entrado no castelo.
Podem ter sido capturados e levados para outro lugar.

– Mas como iremos fazer isso sem chamar
atenção? – perguntei.
– Se todas as masmorras agirem da mesma
forma eu sei como. – Linfa sorriu.
– Levando em conta que estamos em um reino
dominado por um louco psicótico e que nada é como
costuma ser, qual seria essa solução?
– Sigam-me! – Linfa continuou sorrindo – Em
silêncio.
Fizemos exatamente o que ela pediu e
seguimos em direção a saída das masmorras. Já estava
imaginando qual era o plano de Linfa e poderia dar
certo. Precisaríamos ser rápidas. Se conseguíssemos
isso o plano correria exatamente como o planejado.

A primeira parte do plano estava seguindo
bem. Os dois guardas estavam de vigia na porta. Eles
andavam de um lado para o outro feito sonâmbulos,
mas sem os braços esticados. Era mais parecido com
uma hipnose, mas no caso deles eu sabia que era sono
mesmo.

Seguimos devagar e esperamos o momento em
que eles paravam para descansar. Os dois estavam tão
sonolentos que parecia até um pecado o que
estávamos prestes a fazer de tão fácil que seria.


Thalassa e eu continuamos esperando
enquanto Linfa passava para chamar atenção deles. A
principio eles ficaram sem ação, mas depois acordaram
e se prepararam para agir, mas Thalassa e eu
conseguimos ser mais rápidas e golpeamos os dois
pelas costas. Caíram desacordados na mesma hora.

– Ótimo! – Linfa resmungou – Só temos duas
armaduras.
– Eu sigo invisível atrás de vocês, não se
preocupe. – tentei reconfortar-la.
– Tem certeza? – Thalassa perguntou – Não
sabemos quanto tempo ficaremos andando. Mesmo
você pode ficar sem energia se abusar demais.
– Tudo bem. – sorri – Eu vou ficar bem.
– Acho que não será necessário. – uma voz
surgiu na escuridão. E eu já sabia quem era.

CAPÍTULO 13 / ILUSÕES


T


ive que evitar um surto de gritos quando nos

deparamos com Nínive. Thalassa e Linfa ficaram

apavoradas, mas eu sabia que era sem necessidade.

Algo me dizia que Nínive está aqui para nos ajudar.
Era como se eu pudesse confiar nela. Mas será que eu
realmente poderia?

Linfa tentou falar, mas foi impedida por Nínive
que pediu silêncio colocando o dedo indicador na
frente da boca.

– Esperem um minuto! – consegui ler os lábios
de Nínive.
Não sabia exatamente o que estava
acontecendo, mas achei melhor continuar fazendo o
que Nínive sugeria. De repente ela estava no comando
de tudo agora, o que me fez sentir um pouco estranha.

Nínive olhou em volta, como se quisesse ter
certeza que não estava sendo observada por ninguém.
Ela então voltou para mais perto de nós três e fez um
sinal com a mão pedindo para que esperássemos mais
um pouco.

Não sabia explicar bem o motivo, mas a
presença de Nínive me fazia ficar mais confiante. Ela
trazia uma segurança transparente e sentia como se ela
não fosse deixar nada acontecer com nenhuma de nós.
Mas ela não era tão digna de confiança. Ou era?

Nínive respirou fundo e abriu outro portal.
Novamente fez um sinal pedindo silêncio antes que


qualquer uma de nós pudesse respirar. Ela gesticulou
para que entrássemos e foi exatamente o que fizemos.
Ela entrou e fechou o portal como se houvesse um
zíper invisível na entrada.

– Pronto – ela quebrou o silêncio – Agora
podemos conversar com segurança.
– O que está havendo? – perguntei – E o que
quis dizer com "conversar com segurança"?
– Eu também estava com saudades de você
Beatriz. – ela sorriu – Bianor está dominando toda a
Calidora com seus poderes mágicos. Tudo nesse reino
acontece de acordo com os caprichos de Bianor. E para
que ele tenha certeza de que não está sendo traído, ele
colocou ouvidos em todas as paredes do castelo.
– Ouvidos? – estranhei – Claro! Aquele mesmo
truque que ele usou em Leander quando estive aqui da
primeira vez.
– Exatamente. – Nínive sorriu – Eu não estava
muito ligada a Bianor nesta época, mas eu me lembro
do acordo que ele fez com a velha Elma. Aquela velha
cadela.
– Mas tecnicamente estamos dentro do
castelo. – lembrei.
– Não. – Nínive respondeu com grande
tranquilidade – Na verdade todo esse longo corredor
não passa de um ilusão criada por mim. Essa é a minha
magia. Eu crio ilusões. Até mesmo aquelas passagens
são obras de ilusão, mas na realidade elas só existem se

eu quiser que elas existam. A passagem que trousse
vocês até aqui, por exemplo, não existe mais.

– Espere! – falei alto – Você nos trousse para cá
de propósito?
– Sim. – ela respondeu – Vocês só conseguiram
entrar sem serem notados por Bianor por causa disso.
O selo da minha magia não permite que Bianor sequer
saiba que eu faço esses truques.
Por um instante eu fiquei completamente sem
palavras. Nínive era simplesmente incrível. Bianor era o
mago mais poderoso deste mundo e ainda assim ela
conseguia enganar-lo. Bianor realmente não deve estar
sabendo administrar todo esse poder. Ou seria a Nínive
que, por mais absurdo que pareça, consegue ser mais
poderosa que Bianor? Quem estava sendo usado por
quem? Agora a coisa começou a me assustar.

– Está me olhando de forma tão estranha
Beatriz. – Nínive me fitou confusa.
– Não é nada. – continuei fitando-a – Apenas
algo que estive pensando.
– Pensar às vezes pode encher sua cabeça de
idiotices. – ela sorriu – Tente não raciocinar tanto.
Vocês duas também. Digam alguma coisa, mas não
pensem demais.
– Eu não tenho muito a declarar. – Linfa olhava
ao redor – Tudo aqui parece um pouco lúdico. Eu sinto
como se não houvesse chão.

– Mas não há chão. – Nínive sorriu – Esqueceu
que isso é apenas uma ilusão. Ela será o que quiser que
seja. Se não há chão para você, não haverá chão.
– Mas eu quero que tenha chão. – Linfa
começou a falar – Um belo gramado. Uma grande
árvore. O quintal da minha casa, Neandro ao meu lado.
– Muito bem. – Nínive suspirou – Se é o que
você quer e o que terá.
– Meu quarto. – Thalassa começou a falar –
Meu quarto no castelo de Neide. Sinto tanta falta do
meu quarto. Minhas coisas. Eu deixei tudo para trás.

– E você quer que isso aqui seja seu quarto. Ele
pode ser seu quarto. Basta você querer e ele se
tornará. – Nínive falava suavemente.
– O que você está fazendo? – perguntei
assustada.
– Nada de mais. – Nínive sorriu – Estou apenas
dando a elas uma forma de relaxar. Elas buscaram
aquilo que as deixam mais calmas. Aquilo que as relaxa.
Elas irão acordar bem mais leves.
– Eu não sei explicar, mas eu sinto que posso
confiar em você. – falei.
– E não poderia confiar por quê? – Nínive
continuou sorrindo.
– Não sei. – uma estranha sensação tomou
conta de mim. Eu queria apenas falar a verdade para
Nínive – Você me transmite segurança. Eu sinto como
se você pudesse me proteger. Mas você está do lado de
Bianor. Isso não é motivo o suficiente para desconfiar?

– Motivo suficiente? – Nínive continuou
sorrindo – Você está raciocinando demais. Não deveria
ligar a minha pessoa com a de Bianor. Mas acho que
você não quer descansar agora. Tudo bem, não há
pressa. Conte-me algo.
– Algo? – continuei me sentindo estranha –
Alexis e Neandro estão atrás de Nicardo e Amadeus.
Eles desapareceram depois que um dragão imenso
surgiu na praça. Você os viu?

– Não. – Nínive continuava sorrindo – Eu não vi
meu querido irmão. Nem o Amadeus.
– Mas você não conhece o Amadeus! – senti
um baque dentro de minha cabeça. Como se tivesse
dormindo e acordado de repente.
– Beatriz, já disse para não pensar tanto. –
Nínive agora não estava mais sorrindo. Estava séria –
Pensar não faz bem. Eu já disse. Mas de qualquer
forma, continue me contando tudo.

– Eu não deveria, mas estávamos tentando
sabotar o exercito de Bianor. – falei sem pensar – Não
queremos, quer dizer, queremos fazer com ele o
mesmo que ele está fazendo com a gente. Ele está nos
sabotando.
– Mas isso é um erro. – Nínive voltou a sorrir –
O exercito de Bianor não está aqui.

– Não? –senti minha voz sair um pouco
sonolenta.
– Bianor mandou seu exercito para Menelau. –
Nínive falou – Ele está treinando seus homens por lá.


Todos os dias ele segue com aquele cavalo alado para
Menelau, só para ver se tudo está saindo como ele
deseja.

– E o que ele deseja? – perguntei
instintivamente.
– Não acha que está querendo saber demais? –
Nínive soltou uma risada – Agora seja uma boa garota e
pare de pensar, para o seu próprio bem. Você não quer
descansar como suas amigas?

– Não! – novamente senti minha cabeça
acordando – Eu preciso estar atenta. Eu não posso
deixar que nada aconteça com nenhuma delas. Com
ninguém para ser mais completa.
– Você se preocupa demais com os outros e
quase não se importa com você. – Nínive voltou a ficar
séria – Seja um pouco mais egoísta Beatriz. Esqueça
todo mundo e pense em você. Se coloque em primeiro
lugar. Você vai ver como é bom.
– Não posso fazer isso. – sentia que estava
lutando contra algo dentro de mim.
– Claro que pode. – Nínive continuava séria –
Ninguém irá morrer se você pensar um pouquinho em
você. É só uma descansadinha, não é nada que seus
outros amigos não já tenham feito. Eles não pensaram
em você. Eles nunca pensam em você. Apenas você
pensa neles.

– Apenas eu... – minha cabeça começava a doer
– Eles estão sempre tão bem. Estão felizes.

– Isso – Nínive se empolgou – Você está indo
bem. O que mais você vê?
– Eles não ligam para mim. – as palavras
começavam a sair sem que eu quisesse – Eles estão
vivendo as vidas deles. Nicardo está feliz, Thalassa e
Cosmo estão felizes, Tales está feliz, Neandro e Linfa
estão felizes, Amadeus está feliz, ele virou rei. Ele virou
o rei de Calidora. Ele venceu a batalha.
– O que você está dizendo? – Nínive ficou
furiosa. Sua voz ficou mais grave também.
– Amadeus venceu a batalha. – continuei
falando – Ele venceu a batalha.
– Pare com isso! – Nínive havia mudado
completamente de voz – Pare com isso!
– Sim ele vai vencer! – minha voz começou a
ficar mais firme – Eu também irei vencer. Todos nós
iremos vencer. Você será derrotado Bianor. Não há
esperança para você.
– Cale a boca garota inútil! – agora eu
reconhecia a voz. Era Bianor o tempo inteiro.
– Não tente me amedrontar. – falei confiante –
Eu consigo ver claramente a minha vitória. Todos os
seus esforços serão inúteis Bianor.

– Você não sabe o que diz! – Bianor gritou.
– E claro que eu sei. – continuei confiante – Eu
sou Mallory, destinada a te destruir e trazer a paz de
volta a Ofir. Você não será nada depois que todos nós
acabarmos com você!

– Pare com isso. – Bianor ainda gritava –
Lembre-se do que viu. Você está sozinha. Você sempre
esteve sozinha. Eles estão felizes e nem querem saber
de você.

– Eu não caio nesse truque outra vez. – as
palavras saiam cada vez mais ferozes – Eu não caio em
nenhum de seus truques.
– É o que veremos! – consegui ouvi Bianor
sussurrar.
De repente um grande espelho apareceu na
minha frente. O que eu vi refletido no espelho foi
apavorante. Estava refletido não a minha imagem, mas
a imagem de uma mulher demoníaca e apavorante. Ela
parecia emanar crueldade e tinha certeza de que ela
não teria piedade de ninguém. Seu rosto estava fitando

o chão, mas algo me dizia que era melhor eu não saber
o que estava refletido naquele espelho, fazendo
exatamente os mesmos gestos que eu.
– Você está se tornando isso Beatriz. – Bianor
falava vitorioso – Encare o rosto dela. Conheça
finalmente a verdadeira Mallory!
O rosto atrás do espelho começou a se levantar
devagar. O pavor tomou conta do meu corpo. O rosto
era o meu, apesar do cabelo desgrenhado e picotado, o
rosto continuava sendo o mesmo que o meu, mas os
olhos estavam mudados. Havia sangue, havia desejo de
morte, havia crueldade, havia tudo aquilo que eu mais
repudiava. Simplesmente o inverso de tudo o que eu
sempre tentei ser.


– Não gostou da sua nova forma Beatriz? –
Bianor gargalhava – Honestamente, eu respeitaria
muito mais você se sempre fosse assim.

Bianor se aproximou de mim. Seu reflexo
estava vestido com trajes de rei, com direito a coroa e
cetro dourado. Ele colocou a mão em meu ombro e
sorriu.

– Veja Beatriz, que imagem belíssima. – ele
admirava o reflexo – Você nasceu para ser a Mallory. E
a Mallory nasceu para ser minha. Nós dois juntos
nascemos para governar um novo Ofir, um mundo
diferente deste. Um mundo mais justo e mais limpo,
onde apenas aqueles que tem a força e a sabedoria
superior podem viver.
– O que você está falando? – estava me
sentindo estranhamente mais calma.
– Estou falando de um mundo renovado, um
reino unificado. – ele falava maravilhado sobre seu
projeto – Um mundo perfeito. Governaríamos um
mundo de gigantes, pessoas tão incríveis e superiores.
Um mundo de perfeição. Um mundo ideal para se
viver.
– Esses são seus planos? – perguntei.
– Podem ser os seus também. – Bianor apertou
minha mão – Beatriz, você é a garota mais poderosa
que este mundo já conheceu. Eu sou o ser mais
poderoso que esse mundo já conheceu. Juntos
poderíamos governar soberanos. E com o tempo
desenvolveríamos um poder inatingível por qualquer

outro ser. Seremos os poderosos governando um
mundo de poderoso.

– Mas para que isso aconteça, precisamos
eliminar os fracos. Certo? – presumi.
– Vejo que você já entendeu. – Bianor sorriu –
Este é exatamente o espírito. Não podemos deixar Ofir
ser dominada por vermes.

– Compreendo. – consegui sorrir.
– Então você aceita se casar comigo? – Bianor
se empolgou – Se quiser eu posso desistir de todas as
outras esposas que queria ter. Nenhuma dela irá me
importar se eu tiver você ao meu lado. Apenas diga que
sim.
– Você libertaria Linfa e Thalassa primeiro? –
perguntei.

– Para que? – Bianor ficou sério – Achei que
tinha entendido que precisamos eliminar os fracos.
– E se eu as tornar fortes? – sugeri – Posso
trazer-las para o meu lado.
– Para o nosso lado. – Bianor pareceu começar
a gostar da idéia – Essa será a primeira prova de que eu
realmente te quero como esposa. Não me decepcione
ou enfrentará as consequência.
Bianor estalou os dedos e Linfa e Thalassa
sumiram.

– O que você fez? – perguntei.
– As deixei em um quarto aqui no castelo. –
Bianor sorriu – Elas logo irão acordar. Agora responda,
você quer se casar comigo?


– Mas é claro – sorri – que não.
– Você quem decidiu assim. – Bianor ficou sério
– Mas eu disse que você receberia as consequências.
A imagem no espelho começou a se dissolver e
aos poucos o que eu conhecia como sendo eu voltou a
se refletir no espelho. Bianor já não estava mais com os
trajes de rei e a paisagem ao fundo também começou a
mudar. Estava reconhecendo. Era a minha cidade, a rua
que eu sempre passava para ir à escola. Era a Terra.

– Não posso deixar que você me derrote
Beatriz. – Bianor parecia triste.
– O que você está pensando em fazer? –
perguntei assustada.

– Você vai ver! – Bianor continuava triste.
Bianor me pegou pelo braço. Ele apertou com
tanta força que cheguei a sentir o sangue parar de
circular por um momento. Ele parecia não estar
satisfeito com o que quer que ele fosse fazer.

– Você e eu poderíamos governar juntos um
lindo mundo. – Bianor olhou dentro dos meus olhos –
Adeus Beatriz!
Bianor me jogou com toda a força em direção
ao espelho. Mas ao contrario do que imaginei, o
espelho nas se estilhaçou em mil pedaços. Pelo
contrario, ele continuou intacto.

Comecei a sentir algo me engolindo e quando
dei conta eu estava sendo tragada pelo espelho.
Eu estava de volta a Terra. Mais uma vez.


CAPÍTULO 14 / COISAS ESTRANHAS ACONTECENDO


N


ão sabia o que as pessoas a minha volta viram,
mas ninguém pareceu estranhar uma garota
surgir do nada no meio da rua.
Sai da estrada e segui para a calçada. Não queria


ter como presente de boas vindas um atropelamento.

– E agora? – disse para mim mesma – Não faço
a menor idéia do que fazer.
– Disse alguma coisa? – um senhor apareceu
atrás de mim.
– Não disse nada. – respondi – Desculpe, eu
estou meio... Perdida.
– Entendo. – o senhor sorriu – Talvez devesse
voltar para casa. Não é seguro para uma moça bonita
ficar andando pela rua.
– Eu conheço esse lugar. – tentei parecer
simpática.
– Então você não deveria estar perdida. – o
senhor respondeu paciente.
– Não era disso que estava falando. – tentei
não perder a cabeça – Quero dizer, eu estou perdida
em meus pensamentos.
– Então ele te deixou pensar? – o senhor
perguntou.
– O que disse? – rebati com outra pergunta.
– Não foi nada. – o senhor respondeu, agora
com uma expressão apavorada.

– Quem me deixou pensar? – perguntei – Foi
Bianor? Você é de Ofir?
– Não sei de nada. – o senhor começou a surtar
– Não sei de nada.
– Não se apavore. – tentei acalmar-lo – Pode
me contar.
– Não sei de nada. – o senhor continuava
falando feito louco – Não sei de nada. Não me
perturbe, não sei de nada. Não me perturbe. Eu já disse
que não sei de nada.
– Sim, já disse. – a coisa estava ficando séria –
Mas o senhor precisa se acalmar. Por favor, alguém
ajude aqui?

– Ninguém! – o senhor gritou – Ninguém se
aproxima de mim. Saia daqui! Vá para sua casa! Saia
daqui! Saia agora!
– Senhor...
– Saia daqui agora! – os olhos do senhor
mudaram – Você nunca escapará daqui.
– Essa voz? – estranhei.
– Saia daqui menina! – o senhor parecia
cansado – Vá para sua casa. Lá você estará segura! Vá
para casa!
– Mas o senhor? – estava preocupada.
– Vá para casa! – o senhor continuava gritando
– Para casa!
Sai correndo apavorada. A expressão que
estava estampada no rosto daquele senhor estava
apavorante. O que estava acontecendo?


De uma forma ou de outra eu queria muito ir
para casa. Sem dúvida aquela cidade estava muito
estranha. Aos poucos fui reparando que ela estava mais
estranha do que eu imaginava.

As ruas estavam idênticas a última vez que a vi,
as casas continuavam as mesmas, as lojas ainda
estavam nos mesmos lugares, mas as pessoas haviam
mudado. Ninguém que eu conhecia parecia estar na
cidade. As pessoas eram todas desconhecidas e agiam
de forma naturalmente estranha. Eram quase
robóticas.

Entrei em casa as pressas. Não era para ser
assim, mas a cidade estava me assustando. Estava
realmente me assustando. Não entendia
absolutamente mais nada. O que Bianor fez?

– Mãe? – chamei – A senhora está em casa?
Mãe?
A sala estava do mesmo jeito que sempre foi. A
casa estava toda apagada e aparentemente vazia. Segui
para a cozinha, também vazia.

– Mãe, a senhora está no quarto?
Continuei sem resposta e resolvi subir.
O quarto da minha mãe estava estranhamente
limpo e vazio. A porta do banheiro estava entreaberta.
Minha mãe não costumava deixar-la assim. Resolvi
olhar. Vazio.


Meu quarto também estava vazio e do mesmo
jeito que o havia deixado, porém sem os litros e litros
de água que me levaram de volta para Ofir.

– Claro! – disse tão alto que minha voz ecoou
pela casa – A caixa!
Procurei a caixinha que havia me levado para
Ofir duas vezes. Revirei meu quarto inteiro. Parte por
parte. Revirei como nunca havia revirado antes. Retirei
os moveis do lugar, jogue tudo o que estava guardado
nos armários no chão. Fiz uma verdadeira bagunça,
mas nada da caixa aparecer.

– Que ótimo! – olhei as coisas espalhadas pelo
chão – Eu que não vou arrumar essa bagunça.
Sem pensar duas vezes me joguei na cama.
Deveria ter pensado.
Deitei em cima de algo duro. Parecia um livro. E
realmente era. E não era qualquer livro, era o livro.
Aquele mesmo que achei em Ofir e acabou vindo
comigo para Terra. Na época eu não entendia nada o
que estava escrito, mas agora que eu já havia
recuperado a memória, provavelmente conseguiria lerlo.


Abri o livro na esperança de que, por conta do
destino, eu pudesse encontrar uma saída para voltar
para Ofir. Mas acabei tendo uma surpresa.

– O livro está em branco? – minha voz ecoou
novamente pela casa – Será que é realmente o
mesmo?

Olhei para a janela e reparei que já havia
anoitecido. Eu havia passado o resto da tarde
procurando a caixa e nem percebi que a noite tinha
chegado. E minha mãe continuava desaparecida.

Desci e fui olhar se por acaso ela não estava a
caminho. A casa parecia estar completamente morta e
não havia um único barulho em toda a cidade que não
fosse os meus passos.

Fui até a varanda. A rua estava completamente
deserta. Nenhum sinal de qualquer tipo de ser vivo que
não fosse árvores e flores. As casas estavam todas com
suas luzes apagadas e as luzes dos postes estavam tão
fracas que só conseguiam iluminar uma pequena parte
da rua.

Comecei a andar pela estrada deserta. Era
extremamente assustador. O vento frio fazia barulho
de assovios. Tudo o que estava acontecendo era muito
estranho. Começava a desconfiar de que não estava
realmente em casa. O que estava acontecendo aqui?

Todas as casas pareciam estar desabitadas. As
lojas estavam todas fechadas. Isso não era normal. E as
pessoas? Para onde foram as pessoas desta cidade? E
essa escuridão?

Resolvi voltar para casa. Estar completamente
sozinha e no sentido literal da palavra não era nada
reconfortante. Era como se estivesse perdida em uma
cidade fantasma.

Continuei olhando a rua pela janela, na
esperança de que tudo não passasse de uma pegadinha


e que todos estavam escondidos, apenas esperando o
momento para voltarem as suas casa e rirem da minha
cara de assustada.

Meus olhos aos poucos começaram a pesar. E
continuaram pesando e pesando e pensando. Eles
estavam realmente cansados. Eu estava realmente
cansada. Tive que ceder.

Acordei quase junto com o sol. Sentia a luz
entrar pela janela aberta e só neste momento reparei
que havia dormido no chão, ao lado da porta. Levantei
com o corpo completamente dolorido. Corri para o
quarto da minha mãe na tola esperança de que a
encontraria. Mas não encontrei. Voltei para a sala e
comecei a ouvir barulhos vindo da rua. Olhei para a
janela e tive uma grande surpresa.

– Mas o que significa isso? – disse para mim
mesma.
A cidade havia acordado novamente. Pessoas
andavam por todos os lados. As casas pareciam estar
em festa de tanto entra e sai. As lojas, que na noite
anterior pareciam abandonadas, estavam em um de
seus melhores dias, repleta de clientes.
Definitivamente algo estava muito errado.
Definitivamente mesmo.

– Bom dia Beatriz! – um rapaz me
cumprimentou.
– Bom dia Beatriz! – agora era uma senhora.
– Bom dia Beatriz! – uma criança.

– Beatriz, bom dia! – um garoto que deveria ser
do contra.
Eu andava pela rua e simplesmente não
entendia nada. Teria eu perdido novamente a
memória? Todas essas pessoas falando comigo como
se me conhecessem há anos e eu sem reconhecer um
rosto sequer. O que estava havendo?

– Beatriz, você viu o carro novo que comprei? –
um homem me parou em frente a sua casa. Ou pelo
menos acredito que era.

– Fala Beatriz? – uma garota acenou para mim
da bicicleta – Como vão os namorados?
– Namorados? – estranhei.
– Você está muito bonita hoje Beatriz! – nem
sei quem falou.
– Será que alguém pode explicar o que está
acontecendo? – gritei – Eu conheço vocês?
– Claro que conhece! – alguém falou em algum
lugar.
– Você conhece todas as pessoas que estão
aqui. – o homem do carro novo falou.
– Não eu não conheço! – estava assustada.
– Você sempre conheceu Beatriz! – o homem
ficou sério.
– Eu estou falando que não conheço nenhum
de vocês. – comecei a gritar mais alto.
– Você está pensando Beatriz? – o homem
falou com certo estranhamento – Você não deveria
pensar Beatriz, não nos é permitido pensar.

– Do que vocês estão falando? – estava
apavorada – Todos vocês!
– Não pense Beatriz! – um rapaz loiro apareceu
– Pensar pode te matar.
– Você viu o que aconteceu com meu marido. –
a senhora apareceu por trás de mim – Ele pensou
demais e explodiu. Boom.

– Mas o que é isso? – eles começaram a me
cerca – O que vocês querem?
– Pare de pensar Beatriz! – o homem do carro
novo – Você nunca sairá daqui.
– Junte-se a nós. – a garota da bicicleta estava
de volta – Você será mais feliz se juntando a nós.
– Eu não quero me juntar a ninguém –
continuei gritando – Eu quero sair daqui.

– Você nunca voltará para Ofir. – uma voz
falou.
– Vocês sabem de Ofir? – perguntei – Isso é
obra de Bianor? Digam!
– Não sabemos de nada. – todos começaram a
falar em coro – Não sabemos de nada.
– Está acontecendo o mesmo que aconteceu
com aquele velinho. – fiquei mais apavorada.
– Não sabemos de nada. – eles continuavam
me cercando – Não sabemos de nada.
Eu precisava sair dali. E não tinha outro jeito.
Respirei fundo e sai em disparada empurrando tudo e
todos que estivessem no meu caminho. Eles não
tentaram me impedir, mas vieram atrás de mim.


Corri o mais rápido que pude e levantei as
mãos para o céu quando cheguei em casa. Tranquei
todas as portas e fechei as janelas em uma velocidade
anormal. Não era como se eu fosse o Flash, mas foi
mais rápido do que um humano comum seria. Mas eu
não era uma humana comum.

Olhei pela janela e eles estavam parados,
apenas observando a minha casa. Era como se não
conseguisse ou não pudessem passar pelo portão. Eles
apenas olharam e aos poucos foram indo embora.

– Agora eu tenho certeza. – disse pra mim
mesma – Não estou na Terra coisa nenhuma.
Fechei as cortinas das janelas. Não queria dar
de cara com um deles. Mas precisava estar atenta caso
eles resolvessem passar pelo portão. A sensação que
tinha era de que estava em um daqueles filmes de
zumbi baixa renda que eu costumava assistir quando
tinha 12 anos.

– O que está havendo? – subi para meu quarto
– O que Bianor está tramando?
Assim que abri a porta dei de cara com o livro
em cima da minha cama. Instintivamente eu o peguei e
abri. Passei folha por folha. Todas em branco. Não
conseguia entender o motivo daquele caderno está ali,
agora que já estava convencida de que Bianor estava
tramando algo e que eu não estava na Terra. Até
chegar na última página.


Uma mancha negra surgiu e começou a tomar
forma de letras. Estava escrevendo uma mensagem. Fui
lendo em voz alta.

– Viu... Como... Eu... Não... Sou... Assim... Tão...
Cruel...? – a mancha parou de formar letras – O que
você quer dizer com isso Bianor? Responda!
Estava tão nervosa que atirei o livro pela janela.
Isso acabou quebrando o vidro.

– Mas que droga! – gritei – Agora a mamãe... O
que eu estou falando? Eu não estou na Terra. Dane-se
essa janela!
Observei o movimento. Não havia mais
nenhuma pessoa em volta da minha casa, mas elas
continuavam nas ruas. Andando e agindo como se nada
tivesse acontecido. Parecia ser mais um dia comum.
Virei e fitei a cama.

– Mas o que é isso? – fiquei assustada.
O livro estava de volta. Exatamente no mesmo
lugar que ele estava quando cheguei. Em cima da cama.
Novamente o instinto falou mais alto e acabei
abrindo-o novamente, desta vez indo direto para a
última página. A mensagem não estava mais lá.

– Eu já entendi tudo. – falei olhando ao meu
redor – Não precisa mais fingir. Você está querendo me
enlouquecer. Eu sei que está. Apareça seu covarde.
Venha me enfrentar feito homem!
Obviamente eu não tive nenhuma resposta.
Bianor não iria aparecer nunca. Eu teria que descobrir
uma forma de sair daquele lugar o mais rápido possível.


Mas o que ele quis dizer com "eu não sou assim tão
cruel?" E o que aquelas pessoas queriam dizer com
"você não pode pensar?" Era muita coisa para uma
única cabeça resolver.

Segui para o banheiro. Precisava lavar meu
rosto e ver se conseguiria pensar em algo rápido. Mas
Bianor definitivamente queria me enlouquecer.

– Olhe para mim. – era a minha voz – Não
tenha medo de olhar para mim.
– Eu sei o que você quer. – continuei fitando a
pia sem olhar para o espelho.
– Você não irá morrer se olhar para mim. Eu
não sou a Medusa. – ela continuava me provocando.
– Eu não irei olhar. – disse decidida.
– Não seja uma menina má. – era estranho
ouvir minha voz naquele tom maléfico – Eu sou você.
– Não! – gritei – Você é uma invenção de
Bianor.
Ela deu uma gargalhada assombrosa. Uma
sensação estranha me tomou e não consegui mais
evitar. Tive que olhar para o espelho. Era exatamente
como imaginava. Ela estava lá, rindo diabolicamente.

– Eu sou Mallory! – dissemos juntas.

P


CAPÍTULO 15 / E ELA SUMIU MAIS UMA VEZ

Alexis Melequíades Arrife Briseu do Corpeu Clístenes de
Ofir

erfeito. Realmente perfeito. Mas que loucura. O que eu
estou fazendo aqui? Já estou começando a achar que
não deveria ter apoiado essa idéia. Estou com um
péssimo pressentimento.

– Disse alguma coisa? – Neandro perguntava.
– Acho que não. – não sabia se estava
pensando alto ou se Neandro havia adquirido as
habilidades do cabeça de pedregulho.
– Vamos aproveitar que os guardas ainda estão
atrás do dragão e passar para aquele lado. – Neandro
vigiava a praça – Devemos ficar o mais próximo
possível do castelo, mas devemos manter nossas vidas
a salvo em primeiro lugar.
– Isso é um pouco obvio, mas é fato. – fui
obrigado a concordar – Será que está tudo bem com as
meninas?
– Elas estão bem. – Neandro não parecia muito
confiante – Elas são espertas.
Assim eu esperava. Continuava com um
péssimo pressentimento. Não é que não confiasse nas
habilidades delas para se defender, mas existia algo de
muito preocupante naquilo tudo. Talvez seja um
excesso de zelo – com a Beatriz principalmente – mas


eu tinha certeza de que era algo mais. Era muito mais
grave do que isso.

Saímos do local onde estávamos para atrás de
algumas árvores, do outro lado do castelo. Havia quase
uma floresta atrás do castelo e eu não me lembrava de
tantas árvores em minhas outras vindas a Ofir.
Definitivamente Bianor queria transformar Calidora em
um reino completamente distinto.

Não precisamos esperar muito para ver que
Beatriz, Linfa e Thalassa estavam no castelo. Alias, elas
não poderiam ter mandado um sinal melhor.

Centenas de prisioneiros estavam saindo
furiosamente do castelo. Eles estavam atropelando
tudo e todos em uma ânsia descontrolada por
liberdade. No inicio foi engraçado, mas depois ficou
assustador.

As pessoas começaram a andar feito loucas e
rodavam a praça sem rumo. Era como se tivessem
perdido o senso de direção. A impressão que tive era
de que eles haviam desaprendido a viver em liberdade.
Ou alguém os fez desaprender. Eles estavam
enlouquecidos.

– Mas o que está acontecendo? – Neandro
perguntava.
– Também gostaria de saber. – respondi.
– Eles enlouqueceram? – Neandro parecia mais
estar fazendo uma afirmação do que uma pergunta.

– Ou é isso ou eles são excelentes atores. –
observava a situação.

– Isso não me parece muito bom. – Neandro se
abaixou.
– Sério? – fui puxado para baixo – Eu acho que
isso não é nada bom.
– Devemos fazer alguma coisa? – Neandro
estava pedindo minha opinião? O mundo estava
mesmo de cabeça para baixo.
– Acho que por enquanto não. – tentei agir
como o meu pai agiria – Estamos em dois. Se algo der
errado...
– Veja! – Neandro apontou disfarçadamente
em direção aos portões do castelo – Guardas.
– Eles provavelmente vieram prender os
fugitivos. – observei.
Dito e feito. Os guardas começaram a capturar
os prisioneiros. Muitos ainda conseguiram fugir, mas
alguns foram presos. Esperava que os que conseguiram
escapar chegassem salvos em algum lugar segura.
Precisava pelo menos ter essa esperança. Apesar de
não ser meu povo, eu me preocupo com eles. Mesmo
que não goste muito de demonstrar.

Estava começando a ter certeza de que
tínhamos sido precipitados em invadir Calidora. Não
que o plano tenha sido ruim. Não completamente. Mas
talvez, se tivéssemos elaborado com mais calma, o
plano teria dado certo.


Uma dor forte atingiu meu braço. Na verdade
não era uma dor, era mais uma ardência. Eu até já
sabia do que se tratava. Era o ferimento em meu braço.
Ele estava piorando. Retirei a manga da minha roupa
para ver até onde o ferimento havia atingido. Já estava
perto de chegar ao cotovelo. Estava avançando mais
rápido do que esperava.

Como estará os homens de Tales? Isso me
preocupava muito. Esperava que todos estivessem
bem. No fundo eu até entendo um pouco a Beatriz, não
é legal saber que os outros dependem de você.
Precisava achar o mais rápido possível essas flores que
curariam esses ferimentos, mas onde encontrar-las.
Conhecer eu já conheço, mas até agora eu não vi
nenhuma.

– Espere! – puxei Neandro para perto de mim –
Aquele ali não é o cabeça de pedregulho do Nicardo.

– Cabeça de pedregulho? – Neandro achou
engraçado – A Beatriz não está por perto e você
aproveita.
– Engraçadinho. – eu ainda estava aprendendo
a me controlar – Presta atenção!
– Deixe-me ver. – Neandro olhou na direção
que apontava – Mas é ele mesmo. E olhe só, o
Amadeus também está ali.
– E agora? – fui obrigado a perguntar.
– Essa confusão toda pode nos ser útil. –
Neandro colocou o capuz e saiu em direção ao Nicardo
e Amadeus.


– O que está fazendo? – continuei parado.
– Vem logo! – Neandro chamou.
Não tive opção. Acabei sendo forçado a seguir
o meu irmão. Corremos feito loucos. Queríamos
parecer mais um dos fugitivos que estavam rodando a
praça. Não achava esse o melhor jeito de despistar os
guardas, mas sem dúvida era melhor eles pensarem
que éramos fugitivos do que terem a certeza sobre
nossa verdadeira identidade.
Nicardo e Amadeus tinham acabado de entrar
em uma loja. Uma alfaiataria. Aparentemente ninguém
estranhou os dois entrando. Estavam todos em estado
de choque, provavelmente ainda estavam assustados
com o dragão. Eles estavam paralisados. Apenas os
olhos mexiam na direção em que andávamos.

– Neandro? – Nicardo nos puxou para dentro
da alfaiataria.
– Por onde vocês se meteram? – Neandro
perguntou.
– Oi pra você também. – me fiz presente.
– Nós estávamos escondidos em cima de
árvores. – Nicardo respondeu e continuou me
ignorando. Aquele cabeça de pedregulho – Amadeus
tinha um plano.
– Que plano? – perguntei desconfiado.
– Eu reparei que as coisas, do jeito que elas
estavam, não iram acabar bem para o nosso lado. –
Amadeus começou a explicar o obvio – Vocês

precisavam urgente de uma distração para terem
chances de fugir. E foi isso que eu fiz.

– Você fez? – perguntei – E que raio de
distração você... Não?! Foi você que...
– Sim, foi ele mesmo. – Nicardo confirmou.
– Que incrível! – Neandro ficou surpreso – Eu
podia jurar que aquele era um dragão de verdade. Não
sabia que você tinha um nível de magia tão elevado.
– Grandes coisas. – tentei não demonstrar
nenhum tipo de admiração. Tudo bem, foi realmente
algo muito incrível. Tenho que admitir que nem eu faria
algo assim. Mas não posso encher o ego desse
desconhecido.
– Mas é agora? – Amadeus perguntou – O que
está acontecendo lá fora?
– Linfa, Beatriz e Thalassa entraram em uma
passagem que descobrimos perto do castelo. –
Neandro contou – Pelo que parece deu direto nas
masmorras. Elas seguiram com o plano.
– Mas o fuga dos prisioneiros já não tem muito
sentido agora. – Nicardo falou.
– Mas eles continuam sendo inocentes. –
Neandro falou – Só não entendi o que aconteceu com
eles. Eles não pareciam mentalmente bem. Estavam
iguais a zumbis, andando sem rumo.

– Eu também reparei nisso. – Amadeus disse.
– Estavam iguais a esses aqui. – Nicardo
apontou com os olhos para as pessoas da alfaiataria.

Eles pareciam nem estar percebendo que falávamos
deles.

Não esperamos as coisas se acalmarem.
Seguimos para o submarino no meio da confusão. Os
guardas pareciam ter perdido o controle da situação.
Poderíamos não ter conseguido sabotar os soldados de
Calidora, mas estávamos causando um grande
transtorno ao reino. Alguma serventia isso deveria ter.

Conseguimos sair sem sermos percebidos. Algo
estava conspirando ao nosso favor e eu estava
extremamente agradecido por isso. Chegamos ao
submarino sem levantar nenhuma suspeita.

– Ótimo. – disse – E agora? O que faremos?
– Não sei ainda. – Neandro estava preocupado.
– Beatriz, Linfa e Thalassa já deveriam ter
voltado. – eu estava ainda mais preocupado – Não sei,
mas estou com um péssimo pressentimento.
– Credo Alexis! – Nicardo balançou a cabeça
como se conseguisse sentir o pressentimento ruim que
eu estava sentindo. O pior é que aquela cabeça de
pedregulho sempre sabe.
– Não vamos ficar pensando no pior. –
Amadeus sempre tentando parecer o mais sensato.
– Amadeus tem razão. – Neandro idem –
Precisamos pensar positivo.

– Já está começando a anoitecer. – Nicardo
disse – Acho melhor dormirmos nos submarinos e
amanhã bem cedo pensamos no que fazer agora. Além

de esperar por Beatriz, Thalassa e Linfa. Elas
provavelmente voltaram para o submarino.

– E se elas tiverem sido capturadas? –
perguntei – E se algo de muito ruim tive acontecido a
elas? Vamos ficar aqui de braços cruzados?

– Eu também estou muito preocupado Alexis. –
Neandro mantinha a calma – Mas precisamos estar
bem para resgatar-las. Daqui elas não saíram e Bianor
não irá fazer nada com elas. Pelo menos nada que não
possa esperar.

– Neandro está certo. – Amadeus disse – Se
bem conheço Bianor, ele não irá fazer nada sem que
todos vocês estejam presentes. Ele gosta de ver as
reações das pessoas. Se ele tiver que matar...
– Não diga essa palavra! – falei.
– Desculpe. – ele ficou constrangido – Tem
razão. Mas se algo de ruim for acontecer com elas, nós
ficaremos sabendo.
Não consegui dormi. Fiquei girando e girando
no espaço que me foi reservado como cama.
Definitivamente eu não queria que nada de mal
acontecesse a Beatriz. Nem as outras. Eu estava muito
preocupado. Resolvi respirar um pouco de ar noturno.
Ele tem algo que o ar matinal não tem. É mais frio e
denso.

Ouvi um barulho. Algo se rastejava em algum
lugar. Escondi-me atrás de uma árvore. Sabia que era


perigoso ficar andando pela floresta sozinho, mas eu
me garantia. Fosse o que fosse eu estava preparado
para lutar.

Comecei a sentir uma sensação estranha. Era
como se alguém estivesse se aproximando por minhas
costas. Eu já havia sentido aquela sensação antes. E eu
sabia exatamente o que era.

– O que está fazendo aqui? – me virei – Ótimo.
Agora vai ficar me rondando também?
– E minha misssão. – sua voz era muito irritante
– Eu devo vigiar a Mallory e todosss que a cccercam.
Issso inclui vocccê também.
– Maravilha. – bufei – Eu realmente não queria
ter sido um dos privilegiados. Eu não entendo, mas
também prefiro nem entender.
– Vocccê essstá atrásss da Mallory? – Astra
perguntou – Não perca ssseu tempo. Ela não vai voltar.
– O que você está dizendo? – quase gritei.
– Mallory agora é prisioneira de Bianor. – Astra
se enroscou em mim – Ela foi aprissionada em um
essspelho mágico. Asssim como aconteceu com sssua
mãe.
– Espelho mágico? – perguntei – Ela está no
subterrâneo de Calidora?
– Não. – os olhos de Astra brilharam – Ela não
essstá nesssa dimensssão. Ela essstá em um mundo
paralelo.
– E o que aconteceu com Linfa e Thalassa? –
perguntei preocupado.


– Asss duasss foram mandadasss de volta para
a Capital de Ofir. – Astra se afastou – Elasss essstão
bem. Não sssão o alvo de Bianor. Não no momento.
– E o que eu devo fazer? – comecei a me
desesperar – Como resgato Beatriz?
– Apenasss a Mallory pode ssse libertar. – os
olhos de Astra brilharam novamente – Apenasss ela
pode dessscobrir o caminho de volta para Ofir.
Ninguém maisss.
– E você? – perguntei – Os guardiões? Nenhum
de vocês não podem fazer nada por ela?
– Nenhum de nósss temosss essse direito. –
Astra colocava sua língua para fora – Não podemosss
interferir nasss decisões das pesssoasss. Apenasss
elasss podem essscolher osss caminhosss que irá
trilhar. Nósss ajudamosss apenasss quando sssomosss
chamadosss.

– Como foi o caso da Linfa. – lembrei do que ela
havia me contado – Ela pediu para que Anselm
retirasse o veneno dela e foi isso que ele fez.
– Ele ssse asssussstou um bocado quando
dessscobriu que Mallory podia ver-lo. – Astra parecia
sorri – Masss não perca asss esssperançasss. Bianor
ainda foi muito bom com ela. Deixou livre para
dessscobrir o caminho de volta. Ele poderia ter
amarrado Mallory e deixado em uma dimensssão vazia
igual aconteccceu com sssua mãe.
– Então realmente não possso fazer nada? –
imitei seu modo reptiliano de falar.


– Não deveria zombar de mim desssa forma. –
os olhos de Astra arderam em chamas.

– Desculpe. – fiquei calmo – Foi apenas um
modo de expressar.
– Melhor que ssseja. – os olhos dela se
acalmaram.
– Agora é apenas esperar. – olhei para o céu
irritado – Que ótimo!

A


CAPÍTULO 16 / ENCONTRANDO UMA VILA EM UMA
CAVERNA (?)


stra sumiu no instante em que o sol começou a nascer.
Era divertido ver como ela fugia do sol. Ela tem vários
momentos onde se torna assustadora, mas
definitivamente esse não era um momento.

Meu braço começou a arder novamente.
Precisava achar rápido aquelas ervas. Meu braço
parecia muito bem para quem via superficialmente. Ela
até tinha começado a cicatrizar. Mas por dentro, a dor
beirava ao insuportável às vezes. Mas eu não posso
demonstrar. Principalmente pela beatriz. Ela já está tão
preocupada com tantas coisas, não posso dar mais
preocupações para essa menina enjoada que eu tanto
amo.

Ficava imaginando os homens de Tales. Alguns
estavam feridos com gravidade. O que estava
acontecendo com aqueles homens? E qual seria esse
maldito segredo que o Tales tanto esconder? Isso está
parecendo àquelas histórias que Beatriz sempre me
conta. Como é o nome mesmo? Novelas!

Corri para o submarino. Eu precisava avisar o
que Astra havia me contado, mas sem deixar que eles
percebam que foi uma das grandes divindades guardiãs
de Ofir que me deixou atualizado sobre as ultimas
noticias.


Nunca entendi o motivo, mas apenas poucas
pessoas poderiam ver os guardiões. E eu sou uma
delas. Não entendo também o motivo de não
podermos revelar que vemos as divindades, mas isso
pouco me importa. Na verdade tudo o que eu mais
queria era para de ser perturbado por essa cobra
gigante.

– Alexis – Neandro me viu entrando – Onde
estava?
– Tomando o um ar. – disfarcei. Mas de certa
forma não era mentira.
– Desde ontem à noite? – Nicardo desconfiou –
Não te vi entrar.

– Vai ficar me vigiando agora cabeça de
pedregulho? – zombei – Eu fiquei observando as
estrelas e acabei pegando no sono.
– Você realmente parece ter dormido ao
relento. – Neandro sorriu – Melhor, você parece nem
ter dormido.
– Mas dormi. – mudei minhas expressões.
Fiquei sério – E tive um sonho, não, revelação.
– Que você é um príncipe muito implicante? –
Nicardo também aproveitava a ausência de Beatriz
para zombar de mim.

– Não. – respondi – Se o que eu tivesse para
falar não fosse tão sério eu te daria uma resposta.
– Então diga logo. – Neandro ficou preocupado.
– A Beatriz está sendo mantida prisioneira. –
disse.


– Os guardas a pegaram? – Neandro arregalou
os olhos – E Linfa? Thalassa?
– Elas estão bem. – tranquilizei – Elas foram
mandadas de volta para a Capital.
– Por quem? – Neandro perguntou.
– Bianor. – continuava muito sério – Ela caiu
em uma armadilha e agora está presa em uma
dimensão paralela.
– Eu realmente gostaria de saber como Bianor
aprendeu a fazer isso mesmo antes de se tornar o
mago mais poderoso de Ofir. – Neandro socou a
própria mão.
– Isso eu não sei responder – continuei
explicando – mas acho que é o de menos neste
momento.
– Mas como vamos resgatar-la? – Neandro
perguntou.
– Não podemos. – disse de cabeça baixa –
Apenas Beatriz pode encontrar o caminho para sair de
sua prisão. Pelo que pude entender o espelho que foi
usado para transportar-la se encontra em outra
dimensão paralela.

– Bianor pensou em tudo. – Neandro baixou a
cabeça, mas logo a levantou novamente como se
tivesse se lembrado de algo – Aquela passagem...
– Muito provavelmente era a armadilha que o
meu sonho falava. – conclui o pensamento de Neandro.
– Isso é péssimo. – Neandro socou a mão
novamente – Era para se desconfiar.

– Mas espere só um segundo. – Nicardo
interrompeu – Como você tem certeza de que isso não
foi apenas um sonho?
– Eu tenho certeza! – fui direto.
– Acho que podemos confiar. – Neandro veio
em minha defesa – Não é a primeira vez que Alexis tem
esses tipos de revelação. E em todas ele estava correto.
– Então a situação é realmente séria! – Nicardo
ficou preocupado.
– Eu já disse que sim. – tentei não parecer
arrogante em respeito à situação.
– Então precisamos fazer alguma coisa. –
Nicardo parecia desesperado.

– Mas apenas Beatriz pode se libertar. – disse.
– E você vai se deixar parar por isso? – Nicardo
me afrontou – Alexis, eu não estou te reconhecendo.
Era terrível ter que admitir, mas Nicardo tinha
razão. O que eu estava fazendo? Beatriz precisa de
mim. Dane-se o que Astra disse, eu vou atrás de Beatriz
seja onde for. Ela nunca me abandonou, mesmo
quando não se lembrava de mim. Eu não irei
abandonar-la agora. Nem agora e nem nunca.

– O que todos nós estamos esperando? –
perguntei.

– E isso que eu queria ouvir! – Nicardo sorriu.
– O que vocês pretendem fazer? – Neandro
perguntou.
– Acha uma forma de encontrar aquela
passagem novamente. – respondi.

– Mas isso é impossível. – Neandro quase
gritou – Apenas Bianor tem acesso a ela.
– E isso vai nos impedir de tentar? – perguntei.
– Tentar o que? – Amadeus já veio meter o
nariz na história.
– Não é da sua conta. – quase gritei.
– Alexis! – Neandro disse em tom de
repreensão – Achei que você tivesse mudado um
pouco. Amadurecido.
– Desculpe – sorri – certas coisas nunca
mudam.
– Claro. – Nicardo revirou os olhos – Falou o rei
da prepotência.
– Não venha com essa de... Esquece. – disse
suspirando – Temos coisas mais importantes para fazer
agora.
– Mas será que alguém pode me explicar o que
está acontecendo? – Amadeus perguntou.
Explicaram toda a história para Amadeus e
seguimos em busca da passagem. Seguimos em direção
a cidade, mas algo acabou me chamando atenção.

Era uma flor de cor avermelhada e com as
pétalas em formato de triângulo. Não tinha cheiro,
apenas beleza. Era a flor que tanto procurava. Por um
instante acabei deixando a minha atenção se prender
na flor e esse foi meu erro.

– Pessoal, vejam isso! – segui um pequeno
rastro – Pessoal? Espere. Onde eu estou?

Estava no meio de uma floresta de pedras.
Eram pedras para todos os lados. Nunca havia reparado
aquele local e nem sabia dizer se surgiu antes ou
depois de Bianor tomar o poder.

Tentei achar meu caminho de volta, mas acabei
encontrando mais rastros e resolvi seguir-los. Os
rastros ficavam mais visíveis no decorrer do caminho e
pareciam ter sido escondidos de forma infeliz.

– Para onde isso leva? – estava curioso –
Beatriz me perdoe, mas sinto que isso pode ser
importante.
Continuei seguindo os rastros até parar na
entrada de uma caverna. Era uma caverna muito
grande e não parecia receber visitas há um bom tempo

– se é que podemos reparar quando uma caverna
recebe ou não visitas com frequência.
A Caverna era na verdade um tipo de
precipício. Por pouco não cai rumo ao desconhecido.
Mas algo me chamava para baixo. Era uma certeza de
que seria necessário ir até o fundo da caverna. Como se
isso fosse nos ajudar de alguma forma.

Notei que havia uma escada esculpida nas
pedras. Uma longa escada. Longa e perigosa. Perigosa
demais para se descer sozinho. Mas o que é altura para
alguém que pode voar?

Quanto mais descia, mas escuro ficava. Isso era
óbvio. Mas eu conseguia ver pequenos focos de luz.
Quando cheguei ao fundo notei que os pequenos focos


de luz eram lanternas penduradas. Eram apenas duas,
mas podia ver que mais a frente tinha outras.

Continuei seguindo os rastros que podia achar

– que no caso eram as lanternas. Elas ficavam cada vez
maiores e em maior número. E tive uma grande
surpresa quando cheguei ao fim do caminho. A caverna
escondia uma vila. Uma vila consideravelmente grande.
As casas eram feitas de pedras e madeira.
Havia caminhos de terra cercados por pequenas
pedras. As pessoas vestiam roupas largas e finas, como
nas ilustrações que via nos livros da época em que Ofir
era dominada por indígenas. Não demorou muito para
descobrir o motivo das roupas. Apesar de ser uma
caverna, lá era quente. Inexplicavelmente quente.

Minha presença logo foi notada e todos da vila
se prepararam para atacar. Já senti as dores no braço
devido aos esforços que fiz, desobedecendo as ordens
médicas. Agora a dor voltava apenas de ver aquele
povo inteiro se voltando contra mim.

– Calma! – me manifestei levantando a mão –
Eu vim em paz. Não quero machucar vocês.
Um homem alto e parrudo saiu do meio da
multidão e veio em minha direção. Ele olhava para meu
rosto com expressões que colocariam até aquela cobra
da Astra para correr pros braços da mãe. Ele me
observou de cima a baixo.

– O que você quer? – o homem parrudo
perguntou olhando nos meus olhos. Diretamente nos
meus olhos.

– Inicialmente nada. – disse a verdade –
Cheguei aqui por acaso.

– Por acaso? – o homem perguntou.
– Sim. – tentei parecer o mais passivo possível
– Eu sou Alexis Melequíades Arrife Briseu do Corpeu
Clístenes de Ofir, príncipe e herdeiro do trono de Ofir.
Isso é, se ainda existir algum trono para ser herdado.
– De Ofir? – o homem pareceu acreditar e fez
um sinal para que baixassem as armas – Você
realmente tem uma boa memória.
– O que? – fiquei preocupado.
– Seu nome. – o homem sorriu – Não é
qualquer um que consegui decorar um nome tão
grande e complicado.
– É isso? – sorri aliviado – Repito-o desde
sempre.
– Muito bem, eu sou Daros. – ele sorriu –
Apenas Daros.

– Oi Daros. – disse constrangido.
– Vamos, junte-se a nós. – Daros me pegou
pelo ombro – Você parece muito cansado.
– Tudo bem. – respondi sem entender nada.
Daros me levou até uma grande e luxuosa – na
medida do possível – casa de pedra. Era uma casa bem
organizada, com todos os moveis feitos de pedras e
madeiras. Era até jeitosa. Não seria exatamente o lugar
que escolheria para viver uma vida inteira, mas sem
dúvida era um lugar aconchegante.


– Sabe, apesar de não ser oficial, eu posso me
considerar o rei disso aqui. – Daros trazia duas xícaras –
Eu fundei essa vila. Somos todos fugitivos da tirania de
Bianor.
– Espere! Vocês não moravam desde sempre
aqui? – perguntei.
– Somos todos fugitivos, como acabei de dizer.
– Daros ergueu a xícara – A grande maioria morava em
Calidora e Menelau, mas temos pessoas de Leander,
Sotero, Neide e até da Capital. Posso dizer que essa vila
funciona como um refugio para todos aqueles que
querem se esconder da guerra que está acontecendo
do lado de fora.
– Acho que entendo. – levantei uma
sobrancelha.
– Todos aqui, se tivessem continuado lá em
cima, teriam se tornado prisioneiro de Bianor de
alguma forma.
– Mas Bianor nunca descobriu? – achei
estranho.
– Eu fiz um campo mágico protegendo a
passagem desta caverna, mas minha magia não é assim
tão forte. – Daros soprou o chá gelado – Prova disso é
que você passou. Preciso reforçar esse campo. Mas de
qualquer forma, não acredito que Bianor não tenha
notado. Ele deve estar planejando algo. Por isso estou
treinando os meus homens para qualquer trágica
eventualidade.

– Deixe-me entender apenas uma coisa. – eu
disse – Você sabe usar magia, está treinando um
exercito, veio de Calidora... O que você era
exatamente?
– Eu era o conselheiro real do antigo rei de
Calidora. – vi tristeza nos olhos de Daros – Eu servi ao
rei por quase metade da minha vida, até descobrir que
ele estava se juntando a Bianor na rebelião que
aconteceu a quase três anos na Capital.
– Eu me lembro muito bem desse dia. – as
imagens das pessoas correndo desesperadas pela praça
passaram claramente na minha frente.
– E você? – Daros perguntou – O que estava
fazendo?
– É uma longa história. – alertei.
– Acredito que temos tempo. – ele sorriu.
Daros era grande mesmo sentado. Sua pele
avermelhada me fez lembrar os leandineses. Sua
cabeça careca parecia uma esfera de metal. Mesmo
com as feições mais relaxadas ele continuava sendo
amedrontador, mas de uma forma que dava para se
acostumar depois de conhecer-lo melhor. Mas algo em
seus olhos trazia paz. Eu via a bondade nele.

Contei sobre a história de Beatriz, sobre as
batalhas que tivemos que travar, sobre os planos que
tramamos desde o inicio para impedir que Bianor
iniciasse a guerra e sobre a nossa tentativa de sabotar

o exercito de Bianor. Contei também sobre o veneno e
sobre a erva que havia colhido.

– Deixe-me ver. – ele estendeu a mão. Mão
essa que era três vezes maior que a minha.
– Claro. – retirei a erva da minha bolsa.
– Mas é isso? – ele sorriu – Disse que tem um
exército inteiro precisando disso?
– Sim. – respondi.
– Pois acredito que tenho ervas para mais de
mil soldados. – Daros sorriu.
– Não diga que...
Daros me levou até uma parte aos fundos da
vila. Era uma parte isolada e que, inexplicavelmente,
crescia uma das mais diversas vegetações que já vi em
minha vida. Era uma mistura de flores que nunca havia
visto antes. Realmente incrível. Mas mais incrível foi
ver o batalhão de ervas vermelhas que tanto
precisávamos.

– Mas isso é inacreditável! – estava realmente
impressionado.
– Acha que irá ajudar? – Daros perguntou.
– Sem dúvidas! – estava aliviado – Apenas uma
delas já é o suficiente para duas pessoas. Aqui dá para
curar todos os soldados e ainda sobra.
– Se quiser, pode levar. – Daros sorriu.
– Sério? – estava estranhamente feliz – Está
fazendo isso por mim por quê? Tem tanta certeza de
que estou falando a verdade sobre quem sou?
– Tenho. – ele balançou a cabeça – Vejo isso
em seus olhos e em seu coração. Você pode até agir

feito um príncipe arrogante, mas existe um coração
muito puro e honesto dentro deste peito.

– Tudo bem. Isso foi estranho. – fiz careta –
Mas obrigado pelos elogios. Não tenho recebido muito
ultimamente. O pessoal lá em cima... – foi então que
lembrei – O pessoal lá em cima!

– Deixou alguém esperando? – Daros
perguntou.
– Sim, deixei! – respondi.
– Vamos, eu te ajudo. – Daros deu um tapa em
minhas costas. As pessoas gostam de fazer isso comigo.
Daros fez um grande saco aparecer e, como se
regesse uma orquestra, fez varias ervas saírem
flutuando direto para o saco.

– Você é bom! – disse.
– Obrigado. – Daros sorriu – Agora passe isso
aqui no seu braço.
– O que é isso? – Daros me entregou uma
garrafa vermelha.
– É o antídoto do veneno. – Daros ficou sério –
Notei que você estava usando um remédio para
estacionar o veneno, mas ele não vai durar para
sempre.
– Quando você fez isso? – perguntei muito
surpreso.
– Agora. – ele sorriu.
– Tenho que admitir – também sorri – Você é
realmente muito bom!

– Obrigado outra vez. – Daros fez um gesto de
agradecimento com a cabeça.
Voltei à superfície e não demorou muito para
encontrar o caminho de volta para os submarinos. Era
estranho, mas desta vez pareceu mais fácil que quando
estava vindo. Talvez fosse apenas impressão minha.

Encontrei Neandro, Nicardo e Amadeus assim
que sai dos "domínios da caverna". Eles pareciam um
tanto preocupados. Muito preocupados.

– Onde você estava esse tempo todo? –
Neandro perguntou.

– Achei umas coisinhas. – abri o saco. Resolvi
não revelar ainda a vila na caverna.
– Já usei em mim. – deixei escapar. Mas
ninguém pareceu notar que eu não tinha a mínima
noção de como se fazia o antídoto.
– Aqui tem para todos e um pouco mais. –
Neandro estava feliz.

– Acho que devemos voltar. Amadeus sugeriu.
– Eu vou ficar. – Nicardo falou. Maldito disse
antes de mim.
– O que? – Neandro se espantou.
– Eu não posso deixar a Beatriz. – Nicardo se
fez de herói.
– Eu também vou ficar. – disse fuzilando
Nicardo com os olhos – Eu iria dizer isso bem antes
dele, mas ele se apressou. Eu também não posso
abandonar a Beatriz.

– Vocês estão certos disso? – Amadeus
perguntou.
– Eu pelo menos estou certíssimo. – respondi.
– Eu também. – Nicardo devolveu os olhares.
– Então eu também irei ficar. – não sabia o que
Amadeus tinha com a história.
– Vocês estão realmente certos? – Neandro
perguntou.
– Já disse que sim. – respondi.
– Vocês realmente querem me deixar
preocupado. – Neandro bufou.
– Você não vai ficar? – Amadeus perguntou.
– Eu preciso voltar. – Neandro respondeu – Se
Linfa estiver mesmo na Capital, eu preciso ver se está
tudo bem.
– Entendo. – Nicardo disse.
– Acho que só posso desejar boa sorte. –
Neandro entrou no submarino.

Assim que ele entrou que notei. Era a primeira
vez que ele me deixava sozinho. Não que eu nunca
tivesse ficado sozinho antes, mas eu sempre fugia. Essa
era a primeira vez em que ele me passava à
responsabilidade de cuidar de mim mesmo. Isso me
assustou um pouco. Mas não era pior do que ter que
ficar com dois seres quase insuportáveis.


CAPÍTULO 17 / E ELE ESTAVA ESPERANDO POR NÓS


D


e repente eu me vi sem ação. Eu estava no comando e
sabia exatamente o que eu queria fazer, mas eu teria
mesmo que dar ordens a Amadeus e Nicardo? Não que
isso fosse algo ruim, pelo contrario, mas não seria algo
fácil. Pelo menos não da parte de Nicardo.

– Cadê a cicatriz no seu braço? – Nicardo falou
alto – Ela parece estar sumindo.
– O que você disse? – disfarcei.
– Achei que não soubesse como fazer o
antídoto. – Nicardo puxou meu braço – Está sarando
rápido.
– Tire as mãos do meu braço cabeça de
pedregulho! – puxei meu braço para longe das mãos de
Nicardo – Não é nada disso.
– Então o que é? – Nicardo perguntou.
– Eu... Eu esfreguei as folhas no meu braço –
continuei disfarçando – Foi isso.
– Sério? – Nicardo não estava acreditando –
Não acho que seja assim tão simples.
– Pois eu acho que pode ser mais simples do
que imagina. – bufei – Você é muito desconfiado.
– E você não dá motivos para acharmos que
está escondendo algo de nós. – Nicardo continuou me
fitando desconfiado.
– Queria saber como você consegue ser tão
chato. – bufei novamente.

– Eu também queria saber quando você vai
crescer de verdade e nem por isso fico dando
showzinhos. – Nicardo não parecia muito maduro
dizendo isso.
– Eu dando show? – perguntei – Está me
achando com cara de que?
– Muitas coisas. – Nicardo deu um sorriso
debochado – Mas nem todas eu posso dizer.
– Você se acha o sabichão. – Nicardo tinha uma
habilidade especial para me tirar fora do sério. Não
queria admitir, mas ainda tinha muito ciúme. Eu não
via mais tanta paixão nos olhos dele, mas sabia que
ainda era apaixonado por Beatriz.
– Vocês dois! – Amadeus interrompeu – Acho
que temos algo mais importante para fazer.
– Desculpe. – Nicardo se recompôs – Você tem
razão. Temos algo mais importante.
– Você acha que não sei. – tentei não gritar –
Se tem alguém que se importa realmente em resgatar
Beatriz esse alguém sou eu.

– Sério? – Nicardo ironizou – Não parece.
– Vocês vão começar de novo? – Amadeus
quase puxou nossas orelhas.
– Desculpe – Nicardo e eu dissemos quase
juntos.
– Agora eu quero que vocês dois apertem as
mãos e façam as pazes. – Amadeus saiu do meio de nós
dois.
– Está falando sério? – Nicardo falou alto.

– Eu não aperto qualquer mão. – fui mais rude
do que deveria. Não gosto muito quando a força do
habito fala mais alto.
Amadeus ficou olhando para nós dois com
olhos pidões. Não era de cair em chantagens
emocionais, ainda mais feitas por homens, mas algo
naquele olhar me fez querer fazer tudo se resolver
logo. A sensação era quase torturante.

– Muito bem! – Amadeus bateu palmas quando
apertamos as mãos – Agora vamos entrar no
submarino e planejar algo para mais tarde.
Neandro havia deixado um submarino conosco.
Poderíamos precisar. Corrigindo: iríamos precisar. Os
soldados voltaram junto com Nicardo nos outros
submarinos. Ficamos apenas Nicardo, Amadeus e eu.
Com o tempo eu e Nicardo aprendemos a manejar com
perfeição essas máquinas de Cosmo. Alis, como estaria
aquele maluco? E Thalassa e Linfa? E Beatriz? Sem
dúvida essa é a que me dava mais motivos para me
preocupar. Eu preciso urgente achar um meio de
trazer-la de volta. Não só por Ofir, mas por mim
também. Já não posso viver sem ela.

Estava em dúvida se deveria ou não contar a
Nicardo e Amadeus sobre Daros e a caverna escondida.
Apesar de não gostar dele, em Nicardo eu sabia que
não teria problemas e poderia confiar. Agora Amadeus
ainda era um mistério. Eu não consigo engolir a história
que ele contou. Essa coisa de "príncipe preso por anos


nas masmorras sendo criado por serviçais", sério, isso
não me convenceu. Essa história parece fantasiosa
demais. Claro, pode ser verdade. Mas e se não for?

– Pensando muito? – Nicardo olhou sério para
mim.
– O que você acha? – perguntei.
– Tem certas coisas confusas. – Nicardo falou
mais baixo – Não sei dizer exatamente. Por alto não
parece ter motivos para desconfiar, mas ainda é um
mistério. Mas a história é real.
– Você já foi melhor. – disse um pouco mais
alto do que deveria.
– Magia forte. – Nicardo colocou o indicador na
frente da boca – Sempre complica as coisas.
– Quem usa magia forte? – Amadeus apareceu
na nossa frente.
– Beatriz! – Nicardo respondeu rápido –
Poderíamos rastrear-la, mas a magia dela é forte e
acaba causando interferências.
– E você sabe rastrear uma pessoa? – Amadeus
pareceu acreditar.
– Não. – a voz de Nicardo ficou em um tom
cômico – Acredita nisso? Não sei nem por qual raio de
motivo eu toquei nesse assunto.
– Que pena. – Amadeus acreditou – Se
pudéssemos rastrear-la seria uma mão na roda.
– Séria mesmo. – Nicardo disfarçava bem.
– Mas no meu sonho ela estava em uma
dimensão paralela. – lembrei – A menos que

soubéssemos a entrada exata do portal não adiantaria
nada. Fora que apenas quem cria o portal pode abrirlo.


– Mas você conseguiu abrir uma passagem. –
Nicardo lembrou – No castelo de Calidora, quando você
e Beatriz foram parar naquele labirinto subterrâneo.

– Aquele foi um caso diferente. – falei
assustado.
Naquela época era como se não fosse mais eu.
Desde que quase virei um ser do bosque muita coisa
mudou em mim. Quando tomei de volta minha
identidade eu senti um poder novo invadindo meu
corpo. Era como se eu pudesse fazer muito mais do que
eu julgava saber fazer. E naquele momento, quando
coloquei a mão no chão da sala do trono, algo mais
poderoso que qualquer outro tomou o controle. Eu
tinha plena certeza de já não era mais eu mesmo ali.
Quando as coisas se acalmaram, esse poder se
aquietou também. E está adormecido até agora.

– Eu estive pensando muito sobre isso. –
Nicardo falou – Talvez devêssemos voltar ao castelo e ir
para a sala do trono. Talvez a chave para acharmos
Beatriz esteja lá.

– Mas não acha esse plano maluco demais? –
Amadeus ficou preocupado.

– Talvez, mas não temos muitas opções. –
Nicardo tentava tomar a liderança. Tinha que fazer
algo.


– Nós iremos ao castelo. – disse – Vamos entrar
na sala do trono, talvez possamos encontrar uma
passagem por lá.
– Mas foi exatamente o que eu sugeri. –
Nicardo fez uma cara confusa.

– Mas eu disse com mais classe. – estufei o
peito.
– Claro. – Nicardo sorriu debochado – Tinha
que ser você. Eu não estou tentando te tirar da
liderança, estou apenas sugerindo um plano.
– E eu não estou com medo de que me tire à
liderança. – tentei parecer convincente.
– Sei. – Nicardo levantou a sobrancelha direita.
– Vamos continuar armando o plano? –
Amadeus já reparava que estávamos prestes a iniciar
uma discussão.

– Vamos. – disse – Acho melhor agirmos à
noite.
– À noite? – Nicardo perguntou.
– Á noite! – confirmei – Os guardas são em
menor número e a cidade fica mais escura. Ficará mais
fácil de entrarmos. Não temos mais um exercito nos
dando cobertura.
– Alexis tem razão. – Amadeus falou – Todo
cuidado é pouco.
– Mas como iremos entrar? – Nicardo
perguntou.
– Isso eu ainda não sei. – falei.

– Precisamos pensar rápido se quisermos fazer
isso à noite. – Nicardo disse em tom repreensivo – Logo
vai começar a escurecer.
– Alguma idéia? – perguntei.
– Vamos pensar. – Nicardo tentou não ficar
constrangido por também não ter uma idéia.
Pensamos e pensamos e acabamos decidindo
por entrar por debaixo da ponte que levava ao castelo.
Era muito arriscado, mas podia dar certo. Talvez
estivéssemos todos loucos mesmo. Ainda estava
tentando me convencer de que esse não era um plano
amador e arriscado.

Chegamos à cidade no momento em que as
tochas do castelo foram acesas. Ficamos esperando o
momento certo para entrarmos no pequeno rio que
havia sido montado em volta da entrada do castelo.
Até que eu vi uma coisa. Ou melhor, uma pessoa.

– Indo para o castelo? – ouvi uma voz
perguntando.
– Com certeza. – um homem gordo e de
chapéu de palha respondia de cima de uma carroça –
Se não entregar isso posso ter minha cabeça cortada.
– Que ótimo. – a outra pessoa pareceu não
estar prestando muita atenção no que o homem gordo
estava falando.
O homem gordo esperou a pessoa – que depois
consegui identificar como uma mulher – passar para
descer da carroça.


– Preciso mesmo me aliviar. – o homem gordo
olhou para os lados e seguiu em direção a algumas
moitas escondidas.
– Mudanças de planos! – cochichei.
Rapidamente entramos todos na carroça. O
homem gordo parecia estar mesmo precisando se
aliviar. Nos agachamos e nos cobrimos com a grande
manta que cobria vários sacos. Estava torcendo para
que nenhum guarda resolvesse conferir o
carregamento da carroça. Não queria uma luta
surpresa.

Depois de alguns minutos o homem gordo
voltou assobiando e seguiu em direção ao castelo.
Tentamos fazer o menos número de barulhos possíveis,
mas o homem cantava com tanta dedicação que
provavelmente não notaria nenhum outro barulho
além de sua voz desafinada. De repente a carroça
parou.

– Quem vem? – um guarda respondeu – É
você!
– Trousse o pedido. – o homem gordo parecia
orgulhoso.
– Muito bom. – o guarda era inexpressivo –
Agora leve-o até o local de sempre e suma daqui.
– Como sempre faço. – o homem gordo tentou
levar na esportiva – Sabe dizer se a vossa majestade,
Rei Bianor, precisará de mais desses?
– Se precisar ele te procurará! – o guarda
continuava inexpressivo.

– Espero já ter encontrado alguém para lapidarlos.
– ouvi o barulho dos portões abrindo – Não é
qualquer um que sabe usar-los para construir algo tão
grande.
– Os portões já estão abertos. – a falta de
emoção na voz do guarda já estava me irritando – Faço
logo o que tem que fazer e pare de nos importunar.
– Muito obrigado. – senti um tom de deboche
sendo engolido a seco.
A carroça voltou a ficar em movimento e resolvi
conferir o que estava sendo transportado. Nicardo me
olhou repreensivo quando me viu abrindo um dos
sacos, mas logo mudou para expressões de surpresa.
Expressões que eu também compartilhei.

O saco estava cheio de pedaços de cristais.
Todos ainda em sua forma bruta. E se todos aqueles
sacos estivessem cheios do mesmo conteúdo já
tínhamos ganhado mais um motivo para preocupação.

A carroça parou novamente e ouvimos o
homem gordo descer. Esperamos os passos dele
ficarem distantes até fazermos qualquer coisa. Assim
que tive certeza de que o homem gordo joguei a manta
branca para fora da carroça. E claro, tive outra
surpresa.

– Vocês? – um dos quatro guardas se assustou.
– Você tinha que tirar a manta branca
justamente agora. – Nicardo se preparava para a luta.

– Acho que, definitivamente, não é hora para
esse tipo de briga. – Amadeus também se preparava
para lutar.
Estávamos em um tipo de depósito. Não havia
muitas coisas. Tinham algumas carruagens, retratos dos
reis antigos de Calidora, alguns objetos que não
identifiquei e apenas os quatro guardas estavam
presentes. Para nossa sorte.

Não fizemos muito esforço para derrotar-los.
Na verdade foi até divertido. Acho que estávamos um
pouco enferrujados, mesmo não tendo nem uma
semana direto desde a nossa última batalha na Praça
de Calidora. Mas já haviam acontecido tantas coisas
que aquilo me pareceu uma eternidade.

Amarramos os guardas e pegamos suas
armaduras. Não era exatamente a idéia mais original
do mundo, mas tem dado certo em quase todas as
vezes que foi executada. Agora precisávamos torcer
para conseguirmos entrar na sala do trono sem
levantarmos suspeitas.

O castelo de Calidora estava muito diferente.
Haviam varias pinturas de Bianor espalhados por todos
os cantos. Além de várias estatuas em cada corredor,
sempre posando como o grande herói da nação. Era
estranho ver tudo aquilo. Na verdade era quase
apavorante. Quase não, era apavorante.

– Acho melhor nos dividirmos. – sugeri.

– Não. – Nicardo cortou rápido a idéia –
Precisamos ficar juntos. Seria muito arriscado.

– Nicardo está certo. – Amadeus também
concordou.
– Claro. Ignorem minhas idéias. – tentei
parecer ofendido.
Eles tinham razão. Foi uma idéia boba. Mas eu
não podia ficar dando muitos créditos para esse dois.
Era melhor manter a pose de soberano ou eles
montariam em cima de mim. Odiava sentir isso, mas às
vezes Nicardo parecia ser uma pessoa bem melhor que
eu.

Seguimos direto para a sala do trono. Não
havíamos muito tempo para perder. Não acreditava
mesmo que o portal pudesse continuar sendo ali. Ainda
mais depois do incêndio que causamos fugindo daquele
labirinto e enfrentando aqueles monstros e homens
sombras dos quais tenho pesadelos até hoje. Mas de
qualquer forma não custava tentar. Ou custava?

Abri as portas rapidamente e já entrei tirando o
capacete de soldado. Começava a achar que estava
realmente agindo com muita precipitação.

– Demoraram. – Bianor estava sentado no
trono – Achei que não apareceriam mais.
– Do que você está falando? – perguntei.
Odiava aquele silêncio constrangedor que sempre
acontece em situações como essas.
– Não parece óbvio? – ele gargalhou – Claro.
Vocês acharam que estavam me enganando.

– O que você quer dizer com isso? – Nicardo
falou furioso.
– Olhem! – Bianor se levantou – Temos dois
principezinhos no recinto. Que bonitinho. Mas eu já
sabia. Aliás, eu estava esperando por vocês.

CAPÍTULO 18 / ESPELHOS NA ESCURIDÃO


B


ianor sorria tão maliciosamente que chegava a dar
nojo. Para ser totalmente honesto, apenas falar o
nome dele já dava nojo. Acho que podemos triplicar
esse nojo e ainda somar-lo com mais dois pontos de
raiva e alguns muitos pontos de vontade de apertar o
pescoço de um. Exagero? Sem dúvida não para quem já

o viu sorrindo tão debochadamente.
– Como assim "eu estava esperando por vocês?
– Nicardo interrompeu minhas contas.
– Exatamente o que parece querer dizer. –
Bianor se sentou novamente – Eu estava esperando por
vocês. Todos vocês. Até mesmo esse outro
principezinho, mas achei que ele não conseguiria
chegar tão longe. Vejo que é mais forte e esperto do
que pensei. Pena estar do lado deles.

– O lado certo! – Amadeus disse como se fosse
homem.
– O lado do mau! – Bianor gritou – O lado
arcaico e que não aceita mudanças. O pior lado para se
estar! Um lado que não vai levar a nada. Será que vocês
não enxergam que tem muito mais a ganhar ficando
comigo do que contra mim?
– Quem iludiu a sua cabeça oca? – zombei –
Você é que está no pior lado. Mas nós não queremos
homens como você ao nosso lado. Agora diga onde
está Beatriz.


– Mallory está segura. – Bianor ficou sério – Ela
está a salvo. Não precisam se preocupar.
– Estando com você acho que não se preocupar
é impossível. – Nicardo tentou não se irritar.
– Ela está segura, já disse. – ele sorriu mais uma
vez – Eu dou minha palavra de honra que não
encostarei um dedo sequer nelas.
– Que palavra de honra? – gritei – Desde
quando a sua palavra tem algum crédito?
– Espere! – Nicardo me interrompeu – Você
valou "nelas"?
– Sim. – Bianor levantou a sobrancelha – Nelas.
Beatriz e Mallory.
– Mas as duas são a mesma pessoa. – Nicardo
estava intrigado.
– Você está muito enganado. – Bianor baixou a
voz – As duas são pessoas completamente diferentes.
– Agora diga para que nos trouxe aqui? –
Amadeus perguntou sem rodeios.

– Não estou dizendo que esse principezinho e
mais esperto do que pensava. – Bianor se levantou
novamente – Já descobriu a pegadinha.
– Pegadinha? – perguntei.
– Claro. – Bianor se aproximou – Você já devem
ter percebido que eu os trouxe aqui.
– Para que? – Amadeus disse começando a
ficar nervoso.

– Como para que? – Bianor gargalhou – Não
parece óbvio? Eu estava querendo me divertir. Vocês
se divertem o tempo todo. Eu também tenho direito.
– Quem é você para falar em direito? – gritei.
– Eu ignoro você Alexis! – Bianor me lançou um
olhar de desprezo – Mas como dizia, antes de ser
interrompido, agora que a principal ameaça foi
neutralizada eu quero me divertir. E como eu irei fazer
isso? Eu mesmo respondo. Invadindo o castelo da
Capital e tomando o que é meu.
– Desde quando você tem algo além do
desprezo alheio? – perguntei debochando.
– E você acha que iremos deixar? – Nicardo
lembrou bem.
– Eu tenho certeza que nenhum de vocês irá
deixar. – Bianor se afastou um pouco – Mas o que
vocês poderão fazer? Nada.
Bianor esticou o braço e fez alguns movimentos
com as mãos. Pequenos pontos de luz começaram a
surgir entre os dedos de Bianor e foi crescendo até se
tornar uma grande espada.

– A minha arma principal ainda não está
pronta, mas falta pouco – Bianor ergueu a espada –
Não vejo a hora de remodelar Ofir a minha maneira.
– Está delirando? – Amadeus perguntou.
– Claro que não. – Bianor soltou outra
gargalhada – Na hora certa vocês saberão. Mas agora
vamos tratar de outro assunto.

Antes que pudéssemos falar qualquer coisa
Bianor apontou a espada para cada um de nós. Não
sabia o que ele estava fazendo e nem como estava
fazendo, mas depois que ele apontou a espada para
mim meu corpo ficou imóvel. Eu havia virado uma
estatua viva.

– Não, não, não. – Bianor encostou o dedo sujo
em minha boca – Se tentar falar pode acabar
explodindo sua cabeça. Você não deve fazer muito
esforço.
Eu estava com muito medo. Estava realmente
com muito medo. Mas desta vez pelo menos eu não
precisava disfarçar o medo. Ninguém iria notar o meu
medo. Detestaria ser visto como um fraco por
Amadeus, Nicardo e principalmente por Bianor.

Ele ficou admirando suas novas "obras de arte"
e depois voltou para o trono arrastando sua espada
pelo chão. A espada fazia um risco enorme no chão,
mas rapidamente desaparecia sem deixar um único
rastro. Bianor estava aprimorando seus poderes, não
havia dúvidas.

Bianor nos admirou mais um pouco e depois
começou a fazer uns movimentos circulares com as
mãos. Logo um grande buraco negro se formou bem
diante de nós.

– Não será para sempre, prometo, mas tenho
que garantir que vocês não me atrapalharam. – Bianor
falou bem alto.

Do seu trono ele começou a puxar uma corda
imaginaria que fez com que Amadeus começasse a ser
arrastado para dentro do buraco negro. Depois de
Amadeus, foi a vez de Nicardo. Ele parecia tentar
resistir, mas logo parou e deixou-se ser arrastado. Por
fim eu comecei a sentir algo puxando meu corpo. Não
fiz igual ao Nicardo. Estava desesperado demais para
tentar impedir que Bianor me arrastasse. E se uma
simples tentativa de falar poderia explodir minha
cabeça, imagine o esforço de tentar ficar no mesmo
lugar?

A escuridão tomou conta de tudo. Não se vi
absolutamente nada além do preto. Conseguia me
mexer novamente, ao menos isso. Senti que estava
flutuando. Não parecia haver nada mesmo naquele
local. Tentei alcançar o teto, mas fiquei subindo e
subindo. Tentei voltar ao que poderia ser o chão, mas
acabei não encontrando nada. Tentei achar as paredes,
mas não também parecia não haver nada. Das duas
uma: Ou estávamos jogados no meio de uma galáxia ou
aquele local era realmente grande em todos os
sentidos. E se tratando de Bianor poderia ser qualquer
uma das opções.

– Amadeus? Nicardo? – só então me lembrei
dos dois.
Não tive resposta, mas continuei gritando e
seguindo rumo ao nada. Quanto mais eu vagava, mas
certo eu ficava de que aquele lugar não tinha começo e
nem fim.


– Alexis? – era a voz de Nicardo.
– Nicardo? – gritei – Ainda está me ouvindo?
– Estou! – a voz de Nicardo parecia distante.
– Amadeus está com você? – perguntei.
– Não. – Nicardo respondeu, agora um pouco
mais perto – Continue falando que eu vou seguir sua
voz.
– Tudo bem – comecei a falar – vou ficar
parado bem aqui até você me achar. Você já me
achou? Está perto de me achar? Onde você está? É o
mesmo...
– Tudo bem, já pode fechar a boca! – senti
Nicardo segurando minha mão.
– Engraçadinho. – fiz careta, mas ele
provavelmente não viu – Vai ficar segurando minha
mão.
– Dadas as circunstâncias eu vou! – Nicardo
respondeu – Precisamos ficar unidos. Se nos perdemos
nesse nada poderemos não sair jamais. Pelo menos não
juntos. Se alguém encontrar uma saída, pelo menos
todos nós saímos de uma vez.
Odiava admitir, mas ele estava certo. E odiava
mais ainda saber que ele sabia que disso. Maldito leitor
de mentes. Eu queria só ver como ele reagiria se de
repente alguém começasse a ler a mente dele. Aposto
como iria ficar todo estressadinho.

– Vamos deixar de papo furado e procurar por
Amadeus. – Nicardo quebrou o silêncio.
– Precisamos mesmo? – perguntei.

– Alexis... – Nicardo provavelmente não fez
uma cara muito bonita. Não que alguma vez ele já
tivesse feito.
Continuamos atrás de Amadeus. Acredito que
foram alguns minutos, mas o tempo ali não parecia
passar.

Aos poucos comecei a me acostumar com a
escuridão. Se existisse algo ali eu provavelmente
conseguiria enxergar suas siluetas, mas não havia nada
mesmo. Isso era um pouco estranho.

– Amadeus? – gritei.
– Se estiver nos ouvindo siga nossa voz! –
Nicardo também estava gritando.

– Você está vivo? – continuei gritando.
– Não diga bobagens Alexis! – Nicardo apertou
minha mão. Isso estava ficando muito estranho mesmo
– Ele não morreu. E se estivesse morto, não
responderia.
– Eu não estou ouvindo resposta de ninguém. –
constatei.

– Agora eu que digo engraçadinho. – Nicardo
disse debochando.
– Que ótimo! – bufei – Perdidos nos meio do
nada, tendo que ficar de mãos dadas com um cabeça
de pedregulho e ainda procurando um pirralho que não
se sabe nem se está vivo.
– Ei! Eu não morri – era a voz de Amadeus.
Vinha por de trás de nós – E não sou assim tão mais
novo que você.

– Chegue mais perto! – Nicardo falou – Cadê
sua mão.
– Vai querer ver o futuro dele? – zombei.
– Você sabe muito bem que não. – Nicardo
disse sério – Precisamos ficar todos juntos.
– Concordo. – Amadeus falou.
– Senhor sabe tudo, me responde essa – esse
apelido era do Cosmo, mas como ele não está – Onde
exatamente nós estamos?
– No meio do nada. – Amadeus respondeu.
– Isso já deu para perceber, mas eu quero
saber... Esquece. – bufei mais uma vez – Isso daqui não
deve nem existir. Deve ser outra dimensão. Ficaremos
aqui para sempre.
– Não acredito nisso. – vi a algo se movendo.
Era a cabeça de Amadeus – Bianor não vai querer que
justamente nós três percamos a sua grande vitória. Ele
vai nos tirar daqui, mas somente depois de conseguir o
que quer.
– E o que ele quer? – perguntei.
– Alexis você já foi mais esperto! – Nicardo
zombou – Ela está falando do castelo da capital. É claro
que Bianor vai querer invadir o castelo.
– Acredito que ele já deve estar se preparando
para isso. – Amadeus completou.
– E agora? – perguntei – O que vai acontecer
com eles?
– O nosso exercito ainda conta com a ajuda de
Neandro, Thalassa e Tales. – Nicardo lembrou.

– E não se esqueça de Linfa, que lutou muito
bem durante o ataque a Praça de Calidora. – Amadeus
se lembrou desse detalhe.
– Mas isso não é consolo. – disse chateado – É
horrível ficar aqui sem fazer nada.
– Eu sei, também sinto o mesmo. – Nicardo
falou.
– E nós ficaremos presos nesse nada absoluto
sem fazer absolutamente nada? – gritei. Minha voz
ecoou.
– É o que parece. Infelizmente. – Nicardo
pareceu baixar a cabeça.
– Mas nós precisamos...
– Fazer o que? – Nicardo perguntou – Já tentou
executar algum poder?
– Ainda não, mas...
– Não adianta você não vai conseguir. –
Nicardo me interrompeu – Este local foi feito para que
ninguém consiga sair. Não podemos executar poderes,
não achamos chão, nem tetos e nem parede para
tentar abrir buracos. E mesmo se conseguíssemos,
quem garante que sairíamos daqui desse jeito?

– Mas precisa existir um jeito. – gritei e
novamente minha voz ecoou.
Um fio de luz surgiu assim que minha voz parou
de ecoar. Meu olhos doeram quando ela começou a
ficar mais forte. Provavelmente minha visão já havia se
adaptado a escuridão. A luz foi crescendo e crescendo
até se tornar... um espelho?


– Mas o que é isso? – perguntei.
– Parece um espelho. – Nicardo falou no meu
ouvido.
– Você quer parar! – briguei – Eu estou falando
sério.
– Será que isso é uma passagem? – Amadeus
perguntou.
– Nunca saberemos se não olharmos mais de
perto. – disse me aproximando.
O espelho não era muito grande. Era um
espelho de mão na verdade. Mas se apareceu naquele
nada de forma tão mágica provavelmente não deve ser
apenas um espelho.

Ele estava girando devagar, como se estivesse
brincando de roda. O peguei e o virei em direção ao
meu rosto. Mas não era o meu reflexo que via no
espelho, era outra pessoa. E essa pessoa se chamava
Beatriz Misse.


A


CAPÍTULO 19 / VISITAS DESAGRADÁVEIS

Beatriz Misse

s coisas por aqui estavam extremamente entediantes.
Tudo beirava ao insuportável às vezes e a solidão não
era exatamente uma ajuda. Era um problema. Um
grande problema para ser bem honesta.

A minha casa viva quase um silêncio absoluto.
De vez em outra alguém batia na porta – sempre
fechada – como se eu nunca tivesse descoberto a
verdade sobre eles. Eu nunca abria. Nunca. Esperava
até o momento em que desistissem. Eu tinha muito
medo deles.

Minha única distração eram meus momentos
com os cadernos.

Televisão e computador estavam ali apenas de
enfeite. Nenhum deles funcionava. Sequer tinha
tomadas para tentar ligar-los. Acabava passando meu
tempo escrevendo. E o tempo era "generoso" comigo e
me deixava ficar escrevendo até minha mão ficar
dormente.

Eu escrevia sobre tudo. Desde minhas
frustrações em não conseguir escapar dali, passando
pela minha saudade do Alexis até os momentos de
loucura que quase tomavam conta de mim por causa
da solidão.

Outra coisa que sempre evitava era olhar no
espelho. Sempre que fazia isso via a imagem da falsa


Mallory refletida e não a minha. Aqueles olhos
maléficos, nunca consegui notar mais do que isso. Eles
me davam muito medo, mas ao mesmo tempo
pareciam tão familiares. Era como se, mesmo com toda
a maldade que emanava deles, eu pudesse confiar
naquele ser sinistro. Eram sentimentos confusos que
eu não gostava nenhum pouco de sentir.

Por várias vezes eu tentei sair daquele local.
Esse que simulava ser minha casa. Mas era impossível.
A magia não funcionava muito bem por aqui. Pelo
menos não da forma como eu gostaria que ela
funcionasse. Eu ainda conseguia fazer as coisas
flutuarem e o fogão ligar sozinho, mas não saia muito
disso.

Às vezes eu acabava olhando pela janela. Não
era exatamente a coisa mais sensata a se fazer, mas
ficar trancada dentro de uma casa completamente
vazia não dá muitas opções.

Ficava observando aqueles projetos de zumbi
com cara de gente. Agindo como se tudo aquilo fosse
real, como se aquela fosse realmente a vida deles.
Como conseguiam fingir mesmo sabendo que eu já
havia descoberto toda a verdade? Será que queriam
me assustar criando um clima de filme de terror?

Virei-me e tive uma desagradável visita
surpresa.

– O que você está fazendo aqui? – fiz questão
de ser seca.

– Não imaginei que me receberia com tanta
hostilidade. – Bianor respondeu debochando – Achei
que viria me agradecer pelo belo... hotel que criei
especialmente para você.
– Claro, um "hotel" repleto de zumbis que
ficam me vigiando dia e noite. – zombei – Sem dúvida
estou adorando. Principalmente o fato de não poder
sair daqui.
– Não seja tão ingrata menina. – Bianor disse
sério – Eu preciso te manter segura e preciso estar
seguro de que você não fugirá.
– Como se eu pudesse. – bufei – Como você
entrou aqui?
– Não é óbvio? – Bianor gargalhou – Eu criei
esse mundo para você. Posso sair e entrar a hora que
bem entender.
– Então você vai começar a me fazer visitinhas?
– fiz cara de nojo – Que ótimo!
– Talvez eu volte, mas talvez essa seja a minha
única aparição por aqui. – Bianor parecia estar
orgulhoso com seja lá o quê que ele estava pensando.
– Você é um louco. – zombei outra vez.
– Sabe que não foi difícil criar esse mundo. –
Bianor sorria agora – Na verdade foi mais fácil do que
esperava. Os espelhos tem se tornado grandes aliados
em minhas, acho que posso chamar assim,
empreitadas.


– Por falar em espelhos – lembrei – Você
poderia tirar aquela falsa Mallory do meu espelho.
Acho que não é necessário.
– Em primeiro lugar aquela não é a "falsa
Mallory" – Bianor fez aspas com os dedos – Segundo,
ela é necessária sim. Ela quem está vigiando você. Mas
acho que posso retirar-la do espelho.
– Muito obrigada. – respondi em tom de
deboche.
– Pelo menos você mostrou algum
agradecimento. – Bianor deu um sorriso torto – Beatriz,
eu não quero seu mal, apenas quero que você entenda
que eu não posso deixar ninguém atrapalhar meus
planos.
– Sério? – continuei debochando – Ótimo,
vamos então a parte que me importa.
– Diga? – ele juntou as mãos.
– Para que você veio? – fui direta.
– Eu precisava ver com meus próprios olhos
que você estava segura. – Bianor respondeu sério.
– Por quê? – perguntei.
– Eu prometi ao Alexis que não encostaria um
dedo sequer em você. Por mais que eu quisesse. –
Bianor olhou de forma estranha para mim – Você
cresceu tanto desde a primeira vez que te vi. Em todos
os aspectos.
– Você é nojento! – gritei – Espere! Você esteve
com Alexis? Falou com ele?

– Sim. – ele voltou a sorrir – Aquele jovem
príncipe tolo. Nem percebeu que estava caindo em
uma armadilha.
– O que você fez com ele? – avancei no pescoço
de Bianor.
– Calma Beatriz, não seja antecipada. – Bianor
soltou minhas mãos de seu pescoço sem fazer
absolutamente nada – Guarde essa luta para o
momento certo.
– Onde está o Alexis? – eu estava imóvel.
– Ele está seguro e está bem. – Bianor seguiu
em direção ao espelho do banheiro – Ele também está
em outra dimensão, mas não tem tantas regalias como
a sua. E ele provavelmente está nos vendo agora. Se
bem conheço o Alexis ele deve estar vermelho de raiva.
Bianor olhou o espelho como se estivesse
procurando por alguém. E pelas expressões de
felicidade que seguiram depois, parece que ele
encontrou. Bianor começou a gargalhar do nada. A
principio eu levei um susto, mas depois a cena
começou a ficar cômica demais para ser verdade.

– Que você é um louco todos já sabem – tentei
me mexer – mas não precisa ficar demonstrando isso
desta forma. É ridículo demais.
Bianor mexeu o dedo indicador e me fez flutuar
até ele como se estivesse sendo puxada por uma corda
invisível. Ele me segurou pelo braço e começou a
encarar o espelho.


– Eu disse que ela estava sã e salva não disse? –
Bianor falava para... o espelho? – É assim que ela vai
ficar até chegar a hora de libertar-la. Eu prometi que a
manteria segura e eu não sou homem que quebra suas
promessas.

– Só quando lhe convém. – completei.
– Não me obrigue a fechar sua boca também. –
Bianor parecia estar falando realmente sério agora.

– Você poderia ao menos me dizer com quem
está falando? – perguntei, mas fui ignorada.
Bianor me soltou e pude novamente me mover.
Ele continuou olhando para o espelho, mas desta vez
parecia estar ouvindo alguém falar. Era muito estranho,
mas vindo de Bianor nada era tão estranho assim.

– Muito bem. – ele quebrou o silêncio.
– Muito bem o quê? – falei alto.
– Nada de mais. – Bianor achou graça.
– Está rindo? – debochei – Me conta a piada.
– Nada de mais! – desta vez ele falou em um
tom mais ameaçador.
– Ignorante. – fiz língua.
– Você já notou que não pareço mais uma
ameaça a você? – Bianor era convencido.
– Tudo bem, você é louco. – falei alto – Mas
você realmente não parece uma ameaça. Parece
apenas um pequeno obstáculo que tenho que vencer. E
vou vencer.

– Não se iluda Beatriz. – Bianor quase
gargalhou – Você sozinha não é nada comparado a
mim.
– É o que veremos! – falei desafiadora.
– Pois é realmente o que veremos. – Bianor
sorriu – Mas não peça perdão no minutos finais de sua
vida, pois depois que a batalha começar de verdade eu
não terei piedade com ninguém.
– E eu estou morrendo de medo. – gostava de
debochar de Bianor.
– Pois deveria me levar mais a sério. – Bianor
levantou a sobrancelha – Você já está crescida o
suficiente para perceber quando perdeu uma briga.
Não me faça acreditar que ainda pensa como uma
garotinha de 18 anos.
– Exatamente por não ser mais a mesma que
você conheceu quase dois anos atrás que eu digo: não
perderei essa batalha. – disse confiante.
– Vá sonhando. – Bianor sorriu.
– Você não estava de saída? – perguntei.
– Não, mas foi bom ter lembrado. – Bianor
levantou o dedo indicador – Tem coisas importantes
para fazer.
– Que tipo de coisas? – perguntei
automaticamente.
– Não seja tão curiosa Beatriz! – Bianor
balançou o indicador negativamente – Isso é muito
feio.

– Acho que existem coisas mais horrendas –
falei – tipo você.

– Atire pedras em mim. – Bianor deixou um
leve sorriso aparecer – Aproveite enquanto pode.
Depois que eu resolver esse pequeno problema que
citei você não se sentirá tão por cima.
– Cale a boca! – gritei.
– Agora eu realmente estou de partida. –
Bianor olhou pela janela – Que bonitinhos.

– Muito bonitinhos. – disse nervosa.
– A Mallory não vai mais aparecer no espelho. –
Bianor falou – Pode olhar. Mas se algo de repente
aparecer nele, não se assuste. Eu quero que veja uma
coisa.

– Que coisa? – perguntei por impulso outra vez.
– Já disse para não ser tão curiosa. – Bianor
sorriu.
Bianor sumiu de repente e sem deixar rastros.
Parecia até aqueles efeitos de séries dos anos 60 do
tipo com bruxas e gênios da lâmpada. E agora eu
estava sozinha outra vez. Não completamente sozinha.
Agora eu tinha uma preocupação, uma desconfiança e
alguém atrás do espelho. Que maravilha!


CAPÍTULO 20 / MAIS VISITAS DESAGRADÁVEIS


F
F
iquei algum tempo fitando o espelho. Estava me
sentindo ridícula, mas se fosse o que eu
desconfiava ser eu teria um conforto enquanto

não fosse liberada daqui.

Bati de leve no espelho, esfreguei, tirei do lugar
e nada. Ele continuava exatamente o mesmo espelho
velho de sempre – talvez não tão velho já que aquele
não era o meu espelho.

Resolvi arriscar.

– Alexis? – falei – Se for você que está me
observando através deste espelho como desconfio que
seja faça algo. Por favor. Eu preciso de algum tipo de
confirmação. Qualquer coisa. – não obtive resposta.
Tentei novamente encontrar algo que me desse
à confirmação que precisava, mas não havia um único
sinal suspeito. A única pista que tinha era a sensação
guardada em meu peito de que era mesmo o Alexis que
estava me observando. Talvez esse fosse o sinal.

– Alexis, eu espero que esteja bem. – comecei a
falar – Estou me sentindo tão sozinha sem você. Bianor
está me mantendo prisioneira, mas acho que já sabe.
Eu te amo muito, nunca se esqueça disso.
– Falando sozinha? – uma voz feminina ecoou
pelo quarto.
– Quem apareceu agora? – perguntei saindo do
banheiro e tendo outra desagradável surpresa – Você?

– Imaginou que fosse o Papai Noel? – ela
debochou.
– O quê? – fiquei assustada – O Bianor disse
que você não iria mais me incomodar.
– Sim – ela sorriu – no espelho. Ele não disse
nada em aparecer no seu quarto. Querendo ou não eu
preciso te vigiar.
– Que ótimo! – bufei – Pelo visto eu não ganhei
madrasta, mas sim uma babá malvada. Quando esse
conto de fadas as avessas vai acabar?
– Acho que não vai demorar muito. – ela
começou a flutuar deitada – Agora o final só irá
depender de você.
– O que você quer aqui? – perguntei.
– Eu não já disse? – ela se aproximou de mim.
Ainda flutuando. – Eu estou aqui para te vigiar.
– Eu não preciso de babá. – gritei.
– A questão não é essa. – ela me fez sentar – Eu
fui obrigada a te vigiar. Eu também não tenho escolha.
Sozinha eu não posso lutar contra Bianor.
– Mas você não está do lado dele? – perguntei.
– Eu estou do lado que você estiver. – ela
respondeu voltando ao chão.
– Não faça piadas. – fiquei irritada.
– Mas eu não estou fazendo piadas. – ela
sentou ao meu lado – Eu vou estar onde você estiver.
Era para ser sempre assim.

– Gostaria de saber qual é o perfil de amizade
dos loucos. – levantei – Eu só atraio gente maluca para
o meu lado.
– Maluca não! – ela voltou a flutuar. Movia-se
mais rápido desta forma – Eu sei muito bem o que eu
estou dizendo. Você que é lerda demais.
– Você veio aqui para me insultar falsa Mallory?
– perguntei muito irritada.
– Quem está insultando quem agora? – ela
debochou – É a última vez que repito isso: estou aqui
para te vigiar. Apenas para isso. Eu poderia muito bem
ficar na minha, escondida em alguma sombra, mas
estou aqui com você.
– Pois eu preferia que ficasse escondida ou
voltasse pro espelho. – estava nervosa.
– Se é o que deseja – ela começou a
desaparecer – Só achei que gostaria de conversar com
alguém que pudesse te responder. Fiquei com pena de
te ver tão sozinha.
– Espera! – segurei se braço que já estava
sumindo – Tudo bem. Fique.
– Tem certeza? – ela sorriu – Eu anda posso
voltar para o espelho.
– Tenho certeza. – respondi – Eu quero que
fique.
Não achava que essa falsa Mallory fosse a
melhor das companhias, mas ela tinha razão. Eu estava
muito sozinha e não demoraria muito para que


enlouquecesse devido a solidão. Era mais uma questão
de necessidade do que vontade própria.

– Você parece com medo. – a falsa Mallory
estava girando na cadeira do computador – Não se
preocupe, eu não irei te machucar. Nem poderia.
– Eu não estou com medo. – estava sendo
honesta – É apenas estranho.
– Você nunca me olha no rosto. – ela se
aproximou de mim ainda sentada na cadeira – Por quê?
– Tudo bem. – resolvi admitir – Talvez você me
assuste um pouco.
– Mas não devia. – a falsa Mallory segurou
minha mão – Apesar de que as vezes temos medos de
nós mesmos.
– O que quer dizer com isso? – perguntei –
Você é só mais uma invenção de Bianor.

– Tem certeza? – ela perguntou – Olhe melhor
para mim.
Pela primeira vez olhei diretamente para seu
rosto, sem desviar o olhar. Não era por acaso que eu
nunca conseguia encarar a Mallory. Todo o pavor que
senti da primeira vez que havia visto voltou naquele
momento.

Seu rosto agora se parecia muito mais com o
meu do que da primeira vez em que a vi. Seus cabelos
estavam menos desarrumados, mas seu olhar
continuava transmitindo algo ruim. Não eram mais tão
diabólicos, pareciam mais olhos determinados, iguais a
de alguém que planejava uma vingança.


– Por mais que você insista em me chamar de
"falsa", eu realmente sou a Mallory.
– Impossível! – disse alto – Eu sou a Mallory.
– Não, você é a Beatriz! – ela respondeu – Eu
sou a Mallory.
– Mas eu já tive provas o suficiente de que sou
eu quem vai escolher o destino de Ofir. – estava
ficando nervosa.
– Não sozinha. – Mallory flutuou para perto do
meu ouvido – Eu também estarei lá.
– Fazendo o que? – perguntei.
– Ajudando você! – Mallory respondeu na
mesma hora.
– Como você vai me ajudar? – perguntei – Isso
está destinado apenas para mim.
– Não, isto está destinado a nós duas! – ela
continuava flutuando a minha volta.
– Como você sabe? – perguntei gritando – Você
escreveu a profecia?
– Não, mas conheço a verdadeira história por
trás dela. – Mallory também ficou nervosa – A história
que apenas os três guardiões mágicos conhecem. A
história que ficou esquecida para o resto do mundo.
– E que história é essa? – gritei.
– Nós nascemos entre dois mundos. – ela
também gritou.
– Que loucura é essa agora? – perguntei.
– Você nunca quis saber o motivo de você ser a
escolhida?

– Sim, mas isso não importa! – falei alto.
– Garanto a você que sim! – Mallory parou de
gritar – Existe um limite, ou melhor, existia um limite
entre o mundo da Terra e o mundo de Ofir. Esse lugar
se chamava Grammí.
– Grammí? – perguntei por perguntar.
– Este lugar foi criado para manter ligadas as
duas dimensões. – Mallory continuou explicando – Era
um local onde poucos encontravam. E nós nascemos
exatamente neste local.
– Espere! – interrompi – Você não disse que
não era qualquer um que encontrava este local.
– E realmente não era. – Mallory se sentou –
Mas a vida as vezes nos leva por caminhos inesperados.
Seja por conta do acaso ou pelo destino, mas isso não
importa mais. O que importa aqui é que nossa mãe..

– Minha mãe! – corrigi.
– Nossa mãe – ela insistiu – conseguiu chegar a
Grammí e nos teve.
– Você está dizendo que é minha irmã? –
perguntei assustada.

– Não, pois apenas um bebê nasceu. – ela
respondeu – Você. Eu. Nós. Não importa como nos
chamamos, fazemos parte do mesmo espírito. Apenas
fomos separados.
– Então você é apenas outra parte de mim? –
perguntei.

– Exatamente. – Mallory respondeu – Eu e você
somos a mesma pessoa. A magia que existia em Ofir

afetou na hora do nosso nascimento. Parte de você,
que sou eu, foi sugada para a dimensão de Ofir,
enquanto você ficou na Terra.

– Não acredito. – estava pasma.
– Pois pode acreditar. – Mallory falou – Nunca
reparou que você não é exatamente igual aos demais?
Você ficou com o que havia de melhor, enquanto eu
fiquei com tudo o que havia de pior da pessoa que
nasceu naquele dia.
– Por acaso você teve muito azar durante a
vida? – uma questão me veio a mente.
– Levando em conta que acordei há pouco
tempo, acho que não. – ela não percebeu o que
realmente queria dizer.
– Agora muita coisa está explicada. – disse para
mim mesma.
– Como eu estava contando – Mallory
continuou – Eu fui sugada para Ofir e fiquei em estado
de vegetação, apesar de conseguir ver, ouvir e
compreender tudo o que acontecia com você.
– E você não acordou antes por quê? – estava
intrigada.
– A profecia de que chegaria alguém da Terra
para salvar Ofir já estava escrita há décadas. – Mallory
voltou a explicar – Estava apenas esperando que a peça
chave nascesse para acontecer.
– Isso parece meio estúpido. – franzi os lábios.

– Mas é a verdade – ela se afastou de mim e
seguiu para perto da janela – Você precisa acreditar.
Nós precisamos...
– Precisamos do que? – perguntei.
– Ele está nos ouvindo! – Mallory se assustou.
– Quem está nos ouvindo? – perguntei.
– Quem mais poderia ser? – ela sussurrou e
começou a desaparecer.
– Para onde está indo? – perguntei.
– Eu volto. – ouvi apenas uma voz baixa no meu
ouvido.
Mallory tinha desaparecido, mas ainda tinha a
sensação de que não estava sozinha. Olhei para a porta
do banheiro e vi que uma imagem se formava no
espelho. Corri para ver o que era.

A imagem estava um pouco embaçada, mas aos
poucos pude começar a reconhecer o que estava sendo
mostrado e não estava gostando nenhum pouco
daquilo.

O castelo de Ofir estava em chamas,
exatamente como no meu sonho. E eu estava presa,
sem poder fazer nada. E isso – claro – não era nada
bom.


CAPÍTULO 21 / A GUERRA COMEÇA DE VERDADE


A


s chamas logo se apagaram. Não consegui ver se foi
algum tipo de defesa do castelo ou se havia sido Bianor
que estava brincando com a cara deles mais uma vez.
Mas era bem provável que fosse as duas coisas.

Tentei desesperadamente sair daquele lugar.
Era muita crueldade me fazer assistir aquilo sabendo
que eu estava de mãos atadas. Mas mesmo sabendo
que já havia feito de tudo, continuei tentando achar
uma forma de voltar para Ofir.

Tentei novamente magia, tentei encontrar
passagens e tive que resistir ao impulso de pular para
cima do espelho. Nada funcionava. Eu estava
condenada a ver a Capital sendo destruída e não poder
fazer nada para ajudar.

Neandro, Tales e Cosmo estavam fazendo a
defesa, enquanto Linfa e Thalassa faziam a retaguarda.
Vários soldados estavam espalhados em pontos
estratégicos, atacando cada avanço que Bianor e seu
exército davam.

Bianor brincava no céu com seu cavalo alado
feito de sombras. Mas ele não parecia estar se
divertindo. Seu rosto estava sério e pensativo. Parecia
estar pensando em algo muito distante. Era como se
nem estivesse concentrado na batalha. Por alguns
instantes me fez pensar que sua presença ali não era
meramente ilustrativa. Até que ele reagiu.


– Rápido! – Bianor gritou – Quero os portões
abaixo! Destruam tudo!
A defesa dos homens de Ofir estava excelente.
Eles não conseguiram impedir que os portões fossem
quebrados, mas estavam conseguindo atrasar os
passos do exército de Bianor e ainda fazer com que
recuassem. Mas isso não durou por muito tempo.

– Detesto ter que fazer isso – Bianor estava
desapontado – Perde totalmente a graça de uma boa
luta.
Bianor fez um gesto com a mão e mais da
metade dos homens da Capital voaram para longe,
feito folhas jogadas ao vento. E eu continuava
desesperada.

Os soldados da Capital não se deixaram abater
e logo reagiram, mas a essa altura os homens de Bianor
já estavam invadindo o castelo. Tive a impressão de
que o exército de Bianor havia aumentado
consideravelmente.

Neandro continuava a frente do exercito. Não
consegui enxergar Linfa, Thalassa, Tales e Cosmo. O
exército de Bianor realmente estava crescendo, mas
não conseguia ver de onde eles surgiam.

Os homens de Bianor entraram rapidamente
no castelo. A imagem do espelho mudou neste
instante. Agora mostrava o interior do castelo.

Linfa e Thalassa estavam lá dentro, junto com
um pequeno exército que lutava inutilmente contra os
homens de Bianor. Eles pareciam invencíveis.


A imagem no espelho novamente mudou.
Agora estava na sala do trono. Rei Céleo é outro
pequeno exército que estavam visivelmente prontos
para qualquer coisa.

Bianor invadiu a sala do tono sozinho. O
exército que estava com Rei Céleo reagiu no mesmo
momento, mas foram jogados janela a fora com um
simples sopro de Bianor. Era horrível constatar que
Bianor estava aprendendo a usar todo o poder que lhe
foi dado.

– O que você quer? – Rei Céleo perguntou – Já
não basta o que você está fazendo? Veio tripudiar em
cima de mim?
– Não exatamente. – Bianor sorriu – Mas sabe
que não seria uma idéia ruim. Mas eu não gosto de me
vangloriar de um feito que ainda não foi concretizado.
Mesmo esse sendo apenas uma questão de tempo para
se cumprir.
– Você é um doente! – Rei Céleo gritou – Nós
lutaremos até vencer.
– Eu não colocaria tanta confiança nessas
palavras. – Bianor continuou sorrindo – Agora que
Beatriz e Mallory estão sob meu poder, nada poderá
salvar-lo.
– Agora eu que não colocaria tanta confiança
nas suas palavras. – Rei Céleo rebateu.
– Você ainda tem esperanças? – Bianor
levantou a sobrancelha – Meu plano vai seguir
exatamente como eu quero.

– Aquele plano insano? – Rei Céleo perguntou.
– Plano esse que você poderia ter
compartilhado. – Bianor se aproximou do trono –
Apenas pessoas atrasadas como você não enxergar a
magnitude desse plano.
– Um plano onde é preciso matar pessoas
nunca será contemplado. – Rei Céleo gritou.
– Não são pessoas! – Bianor agora parecia
ofendido – São seres que de nada valem para a
evolução de Ofir. Seres inferiores e que só
atrapalhariam a criação da Ofir unificada. Vai ser
maravilhoso quando eu juntar todos os reinos em uma
única Ofir, onde apenas eu governarei. Uma Ofir onde
apenas os fortes terão espaço.
– O que você quer fazer é desumano! – Rei
Céleo continuou gritando.
– E desde quando esses fracos são humanos? –
Bianor também gritou – Nosso mundo está infestado
por raças podres, começando por esses seres errantes.
A maior aberração que esse mundo já viu.

– Mas eles existem! – Rei Céleo não parecia
bem – Eles existem e tem sentimentos. Eles são como
nós.
– Você é como eles! – Bianor não parava de
gritar – Você e todos os que pensam assim. São
pessoas como você que eu quero fora da minha Ofir.
Não existe piedade no progresso.
– Você está muito enganado! – Rei Céleo
estava alterado – Só existe progresso se esse for

baseado em compreensão, respeito, honra. Coisas que
você não conhece.

– Não me apareça com essa demagogia barata!
– Bianor explodiu em raiva – Compreensão? Respeito?
Onde estavam essas coisas quando você expulsou seu
próprio filho do trono apenas por ele não ser mais
exemplo para o povo. Aceitar um casamento de um
príncipe com uma plebéia não deveria ser um ato de
compreensão e respeito?
– Não coloque os meus filhos no meio dessa
sua intriga! – Rei Céleo gritava pra valer agora – Você
não sabe o quanto eu me arrependo de ter feito isso.
Mas isso é apenas um pequeno detalhe, insignificante
para ser honesto, perto do que está fazendo.
– E o que eu estou fazendo? – Bianor
gargalhava debochado – Tudo o que eu quero é
transformar Ofir em um mundo melhor. Um lugar para
se viver com dignidade. Claro, apenas quem merece
isso.
– Seu monstro de espírito pobre e coração
vazio! – Rei Céleo realmente não estava bem.
– Não tente me ofender com palavras de
impacto. – Bianor sorriu – Você deveria saber que não
me impressiono facilmente.
– Não mesmo! – Rei Céleo quase sussurrou –
Você não faz parte dos seres vivos. Você é uma coisa
sem sentimentos que apareceu.

– Eu me sinto mais vivo do que nunca – Bianor
passava a mãos no próprio corpo – mas se tem tanta

curiosidade em saber como é o mundo dos mortos, eu
posso te dar uma ajuda.

Fiquei triplamente desesperada. Bianor e
morte não eram palavras que combinavam muito bem.
Seja lá o que estivesse passando pela cabeça de Bianor,
sem dúvida não era algo bom.

Sentia uma presença atrás de mim e um suave
reflexo no espelho, bem atrás do meu. Era Mallory.

– Eu preciso fazer alguma coisa! – disse
desesperada.
– Mas o que você tem em mente? – Mallory
perguntou.
– Eu não sei. – respondi sem saber se era
possível ficar mais desesperada do que eu já estava.
– Eu sei como podemos voltar. – Mallory
flutuou até meu ouvido.
– E não me disse isso antes por quê? –
perguntei irritada.
– Ele poderia nos ouvir. – Mallory respondeu –
Ele nos ouve o tempo inteiro. Mas agora ele está
concentrado com outras coisas.

– Não me interessa se ele está ou não nos
ouvindo! – gritei – Apenas diga como eu posso voltar
para lá.
Neste instante a porta da sala do trono bateu.
Era Neandro que entrava para defender o pai. Bianor
estava enforcando Rei Céleo, o levantando até o teto
sem sequer encostar a mão nele.

– Solte meu pai! – Neandro gritou.

– Calado! – Bianor fez um gesto com a outra
mão.
Neandro pareceu assustado e não falou mais
nada. Ele mexia a boca de forma estranha, como se
tivesse tentando abrir-la, mas não conseguia.
Provavelmente algum feitiço de Bianor para fechar a
boca dele.

Uma luz forte atingiu o local pouco antes de
Neandro tentar atacar Bianor novamente. Era a Rainha
Alina. Agora eu estava prestes a enlouquecer.

– Bianor, solte-o! – ela gritou – Eu me entrego
no lugar dele.
Neandro arregalou os olhos, apavorado.

– Eu já não preciso mais de você Alina. – Bianor
não tirava os olhos do Rei Céleo – Você é carta fora do
baralho. Já deveria estar morta faz tempo.
– Eu não posso deixar que você faça...
– Cale a boca você também! – Bianor fez a
Rainha Alina voar em direção a parede. Neandro estava
paralisado.
– Eu... não... posso... – Rainha Alina estava sem
fôlego.
De repente um vento forte começou a invadir a
sala. Tudo estava sendo posto para o ar. Cadeira,
estantes, vidros se quebrando, a sala estava sendo
destruída e as únicas coisas que continuavam no
mesmo lugar era a Rainha Alina, Rei Céleo, Bianor e
Neandro. Era a Rainha Alina quem estava fazendo a
tempestade. Infelizmente foi inútil. Ela caiu desmaiada.


– Rápido! – gritei – Não temos mais tempo.
– Você precisa me aceitar de volta Beatriz. –
Mallory falou.

– O quê? – estava confusa.
– Não haverá outra maneira, apenas essa. –
Mallory estava calma.

– Eu te aceito de volta – falei – Agora vamos!
– Você não está fazendo isso da forma correta
Beatriz! – Mallory flutuava.
– Mas eu não te aceitei de volta? – gritei.
– Você apenas disse. – Mallory continuava
flutuando.
– E o que eu preciso fazer? – continuei
gritando.
– Precisa me aceitar de volta. – Mallory falou
sem expressão.
– Você já disse isso! – já tinha perdido a
paciência.
– Você precisa me aceitar de volta – Mallory
continuava sem expressão – Eu e você precisamos
voltar a ser uma única pessoa.
– E como eu e você...
– O coração Beatriz! – Mallory me interrompeu
– Você precisa querer que eu volte de coração.
– De coração? – perguntei.
– Você ficou com o coração e a alma quando
fomos divididas. Eu sou apenas o que você tinha de
ruim. A nossa verdadeira consciência está com você. Só
você pode querer isso.

– Eu? – minha cabeça doía.
– Apenas assim eu poderei voltar e apenas
assim você salvará Ofir! – Mallory já não tinha mais os
olhos tão aterrorizantes.
Fechei os meus olhos e, por impulso, segurei as
mãos de Mallory. Eu não sabia se estava fazendo da
forma correta, mas tinha que tentar de qualquer jeito.

O que era mais importante para mim? O que eu
realmente queria? Tudo o que eu mais queria era
salvar Ofir. Já me sentia parte desse mundo. Eu era
parte desse mundo. Não queria ver uma parte minha
sendo destruída tão covardemente. E eu precisava da
Mallory junto de mim novamente para que isso
acontecesse. Não existe outro jeito.

– Eu quero de volta a parte de mim que me foi
roubada para salvar a outra parte de mim que está
sendo destruída. – pedi de coração.
Uma sensação estranha e inexplicável tomou o
meu corpo. Não conseguia enxergar mais nada. Tudo o
que eu conseguia era sentir algo mudando em mim.
Sentia novos sentimentos, sentia outra força,
enxergava novas memórias. A Mallory estava voltando
a fazer parte da minha alma. Separadas há tanto
tempo, mas que agora pareciam estar ligadas desde
sempre.

Quando voltei a enxergar estava no meio da
praça de Ofir. Uma verdadeira guerra estava
acontecendo ali. Pessoas espalhadas para todos os


lados fazendo o seu melhor para defender o seu lado
da história.

Já estava pronta para me defender de qualquer
golpe, mas pareciam estar me ignorando. Era como se
eu não tivesse importância alguma ou não
representasse uma ameaça a eles. Mas eu não estava
com tempo para me sentir ofendida. Eu era uma garota
com uma missão.

Cheguei ao castelo feito louca. As coisas nos
portões estavam mais calmas. Aparentemente a
batalha que havia iniciado ali acabou migrando para a
praça. O castelo estava completamente deserto.
Nenhum sinal de vida.

Corri para a sala do trono, torcendo para que
ainda desse tempo de fazer alguma coisa, mas eu havia
chegado tarde demais.

A Rainha Alina continuava desmaiada em um
canto qualquer da sala. Bianor colocava o trono, que
havia sido atirado para o outro lado da sala, de volta ao
seu lugar. Neandro chorava jogado ao chão, deitado no
corpo do pai. Não precisava dizer mais nada, eu já
sabia. Rei Céleo estava morto.


CAPÍTULO 22 / O JARDIM


A


minha dor em ver o Rei Céleo morto só não era maior
que a dor que eu vi nos olhos de Neandro. Ele estava
completamente arrasado. Mas arrasado do que eu
poderia imaginar – se é que algum dia eu fosse
imaginar algo tão cruel.

A Rainha Alina estava viva, eu podia sentir.
Reparei que ela não estava jogada como quando vi pelo
espelho. Ela parecia ter sido posta de uma forma mais
confortável. Provavelmente Neandro a deixou daquele
jeito antes de correr em direção ao corpo do pai.

Bianor estava fazendo um trabalho manual.
Depois de jogar coisas e pessoas ao vento apenas com

o estalar de dedos achei que tivesse se esquecido. Ele
pegava o trono que havia sido jogado para o outro lado
da sala e colocava em seu lugar. Provavelmente ele
queria sentir o prazer de fazer isso com as próprias
mãos.
Depois de colocar o trono no lugar, Bianor
seguiu em direção ao corpo do Rei Céleo. Neandro
tentou parar-lo, mas foi em vão. Bianor esticou a mão e
segurou Neandro pela cabeça, fazendo ficar paralisado.
As expressões de desespero de Neandro me fizeram
chorar.

Bianor se agachou, provavelmente para evitar
ficar curvado, e pegou a coroa do Rei Céleo que estava
jogada ao lado do corpo dele.

– Finalmente minha! – Bianor falou baixo.

– O que você pensa que está fazendo? – gritei –
Tire essas suas mãos imundas da coroa do Rei Céleo.

– Você não tem ideia de quanto isso é bom.
Muito bom. – Bianor zombava.
– Cale essa boca seu maldito! – me sentia
personagem de desenho japonês – Eu estou aqui! E a
mim que você quer! Sou eu quem você procura! Deixe
os outros fora dessa! Você está me ouvindo?
Bianor continuou a me ignorar. Não teve como
não me irritar com essa atitude. Ele estava zombando
demais. Já estava sendo muito doloroso ver o corpo do
Rei Céleo estirado no chão e saber que poderia ter
evitado e ele ainda zomba me ignorando. Não contive o
impulso e estapeei seu rosto.

– Mas o que é isso? – ele perguntou assustado
– Quem fez isso?
– O que foi Bianor? – estava furiosa – Além de
burro virou cego também?
– Eu estou avisando – Bianor se afastou de mim
– apareça!
– Eu estou bem na sua frente! – continuei
gritando.
– Eu sei que é você – Bianor rodava a sala –
Não adianta se esconder. Quero apenas que tenha a
coragem de se mostrar.

– Pare de bancar a criança Bianor! – eu estava
ficando realmente irritada – Você está me vendo.

– Eu vou contar até três – Bianor parecia estar
pisando em ovos. Mas no sentido literal da frase –
espero não ter que desmascarar você. Um, dois, três!
Bianor fez um gesto estranho com a mão –
parecia alguém espantando mosca – e ficou muito
assustado. Não sei o que exatamente ele esperava que
acontecesse, mas fosse o que fosse parece não ter
dado certo.

Bianor tentou novamente fazer o que quer que
estivesse tentando fazer. Novamente a cara de espanto
dele apareceu. Mas desta vez veio acompanhada de
expressões de confusão e medo. Muito medo. Isso
vindo de Bianor era novidade.

– O que está acontecendo? – Bianor perguntou.
– Eu que pergunto. – disse já esperando ser
ignorada.
– Quem é você? – Bianor tentava disfarçar o
medo – O que você quer?
– Você sabe muito bem quem sou e o que
quero. – respondi.
– Eu exijo que você apareça. – ele quase gritou.
– Mas eu estou bem na sua frente. – me
aproximei dele.
– Não me faça de bobo! – Bianor gritou – Eu sei
que você é.
– Se sabe para que pergunta? – zombei da cara
dele, mas fui ignorada. Neste caso isso é péssimo.
– Eu disse que juntas faríamos a diferença. –
era a minha voz, mas não era um pensamento meu.


– Mallory? – perguntei.
– Não. – ela respondeu – Agora eu sou você
também.
– O que está fazendo? – ainda não havia me
acostumado.
– Em primeiro lugar eu aconselharia a você a
falar comigo apenas por pensamento. – Mallory falou –
Fale como se estivesse falando para si própria. O que
não deixará de ser verdade.
– Tudo bem. – pensei.
– Ótimo. – se pensamentos sorriem eu a senti
sorrir em minha cabeça – Bianor não está se fazendo
de bobo. Ele apenas não contava que eu tivesse algum
raciocínio lógico e que não soubesse juntar as duas
partes de mim.
– Mas o Bianor sabe o que fiz? – perguntei em
pensamento.
– É claro que não. – Mallory falou – Ele só irá
descobrir o que eu fiz quando for me procurar.
– E ele vai sacar tudo quando vir que eu
também não estou lá! – pensei o obvio.
– Eu também? – Mallory estranhou – Acho que
estou ficando louca.
– Como assim você está ficando louca? –
perguntei.

– Eu me referindo a mim mesma como se
existisse outra pessoa além de mim. – Mallory estava
levando a sério essa história de ser um só.

– Você está me deixando confusa Mallory. –
pensei.

– Não importa. – Mallory falou – Agora sou o
ser mais poderoso de Ofir. Juntar minhas duas partes
foi realmente necessário. Ninguém mais pode me ver, a
menos que eu queira ser vista.
– Mas eu quero ser vista! – desta vez disse em
voz alta.
– Não. – Mallory falou – Eu não quero ser vista.
Seria péssimo ser vista em um momento como esse.
Preciso aprender a conhecer os momentos certos para
fazer certas coisas.
– Mallory! – estava ficando irritada.
– O que foi? – ela perguntou.
– Te peguei! – disse em pensamento.
– Vamos Beatriz, leve isso a sério. – Mallory
parecia chateada.
– Você que não está levando isso a sério. –
falei.

– Claro. – ela parecia chateada – Acho que você
não sabia que para controlarmos todo o nosso poder
nós não temos apenas que nos juntar. Temos que nos
tornar uma só de corpo r alma.
– Você não disse isso quando estávamos na
dimensão paralela do Bianor. – lembrei.
– Não era o momento. – Mallory brigou –
Tínhamos algo mais importante para resolver.


– E chegamos tarde demais. – disse olhando
para o corpo do Rei Céleo – Mas o que está
acontecendo?
A minha conversa com Mallory acabou me
fazendo perder o foco em Bianor. Ele agora estava
chamando seu cavalo de sombra. Não sei o que ele
pensou que fosse, mas estava claramente fugindo da
sala do trono. Mas seus olhos pareciam dizer que ele
voltaria para destruir quem quer que fosse. Mas eu já
não tinha mais tanto medo.

Ele montou em seu cavalo e saia pela janela de
uma forma assustadoramente rápida. Era como se
tivessem acelerado um filme que já fosse rápido. Mas
eu não estava com tempo para pensar em qualquer
outra coisa. Já havia perdido tempo demais.

– Nós podemos fazer algo pelo Rei Céleo? –
perguntei.

– Infelizmente não. – Mallory respondeu – A
linha que separa o mundo dos vivos com o dos mortos
não pode ser alcançada por nenhum mortal e nem por
nenhuma magia. Apenas os seres místicos que criaram
esse mundo tem acesso aos dois mundos.
– E por ele? – perguntei apontando para
Neandro que continuava paralisado.
– Por ele ainda podemos fazer algo. – Mallory
respondeu – Deixe comigo.
Mallory começou a fazer meu corpo se mexer.
A sensação foi... curiosa. Não era como se alguém
estivesse me controlando. Sentia como se meu corpo


estivesse me obedecendo. Era uma sensação muito
difícil de explicar. Apenas tendo duas partes suas
controlando o seu corpo para entender o que estou
tentando dizer.

Encostei minha mão no rosto de Neandro. Senti
meu peito cheio de ar e depois senti todo esse ar se
dissipar imediatamente. Neandro voltou aos poucos a
se mexer.

– Você está bem? – perguntei – Está me
vendo?
– Sim. – Neandro respondeu. Fiquei aliviada –
Eu estou bem e estou te vendo. Meu pai?

– Ele está ali. – disse em um tom mais baixo
que o normal.
– Então aconteceu mesmo. – os olhos de
Neandro se encheram de lagrimas.
– Você não sabe o quanto eu gostaria de dizer
que isso não passou de um pesadelo horrível. – tentei
consolar-lo.
– Aquele maldito! – Neandro gritou – E minha
mãe?
– A Rainha Alina está ali. – tentei não apontar.
Parecia muito grosseiro e indelicado ficar apontando.
– O que está acontecendo com Ofir? – Neandro
perguntou – E onde está Alexis?
– Alexis, Nicardo e Amadeus não estão
disponíveis por enquanto. – tentei não parece estar
fazendo uma piada – É uma longa história, depois te

conto. Agora nós temos coisas mais importantes para
fazer.

– Tem razão. – Neandro olhou para o corpo do
pai – Você me ajuda em uma coisa?
– Se estiver ao meu alcance. – segurei sua mão.
– Eu quero levar meu pai para um lugar.
Ele pediu para que eu ajudasse a carregar a
mãe dele enquanto ele levava o corpo do pai.

Neandro abriu uma passagem secreta, na sala
do trono, que eu desconhecia. Ele havia dito que
aquela sala tinha varias passagens espelhadas, todas
levando para o mesmo lugar. Um lugar que apenas ele,

o Rei Céleo, Alina e Alexis conheciam. Um lugar que
realmente pertencia apenas a eles e a mais ninguém.
Não pude deixar de me sentir honrada em ser levada
para um lugar tão intimo e pessoal da família.
O lugar em questão era um belíssimo jardim
subterrâneo. Neandro contou que aquele lugar
sobrevivia por causa da magia que o Rei Céleo havia
deixado naquele lugar.

O jardim parecia um pedaço do paraíso. Havia
árvores e flores com cores tão vivas que pareciam
saltitar. Existia um belo rio que cortava o jardim. Até
mesmo as pedras davam um brilho diferente. Havia
ainda uma árvore enorme, com dois balanços e uma
toalha do tipo que se usa para piqueniques.

– Meu pai criou esse lugar como presente de
casamento para minha mãe. – Neandro contou – Ele

dizia que a beleza daquele lugar simbolizava tudo o que
ele sentia pela minha mãe.

– Mas esse é simplesmente o lugar mais belo
que já vi. – fui sincera.
– Não duvido nada de que a magia que meu pai
usou para criar esse jardim foi a magia do amor.
– E tenha a certeza de que foi. – disse
colocando a mão em seu ombro.
– Eu quero que meu pai fique aqui. – Neandro
falou – Eu sei que, como fui deserdado, o Alexis se
tornou o primogênito e ele deveria escolher o local
onde o nosso pai vai descansar.
– Eu não acredito que o Alexis escolheria outro
lugar. – novamente fui sincera – E acredito que ele
cederia esse momento para você. Você pode ter sido
"exonerado" do cargo de primogênito por leis
estúpidas, mas eu duvido que tenha sido expulso do
coração de seu pai. Você continua sendo e sempre será
filho dele.
– Obrigado pelas palavras. – Neandro fechou os
olhos – Alexis deveria estar aqui.
– Não podemos fazer nada? – perguntei a
Mallory.
– O que disse? – Neandro estranhou.
– Eu falei que você iria parecer louca. – Mallory
falou em minha cabeça.
– Nada. – respondi e concentrei nos meus
pensamentos – Não podemos trazer Alexis para cá?

– Acho que isso é mais difícil. – Mallory
respondeu – Nós podemos nos transportar para
qualquer lugar sem problemas, agora transportar
outras pessoas já é um caso mais difícil.
– Mas eu não sou a criatura mais poderosa de
Ofir? – perguntei.
– Sim, mas sabe usar toda essa magia
corretamente? – Mallory rebateu. Fiquei sem palavras
– Eu já falei o que precisamos fazer.
Um rápido momento de silêncio tomou conta
do local. Neandro fez aparecer alguns galhos. Vários
galhos e pedras começaram a flutuar e se juntar uns
nos outros até formar uma grande coroa.

– Meu pai não queria um grande enterro. –
Neandro falou – Ele queria apenas que guardassem as
boas lembranças dele. E esse será a minha forma de
mostrar o meu respeito por ele.

– Que belo gesto. – disse admirando a coroa.
– Para mim o meu pai será sempre o único rei
de Ofir. – Neandro falou – E esse será o símbolo do
meu eterno respeito a ele. Meu pai.
Neandro colocou o pai sentado perto da grande
árvore e da coroa. Coloquei a Rainha Alina – que estava
deitada ao meu lado – junto com o rei. Um vento
começou a sopra de repente. Já não me assustava mais
com a falta de lógica em Ofir. Mas esse não parecia ser
um vento qualquer. E não era.

O vento estava transformando o Rei Céleo em
minúsculas partículas douradas. Elas se espalharam


pelo jardim e o transformaram em algo ainda mais
belo, com vários pequeninos pontos brilhantes no
chão.

– Agora meu pai viverá eternamente aqui. –
Neandro parecia satisfeito.

Não era exatamente um túmulo, mas eu sabia
que mais uma parte do meu sonho havia se cumprido.
E eu já sabia o que aconteceria depois.


CAPÍTULO 23 / FIM DO MUNDO


S


em dúvida alguma aquela seria uma cena que guardaria
para o resto da minha vida. Nunca imaginei que um
momento tão triste pudesse ser também um momento
tão belo. Rei Céleo havia partido de forma honrosa. E
agora eu sabia que não poderia deixar mais ninguém
morrer em vão. Eu precisava acabar com Bianor. E
precisava fazer isso rápido.

Não sei dizer por quanto tempo ficamos
naquele jardim. A Rainha Alina ainda estava
desacordada, mas parecia bem melhor deitada ao lado
das flores e sobre a sombra de uma árvore. Talvez ela
tenha sentido a essência do Rei Céleo tomando conta
do lugar.

Neandro resolveu deixar a Rainha Alina no
jardim. Não estava tão certa de que seria seguro
deixar-la daquele jeito, mas Neandro parecia confiar
bastante no que estava decidindo que – por diversas
razões – achei melhor não dizer nada.

– Eu me sinto péssima. – disse – Deveria ter
chegado a tempo.
– Não foi sua culpa Beatriz. – Neandro parecia
bem mais calmo – Acredito que era para ser assim.
Infelizmente.
– Mas eu estava vendo tudo. – continuei – Se
eu fosse mais esperta teria entendido imediatamente
como sair daquele mundo louco que Bianor criou para
mim.

– Você não fez nada que eu não teria feito se
estivesse no seu lugar. – Neandro estava com a cabeça
baixa – Você ainda vai trazer muita honra para
memória do meu pai. Nós iremos ajudar você a vingar a
morte do meu pai. Você destruirá Bianor por mim, por
minha família e por toda Ofir.
– Eu às vezes começo a acreditar no contrario.
– também baixei minha cabeça.
– Pois comece a mudar seus pensamentos! –
ele falou mais firme – Não deve pensar na derrota
como uma realidade. Você irá vencer Beatriz, acredite!

– Mas eu quero acreditar. – bufei – Mas você
tem razão. Passei esse período inteiro repetindo
minhas dúvidas e aflições. Sempre a mesma história,
sempre o mesmo contexto. Eu não posso me
subestimar tanto assim. Eu vencerei Bianor!
– É exatamente desta forma que eu quero ver
você falando. – Neandro deu um sorriso torto.
Percebi que aquelas palavras não eram minhas.
Era a Mallory quem estava falando. Eu não tinha tanta
confiança, mas algo dentro de mim estava aceitando
aquelas palavras como se fosse realmente minhas.
Alguma coisa estava mudando a minha forma de
pensar. Talvez Mallory representasse esse lado mais
corajoso que estava faltando em mim. A confiança que
eu precisava para seguir em frente com essa batalha.

Saímos novamente na sala do trono. Aquele
lugar agora parecia parte de um terrível filme de
psicopata. O clima extremamente denso que tomou


conta do local criava toda uma atmosfera gélida e
mórbida. Nunca mais veria essa sala do mesmo jeito.
Neandro seguiu em direção aos quartos.

– O que vai fazer? – perguntei.
– Não existe outra opção para mim no
momento.
– Do que você está falando? – perguntei
assustada.
– Eu preciso fazer isso ou não me sentirei bem
comigo mesmo. – Neandro seguia em direção ao
quarto dos pais.
– E o que pretende fazer? – continuei seguindo
atrás dele.
– Irei me juntar aos outros. – Neandro entrou
no quarto dos pais. Ele seguiu em direção a um grande
quadro dourado. A moldura guardava uma imensa
espada. Neandro quebrou o vidro da moldura – Eu irei
defender Ofir até os últimos minutos.
– Mas... – não sabia se deveria deixar-lo ir ou se
o impedia.
– Beatriz – ele pegou a espada – Eu estarei com
você quando chegar a hora. Todos nós estaremos. Isso
é uma promessa.
Neandro me deixou sozinha no quarto. Já não
sabia o que fazer. De repente tudo aconteceu tão
rápido que minha mente acabou ficando lerda e tudo o
que conseguia pensar era "onde está o Alexis?"


– Está mais que claro! – era a voz de Mallory –
Devo seguir e me juntar a eles também. Todos
precisam fazer algo para salvar Ofir.

– Mas precisamos estar prontas para a batalha
contra Bianor. – disse.
– E deixar todos por conta da sorte. – Mallory
caçoou – Às vezes tenho cada pensamento.
– Eu estou falando sério. – instintivamente
tentei fitar minha testa. Não consegui – Você deve
sentir tudo o que eu sinto, assim como eu já estou
começando a sentir o que você sente. Acho que já
consegue notar que essa não é a questão.
– Então qual seria? – Mallory perguntou.
– Esse não é momento. – continuei – Eles irão
precisar de nós quando formos lutar contra Bianor. Ele
já conseguiu o que queria, não vai voltar aqui tão cedo.
– Ela está certa! – não estava acreditando no
que estava ouvindo – Não sei exatamente como vocês
duas estão conversando, mas eu vi tudo através desse
espelho aqui.
– Alexis! – corri para os braços dele.
– Eu estou aqui agora. – Alexis me abraçou bem
forte.
– Todos nós estamos. – era a voz de Nicardo.
– Como vocês conseguiram sair do local onde
estavam? – perguntei.
– Acho que Bianor só queria impedir que
ninguém atrapalhasse os planos dele. – Amadeus falou

– Agora que ele já conseguiu o que queria não havia
mais sentido para nos manter presos.
– Você estava me vendo o tempo inteiro por
esse espelho? – perguntei.
– Sim. – Alexis respondeu com a voz pesada –
Cada segundo.

– Então você já sabe... Sinto muito. – o abracei
mais forte ainda.
– Você não sabe como foi para nós assistir
aquilo sem poder fazer nada. – Nicardo também estava
com a voz pesada
– Eu sei exatamente como é. – disse.
– Mas Bianor irá pagar. – Alexis fechou o punho
direito.
– Vocês passaram pela praça? – perguntei.
– Não. – Amadeus respondeu – Quando vimos
à porta se abrindo saímos direto no castelo.
– Acho que as coisas não estão indo nada bem.
– comentem.
– Mas eu não ouço nada. – Alexis falou –
Parece que está tudo em paz.

– Espere? – perguntei – Não era para estar
acontecendo alguma coisa?
– Será que Bianor parou os ataques? – Nicardo
perguntou.
Corremos para fora do castelo. A surpresa que
tivemos foi tão grande que ninguém conseguiu falar
uma única palavra. Ninguém estava acreditando no que
os olhos estavam vendo.


– Aquele é realmente...
– O castelo de Calidora! – Nicardo completou
minha frase.
Não apenas o castelo de Calidora, mas o
castelo de Neide também estava sobrevoando a Praça
da Capital. As pessoas que estavam lutando
simplesmente haviam desaparecido e tudo o que havia
restado eram ruínas das construções de lojas e casas
que ficavam naquela praça.

– Mas o que significa isso? – Alexis perguntou.
– E as pessoas? – perguntei – O Neandro? Onde
foram todos?
– Eu também gostaria de saber. – Nicardo
falou.
O chão começou a tremer de repente e um
barulho de algo sendo arrancado invadiu nossos
ouvidos. O castelo da Capital também estava sendo
suspendido aos ares.

– Meus pais! – Alexis gritou seguindo em
direção ao castelo.
– Alexis cuidado! – o puxei para trás.
O chão se partiu e um imenso precipício se
formou entre a Praça da Capital e o caminho que
levava para o castelo. Larvas borbulhavam no fundo do
precipício e raios começavam a cair botando fogo nas
ruínas que restaram.

– É o fim do mundo? – Nicardo perguntou.

O castelo da Capital se juntou aos outros
castelos. As ruínas começaram a cair em chamas e não
demorou muito para todo o lugar ficar do mesmo jeito.

– O que faremos agora? – Alexis perguntou.
– Acho que tenho uma idéia! – falei.
Comecei a voar e chamei os outros para seguir
comigo.

– O que está planejando? – Alexis perguntou.
– Acho que já estou entendendo. – Nicardo
comentava mais para si próprio.
– Estou seguindo para o único lugar onde
acredito que encontraremos respostas para o que está
acontecendo. – falei.
Seguimos em direção ao castelo de Calidora.
Provavelmente era lá que Bianor estava. O castelo
estava seguindo lento. As raízes penduradas davam um
tom tenebroso ao castelo, mas não era hora para isso.

Entramos no castelo pela janela. Não havia
mais guardas para nos impedir, então não foi muito
difícil perambular pelo castelo.

Dentro do castelo encontramos varias gaiolas
cheias de pessoas. Existiam ali pessoas de todas as
espécies. Mas havia algo de estranho nelas. Via em
seus olhos o mesmo que havia visto nos olhos do povo
de Calidora.

– Vejo que temos visitas! – Bianor apareceu
bem atrás da gente.
– O que você está planejando? – perguntei.

– Beatriz, Beatriz – ele me rodeou – sempre
curiosa.
– Fale logo seu canalha! – Alexis teve que
segurar o impulso de pular no pescoço de Bianor.
– Não achei que você fosse se juntar a Mallory.
– Bianor estava extremamente calmo – Acho que te
subestimei. Mas não faz diferença. Agora eu sou o
dono de Ofir.
– E o que você vai fazer com essas pessoas? –
perguntei.

– Isso? – Bianor olhou com desdém – Esses
lixos vivos? Eu vou eliminar-los!
– Você vai o que? – Alexis gritou.
– Não existe lugar para seres inferiores como
esse na nova Ofir. – Bianor parecia orgulhoso – Apenas
os fortes poderão fazer parte da nova Ofir. Ainda está
em tempo de se juntar a mim.
– Eu nunca me juntaria a você! – quase cuspi na
cara dele.
– Nenhum de nós faria isso! – Amadeus falou.
– O convite era apenas para Beatriz! – Bianor
falou – Vocês são todos fracos e insignificantes. Igual
aquele reizinho meia boca que eu destruí facilmente.
– Retire o que disse agora! – Alexis berrou –
Retire o que disse ou venha me enfrentar!

– Vocês querem brincar? – Bianor sorriu – Pois
vamos brincar.

CAPÍTULO 24 / O ACERTO DE CONTAS


B
B
ianor ergueu as mãos e vários buracos no chão
apareceram ao lado das gaiolas. Com outro movimento

ele foi levando as gaiolas para dentro dos buracos, que
foi caindo lentamente. Os buracos se fecharam com um
último gesto de Bianor.

– O que você fez com essas pessoas? – perguntei.
– Por enquanto nada. – Bianor agora andava pelo salão vazio –
Eu estou apenas guardando para quando chegar a hora
de me livrar de pesos indesejáveis.

Você é um monstro. – falei. – Sou apenas um mal
compreendido. Tudo o que estou fazendo é para o bem
de Ofir.
– Talvez você não seja mesmo um monstro. – Amadeus falou
com fúria – Só um louco mesmo.
– De você eu não permito esses tipos de abuso! – Bianor iniciou
um gesto, mas se interrompeu – Acho melhor
começarmos a nossa brincadeira.
Bianor desapareceu.

– Cretino covarde! – Alexis gritou – Está fugindo maldito? Volte
e brigue feito homem!
– Alexis... – tentei dizer algo.
– Vejam! – Amadeus interrompeu meus pensamentos – Uma
porta aberta.
– O quê? – perguntei me virando.
– Uma porta foi aberta. – Amadeus repetiu.
– Espere! – falei – Está porta não estava ali antes.

– Talvez devêssemos entrar. – Amadeus sugeriu.
– Não sei. – falei – Isso parece uma armadilha.
– Concordo com a Beatriz. – Nicardo analisava a porta – Acho
que é uma armadilha.
– Ele não disse que quer brincar? – Amadeus fitava todos nós –
Talvez esse seja o inicio da brincadeira.

– Continuo desconfiada. – falei.
– Eu irei entrar. – Amadeus se ofereceu para ser cobaia.
Apesar de a idéia ter partido dele, pude notar que Amadeus
também não estava tão seguro quanto parecia. Ele
seguiu cauteloso até a porta e entrou tomando o dobro
de cuidado. Aparentemente nada aconteceu. Amadeus
estava dentro da sala.

– Até agora a sala parece segura. – ouvimos a voz de Amadeus.
– Você acha que deveríamos? – Alexis perguntou.
– Não temos muitas alternativas. – conclui – Vamos entrar!
O cômodo era um grande salão vazio, com quatro pilastras
transparentes que pareciam uma queda d'água. O piso
era muito escuro, mas não chegava a ser preto e o teto
era de um branco que quase cegava, o que me fez
detestar ficar dentro daquela sala.

De repente as luzes se apagaram e um único foco de luz surgiu
no centro da sala. Um barulho de máquinas industriais
invadiu o local e algo começou a desce do teto. Era
uma gaiola, igual as que encontramos quando
chegamos ao castelo. Dentro da gaiola, uma surpresa.


Vocês também foram pegos! – disse desesperada – Vamos
tirar-los dessa gaiola rápido!

Os prisioneiros da vez eram Tales, Neandro, Linfa, Thalassa,
Cosmo e minha amiga perdida Camila.

Antes que pudéssemos fazer qualquer coisa, a gaiola subiu
novamente e ficou no topo do teto, que pareceu mais
alto agora.

– Planejei algumas brincadeiras para vocês. – a voz de Bianor
invadiu o salão – Gostaria de ver-los executando todas,
mas acredito que o tempo não será o suficiente.
Estamos quase chegando ao nosso destino.
– Que destino? – perguntei.
– Isso não interessa agora. – Bianor falou seco – Mas ainda não
chegamos e eu só estou fazendo isso para me distrair
um pouco durante a viagem.
– Solte-os! – Alexis gritou – Solte-os agora.

Não, não! – Bianor pareceu sorrir – Vocês só terão seus
amiguinhos de volta quando terminarem a brincadeira.
Antes disso nem pensar.
– Então comece logo essa brincadeira! – Nicardo falou.
– Que ótimo – Bianor sorriu – Estão animados!
– Claro. – Alexis disse em tom de deboche.
– Que comecem a brincadeira! – a voz de Bianor ecoou desta
vez.
O foco de luz saiu de cima da gaiola e seguiu em direção a uma
porta que se abria lentamente.
Algo muito inesperado apareceu atrás das portas: um pequeno
gato manco.

– Mas isso é brincadeira mesmo! – Amadeus falou.
– Espere! – Nicardo pareceu se lembrar de algo – Truque velho!
Preparem-se!

No mesmo instante o pequeno gatinho se transformou em um
imenso Leon – e sem nenhuma pata manca.

– Que original não? – achei graça.
– Lutem! – a voz de Bianor novamente ecoou.
Alexis foi o primeiro a atacar, fazendo uma espada aparecer do
nada e Nicardo atacava o Leon com as próprias mãos.
Amadeus começou a atirar pequenas esferas de aço no
Leon, o que era um tanto estranho. Às vezes pensava
se realmente tudo o que ele contou até agora era
verdade. Ou seria esse um pensamento da Mallory?
Nós estávamos ficando cada vez mais unidas.

Alexis atacou o Leon pelas pernas, mas os golpes de Alexis não
faziam mais que pequenos arranhões no Leon, que
sempre conseguia impedir os golpes mais fortes.

Nicardo desistiu de tentar fazer algo sozinho e pediu ajuda para
Amadeus.

Eu ajudei jogando as minhas bolas de fogo e água, mas eles não
passavam de distrações. O Leon sempre conseguia se
desviar delas.

Alexis, em uma tentativa desesperada de libertar o resto do
grupo, pulou na cabeça do Leon e avançou com sua
espada para cima da gaiola, mas antes que chegasse
perto ele foi arremessado para longe, batendo em uma
das pilastras.

– Sem trapaças! – a voz de Bianor falou.
– Como se você não fosse especialista nisto. – disse nervosa.
Nicardo e Amadeus pareceram ignorar o que havia acontecido
e amarraram seus braços direitos um no outro.
Amadeus e Nicardo tomaram impulso e conseguiram


saltar até a cabeça do Leon e antes de caírem atiraram
uma rajada de pedras nos olhos do Leon.

– Ele conseguia se defender bem pois seus olhos conseguiam
enxergar tudo a sua volta. – Amadeus gritou – Agora
será mais fácil de destruir-lo.
Alexis
não perdeu tempo. Assim que ouviu o que Amadeus
falou, se levantou e seguiu correndo em direção ao
Leon. Alexis saltou e atingiu as costas do monstro,
rasgando-o de cima a baixo. O bicho caiu no mesmo
instante. O Leon desapareceu lentamente e sons de
aplausos invadiram o local.

– Mas o que é isso? – perguntei.
– Parabéns! – a voz de Bianor – Vocês conseguiram derrotar
esse bichão bem depressa, mas acho que –
infelizmente – não teremos tempo para outra
brincadeira.
As
luzes se acenderam novamente e a gaiola foi aberta
enquanto descia lentamente até o chão.

– Estão todos bem? – Nicardo perguntou.
– Estamos. – Neandro respondeu.
– O que aconteceu? – perguntei.
– Não sei explicar direito. – Cosmo falou.

Mas eu sei! – Camila quase gritou – Você esqueceu
completamente da minha existência. Mas eu te não irei
te culpar. O tempo que passei escondida no castelo foi
o suficiente para descobrir que sua missão era outra.
– Eu peço desculpa. – estava envergonhada – Eu acho que fui
um pouco desleixada com você mesmo.
– Não tem problema. – Camila me abraçou.


Mas como vocês acabaram aqui? – perguntei agora para
Thalassa.
– Nós estávamos lutando contra os homens de Bianor, quando
uma luz forte saiu de um tipo estranho. – Thalassa
tentava explicar.
– Tipo estranho? – estranhei.
– Era um tipo de ciclope ou algo parecido. – Cosmo completou
– A luz saia do olho dele.

De repente todos estavam parecendo zumbis. – Linfa
continuou – Seguiram em direção ao castelo de
Calidora, que foi outro momento estranho.

O castelo apareceu do nada. – Neandro acrescentou –
Quando sai do castelo, foi a última coisa que vi antes
de ser pego.

– Que coisa... estranha. – franzi a testa.
Interrompendo
nossa conversa, um tremor nos chacoalhou
para todos os lados e um barulho que mais parecia
uma escavadeira fez com que meus ouvidos doessem.

– Chegamos ao nosso destino! – a voz de Bianor parecia estar
sendo emitida de outra galáxia.
Quando abri novamente os olhos estávamos do lado de fora do
castelo. Não estávamos flutuando e todos os castelos
estavam bem presos ao chão. Do lado direito estava o
castelo da Capital e do lado esquerdo o castelo de
Neide. Menelau, Sotero e Leander não estavam e nem
poderiam já que seus reinos foram completamente
destruídos.

Olhei melhor ao redor e logo reconheci o local. Era o Deserto
Orestes.


Não precisei andar muito para encontrar com Bianor


novamente. Desta vez Nínive estava ao seu lado.

– O que estamos fazendo aqui? – perguntei.
– Não parece óbvio? – Bianor rebateu.
– Não para mim. – respondi.
– Bobinha. – Bianor sorriu – Pense um pouco. Foi aqui que tudo
começou. Foi neste lugar que consegui o poder para
conquistar o mundo de Ofir. Nada mais justo que o fim
desta Ofir seja aqui e nada mais justo que o inicio da
minha Ofir também comece aqui.

Acho que isso não será possível. – eu tinha uma grande
confiança. Provavelmente influencia de Mallory. Só
então reparei que ela não estava mais falando comigo.
– Deixe-me adivinhar – Bianor se aproximou – Você vai dizer
que eu vou ser derrotado, que vocês vão impedir meu
plano maligno e blá, blá, blá. Por favor, eu não sou o
vilão desta história! Quando vão compreender que o
que eu estou fazendo é pelo bem de Ofir?
– Eu não acredito que você teve a cara de pau de dizer uma
coisa dessas! – Alexis gritou.
– De qualquer forma, sim, eu não irei deixar que você prossiga.
– falei.
– Não Beatriz – Alexis ficou do meu lado – Nós não deixaremos
que isso prossiga.

Acho que essa luta seria inevitável. – Bianor se aproximou
mais de mim.
– Sim! – disse – Chegou a hora de acertamos nossas contas!

Começava a acreditar que Mallory já havia se tornado parte de
mim e eu havia me tornado parte dela. Nós havíamos
voltado a ser uma única pessoa. Só não saberia dizer se
era a Beatriz ou a Mallory quem estava desafiando
Bianor naquele momento. Talvez até não fosse
nenhuma das duas.

– Eu não quero perder muito tempo com brincadeiras agora. –
Bianor fez duas luvas de couro preto aparecer em suas
mãos – Já chega de fazer joguinhos com vocês.

– Não zombe antes do tempo! – Alexis falo – Você pode se sair
muito mal.

Não acredito nisso, mas se te conforta – Bianor ergueu as
mãos e varias armas apareceram – Que vença o
melhor. Escolham suas armas!
– E quem disse que confiamos em você? – falei.
– Imaginei que fosse dizer isso. – Bianor sorriu – Façam como
quiser. Deixe apenas eu criar o clima.
– Que clima? – Nicardo perguntou.
– Esse clima!
Bianor
levantou o braço direito e vários raios e trovões
começaram a aparecer.

– Você é pateticamente previsível Bianor! – Linfa zombou – O
que você anda lendo ultimamente?
Bianor
não respondeu, apenas atirou um raio em nossa
direção. Esquivamos e rapidamente nos preparamos
para batalha. Realmente a hora de brincar havia
acabado.

Alexis estava usando a espada mágica que ele mesmo criou.
Neandro ainda estava com a espada do pai. Linfa,


Thalassa estavam se preparando para fazer a nossa
retaguarda. Cosmo estava protegendo Camila e
Amadeus e Nicardo tentavam, desde já, distrair Bianor.

– Brinquedinhos – Bianor resmungou – Vocês não passam de
brinquedinhos!

Você não havia acabado de falar que não queria perder
tempo? – Amadeus provocou.
Alexis aproveitou o momento para tentar acertar Bianor, mas
ele foi mais rápido e se defendeu. Linfa e Thalassa
também tentaram atacar, mas foram impedidas por
Nínive. Neandro tentou atacar Bianor com a espada do
pai, mas assim como Alexis ele foi impedido.

Eu
assistia tudo, mas não estava parada. Algo em mim
conseguia prestar atenção em tudo ao redor, sem
perder o foco em Bianor. Estava atacando com bolas de
fogo, mas sabia que isso não era o suficiente.

– Você precisa deixar que o poder de seu coração flua em todo
seu corpo – uma voz feminina veio em minha cabeça.
Não consegui identificar de quem era.
Alexis e Neandro estavam atacando com as espadas em um
tipo de luta em conjunto. Eles até conseguiam atingir
Bianor ás vezes, mas não era nada de grave. Eles não
deveriam estar lutando.

Linfa
e Thalassa agora travavam uma briga a parte. Elas e
Nínive estavam se atracando no outro lado da "arena".
Nínive e Linfa pareciam duas bailarinas e lutavam
graciosamente. Thalassa era a parte bruta da
coreografia.


Amadeus e Nicardo continuavam distraindo Bianor, que aos
poucos deixava de prestar atenção nos dois e se
concentrava mais na luta. Amadeus e Nicardo tiveram
que entrar na luta apenas com as próprias mãos.

Eu continuei tentando cansar Bianor atirando mais bolas de
fogo e a voz em minha cabeça continuava me
perseguindo. Ela estava começando a me irritar.


Não é difícil – ela dizia – Bianor só pode ser derrotado
quando o poder de seu coração for libertado.
– Que poder? – perguntava mentalmente – O que meu coração
tem com essa história?

Procurei achar o caminho que leva para o poder de seu
coração! – a voz continuava.
Bianor diminuiu as investidas e começou a se defender.
Não
conseguia saber se aquilo tudo era apenas um joguinho
ou se ele realmente estava lutando para valer, mas
fosse o que fosse Bianor não estava usando toda sua
força.

– Já está desistindo? – Neandro provocou.
– É claro que não! – Bianor respondeu rindo.
Antes que ele pudesse dizer alguma coisa Bianor o acertou com
um raio roxo que fez Neandro voar para perto dos
castelos.

– Menos um. – Bianor soprou o dedo indicador.
Alexis, Nicardo e Amadeus continuaram atacando e a voz já
começava a me atrapalhar e tirar minha concentração
na luta.


– Se você não achar o caminho para libertar o poder que existe
em seu coração todos irão morrer. – a voz sabia como
acalmar uma pessoa aflita.
Cosmo
e Camila continuavam escondidos em algum canto.
Cosmo parecia ter criado um campo de proteção
invisível. Tudo o que seguia em direção a eles era
arremessado para longe.

Linfa e Thalassa pareciam estar apanhando muito de Nínive, o
que me deixava ainda mais aflita. Não queria que
ninguém se ferisse. E a voz continuava em minha
cabeça.

– Você sabe o que fazer. – a voz dizia.
– Quer sair da minha cabeça?! – gritei.
– Eu não posso ver o mundo de Ofir sendo destruído por conta
de algo que eu ensinei. – a voz parecia estar triste.
– Quem é você? – perguntei.

Eu sou Damaris. – a voz respondeu – O jovem espírito
aprisionado no cristal.
– Damaris? – estava surpresa.
– Você precisa deter Bianor o mais rápido possível! – Damaris
parecia estar tentando não se desesperar.

Mas como eu faço isso? – perguntei – Eu não sei como
libertar o poder em meu coração.
– Você precisa chegar ao caminho. – Damaris falou.
– Mas que caminho é esse? – perguntei.
– Você deve chegar ao caminho. – a voz estava ficando fraca.
Alexis, Nicardo e Amadeus também estavam muito feridos. De
repente Bianor começou a atacar-los com muita força e


eu havia parado de tentar distrair-lo com bolas de fogo
e água.

Linfa e Thalassa já haviam sido derrotas. Camila e Cosmo
haviam sido atingidos e só neste momento reparei que
estava chuviscando. O meu sonho começava a se
cumprir.

– Sou eu que você quer Bianor! – gritei – Você disse que não
quer perder tempo com brincadeiras. Acho que você já
perdeu tempo demais. Venha lutar comigo!

Você já achou o caminho para libertar o poder do seu
coração? – Damaris perguntou.
– Eu encontro depois! – respondi mentalmente.
– Você não pode se arriscar a morrer nas mãos dele. – Damaris
tentava me alertar.
– Eu sei o que estou fazendo. – respondi.
– Eu realmente espero que saiba. – apesar de aflita, a voz de
Damaris continuava meiga.
– Eu não sei o que te faz pensar que você também não seja um
brinquedinho. – Bianor gritou – Se juntou a Mallory e
mesmo assim o melhor que consegue fazer e atirar
bolas de fogo. Poupe-me Beatriz. Eu que talvez tenha
sido tolo demais em acreditar que um dia você poderia
ser minha companheira.
Eu não sabia o que iria fazer, mas sabia que precisava fazer algo
muito rápido. E não poderia ser apenas algo, teria que
ser algo que realmente o parasse, mas o que?

Bianor não me deu tempo para pensar.
No mesmo instante Bianor já estava do meu lado, me jogando
para perto de Linfa e Thalassa.



Você é patética Beatriz. – Bianor estava com o rosto
sangrando – Muito patética.
Um feixe de luz começava a surgir da mão esquerda de Bianor.
Ele atirou o feixe em direção a minha cabeça.
Branco. Tudo o que eu conseguia enxergar era o branco. Abri
os olhos e notei que estava sozinha no meio da
escuridão. Não enxergava nada, até um rápido pulsar
avermelhou o local. Esse pulsar parecia um coração
batendo e comecei a seguir a luz avermelhada que
estava piscando junto com o pulsar.

Não demorei muito para ver um coração batendo. Não era
exatamente um coração humano, era o ícone do
coração. Ele estava lapidado em uma pedra de rubi. Só
então notei que não era uma simples pedra em forma
de coração, era na verdade uma porta.

O pulsar parou e a pedra de rubi ficou exibindo a sua luz
vermelha, porém agora estava mais fraca. A fechadura
era a única coisa que continuava piscando.

Notei então que estava usando o pingente em forma de
coração que já havia acreditado ter perdido. Ele
começou a brilhar e flutuar como da primeira vez em
que o usei. Retirei o pingente do cordão e testei na
fechadura da porta. Funcionou.

Girei a maçaneta. Eu estava de volta.

– O que você estava dizendo mesmo? – perguntei.
– Mas por mil raios! – Bianor gritou – Eu já não havia dado um
jeito em você?
– Acredito que tenha falhado! – respondi.

Feixes de luz começaram a surgir em minhas mãos. Os feixes
cresceram até se tornarem raios. Atirei contra Bianor,
que conseguiu se defender. Ele estava cansado, mas
ainda era ágil.

Continuei atirando mais raios e ele continuou se defendendo,
até que resolveu atacar revidando com bolas de luzes
amarelas. Uma das bolas atingiu meu braço,
arrancando a pele. Por alguns instantes eu fiquei
apavorada, mas o ferimento se curou rapidamente e
uma nova pele nasceu por cima.

Bianor estava assustado, mas não desistiu e continuou
atacando. Eu defendi lançando tiras de luz e
estourando as bolas amarelas e cortantes de Bianor.

Bianor resolveu mudar de tática e partiu com um soco. Defendi
na mesma hora. Meus reflexos estavam bem melhores.


Será que era esse o poder que estava escondido em meu
coração? – perguntei a mim mesma.
– Você parece que estava escondendo o jogo. – Bianor estava
ofegante.
– Você ainda não viu nada!
Uma onda de areia tomou conta do corpo de Bianor. Estava
conseguindo controlar tudo o meu redor.
Bianor
cambaleou e Nínive não conseguia se mexer. Sem
perceber eu já havia arrumado todo o pandemônio que
Bianor havia criado antes. Alexis e os outros estavam
protegidos dentro de um escudo e eu havia parado
Nínive no exato lugar onde ela estava.

Bianor
tentou atacar, mas já estava completamente sem
forças.


Um cristal apareceu flutuando em cima de Bianor.

– Você já sabe o que fazer.

CAPÍTULO 25 / RENASCIMENTO


O


cristal que havia aparecido em cima de Bianor havia
sido enviado por Damaris. Eu deveria aprisionar-lo ali.
O cristal era a única prisão que poderia segurar Bianor.
Mas ele ainda poderia voltar, por isso decidi quebrar o
cristal em vários pedaços. Eu não iria espalhar-lo pelo
mundo. Mandaria cada pedaço para uma dimensão
diferente, assim o cristal jamais poderia ser remontado
e Bianor jamais poderá voltar.

Alexis, Neandro e Nicardo foram os primeiros a
acordar. Eles ainda estavam muito cansados, mas
conseguiram comemorar a derrota de Bianor.

Nínive foi liberta. Em todos os sentidos. A
obsessão que ela tinha com Bianor havia desaparecido
junto com ele e todas as lembranças desta época
também.

Aos poucos os outros foram acordando. Linfa e
Thalassa não conseguiam acreditar que finalmente
tudo havia acabado. Cosmo e Camila eram o que
estavam mais bem dispostos e ajudaram os outros a se
levantar.

Seguimos para o Castelo da Capital. Todos nós
precisávamos nos recuperar antes de pensar em
qualquer coisa. Ficamos todos na sala do trono. Contei
tudo o que havia acontecido e eles não pareciam tão
surpresos quanto imaginava.

– Apenas você duvidava que fosse conseguir! –
Nicardo falou.


– Eu sabia que poderíamos contar com você. –
Neandro botou a mão em meu ombro.

– Você salvou Ofir! – Thalassa sorria – Salvou
Ofir e a todos nós.
– Mas o que vamos fazer agora? – perguntei.
– Acho que o primeiro de tudo é libertar os
prisioneiros que estão no Castelo de Calidora. –
Neandro começou a falar – Acredito que com o fim de
Bianor, todos agora estão libertos de qualquer
armadilha que ele possa ter feito.
– Precisamos também arrumar uma forma de
reconstruir o mundo de Ofir. – Alexis tentou se levantar
– Nós teremos uma longa caminhada pela frente.
– Realmente – Nicardo sorriu – Temos uma
grande missão. A maior de todas.
– Nem acredito que isso finalmente terminou. –
Cosmo comemorou.

– Sabe que eu vou sentir falta – Alexis deu um
sorriso de nostalgia – Não do Bianor, claro, mas das
aventuras. Foram tantas coisas que vivemos. Tantos
encontros e desencontros. Tantos lugares e pessoas
que nem consigo me lembrar.
– Quanto a isso você tem razão – Nicardo se
aproximou – Foram bons tempos.
– Mas novos tempos viram – Neandro entrou
no meio – e novas aventuras irão começar.
– Por Ofir! – Amadeus ergueu a mão. Todos
repetimos o gesto.

– E agora chegou a hora mais importante para
você Beatriz! – uma voz ecoou por detrás de mim.
– Rainha Alina! – me virei.
– Você já decidiu o que irá fazer agora? – a
Rainha Alina parecia completamente recuperada – Sua
missão aqui terminou. Você já pode voltar para casa se
quiser.
– Eu quero! – Camila berrou – Foram dias
muito loucos e divertidos. Apesar de eu não participar
da ação eu gostei daqui, mas nada como a minha casa.
Eu quero voltar.
– Você irá voltar. – a Rainha Alina sorriu – Mas
e você Beatriz? O que vai decidir?
Eu sabia que esse momento chegaria. Eu
sempre soube. Mas nunca pensei que fosse ficar em
dúvida sobre qual caminho seguir. Meu coração não
queria deixar a minha família e nem o meu mundo, mas
ele também não queria abrir mão de Alexis. Ele estava
sendo muito egoísta e queria todas as duas coisas.

– Eu não sei. – respondi.
– Pense um pouco. – a Rainha Alina sorriu –
Passem a noite aqui. Amanhã decida o que você
realmente quer.

– Para onde você vai? – Alexis perguntou.
– Alexis, Neandro – a Rainha Alina abriu os
braços – Meu dois queridos. Minhas jóias raras. Chegou
a hora de seguirem seus caminhos sem mim.
– Do que está falando? – Neandro perguntou.

– Eu não pertenço mais a esse mundo – a
Rainha Alina começava a desaparecer.
– O que quer dizer? – vi lágrimas saindo dos
olhos de Alexis – A senhora morreu?
– Eu não diria que morri, mas agora eu
pertenço a outro mundo. – a Rainha Alina sorriu –
Quando Neandro espalhou o espírito de Céleo naquele
jardim, uma nova dimensão foi criada. Aquele será o
nosso mundo. E eu quero ficar nele, junto com Céleo.
– Mas mãe...
– Alexis, isso não quer dizer que nós nunca
mais iremos nos ver. – a Rainha Alina começava a ficar
transparente – Eu apenas não poderei estar
fisicamente sempre com vocês. Mas eu estarei em seus
corações.
– Rainha Alina... – tentei dizer algo, mas nada
saiu.
– Pense Beatriz. – a Rainha Alina havia
desaparecido – Amanhã eu voltarei para saber de sua
decisão.
Passamos a noite no castelo, como a Rainha
Alina havia aconselhado. Ainda não fazia idéia do que
iria decidir, mas sabia que seria inevitável. Era a última
parte do meu sonho que ainda não havia se cumprido.

Tentei pesar tudo, mas continuava sem saber
qual caminho seguir. Eu queria muito ver minha mãe
novamente, mas eu não podia deixar Alexis. Eu
também não podia viver entre dois mundos, seria


desgastante demais. Eu precisava escolher e precisava
fazer isso logo.

A manhã chegou sorrateiramente. Era o
primeiro dia de uma nova era no mundo de Ofir. A
primeira coisa que fizemos foi libertar os prisioneiros.
Descobrimos que no castelo de Neide havia mais
prisioneiros e todos estavam desorientados. Juntamos
os prisioneiros do lado de fora do castelo e explicamos
tudo desde quando Bianor tomou o poder.

Apesar de haver muitas pessoas ali, não
acreditava que todos os habitantes de Ofir estivessem
naquelas gaiolas. Precisaríamos conferir os
sobreviventes em todos os reinos.

Já estávamos vendo que teríamos muitos
trabalhos pela frente, mas não estávamos assustados.
Esse era um desafio que cumpriríamos com prazer.

Ao fim da tarde a Rainha Alina voltou para
saber de minha resposta.

– O portal está aberto. – ela falou – Já decidiu o
que irá fazer?
– Depois de muito pensar – respirei fundo –
Sim, eu já decidi.
– E o que você decidiu? – a Rainha Alina
perguntou.
– Eu vou ficar. – disse sorrindo – Por mais que
me doa o coração deixar minha mãe, esse agora é meu
mundo. Eu não posso mais sair daqui. Eu pertenço a
esse mundo.
– Esta certa disso? – a Rainha Alina sorriu.

– Sim. – retribui o sorriso.
– Acho que você vai voltar sozinha. – Rainha
Alina brincou com Camila.
– Tem certeza mesmo? – Camila perguntou.
– Tenho sim. – sorri em uma tentativa inútil de
não chorar.
– Eu vou sentir saudades. – Camila me abraçou.
– Eu também – falei – E se cuide.
– Você também! – Camila sorriu.
– Antes de ir, quero que fique com isso e isso! –
fiz Camila abrir as duas mãos.

– Seu pingente? – ela sorriu confusa.
– Não irei precisar mais disso. – dei um sorriso
torto – Espero que te de sorte.
– Um presente vindo de você dando sorte? –
Camila gargalhou – Obrigada. Vou guardar com muito
carinho. Mas o que é isso?

– Esse é um pedaço do cristal de Bianor – falei –
Quero espalhar-lo pelas dimensões.

– Mas não é perigoso? – Camila perguntou.
– Não sozinho. – respondi – O cristal pela
metade nada mais é do que um pedaço de pedra
brilhante.
– Se você está dizendo...
– Adeus! – acenei.
– Adeus! – ela fez o mesmo.
Camila entrou no portal que rapidamente se
fechou. Nunca mais tive noticias dela, nem da minha


mãe. Isso me deixou um pouco triste, mas eu sentia
que elas ficariam bem. Eu sabia que ficariam bem.

Tales havia desaparecido antes de começarmos
a luta. Ele havia ficado dentro do castelo. Descobrimos
que Bianor havia jogado uma maldição nele e em todos
os habitantes de Leander. Toda a vez que eles se feriam
eles se transformavam em um tipo de morto vivo. Era
por isso que Tales nunca deixava que ninguém cuidasse
de seus homens, pois ele não queria que ninguém
descobrisse o que eles verdadeiramente eram. Com o
fim de Bianor, a maldição havia acabado e Tales
finalmente pode descansar em paz, junto com seus
homens e todos os habitantes de Leander que sofriam
muito com essa maldição.

Thalassa reencontrou seus pais e descobriu que
eles não haviam traído o reino de Neide como ela
acreditava. Eles também eram prisioneiros de Bianor e
foram forçados a entregar o reino a ele. Ela e Cosmo
estavam arrumando as coisas em Neide que, junto com
Calidora, era o reino que menos havia sido devastado.

Nicardo voltou para Leander. Ele teria uma
grande missão pela frente, pois Leander e Sotero
haviam sido completamente destruídos. Os
sobreviventes dos dois reinos eram poucos e a
reconstrução acabou precisando de uma ajuda extra de
outros reinos. Sotero e Leander se tornaram um só e
agora se chama Elpída. Nicardo reencontrou com Layla,
filha da Elma ex-dona de pensão que estava


desaparecida. Durante a reconstrução do reino, a
implicância que existia entre os dois acabou se
tornando um grande amor. Parece até uma história que
conheço.

Amadeus recuperou a coroa de Calidora e se
tornou um grande líder, como me contaram que o pai
dele era. Ele se tornou um dos reis mais jovens e mais
amadas do reino e, junto com Alexis – que finalmente
deixou de implicar com ele – construíram uma parceria
entre o reino de Calidora e Menelau que agora seria
parte dos dois reinos: o de Ofir e o de Calidora. E
adivinha quem ficou por conta desse reino?

Com Neandro e Linfa reinando em Menelau,
chegou à vez de Alexis finalmente ganhar a coroa. Eu
acabei me tornando rainha. A Capital renasceu das
cinzas, como todo o mundo de Ofir. Os dias se
tornaram mais calmos e aos poucos tudo volta ao lugar
e eu finalmente pude viver o meu tão sonhando
"felizes para sempre".


AGRADECIMENTOS

Mais uma vez a Deus e minha família, sempre
em primeiro lugar.

Como já virou tradição, gostaria de agradecer a
Pryh, minha grande amiga que sempre tirava um
tempinho para ler os novos capítulos deste livro.

Gostaria de reservar um espaço especial para
Natasha Almeida, Júlia, Carol, Camila, Jéssica e Laryssa
que deram seu jeitinho de demonstrar o carinho por
minhas obras – desculpe se esqueci alguém.

Por fim eu queria agradecer a todos os meus
novos fãs e aos antigos que me acompanham desde
TDA.

Um grande abraço para todos vocês.

– Felipe Reino

PARA SABER MAIS SOBRE BEATRIZ SIGA NO TWITTER:

@BeatrizMisse

OU

@FelipeReino

E AGUARDE POR NOVIDADES


MAIS INFORMAÇÕES SOBRE O LIVRO E O AUTOR EM:

WWW.FELIPEREINO.WEEBLY.COM




Acabo de colocar num blog , atendendo a pedidos e, envio a vcs. com os anexos, desejando a todos um bom início de ano e bom início de semana!

Felipe Reino -  Série Eventyr

1- Felipe Reino - Eventyr 



 

 

Quando a jovem Beatriz Misse encontra, a caminho da escola, uma caixa misteriosa que (ao abrir) a leva para outro mundo, a vida desta azarada garota muda completamente. Após quase perder a cabeça depois de ser acusada de espionagem pelo príncipe Alexis (pelo qual acabou criando uma relação de amor e ódio), Beatriz se junta ao príncipe em uma jornada para encontrar os 6 pedaços do cristal cuja lenda diz que tem o poder de realizar desejos. Com a ajuda de Neandro, irmão mais velho de Alexis e Nicardo, um misterioso e atraente rapaz, Beatriz acaba vivendo aventuras mágicas explorando os reinos deste novo mundo a procura do cristal que irá levar-la de volta para casa e descobrindo que o ódio é o sentimento mais próximo da amor e que seu príncipe encantado está mais perto do que ela imagina. Obs: Retirado do site do autor. Para mais informações visite o site do autor. http://felipereino.weebly.com/

 

Ziddu: http://www.ziddu.com/download/14390742/Eventyr_Felipe_reino.pdf.html

Multiupload: http://www.multiupload.com/TKFMV6ORCG



2- Eventyr 02 – Mese - Felipe Reino



 

1 ano se passou desde que Beatriz Misse voltou de sua viagem ao mundo de Ofir. Sem se lembrar de nada, Beatriz acredita que o tempo em que esteve em Ofir não passou de uma trágica temporada em coma. Mas tudo muda completamente quando, em uma certa noite, Nicardo aparece em seu quarto dizendo que era hora de voltar.

Sem se lembrar de absolutamente nada do que viveu em Ofir, Beatriz segue uma aventura em busca de sua memória, enquanto tenta se recordar de quem é o rapaz chamado Alexis que perturba tanto sua cabeça apenas em ouvir falar o seu nome e está desaparecido.Uma aventura cheia de novos mistérios aguarda Beatriz nessa emocionante continuação de "Eventyr"


Ziddu: http://www.ziddu.com/download/18049416/FelipeReino-Mese.pdf.html
Multiupload: http://www.multiupload.com/549AG8221S

3- Eventyr 03 – Hart - Felipe Reino



Depois de muito se prepararem finalmente chegou o momento em que Beatriz e o resto da turma terá que enfrentar o exército de Bianor na batalha que irá decidir o destino de todo o mundo de Ofir.

O exército de Bianor está tomando todos os reinos de Ofir e a Capital é o único reino que ainda não foi dominado por Bianor. Beatriz, Alexis, Neandro e os outros teram que fazer o possível e o impossível para proteger a Capital das mãos de Bianor antes não exista mais uma única estrutura de pé em Ofir.

Entre encontros, desencontros, reencontros e perdas Beatriz também terá que encontrar o caminho que a levará para seu destino. Ela terá que escolher se volta para casa ou se fica em Ofir. Muitas emoções estão reservadas neste tão esperado desfecho da trilogia de "Eventyr".


Ziddu: http://www.ziddu.com/download/18049417/FelipeReino-Hart.pdf.html

Multiupload: http://www.multiupload.com/UKADSO76LZ

 


Boa leitura



"Tudo aquilo que não podemos incluir dentro da moldura estreita de nossa compreensão, nós rejeitamos."

(Henry Miller)





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