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[MISTURANDO-IDEIAS] [livro] A Dama Da Floresta - Catherine Archer

Catherine Archer A Dama da Floresta

A Dama da Floresta


Catherine Archer


Inglaterra, 1461

Lady Raine precisava de um marido, mas não podia ser um qualquer. Tinha
de ser um homem honrado, capaz de proteger a herança de seu irmão mais novo.
No instante em que viu Benedict Ainsworth na corte, ela soube que sua busca
terminara. Mas o esquema para conquistá-lo havia apenas começado...

Fascinado pela estonteante beleza de Raine, Benedict, o barão de
Bracknmoore, moveria céu e terra pela intrigante dama. Porém, quando ela o
envolveu em um casamento por conveniência, Benedict decidiu que daria a Raine
muito mais que um sobrenome...


Catherine Archer A Dama da Floresta

CAPÍTULO I

Inglaterra, 1461

Raine Blanchett encontrava-se entre os inúmeros cortesãos que
aguardavam a audiência do rei Edward mas, ao contrário dos requintados nobres,
ela não fora ao castelo para falar com o rei. Raine estava à procura de um marido.

A necessidade de encontrar um pretendente o mais rápido possível
tornara-se uma pressão insustentável nos últimos dias, pois o mês que havia
passado na corte não fora nada produtivo.

Ir à corte parecera-lhe a melhor alternativa quando comunicara a decisão
ao irmão, William, e à criada, Aida. No entanto, ao concretizar a idéia, descobrira
que colocá-la em prática era mais difícil que concebê-la.

O caráter firme e honesto de Raine apresentava-se como um obstáculo à
complicada situação. Não almejava encontrar qualquer marido, um rosto bonito e
uma soberba inteligência não seriam suficientes. Precisava de um homem
responsável que cuidasse de seu irmão de onze anos e das propriedades que ele
possuía, até que o garoto atingisse a maioridade. O pretendente também teria de
ser honesto o bastante para não sucumbir à tentação de dilapidar a herança de
William.

À aparência e a idade pouco importavam. Ele tinha de ser justo, íntegro e
corajoso. Poderoso a ponto de espantar o primo Denley e sua cobiça. Semanas
antes de decidir recorrer à corte, os insistentes pedidos de casamento haviam se
tornado verdadeiras ameaças.

Raine sabia que William não estaria protegido sob a tutela de Deniey. Não
era segredo que o ambicioso primo queria casar-se com ela para obter as vastas
terras que William herdara seis meses atrás, após o falecimento do pai.

A lembrança da morte de seu pai trouxe uma dor aguda ao peito de Raine,
mas se recusou a abater-se pelo sofrimento. Sabia que o pai esperava que ela
lutasse para proteger o irmão e a herança. Embora jamais houvesse se queixado
ou confessasse o desespero que o dominara depois da morte da esposa, o pai se
tornara dependente de Raine desde aquele fatídico dia.

Ele parecia querer que a filha fizesse tudo para salvaguardar William e as
terras, e Raine pretendia cumprir taí desejo.

Tão logo chegou à corte, utilizou o método usual de encontrar possíveis
noivos. Cuidava da aparência com especial atenção e se apresentava com os lindos
vestidos que suas damas de companhia haviam confeccionado. Sorria, dançava e
tentava parecer simpática. O problema era que despertava interesse em homens


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pouco adequados a sua posição.

Os três pretendentes que havia escolhido acabaram por decepcioná-la,
inclusive lorde Henry Wickstead, que mostrara, a princípio, certa aversão a
fortunas. Ele, tal qual os demais, provou estar longe do ideal de Raine.

Após investigar a situação dos três homens, Raine descobrira que estavam
em dificuldades financeiras e procuravam uma noiva rica. O fato de ela não
possuir herança não os incomodava, porque logo ficara claro que ambicionavam as
propriedades do jovem William.

Contudo, aquelas preciosas semanas na corte não haviam sido um
desperdício. Raine acabou criando um método eficiente para descobrir as
verdadeiras intenções dos homens sem perder muito tempo. A ideia de
comparecer à audiência com o rei lhe surgira havia poucos dias. Ali, ela poderia
conhecer a situação financeira dos cortesãos através dos pedidos solicitados ao
rei.

Ninguém questionava a presença constante de Raine pois pareciam
ocupados demais com os próprios problemas. O novo método provara ser eficaz,
mas também mostrara que a tarefa a qual se propusera seria penosa.

Nenhum homem havia passado nos testes preliminares.

Somente o desespero a impedia de voltar para casa. Não acreditava que
Denley desistisse de suas intenções. Receava que o primo a submetesse ao
casamento. E pior, ele poderia fazer algum mal a William só para tomar posse do
legado do garoto. Denley era o único parente vivo da família, logo, seria o
herdeiro universal se algo acontecesse a William.

Raine não ousou pensar na possibilidade que tanto a afligia. Nada
aconteceria a William, pensou, esperançosa. Com a morte do pai, ele era tudo que
lhe restava e daria o melhor de si para protegê-lo.

Observou os cortesãos que conversavam na sala de espera e suspirou
frustrada.

Momentos depois, o assistente do rei abriu a porta, e todos interromperam

o falatório.
— Podem entrar. Sua Majestade, o rei Edward, atenderá a um de cada vez.
Quando Raine adentrou a sala de audiência, focalizou o poderoso Edward
sentado à mesa principal. Não era a primeira vez que se questionava acerca do
rei. Alguns diziam que, embora possuísse inteligência e fosse íntegro e justo, ele
não herdara a força de caráter do pai. Raine sabia que somente o tempo poderia
atestar tal qualidade, afinal, Edward tinha apenas vinte anos.

Sentiria ele falta do pai que morrera lutando para salvar a coroa? Ou a


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responsabilidade da posição roubava do rapaz a liberdade, como ocorria a Raine?
Observando o jovem monarca, ela concluiu que sim. Porém, Edward e sua dor
pouco importavam ante a necessidade de proteger William.

A manhã passou rapidamente enquanto cada homem submetia seu caso ao
rei. Nenhum deles se adequava ao cargo de marido. Alguns eram casados, outros
não lhe pareciam convenientes.

Raine começava a desistir quando notou uma comoção à porta da sala.
Embora estivesse perto do burburinho, não conseguia enxergar a causa de
tamanha perturbação. Todos esticavam o pescoço a fim de descobrir do que se
tratava.

De repente, o rei Edward levantou-se e sorriu com um entusiasmo que até
então não havia manifestado.

— Entre, Benedict. — O jovem rei acenou ao recém-chegado. Todos,
inclusive Raine, avistaram os cabelos negros e os ombros largos, cobertos por um
manto de veludo. O desconhecido parecia flutuar, imperturbável, em meio à
multidão. Mesmo na ponta dos pés, Raine não conseguia ver além dos cabelos no
alto da cabeça quando o ilustre visitante cumprimentou Edward. O gesto
afetuoso do rei aguçou a curiosidade dos presentes.
Por um instante, Edward e o homem, chamado Benedict, conversaram em
voz baixa. De súbito, o rosto do rei ficou sério, acompanhou o estranho até a
ponta da mesa e continuaram a conversar.

Um murmúrio sutil, que Raine descreveu como inveja, começou a ecoar pela
sala.

O interesse acerca do recém-chegado era geral. Que tipo de homem
poderia se considerar amigo do rei Edward? A relação estreita entre ambos
mostrava-se evidente.

Raine tentou se aproximar, mas foi barrada pela densa multidão.

— Bastardo arrogante. — Ela escutou um homem alto e loiro resmungar.
— Quem é ele? — Raine perguntou ao suposto invejoso. O homem loiro
olhou para ela e disse, com explícito desdém:
— Benedict Ainsworth, o barão de Brackenmoore. Era um grande amigo do
pai de Edward e agiu como um instrumento precioso para este obter o trono.
— E foi muito bem recompensado, creio eu. — Nos últimos dias, ela vira
dezenas de nobres afortunados, mas nenhum deles parecia possuir tanta
consideração ou riqueza.
— Não que eu saiba — o loiro retrucou. — Ouvi alguns rumores de que ele e
Richard de York foram amigos de infância e Ainsworth sustentou a amizade. Mas,

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como disse, o barão deve ter obtido lucros vantajosos, apesar de a recompensa
não ser conhecida. — O homem não parecia impressionado com Ainsworth.

Raine ficou intrigada com o desprendimento do barão por não ter exigido
nada da coroa. Resolvida a obter maiores informações, ela se viu discutindo o
assunto como se o houvesse iniciado.

— Se ninguém sabe se ele foi beneficiado, se houve algum ganho ajudando
Ríchard, talvez o tenha feito apenas em nome da velha amizade.
Naquele momento, o jovem nobre pareceu notá-la de verdade. O olhar
curioso percorreu o vestido e as jóias.

— E por que tanto interesse por tais assuntos, minha linda dama?
Raine virou o rosto para que ele não visse sua impaciência.

— Estou apenas curiosa para saber quem é capaz de ser tão benquisto pelo
rei. Ele é casado?
O nobre sorriu.

— Penso que não, mas não sei ao certo. Meu nome é sir Robert Fullerton e
não sou casado. Prefiro conversar sobre temas mais interessantes que
Ainsworth.
— Sim, talvez mais tarde — Raine dispensou-o. Já pensava em uma maneira
de descobrir mais sobre Benedict Ainsworth, embora não...
— Atenção! — o rei Edward exclamou, de repente. — Lamento muito, mas
agora preciso tratar de um assunto sério. Peço-lhes que se retirem. Amanhã
estarei à disposição de todos.
Raine ficou desapontada. Queria tanto conhecer o homem que viera ter
com o rei Edward, e perdera aquela oportunidade única, porque todos começavam
a se retirar. Não havia como permanecer no recinto.

Junto aos demais, ela caminhou em direção à porta. Ouviu comentários de
desagrado e suspirou. Não era a única frustrada, embora duvidasse de que os
motivos dos outros fossem semelhantes aos dela.

A vontade de ver aquele homem de perto a impedia de caminhar. Raine
postou-se atrás da multidão. Entretanto, antes que tivesse a oportunidade de se
virar para ver Benedict Ainsworth, o assistente do rei apressou os presentes.

Raine resmungou. Se pudesse se transformar em um ser minúsculo, não
seria notada. Então, pressionada pelas pessoas, roçou o ombro na pesada
tapeçaria pendurada à parede, e uma idéia resvalou-lhe a mente.

Talvez não pudesse ser minúscula, mas conseguiria ocultar sua presença.
Sem se permitir refletir, ela esgueirou-se atrás da tapeçaria. Prendeu a

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respiração, temendo que alguém a notasse, mesmo sabendo que o pesado tecido a
ocultaria por completo.

Benedict Ainsworth, o barão de Brackenmoore, encarava o rei Edward
enquanto esperava que os nobres deixassem a sala. Sabia que a decisão de ir à
corte lhe custaria alguns bens. Maxim Harcourt fora morto pelas mãos de seu
irmão, Tristan Ainsworth. Não havia como negar que o irmão de Maxim exigiria
alguma retribuição.

Tristan tinha matado Harcourt por uma boa causa. Porém, Benedict
pretendia negociar a morte do homem com o rei em pessoa. Por isso tivera a
ousadia de requerer uma audiência privativa com Edward, caso contrário jamais
solicitaria um favor especial.

Quando o último dos cortesãos se retirou, Edward dirigiu-se ao assistente.

— Pode nos deixar a sós.
O homem olhou para Benedict. Ainsworth não disse nada. A opinião do
assistente era irrelevante. Havia questões mais importantes a tratar.

Tão logo o assistente saiu, Edward virou-se e sorriu.

— Vamos nos sentar?
Benedict sentou-se ao lado do rei. Edward se parecia com o pai. No
entanto, se ele herdara a devoção de Richard, apenas suas ações poderiam
mostrar.

— Vossa Majestade... — ele começou.
— Por favor, você era amigo de meu pai e quase um tio para mim quando eu
era garoto — Edward afirmou. — Não precisamos de formalidades entre nós.
Pode me chamar de Edward como sempre fez.
— Não quero ser presunçoso, Majestade — Benedict confessou. — Seu pai
e eu éramos amigos, mas não me deve nenhuma intimidade. É o rei da Inglaterra
agora.
— Sou o rei, mas espero que continue meu amigo a despeito disso, tal qual
ocorreu a meu pai quando ele ganhou o trono.
Como Benedict poderia negar tal pedido?

— Sinto-me privilegiado, sir. Porém, prefiro manter a formalidade devido a
delicadeza do assunto que me trouxe à corte. Como eu disse antes, vim lhe pedir
um favor, milorde.
Edward assentiu, com uma expressão grave.

— Meses atrás, meu irmão, Tristan, tirou a vida de Maxim Harcourt —
Benedict foi direto.

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— Recebi um informe de Alister Harcourt, irmão de Maxim — Edward
confirmou.
— Eu também, sir, embora ignorasse o fato de Maxim possuir um irmão.
Alister está, e com razão, revoltado com a atitude de Tristan, como deve ter
sabido através do informe que ele lhe enviou.
Mais uma vez Edward assentiu enquanto Benedict prosseguia:

— O fato ocorrido justifica a fúria de Alister e, dadas as circunstâncias,
não o culpo por isso. Porém, devo lhe dizer, Majestade, que ele desconhece as
razões que envolveram a morte do irmão. Fatos que, acredito, eximem Tristan de
culpa.
— Por que não o coloca a par dos fatos?
— A situação é... complicada. — Benedict hesitou. — E envolve a esposa de
meu irmão, Lillian Ainsworth, conhecida por Lillian Gray quando solteira.
Edward pareceu reconhecer o nome. Benedict começava a notar que o rei
não era tão alheio aos súditos quanto parecia.

— A carta de Alister Harcourt mencionava essa mulher como sendo a noiva
de Maxim. Ele parece acreditar que Tristan raptou-a e, por consequência, o
conflito provocou a morte do irmão.
Benedict ficou satisfeito ao notar que nada passava despercebido pelo rei.
Apesar de jovem, ele não era tolo.

— Em parte, é verdade. Contudo, há certos detalhes relevantes que, como
eu disse, excluem qualquer má intenção por parte de Tristan.
— Eu lhe pergunto novamente, Benedict. Por que você e seu irmão não
chegam a um acordo com Alister Harcourt?
— Isso significaria revelar uma história extremamente pessoal. Alister
poderia distorcer os fatos. Como não o conheço, hesitei em proporcionar a ele
poderes que viessem subjugar meu irmão e a esposa. Lily e Tristan foram amantes
três anos antes de ela tornar-se noiva de Maxim, e houve um produto dessa
união. Minha sobrinha, Sabina.
— Começo a entender — Edward murmurou. — Você está preservando a
segurança e o bem-estar dos seus.
— Estou, sir. Tristan e Lily já sofreram muito, pois nunca quiseram que a
criança nascesse fora do casamento. Houve um acidente, e eles acabaram se
separando. Ao acordar, Lily não se lembrava de Tristan ou do bebê. A família fez
o possível para afastá-la do passado. Quando Lily viajava para se casar com
Maxim, Tristan a viu e raptou-a, sem saber que ela havia perdido a memória.
Embora eu não aceite o método de meu irmão, compreendo suas ações. Ele e Lily
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já tinham um compromisso. Maxim Harcourt foi morto em um combate justo.

— O que quer de mim, Benedict? Deseja que eu explique a situação a
Alister Harcourt e o impeça de perturbar sua família?
— Já lhe disse, sir, não conheço esse homem. Portanto, não tenho a menor
intenção de detalhar a infelicidade de minha família, tampouco pediria à coroa
que justificasse meu procedimento. Proponho uma recompensa a Alister doando-
lhe terras e dinheiro. Assim, ele se sentirá vingado de alguma forma.
— Então quer que eu, o rei, seja o mediador da transação?
— Se fizer tal gentileza, ficarei muito grato. Aos olhos dos outros,
parecerá que o rei estabeleceu a compensação. Também terei sua permissão para
transferir a terra e o dinheiro. Ninguém saberá que me fez um favor em nome da
amizade que tive com seu pai, Majestade. E não precisarei explicar a Tristan.
Edward sorriu e Benedict mostrou-se um tanto constrangido.

— Meu irmão é orgulhoso e, com certeza, achará melhor cuidar do assunto
por si só. E o fará muito bem, estou certo. Quero apenas que ele e a esposa
tenham paz. Já sofreram bastante e precisam construir uma nova vida juntos. —
Benedict notou, surpreso, o tom de voz suave que usou para falar do amor de
Tristan. Embora estivesse feliz pelo irmão, não pretendia experimentar uma
emoção tão arrebatadora.
Brackenmoore e a família eram suas paixões. Talvez o casamento recente e
a alegria dos noivos lhe trouxessem aquele ar romântico.

Voltou a atenção a Edward, que parecia pensativo.

— Já considerou a possibilidade de viver na corte, Benedict? — O rei
sorriu. — Poderíamos usar essa sua mente diplomática.
— Ando muito ocupado em administrar minhas terras, Majestade. Deixarei
a vida diplomática para aqueles que a apreciam.
Edward levantou-se e puxou a corda ao lado da mesa. Imediatamente, o
assistente entrou por uma porta atrás do trono.

— Vossa Majestade?
— Chame o escrevente.
O homem assentiu e desapareceu novamente. Edward aproximou-se de
outra mesa, encheu duas taças de vinho e ofereceu uma delas a Benedict.

— Só por curiosidade, amigo. Devo estar preparado para ser generoso com
Alister Harcourt?
Benedict sorriu pela primeira vez.

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— Oh, com moderação, milorde, com moderação. — Ele ergueu a taça e
bebeu.
Raine escutou cada palavra quando o escrevente entrou na sala e depois
saiu, apesar de não conseguir enxergar nada através da grossa tapeçaria. Quanto
mais ouvia, mais intrigada ficava acerca de Benedict Ainsworth e ansiava vê-lo de
perto.

No entanto, não ousou sair do esconderijo pois, enquanto os homens
conversavam, notou quão atrevida fora ao bisbilhotar a conversa privativa do rei.
Ninguém acreditaria que ela havia se escondido para descobrir tudo sobre o enigmático
barão.

A história de Benedict Ainsworth deixou-a curiosa. Ele parecia um homem
bom e decente, capaz de abrir mão de propriedades e dinheiro para proteger a
reputação da cunhada e da sobrinha.

Enquanto o escutava discriminar os bens os quais estava disposto a
oferecer, Raine ficou comovida ante o desprendimento do barão. Precisava de um
homem como Ainsworth! A vida seria bem diferente se houvesse alguém para
cuidar dela e de William.

E só havia Denley, que não possuía um resquício de bom caráter. Fingia um
grande interesse por Raine, a despeito da amante e dos filhos que possuía.

Denley os mantinha na própria casa. Raine surpreendia-se por ele não os
ocultar. Talvez não se importasse. Era comum os homens viverem com a esposa e
a amante sob o mesmo teto, no entanto, mantinham certa discrição.

Se Raine desejasse casar-se com a intenção de morar com o marido, jamais
permitiria tamanha desonra. Se não necessitasse de um casamento para proteger
William e sua herança...

Os pensamentos compunham uma lista de qualidades que desejava em um
homem.

Ele teria de respeitá-la. Deveria ser nobre, elevado, cavalheiro, sem
nenhum egoísmo.

Possuiria a própria fortuna e não ousaria tocar na de William.

Comportar-se-ia com honra.

Valorizaria a família e...

A voz de ambos tornou-se mais próxima. Raine notou que a de Benedict
Ainsworth parecia mais rica e profunda que a do rei. De súbito, conscientizou-se
de que haviam se aproximado do local onde ela se escondia. Sem dúvida, caminhavam
em sua direção.

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Tentou enxergar através do denso veludo. Oh, se ao menos pudesse dar um
rosto à voz que ouvia...

Ora, os dois estavam entretidos demais a ponto de prestar atenção nela.
Devagar, Raine arriscou uma espiadela.

E deu-se conta de que eles se encontravam a poucos passos da tapeçaria. O
grosso tecido havia abafado as vozes, fazendo-as ecoar a distância. Ela voltou a
se esconder, mas não antes de divisar Benedict Ainsworth.

O rosto atraente transbordava ternura e firmeza de caráter. Era
charmoso, e os traços fortes, incluindo o nariz aristocrático, combinavam com os
olhos de um azul intenso como cobalto. As finas sobrancelhas negras eram da
mesma tonalidade dos cabelos.

O coração de Raine começou a bater acelerado, apesar de saber que não a
viam.

Em nenhuma circunstância queria ser descoberta. Mais uma vez,
perguntou-se quem acreditaria nos motivos que a levaram a se esconder e, pior,
ela jamais revelaria a verdadeira razão ao rei ou a Ainsworth.

O rosto marcante de Benedict surgiu-lhe à mente. Ignorando o risco,
sentiu-se compelida a vê-lo novamente. Precisava confirmar a imagem atraente
que testemunhara.

Benedict e Edward notaram a entrada do assistente.

— Um mensageiro acaba de chegar com uma carta da França. Eu o conduzi
à sala privativa, como Vossa Majestade me havia ordenado.
Edward recuperou a postura monárquica e replicou:

— Estou a caminho.
Despediu-se de Benedict, que o reverenciou até vê-lo deixar a sala. O
assistente, fingindo não observar Benedict, recolheu as taças que haviam usado.

Dando por finalizada sua tarefa, Benedict resolveu partir. Edward
mostrara surpresa ao ver a generosa partilha que ele pretendia oferecer a
Alister Harcourt, mesmo assim, concedeu sua aprovação para transferir os bens.

A caminho da porta, ele notou um par de pequenos sapatos verdes sob a
tapeçaria escarlate. O fato de o intruso ser uma mulher o impediu de preocupar-
se. Porém, ficou intrigado ao divisar ura rosto pálido, rodeado de cabelos
vermelhos. Olhos dourados o fitaram apavorados.

O rosto era decididamente de uma mulher bonita. Surpreso, Benedict
precipitou-se em direção a ela sem refletir.

O assistente do rei escolheu aquele momento preciso para se manifestar.


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— Há algo errado, milorde?
Benedict deteve-se, observando os olhos dourados agora reluzentes de
pânico.

— Milorde? — o homem insistiu.
Ela cobriu os lábios, implorando compaixão. Benedict mergulhou naqueles
olhos, como se estivesse embebido por ouro líquido e aquecido pelo brilho
dourado.

Uma sensação desconhecida o impediu de delatá-la. Lançou um olhar
repressor à misteriosa mulher e, em instantes, ela desapareceu atrás da
tapeçaria.

— Não, estou me retirando — Benedict avisou o assistente. — Poderia me
dizer em que estábulo se encontra meu cavalo? — Sabia ser uma desculpa
insignificante. Jamais permitiria que o garanhão fosse instalado em qualquer
lugar, mas o auxiliar do rei ignorava tal exigência.
Esperou que o criado o acompanhasse à porta. Sabia que a mulher não
poderia sair enquanto alguém permanecesse na sala. No entanto, desconhecia a
razão que o levara a ajudá-la.

— Como quiser, milorde — o servo assentiu. Embora estivesse ávido para
fazê-lo, Benedict não olhou para trás, temendo pela segurança da bela intrusa.
O coração batia feito tambor no peito de Raine. Tão logo os homens
saíram, ela abandonou o esconderijo. Por que resolvera espiar Benedict
Ainsworth pela segunda vez? Estava certa de que ele se encontrava concentrado
no rei Edward. Ficou chocada com a própria ousadia e confusa ante a ajuda
inesperada do barão. Não entendia por quê, mas estava grata.

Depois de tudo o que se passara, Benedict Ainsworth tornava-se ainda
mais intrigante. Recordando os profundos olhos azuis, notou a súbita atração que
sentiu por eles.

Repreendeu-se em pensamento. Não estava interessada nele, sabia o que
procurava e por quê. Nenhum sentimento insípido poderia interferir em seus
planos. Permitir-se sonhar seria o mesmo que causar um desastre. O bem-estar
de William vinha em primeiro lugar. Se existia alguma possibilidade de Benedict
Ainsworth ser o homem certo para salvaguardar William, precisava conhecê-lo e
conversar com ele.

Ao considerar como poderia se aproximar do barão, ela sentiu o corpo
arrepiar-se. Não podia negar que era o homem mais fascinante que já vira, e não
só por causa do belo rosto ou da presença vigorosa. Ainsworth exalava uma força
que a envolvia, tal qual o aroma de terra molhada durante a chuva.


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Jurou não se deixar abater por tamanha futilidade. O interesse em
Ainsworth era de outra ordem. Ela o conheceria pelo bem de William.

Resoluta, dirigiu-se ao cômodo onde estava instalada. O pequeno quarto
não tinha janelas, apenas uma enorme cama que outrora fora decorada de fios
dourados. Não era aconchegante, tampouco confortável com aquele assoalho de
pedra e móveis velhos. Havia uma mesa e duas cadeiras próximas à lareira que
espalhava fumaça cada vez que era usada.

Raine poderia acomodar-se com as outras damas da corte, mas não
desejava permanecer separada do irmão e de Aida.

Ambos a encararam no instante em que ela abriu a porta.

— Bem, meus amores, acabo de ver nosso melhor pretendente — ela
informou.
Como sempre, Aida levantou-se e começou a andar, torcendo os dedos.

— Por Deus, lady Raine, tem certeza de que quer fazer isso? Talvez
devêssemos esquecer essa história de encontrar um marido e voltar a
Abbernathy.
Entre todos, Raine era a pessoa que mais desejava retornar a Abbernathy
e fingir que tudo acabaria bem. Mas com Denley à espreita, ninguém conseguiria
viver em paz.

Era a única pessoa capaz de garantir o futuro da família, por mais difícil
que fosse.

— Aida, por favor, não vamos discutir outra vez. Preciso de que me ajude.
William, que lia um livro, deixou o volume sobre a mesa e fitou a irmã.

— Quem é ele, Raine? Como ele é?
William era um recém-nascido na ocasião em que perderam a mãe, de modo
que não se recordava dos acontecimentos que se sucederam ao falecimento. O
pai, abalado pela dor, caíra em profunda depressão, forçando Raine a amadurecer
aos oito anos de idade.

Agora William compreendia, de certa maneira, as razões da irmã. Ele
permanecera ao lado do pai na noite em que este faleceu, e testemunhara a
responsabilidade que fora imposta a Raine.

Nenhuma criatura esperava que o velho William abandonasse o filho mais
moço. Aos olhos de Raine, ele fora um homem forte e invencível. A doença que lhe
tirara a vida desenvolveu-se tão rapidamente que ninguém se encontrava
preparado para sua morte. Na ocasião, Raine não se permitiu sentir a própria dor,
havia ignorado a angústia e canalizado a energia para cuidar de William como seu


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pai desejara.

O irmão não era robusto, mas possuía caráter e inteligência. A
vulnerabilidade física incrementava a determinação de Raine em se sacrificar por
ele.

Resumidamente, ela relatou o que havia acontecido no castelo real.

Wiliam parecia tão preocupado quanto Aida.

— Você se escondeu atrás da tapeçaria e escutou a conversa do rei com
esse homem? Raine, ficou louca? E se fosse pega em flagrante? Podia ser acusada
de espionagem ou traição...
— Não fui pega, William. — Raine, de repente, deu-se conta de quão
terrível seria para ele caso fosse acusada de alguma ilegalidade. Quem cuidaria
dos interesses de William?
— Mas correu um risco enorme. E disse que esse homem a viu? Ele pode
ter contado a alguém. — A indignação nos olhos verdes de William revelou o
homem honrado que um dia ele se tornaria.
— Ainsworth não vai contar a ninguém — Raine afirmou com uma convicção
inexplicável.
— Como sabe, lady Raine? — Aida perguntou. — Nem sequer o conheceu.
— Ele não dirá nada. — Raine não ousou encarar a criada. A noção parecia
fortalecer-se cada vez que ela refletia sobre o assunto. Benedict Ainsworth não
a trairia.
CAPÍTULO II

Raine arrumou-se para a ceia com muito mais primor desde que chegara à
corte. Estava determinada a se apresentar a Benedict Ainsworth e rezava para
que ele aparecesse no grande salão do castelo real.

A bem da verdade, também precisava explicar-lhe por que se escondera
atrás da tapeçaria. Pensaria em algo convincente quando chegasse a hora. Sua
prioridade, a de descobrir se lorde Ainsworth seria ou não um bom guardião para
William, sobrepunha-se a qualquer detalhe.

Raine adentrou o esplendoroso salão, trêmula de expectativa. Mal prestou
atenção às tapeçarias ainda mais luxuosas ou aos cortesãos elegantemente
vestidos, que ocupavam as mesas, degustando carnes suculentas, pães frescos,
iguarias variadas e copiosas quantidades de vinho e cerveja.

Porém, notou que Edward não se encontrava na mesa principal, pois a
pesada cadeira estava vazia. Raine ficou aliviada, embora acreditasse que


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Ainsworth não contara nada ao rei.

Precisava ser firme em seu objetivo. A possibilidade de completar a busca
àquele que daria proteção a William, um marido, tanto a apavorava quanto a
empolgava, em especial, quando lembrava quão charmoso e bonito era o
pretendente em questão.

Sacudindo a cabeça, ela eliminou o último pensamento. Não podia se
agarrar a fantasias. Sentimentos frágeis atrapalhavam o raciocínio e
atrapalhavam o julgamento que deveria fazer acerca de Benedict Ainsworth a
fim de saber se era o homem certo para proteger William.

E era tudo que o barão precisava fazer. Ela não estava interessada em um
casamento verdadeiro. Tinha Abbernathy e o irmão para cuidar.

Endireitou os ombros, ajeitou o vestido cor de safira e vistoriou o salão.
Como não localizasse o barão entre os presentes, soltou um suspiro e voltou a
procurá-lo mais uma vez. Não havia sinal daquele corpo inconfundível, tampouco
dos cabelos negros.

Ficou desapontada. Apesar de não existir garantias, ela havia suposto que
lorde Ainsworth compareceria à ceia.

Benedict chegou a considerar a idéia de juntar-se a seus homens na
taverna, onde estavam hospedados. Lá, podia jantar e beber com tranquilidade,
não gostava da agitação fútil da corte.

No entanto, algo o impeliu a permanecer em Westminster. Não conseguia
parar de pensar na mulher cuja presença na sala do rei ele havia ocultado.
Quanto mais recordava aqueles cabelos cor de fogo, mais necessitava descobrir o
que a misteriosa dama fazia atrás da tapeçaria. Fora insano compactuar com ela.

A atitude intempestiva parecia torná-lo cúmplice, e não queria ser
responsável de nenhum crime contra a coroa. Somente um motivo escuso poderia
justificar a ousadia daquela mulher. Mas, por alguma razão, ele não acreditava
nessa teoria.

Uma repentina conjectura o fez deter-se à porta do salão. Talvez ela
estivesse apaixonada por Edward.

Surpreso, Benedict reparou que tal possibilidade o desagradava. Desde o
instante em que divisara aqueles olhos dourados, convenceu-se de que ela possuía
um ar de pura inocência. Um envolvimento com o rei da Inglaterra não duraria.
Edward já era conhecido por sua reputação de bon vivant.

Perturbado, Benedict entrou no salão. O único interesse naquela mulher
era investigar a verdadeira razão que a levara a se esconder. Precisava saber se
articulava algum golpe maléfico contra o rei.


Catherine Archer A Dama da Floresta

Não houve dificuldade de encontrá-la em meio à multidão, embora
estivesse de costas para ele, Benedict reconheceria aqueles cabelos
avermelhados em qualquer lugar. Os cachos fartos escapavam no arco enfeitado
de pérolas que ela tinha à cabeça. Achava-se sentada a certa distância da
cabeceira da mesa, o que indicava uma posição modesta na sociedade. Novamente
a curiosidade o invadiu.

Uma estranha expectativa o perturbava enquanto caminhava entre as
mesas. Benedict parou ao lado da ruiva e, quando os olhos dourados o fitaram, ela
pareceu surpresa.

A primeira impressão se confirmou: ela era mesmo muito bonita. Na
verdade, Benedict achou-a ainda mais encantadora ante aquela expressão de
surpresa, o nariz delicado, o queixo firme e os lábios rosados que começaram a se
curvar em um sorriso adorável.

Uma sensação calorosa o imobilizou. Benedict viu-se fascinado pela mulher,
tal qual um garoto tolo. Confuso ante a patética reação, ele falou com rudeza:

— Posso me sentar?
O sorriso desapareceu.

— Fique à vontade, milorde.
A ausência de polidez só atestava a absurda avidez de investigar o que ela
fazia na sala do rei. Tão logo sentou-se no banco, Benedict achou aquela
proximidade um tanto enervante. Cada vez que se movia, seu ombro roçava o dela.
O toque fugidio alertava-o para a própria masculinidade em comparação à
delicadeza feminina.

Devido ao incômodo, ele foi direto ao assunto que o levara ali.

— Milady?
— Milorde? — Ela o fitou.
Mais uma vez, Benedict viu-se tragado por aqueles olhos. Desviou o rosto,
na tentativa de se concentrar em sua tarefa.

— Compareci à ceia na esperança de encontrá-la. Gostaria que me
explicasse o motivo de permanecer na sala do rei hoje de manhã, quando este
ordenou que todos se retirassem.
— Oh, é claro, milorde. Não tenho intenção de ocultar-lhe tal atrevimento
de minha parte e quero que saiba que estou grata pela discrição que mostrou. —
As pálpebras abaixaram, ocultando o incríve brilho dos olhos dourados.
— Então? — Benedict perguntou, irritado com os pensamentos.
— Primeiro, devo me apresentar, milorde. Meu nome é Raine Blanchett.

Catherine Archer A Dama da Floresta

Não havia como negar a particularidade daquele nome. Raine combinava
com a beleza tão singular. Por algum motivo, ele lembrou-se da última vez que vira

o pai.
Os seis Ainsworth estavam nas docas, ao lado do navio que levaria o barão
e a baronesa à Escócia. Chovia naquela manhã, e. o pai de Benedict tirara do bolso
uma moeda de ouro. O metal reluzia com as gotas de chuva.

— Leve seus irmãos à cidade antes de voltar para casa — seu pai lhe
pedira.
— Não creio que seja conveniente, Benedict — dissera a baronesa,
preocupada. — Os meninos, às vezes, são incontroláveis.
O barão sorrira afetuosamente à esposa.

— Sim, Letícia, mas confio a nosso filho mais velho a responsabilidade de
cuidar dos irmãos durante minha ausência.
Benedict jamais esquecera aquele momento, tampouco a fé que seu pai lhe
depositara. Não sabia por que a cor dos olhos de Raine o fizera recordar tal
passagem.

Ela prosseguiu:

— Admito que não deveria me esconder na sala do rei, agi tolamente.
Refugiei-me atrás da tapeçaria porque queria evitar um certo cavaleiro que não
parava de me assediar e... — Raine baixou o rosto. — Eu não podia sair enquanto o
senhor e o rei estavam na sala. O que Sua Majestade iria pensar de mim?
Benedict ficou desconfiado da frágil explicação.

— Suas palavras não me convenceram, começo a pensar que deveria ter
discutido o problema com o rei.
— Não! por favor, milorde. Eu lhe imploro. Juro pela alma de meu falecido
pai que não pretendia ferir o rei ou a coroa com minhas ações. Não estou
interessada nos negócios do rei.
Agora Benedict acreditava nela. Não havia dúvidas de que era sincera. A
razão que a levara a cometer tamanha sandice não tinha nada a ver com traição.

Respirou aliviado e, sem saber por quê, convenceu-se de que não tomava
parte de nenhum complô contra o rei.

Percebeu o cacho rubro que roçava a face rosada de Raine Blanchett.
Dirigiu o olhar para o arco de pérolas. Em seguida, fitou a manga do vestido de
veludo azulado. Obviamente, ela não sofria dificuldades financeiras. Lembrou-se
dos sapatos verdes que Raine usara naquela manhã. Jamais esqueceria a surpresa
de divisar os pés femininos sob a tapeçaria. De súbito, notou que sorria.

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No mesmo instante, recuperou a expressão grave. Não devia sorrir diante
do que ela fizera. Na verdade, tinha de alertá-la para as consequências de tal
ato.

— Acredito em suas palavras, lady Raine, e sugiro que pondere no futuro.
Se eu souber que voltou a fazer algo parecido, falarei com rei Edward. Minha
partida em dois dias não irá impedir que eu seja informado de qualquer
irregularidade na corte.
Um brilho de desapontamento pareceu surgir nos olhos dourados.

— Oh, obrigada, milorde, é o mais gentil dos cavaleiros. Não ousarei trair
sua confiança.
A promessa, embora feita em voz baixa, foi tão sincera que o comoveu.
Benedict ficou encantado ante a genuína lisonja. Por quê? Afinal, ela nem sequer

o conhecia. Sem dúvida, Raine Blanchett era um enigma e jamais conhecera
alguém tão interessante.
Repreendeu-se em pensamento. Não precisava de outros interesses em sua
vida. As propriedades e a família lhe eram suficientes, Havia dez anos, desde a
morte dos pais, que ele dedicava a vida a tais interesses e não pretendia mudar
agora.

Raine ficou ainda mais impressionada com Benedict Ainsworth e
decepcionada com a revelação de que ele partiria em dois dias. Ficou evidente que

o barão não acreditara na mentira de estar sendo assediada por um admirador
qualquer, contudo, pareceu crer que ela não tinha intenções de prejudicar a
coroa. Como era astuto!
Não pôde evitar o sorriso enquanto erguia o rosto e... De súbito, divisou
Denley Trent, seu primo, adentrando o salão. O prazer transformou-se em um
resmungo. Denley era o último homem que esperava ver.

Ele usava um manto novo vermelho, o modelo preferido entre os membros
da corte. Era curto e as longas mangas bufantes pareciam femininas demais em
comparação às mãos grossas de Denley. O grotesco primo não combinava com a
moda ascendente.

Aquela presença tornou-se um peso nos ombros de Raine. Que atrevimento
segui-la à corte! Até onde iria a persistência de Denley de subjugar Raine e
William?

Olhou para Benedict Ainsworth. Como ele era diferente de Denley. Ter o
barão em sua retaguarda faria o primo reconsiderar a teimosa determinação de
esposá-la.

Mas Ainsworth agora falava com um nobre a sua direita. Apesar de Raine

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ter se esforçado em parecer atraente, o barão mostrou-se interessado somente
no bem-estar do rei Edward. Depois de esclarecer a situação, o homem a
dispensara.

O que ela faria agora ante a chegada do primo?

Desesperada, vasculhou o salão repleto de pessoas na esperança de
encontrar uma solução para o problema. Durante a estada na corte, Raine não
conhecera nenhum homem, além de Benedict Ainsworth, capaz de suprir sua
expectativa.

Voltou a observar Denley. Ele parecia procurar alguém. Quando a avistou
entre os presentes, mostrou-se aliviado.

Raine suspirou. Denley precipitava-se em sua direção, tal qual um boi
teimoso.

Não queria enfrentar Denley no salão real. Seria constrangedor, caso ele a
inquirisse sobre o fato de ter saído de Abbernathy sem comunicá-lo. Ele a
visitava todos os dias, desde a morte do pai, e, com certeza, ficara chocado
quando não a encontrara em casa. Principalmente porque Raine havia proibido os
criados de informarem a ele onde estava.

Tentou levantar-se, mas o banco achava-se muito próximo à mesa e, com a
pesada saia, ela não conseguiu retirar-se antes da aproximação de Denley. O
primo a interceptou no instante em que ela erguia uma das pernas.

— Raine, estive a sua procura — Denley manifestou-se em alto e bom som,
a ponto de atrair a atenção das pessoas próximas, inclusive de Ainsworth.
— Denley, que surpresa! — ela fingiu espanto.
— Não devia estar surpresa. Qualquer homem se preocupa com a futura
noiva. Você desapareceu de Abbernathy sem me avisar.
Ruborizada de raiva, Raine conseguiu manter o autocontrole.

— Não vou me casar com você. É minha palavra final a respeito deste
assunto.
Denley a agarrou pelo braço.

— Não seja ridícula, claro que vai se casar comigo. Algum nobre afetado
encheu sua cabeça de tolices? Posso corrigir o erro em pouco tempo.
Aflita, Raine tentou se afastar, mas não havia espaço para se mover. O
corpo sólido e viril de Ainsworth impedia qualquer movimentação. Denley puxou-a.

Estavam causando um escândalo no salão. Para não encarar outras pessoas,
Raine manteve o olhar em Denley. Tinha de se livrar dele o mais rápido possível. A
atitude do primo poderia acabar com suas possibilidades de atrair o barão.

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A despeito da vergonha, ela ficou feliz ao escutar a profunda voz do
homem pelo qual começava a nutrir grande admiração.

— Com licença, sir. A dama não me parece disposta a receber suas
atenções.
Raine fitou aquele belo rosto. Benedict encarava Denley com puro desdém.

— Não é problema seu, milorde — Denley esbravejou. — Sugiro que se
atenha a seus interesses.
Benedict voltou-se a Raine.

— Tem alguma ligação com esse homem?
Um longo momento se passou antes que ela pudesse replicar. A ternura
inerente àqueles olhos azuis causava-lhe arrepios pelo corpo.

— Não, é apenas meu primo. A idéia de que vamos nos casar é dele.
Sustentando a classe, Benedict agarrou o braço de Denley. Mesmo
envergonhada, Raine notou os dedos longos e bronzeados, bem mais poderosos
que os de Denley.

— Vai soltar esta dama agora — o barão comandou, sem alterar o tom de
voz. — Não é hora nem lugar para discutir certos assuntos. E, em vez de humilhála
diante da assembléia, o senhor deveria salvaguardá-la.
Pela primeira vez, Denley pareceu reparar que os outros o observavam.
Corou e soltou o braço de Raine. Porém, o constrangimento não sobrepujou a raiva
que ele ainda demonstrava.

— Sendo o único parente vivo, considero-me seu guardião.
— Ele não é meu guardião — Raine apressou-se em explicar. — Meu pai
morreu há poucos meses, mas não entregou nenhuma responsabilidade a Denley.
Como lhe disse, é meu primo e nada mais.
Denley expressou o desagrado, contudo, não disse palavra já que Benedict
passou a ignorá-lo. Raine não tinha o menor interesse em saber o que o primo
estava pensando.

Olhou para Benedict, que a observava atentamente. A expressão
consternada a agitou. A sensação de ser cuidada havia se perdido no remoto
passado. Raine habituara-se a proteger Wil, Aida e os residentes de Abbernathy.

A experiência de ser protegida a enervava. Sentiu lágrimas ofuscando-lhe
a visão, mas se recusou a sucumbir. Não precisava de nenhum guardião. Desviou o
olhar de Benedict e reparou então que todos os presentes à mesa a observavam
com explícita curiosidade.

Estava certa de que a causa de sua vergonha era a atitude intempestiva de


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Denley. Sentiu-se fraquejar ante a bisbilhotice dos cortesãos, não conseguiria
permanecer ali sem cair em prantos. Mais uma vez tentou sair da mesa. Quando
Denley aproximou-se para ajudá-la, Ainsworth levantou-se a fim de impedi-lo.

Com o olhar, Raine agradeceu a gentileza de Benedict e também se
levantou. Sabia que as pessoas continuavam a assistir à cena e logo espalhariam o
ocorrido. Ela chegara a escutar comentários maldosos acerca de outros. Não
fugiu correndo como, no íntimo, desejava. Endireitou os ombros e forçou-se a
caminhar de cabeça erguida.

Após uma longa noite insone, Raine não podia mais protelar sua decisão.
Denley a perseguira até a corte, encenara um espetáculo horrível diante da
sociedade, sem se preocupar com os sentimentos dela ou de outrem.

Benedict Ainsworth não hesitara ao ajudá-la, mas nem sequer havia notado
os frágeis esforços de atraí-lo, talvez ele não a achasse atraente. A hipótese não
era estimulante, já que pretendia persuadi-lo a se casar. Ora, o barão não
precisava amá-la profundamente. Amor era uma emoção sem a qual ela pretendia
viver uma vez que o único propósito da união seria proteger William.

De fato, o futuro marido não deveria estar apaixonado por ela, em
especial, porque não tinha a menor vontade de morar com ele, pois tencionava
retornar a Abbernathy tão logo o casamento fosse realizado.

A família Blanchett vivera naquelas terras desde a época de William I.
Raine não seria a primeira a abandonar o que lhe cabia por direito, mas pretendia
administrar Abbernathy até que William estivesse maduro o bastante para
assumir seus deveres de herdeiro. Se o suposto marido desejasse acompanhá-la,
seria bem-vindo.

Novamente lembrou-se de que só poderia voltar para casa depois do
casamento e ainda não havia encontrado um marido.

Em um momento de desespero, sentiu vontade de chorar. Felizmente
achava-se sozinha no minúsculo quarto. Aida e Willíam haviam ido passear nos
jardins do castelo. Raine não tinha tempo para distrações, tampouco desejava que
os dois percebessem quanto estava preocupada com aquela situação.

Quando uma batida à porta ecoou pelo cômodo, ela assustou-se. Estava
ansiosa demais. Não ganharia nada com aquele nervosismo exagerado. Respirou
fundo e soltou o ar bem devagar, acalmando-se, antes de abrir a porta.

Não sabia quem poderia ser, já que Aida e William não bateriam antes de
entrar.

Ver Denley Trent à soleira da porta perturbou-a ainda mais. De imediato,
ela tentou fechar a porta, mas o primo impediu-a, colocando o pé na abertura, e
obrigou-a a recuar. Ela o enfrentou, resoluta, embora o sorriso malicioso nos


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lábios de Denley e o modo como entrou no quarto a deixassem insegura.

— Quero que se retire agora. — Raine apontou a porta que ele acabava de
fechar.
— Oh, Raine, é assim que espera me conquistar? Fingindo-se de difícil?
— Não desejo conquistá-lo! — ela exclamou, exasperada. — Quero que vá
embora e nunca mais cruze meu caminho. Pode compreender isso?
Por um instante, Denley pareceu incerto. Raine sentiu esperança de que
havia se estabelecido um entendimento. No entanto, ele voltou a sorrir de forma
maliciosa. Aproximou-se de braços abertos.

— Não precisa ter medo, Raine. Não vou machucá-la. Sei como agradar uma
mulher.
Era difícil acreditar. Caso fosse verdade, ele teria se mostrado bem mais
gentil em outras circunstâncias. Apesar de Raine não possuir experiência com
homens, preferia viver na ignorância a ver Denley provar o contrário.

Mas não havia tempo para reflexões porque o primo continuava a se
aproximar, e o brilho intencional nos olhos dele era mais que evidente. Na
tentativa de ocultar o medo, ela deu um passo para trás.

— Não, Denley, não me toque.
— Só quero lhe mostrar que não há razões para ter medo. Se me deixar
tocá-la, você verá quão prazeroso pode ser e marcaremos a data do casamento o
mais rápido possível.
— Pare de fingir que está me fazendo a corte. Não tem o direito de me
forçar a nada.
— Um casamento entre nós fará bem a todos. Você sabe disso.
— Fará bem apenas a você, Denley.
Sem vacilar, ele chegou ainda mais perto. Raine era valente, mas não tola.
Recuar seria melhor que enfrentá-lo. Desviou-se dele e correu até a porta.

Denley Trent era um homem forte e ágil. Ele a agarrou pela manga do
vestido.

— Eu a peguei! — gritou.
O tecido se rasgou, e ela conseguiu se libertar.
— Não pegou, não, sir — Raine disse e precipitou-se pelo corredor.
Furioso, Denley a seguiu. Raine chegou à conclusão de que o primo adorava
causar escândalos. Era a única explicação para tamanha ousadia.

— Vamos, Raine! Não precisamos continuar com esses jogos infantis. Está
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somente adiando o inevitável.

Ela não se deu ao trabalho de argumentar. Correu em direção a locais mais
públicos do castelo, segurando o vestido rasgado. Para seu alívio, Denley não a
acompanhou.

Por precaução, Raine se misturou entre as pessoas que conversavam no
grande salão, mas sabia ser uma solução temporária. Denley não havia terminado.
Nada que fizesse ou dissesse poderia surtir efeito nele. Estava determinado a
atingir seu objetivo e convencido de que Raine resistia só porque tinha medo do
casamento.

O homem somente sossegaria quando se unisse a ela, nem que para isso
tivesse de violentá-la.

O tempo da indecisão havia passado. Raine tinha de tomar uma atitude
drástica. Durante a ceia, Benedict Ainsworth revelara que deixaria a corte em
dois dias. Ele representava a última esperança de Raine.

Não permitiria que a riqueza de William caísse nas mãos ávidas do primo
quando ela podia evitar tal fatalidade. Mas até onde Raine iria para alcançar sua
meta?

Aida, que se sentara à beira da cama enquanto Raine lhe relatava o plano,
meneava a cabeça em negativa.

— Milady, não podemos fazer isso. E se formos descobertas?
— Ninguém vai descobrir. Ao menos não antes de me casar. Se seguirmos o
plano como eu o arquitetei, não haverá desconfianças.
O terror explícito nos olhos da criada faria qualquer mulher reconsiderar,
porém Raine não era qualquer mulher.

— Eu lhe contei o que Denley tentou fazer hoje neste quarto. Você viu
como ficou meu vestido. Não posso adiar mais. Preciso garantir o futuro de Wil.
Papai nunca me perdoaria por deixar o primo Denley controlar suas terras.
— Mas, lady Raine, não creio que... Não entendo como tem coragem de...
Sabe o que quero dizer. Tenho medo de me envolver neste esquema. Ele é um
nobre.
— Você não tem de fazer nada, exceto conseguir os itens de que preciso na
cozinha do castelo, manter William longe do quarto durante a noite e gritar feito
louca quando entrar no cômodo na manhã seguinte, é uma função muito simples.
Sou eu quem vai atraí-lo até aqui e executar o resto.
Aída ainda continuava incerta quanto à proposta de Raine.

— Você vai me ajudar a me vestir para a ceia de hoje. Tenho de ficar ainda
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mais bonita que ontem, embora não acredite que Benedict Ainsworth irá notar. —
Raine ignorou a repentina decepção. — Mas preciso considerar todas as
possibilidades. Nosso sucesso depende de eu trazer aquele homem até este
quarto.

Então abriu o baú que continha os vestidos novos, os quais ela mandara
confeccionar para ajudá-la na busca ao marido. Infelizmente, como dissera a
Aida, após a reação de Benedict na noite anterior, Raine não acreditava que sua
aparência fizesse alguma diferença.

Pelo menos, a criada se ocuparia com algo e esqueceria o medo até a hora
da ceia.

Assim como Raine. Ela nem sequer ousara considerar a chance de Benedict
não comparecer ao jantar, tampouco queria pensar no fato de ele não acompanhála
até o quarto. Não podia ater-se ao impossível.

Várias horas depois, Raine parou à soleira da porta e fitou William, que se
encontrava sentado na cama. Ele havia passado a tarde nos estábulos e, quando
chegara ao cômodo, observara os preparativos para a ceia em profundo silêncio.

Embora não tecesse comentário algum, Raine tinha certeza de que o irmão
estava ciente da ansiedade de Aida. Mas, como a criada fosse agitada por
natureza, William não pareceu notar nada de estranho naquele comportamento.

William não podia saber o que Raine pretendia. Queria poupá-lo do
sofrimento que ele manifestaria caso descobrisse o plano. Em várias ocasiões,
notara a culpa que o irmão sentia pelo fardo que ela era obrigada a carregar.

A despeito da vontade de aliviar a pesada responsabilidade de Raine, não
havia nada que William pudesse fazer. Era apenas um menino, apesar de adorável
e bom.

A informação de que ele e Aida iriam dormir na companhia dos servos do
castelo naquela noite não suscitou nenhum comentário, pois Raine alegara
precisar partilhar o cômodo com outra dama que tinha acabado de chegar à
corte.

Odiava mentir para o irmão, porém, não podia contar-lhe a verdadeira
razão de ficar sozinha naquela noite. Além de evitar qualquer desagrado, Raine
não conseguiria fazê-lo entender a lógica existente no bendito plano. Talvez
estivesse com medo de discutir o assunto para não desistir do esquema. Se desse
vazão aos receios, ela pensaria em um motivo que a impedisse de prosseguir. Saiu
do quarto, apressada.

Como todas as noites, o salão estava lotado. Ela parou na entrada, temendo
que Benedict Ainsworth já houvesse partido. Lembrava-se de ouvi-lo comentar
com o rei Edward a repulsa que sentia pelas atividades da corte.


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Raine concordava com ele. Sentia falta das montanhas e dos vales, dos
deveres em Abbernathy e dos habitantes.

Foi com alívio que o viu sentado à mesa que ambos tinham ocupado na noite
anterior. Respirou fundo e caminhou resoluta até ele.

Sem saber o que fazer, simplesmente esperou que Benedict a visse.

Poucos instantes depois, ele a fitou surpreso.

— Boa noite, lady Raine.
— Milorde. — Ela indicou o salão. — Vejo que as mesas estão repletas de
convidados. Seria pedir demais que o senhor me deixasse sentar aqui?
Raine não parou para pensar na audácia de seu pedido. A bem da verdade,
na mesa de Benedict também não havia espaço. Ele, com certeza, sabia disso.

— Estou certo de que conseguiremos encontrar um lugar para esta pequena
dama. Certo, lorde Longly? — Benedict dirigiu-se ao homem a seu lado.
O idoso nobre assentiu.

— É evidente que sim. — Ele apontou o diminuto espaço que haviam aberto
no banco.
Enquanto os dois homens retomavam a conversa, Raine sentou-se. O fato
de Ainsworth não manifestar qualquer mudança em relação a ela a desanimava.

As iguarias dispostas à mesa não lhe causavam o menor apetite, mas Raine
tinha de, pelo menos, fingir que estava comendo. Suas mãos tremiam quando se
serviu de uma fatia de carne e outra de pão.

O forte tempero da carne quase a fez engasgar ao saborear um pedaço.
Estava apavorada ante a armadilha que pretendia realizar. Podia sentir o calor do
corpo de Ainsworth e escutar a voz profunda enquanto ele falava com o outro
nobre.

O barão havia sido bondoso com ela ao defendê-la de Denley quando
nenhum homem nem sequer arriscara interferir. Era confortante tê-lo tão perto.
Cada nova faceta que ele revelava mostrava quão forte e honrado era.

De repente, Raine caiu em si. Seu plano mirabolante poderia prejudicar
aquele homem decente, mas não tinha escolha, pensou. As qualidades que a faziam
hesitar representavam o motivo pelo qual o escolhera. O tempo se esgotava e
Benedict Ainsworth parecia ser o homem ideal... na verdade, representava a única
opção.

Denley Trent era o maior culpado. Ele a obrigara a tomar uma atitude
drástica. Pelo bem de seu irmão, Raine não podia falhar.

Com tal assertiva em mente, observou a conversa dos homens e, quando

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Catherine Archer A Dama da Floresta

Benedict fez menção de fatiar o pão, interferiu:

— Milorde?
Ele se deteve e a encarou, de certa forma, desconfiado.
— Sim?
Embora tentasse se mostrar calma, Raine tinha vontade de sair gritando
do salão. Então, sorriu, rezando para que o gesto parecesse um flerte.

— Milorde, queria lhe agradecer por me ajudar ontem à noite.
— Não há necessidade -— Benedict falou com desdém. — Eu jamais
deixaria um safardana perturbar uma mulher.
Raine sorriu novamente e piscou algumas vezes, tal qual vira as damas da
corte fazerem.

— Ainda assim, lorde Ainsworth, serei sempre grata por seu ato de
cavalheirismo. Não foi uma mera gentileza. Meu primo insiste em me molestar e
nega-se a aceitar minhas recusas.
A expressão de Ainsworth tornou-se consternada. Raine começou a sentir
esperança.

— Quer dizer que ele a importunou outra vez? —-Benedict indagou.
— Oh, sim, milorde. Hoje de manhã, ele invadiu meu quarto quando me
encontrava sozinha. Se eu não houvesse fugido, temo que ele... — A cruel verdade
contida naquelas palavras a fez calar-se, embora a intenção fosse deliberada.
Capítulo III

pesar de Benedict ter passado o dia todo tentando tirar Raine Blanchett
do pensamento, não obteve o sucesso que desejara. A relutância em conhecê-la
dera-lhe a plena certeza de que um ínfimo envolvimento, por mais adorável que
ela fosse, resultaria em uma série de problemas.

Aparentemente, situações conflitantes a perseguiam, a começar pela
ousadia de esconder-se na sala do rei Edward. Raine alegara estar fugindo de um
admirador persistente; e agora, era molestada por outro.

Enquanto escutava a narrativa, sentiu uma profunda simpatia por aquela
delicada mulher. Não podia culpá-la pelo fascínio que homens encontravam nos
olhos dourados e brilhantes.

Aliás, naquele momento, viu-se apreciando o inesquecível olhar cintilante,
como se estivesse sob o efeito de alguma magia.

— Se houver algo que eu possa fazer para ajudá-la, não se acanhe em
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Catherine Archer A Dama da Floresta

pedir. Estarei na corte por mais um dia, mas me disponho a pedir ao rei que
interceda a seu favor.

Raine meneou a cabeça e sorriu.

— Não, milorde. Não há necessidade. Não quero que o rei Edward indique
Denley como nosso guardião. E, sendo o único parente vivo, ele é bem capaz de
convencer Sua Majestade, é muito persuasivo quando lhe convém.
Benedict fitou-a, surpreso. Não descreveria o safardana daquela maneira.
Ele parecia, na verdade, um estúpido, mas, em todo caso, Raine certamente o
conhecia melhor.

Tristan não fora forçado a matar o mesmo tipo de homem, cujo irmão
almejava vingança, com o intuito de impedi-lo de molestar Lily?

— Como quiser — Benedict retrucou, enfim.
— Há algo que poderia fazer por mim — Raine confessou, insegura. — Se
não for incômodo, eu ficaria grata caso pudesse acompanhar-me a meus
aposentos. Tenho certeza de que meu primo não se atreveria a me molestar em
sua presença, milorde.
Benedict parecia hipnotizado por aqueles olhos que mais assemelhavam-se
a gotas de ouro.

— Eu me sentiria lisonjeado em prestar tal serviço a uma bela dama. — Ele
jamais falara em tom tão romântico. Porém, Raine era estonteante. Talvez o amor
entre Tristan e Lily o houvesse contaminado.
Mais uma vez, percebeu-se satisfeito por ter resolvido a negociação com
Alister Harcourt a contento. Naquela manhã, Benedict e o rei haviam redigido a
oferta a Harcourt. Edward garantiu-lhe que a farta quantia seria aceita, mesmo
que a coroa não interferisse.

Talvez o alívio de Benedict viesse do fato de que logo o acordo estaria
fechado e, em breve, voltaria a Brackenmoore.

No entanto, olhando para Raine, tinha de admitir que o retorno ao lar não
era prioridade. Pegou-se novamente admirando a beleza feminina, cujos cabelos
cor de fogo emolduravam o rosto alvo e de traços delicados. O pesado colar de
ouro e rubis que ela usava nem se comparava à beleza da pele do colo. O vestido
luxuoso, enfeitado de fios dourados, realçavam o brilho arrebatador dos olhos.

Tal qual no dia anterior, Benedict sentia-se mergulhando naqueles olhos e
uma estranha tontura pareceu dominá-lo.

Desviou o rosto, vasculhando no salão algo que pudesse lhe chamar a
atenção, qualquer coisa. Em que estava pensando, afinal? Permaneceria na corte
por mais um dia e não tinha tempo para se ater aos problemas de uma jovem

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Catherine Archer A Dama da Floresta

dama, ainda que linda.

Ante as dificuldades de Tristan e Lily e de seu outro irmão, Mareei, que
partira em um dos navios de Benedict, nem sequer conseguia visualizar o próprio
futuro. Sem dúvida, não contemplaria um devir com uma mulher da qual nada
sabia.

Incapaz de resistir, voltou a fitá-la. Mais uma vez, lembrou-se de como ela
parecia impotente diante do temeroso destino.

Nunca desperdiçaria energia com uma mulher como Raine Blanchett, apesar
de quão atordoado ficasse ao fitar aqueles olhos. Preferia uma dama mais pacata.

Fez um grande esforço para terminar a ceia, que agora encontrava-se fria.
Não pôde deixar de notar que Raine também não despendia muita atenção à dela.

Observando os arredores, Benedict reparou que quase todos haviam
terminado o jantar. A maioria dos presentes optou pela dança ou por conversas
fúteis. Esperava, agora que concordara em acompanhá-la ao quarto, que Raine
Blanchett escolhesse recolher-se ao invés de permanecer no salão.

Na verdade, Benedict a queria segura em seus aposentos o mais rápido
possível.

— Se estiver pronta, poderei acompanhá-la agora — ele informou, de
forma abrupta.
Raine o encarou com expressão de alívio. Tal reação só podia apontar para

o medo que ela sentia de o primo aparecer de repente.
— Não pretende ficar mais algum tempo no salão? — Raine indagou.
— Não gosto de dançar, tampouco de conversas superficiais.
— Entendo. — Ela riu.
— Imaginei que gostasse de ter a atenção dos jovens cavaleiros —
Benedict comentou, espantado.

— Pois não gosto. Prefiro ficar em meu lar, Abbernathy. Os homens da
corte ambicionam o que não estou disposta a dar. — Raine corou.
Por um breve instante, Benedict perguntou-se por que ela estava na corte.
Queria explicitar a questão; porém, não pretendia invadir a privacidade alheia. O
comentário sobre os cortesãos significava que, como o primo dela, eles ultrapassavam
os limites do decoro.

— Nesse caso, vamos? — Benedict levantou-se e estendeu-lhe a mão.
Hesitante, Raine pousou a delicada mão sobre a dele. Os dedos longos
estavam frios, causando um choque no corpo quente de Benedict. O toque suave
originou pensamentos eróticos; imaginou a sensação de tê-la somente para si e

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nua.

— Obrigada, milorde.
Foi difícil assimilar aquelas palavras. Embora a atração por Raine fosse
inexplicável, conseguiu manter o autocontrole como desejava. Tão logo ela se
levantou, Benedict a soltou.

Felizmente Raine não reparou em sua relutância. Apreensiva, ela o
acompanhou ao longo do corredor.

A súbita falta de atenção o perturbou. Disse a si mesmo que Raine agia
dessa maneira pois temia uma confrontação com o primo. Um fato verdadeiro,
lembrou-se, por isso a acompanhava.

Também precisava manter em mente o fato de que não se interessava
pelas confusões que ela atraía. Caminharam em silêncio até atingir a área mais
afastada da parte central do castelo.

Raine deteve-se diante da porta do quarto.

— Obrigada por sua gentileza. Poderia pedir-lhe mais um instante de seu
tempo para me certificar de que meu primo não está no cômodo.
A ansiedade era evidente. Benedict desprezava qualquer homem que
ousasse molestar uma mulher. Graças a ele, Genevieve escapara das garras do
próprio primo que, por coincidência, era Maxim Harcourt. Não lamentava o
falecimento do homem, a despeito dos problemas que sua morte trouxera.

Não tinha a menor compaixão com tiranos, e o tal de Denley Trent não era
exceção. De propósito, Benedict mostrou-se despreocupado para amenizar o
temor de Raine.

— Não me importo. Um instante a mais não fará diferença. Ela assentiu e,
com as mãos trêmulas, tocou a maçaneta da porta.
Raine respirou fundo e abriu a porta. O cenário que divisou não podia ser
mais adequado a seus planos.

Sentado em uma cadeira diante do fogo, encontrava-se seu primo Denley.
Pela primeira vez, sentiu-se grata por ele existir, era um sinal de que agia de
forma correta. Quase soltou um suspiro de alívio ao se voltar para Ainsworth.

— Como pode ver milorde, ele é incapaz de me deixar em paz.
O semblante de Benedict transformou-se quando se dirigiu ao outro
homem.

— Você sofre de alguma moléstia grave? Ainda não entendeu que esta
dama não deseja que lhe faça a corte?
Denley levantou-se, derrubando a cadeira.

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Catherine Archer A Dama da Floresta

— Como se atreve, sir? Não sabe nada a respeito de nossa situação.
— Sei que ela foi muito clara ao dispensá-lo. E é tudo que preciso saber.
Sem a menor precaução, Denley postou-se diante de Benedict e fechou os
punhos.

— Seria o caso de desejá-la para si? Devo informá-lo de que não ficarei
passivo enquanto desonra minha prima.
Os olhos de Benedict Ainsworth se arregalaram.

— Não ficará passivo enquanto eu desonro sua prima... sir? Não tem
discernimento?
Denley o encarou, sem pestanejar.

— Ouviu-me muito bem.
De repente, a expressão de Benedict tornou-se séria e causou arrepios em
Raine.

— Eu lhe concedi toda a paciência que possuo. Sugiro que saia deste
quarto e não dirija a palavra a esta mulher outra vez, a menos que ela lhe dê
permissão.
Apavorada, Raine viu Denley erguer a mão. Mas não houve motivos para se
preocupar. Embora fosse do mesmo tamanho que Ainsworth, Denley não era tão
ágil ou forte.

O barão agarrou a mão de seu primo no ar. Denley ficou chocado por um
momento, antes de recuar e erguer novamente o punho.

— Não. — Benedict nem sequer alterou a voz, porém o tom de comando era
explícito.
Frustrado, Denley hesitou. Então se virou e saiu do quarto, mostrando a
covardia de enfrentar seu oponente. Raine ficou irada. O primo só tinha coragem
de atormentar mulheres e crianças. Ou talvez homens mais fracos.

Ainda enfurecido, Benedict fitava a porta. Sem sombra de dúvida, ela
escolhera o pretendente ideal. Não havia planejado o confronto com Denley, mas
o ocorrido provara que Ainsworth possuía a força mental e física para proteger
William.

Apressada, Raine fechou a porta. Não podia deixá-lo sair.

Olhou para a mesa, sobre a qual dois copos jaziam intocados. Quando Aida
os trouxera, sabia que apenas um seria utilizado.

Teria Raine a coragem de seguir adiante? Sim, porque precisava. A
aparição de Denley a havia convencido disso.

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Catherine Archer A Dama da Floresta

Decidida, ela despejou vinho em um dos copos e aproximou-se de Benedict.

— Não, obrigado — ele declinou o vinho. — Tenho de ir embora.
— Por favor, ainda não, milorde. — Raine fitou a porta. — Eu... meu primo
pode voltar e não quero estar sozinha.
— Ficarei por mais algum tempo até sentir-se segura. Mas não creio que
ele voltará esta noite e não se esqueça de trancar a porta depois que eu sair.
Raine assentiu. Concordaria com qualquer ordem desde que ele bebesse
aquele vinho.

— Farei isso, milorde.
Aparvalhada, observou-o pegar o copo e engolir o líquido. Uma exclamação
silenciosa escapou de seus lábios.
Estava feito.
O plano entrava em andamento e não havia meios de retroceder. Assim que

o sonífero fizesse efeito em Benedict, ela não teria como tirá-lo do quarto sem
alertar outros hóspedes do castelo e, enfrentar as consequências.
— Este vinho é bem doce — ele comentou. — Não vai bebê-lo também?
— Não esta noite.
Benedict mal escutou a resposta. Ansioso para retirar-se, voltou-se à
porta. Raine estava calma, só precisaria retardá-lo mais um pouco e logo ele
estaria inconsciente. Aida sabia como dosar os ingredientes, já que era uma
especialista em ervas medicinais.

— Quer se sentar? — Raine sugeriu.
— Não, tenho... — Ainsworth piscou algumas vezes. — Você é tão... linda...
As palavras causaram uma sensação diferente em Raine. Fechou os olhos,
dizendo a si mesma que precisava concentrar-se na tarefa a que havia se
proposto. A droga o deixava criativo. Necessitava pensar naquele homem como
um meio para atingir um fim. Respirou fundo para bloquear o calor repentino que
a invadiu.

Estonteado, Benedict colocou o copo na mesinha e levou a mão à cabeça, na
tentativa de focalizar Raine.

— O que...
— Deixe-me ajudá-lo. — Raine o segurou pelo braço e guiou-o à cama.
Sentiu uma pontada de arrependimento. Não cederia à influência dos
sentimentos. Precisava acomodá-lo na cama, ou não seria capaz de carregá-lo uma
vez que ele adormecesse.

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O efeito da poderosa poção impediu que Benedict resistisse. Sentou-se na
beirada da cama, antes de gemer e tombar no colchão, inconsciente.

Raine observou o homem que agora parecia mais imponente que nunca. Para
levantar somente os ombros largos seria preciso de no mínimo dois homens. Ou
uma mulher muito determinada, pensou consigo.

Primeiro, tinha de despi-lo e depois acomodá-lo sob as cobertas. Não sabia
como empreender tal esforço, contudo, semelhante a outras dificuldades, essa
deveria ser superada.

Ajoelhou-se na cama. Começaria pela túnica e pelo casaco.

Não foi tão trabalhoso quanto havia imaginado, até desnudar o tórax
musculoso.

Embora prometesse a si mesma que não o tocaria além do necessário, viu-
se acariciando a pele bronzeada. Os dedos moviam-se devagar. Então reparou
quão diferente era a textura daquele corpo comparado ao dela.

Um suspiro suave escapou dos lábios de Benedict. Raine sentiu-se corar
por inteiro. O que havia com ela? Não se interessava por aquele homem, o que
acontecia ali significava apenas uma maneira de obter um objetivo específico.

Antes de acabar de despi-lo, fechou os olhos. Quando tomou coragem para
remover a calça, jogou o lençol sobre o corpo másculo. Convenceu-se de que era
somente por compaixão ao estado vulnerável de Ainsworth, e não porque não
queria ver as partes mais íntimas ou porque estivesse com medo.

Tão logo recuperou a concentração, ajeitou-o na cama, nu sob a coberta. A
última tarefa foi esvaziar a pequena garrafa que Aida tinha escondido em um
canto do quarto. A criada lhe garantira que havia sangue suficiente para dar
maior veracidade à cena.

A despeito da determinação, Raine sentiu-se ruborizar enquanto jogava o
sangue de galinha sobre o lençol.

— É por William. Somente por meu irmão — orou em voz baixa e, então,
atirou a garrafa vazia nas chamas da lareira.
Voltou a observar Benedict. O belo rosto sobre o travesseiro não parecia
relaxado.

— Ora, que tolice! — resmungou. Ele não tinha a menor idéia do que estava
acontecendo.
Raine não podia se deixar levar pela culpa. Até aquele momento, o plano era
um sucesso.

Com um sorriso, começou a tirar o vestido.

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Catherine Archer A Dama da Floresta

Na manhã seguinte, ainda acordada e com os olhos vermelhos, Raine
escutou a porta do quarto se abrir. Não ousou se mover.

Como haviam planejado, Aida aproximou-se da cama e puxou as pesadas
cortinas que circundavam o leito. Primeiro, observou o homem dormindo e, em
seguida, encarou a patroa.

Raine sacudiu a cabeça em negativa. Não podiam voltar atrás.

Aida assentiu e abriu a boca, emitindo um grito estridente que poderia até
despertar os mortos. O som era tão alto que Raine chegou a se assustar, apesar
de estar preparada para escutá-lo, mas o infeliz Benedict Ainsworth foi pego de
surpresa. Ainda sob o efeito do sonífero, ele sentou-se na cama e, poucos
instantes depois, focalizou o rosto de Raine. O choque inicial transformou-se em
confusão. Olhou para si mesmo e à posição que ambos ocupavam no leito.

— O que...
Nesse interim, Aida continuava a berrar.

— Minha patroa, minha pobre patroa foi deflorada! — lamentava a criada,
entre um grito e outro.
Aquele barulho representava um aspecto importante ao plano para que
alguém adentrasse o cômodo e os visse juntos na cama. Mas Raine queria mesmo
era calar o estertor de Aida, sentia-se cansada demais por passar a noite em
claro e evitar qualquer contato com o estranho e fascinante corpo a seu lado.

Várias vezes, tivera de conter-se para não afagar a pele bronzeada, tal
qual fizera quando o despira, e conseguira. O que Benedict causava nela era
irrelevante.

O objetivo de proteger Wilíiam justificava aquele teatro que Raine armara
contra Ainsworth.

Mesmo perdida em pensamentos, Raine notou que Benedict encarava Aida,
e a intensidade do olhar aumentava a cada sílaba que a criada pronunciava.
Levantou-se, enrolado no lençol.

— Pare de...
A súbita aparição de um senhor de idade, que Raine vira entrar no quarto
ao lado em várias ocasiões, interrompeu a ordem de Ainsworth.

— O que está acontecendo aqui? — o recém-chegado indagou. Enfim, Aida
parou de gritar. O repentino silêncio pareceu ainda mais chocante. Benedict e o
intruso trocaram olhares, antes de o senhor fixar-se em Raine.
Em seguida, o homem voltou a examinar o lençol que cobria Benedict
enquanto este procurava as roupas que Raine havia guardado no baú.

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Catherine Archer A Dama da Floresta

Atenta, Raine acompanhou o olhar do hóspede e divisou a mancha vermelha.
Ficou horrorizada. Não imaginava que uma pequena quantidade de sangue poderia
fazer aquele estrago no lençol.

Corou de vergonha, mas não se atreveu a cobrir a falsa evidência, tinha de
aguentar as consequências.

Outros hóspedes surgiram à porta. Aida dizia com uma dramaticidade
exagerada:

— Ele deflorou minha patroa.
Todos fitaram a mancha de sangue, antes de aterem-se a Raine. O rubor
espalhou-se da cabeça aos pés. Ela se cobriu até o queixo, mesmo sabendo que
ninguém atestaria a prova de sua vergonha.

Que Deus a protegesse! Havia realizado aquela façanha por si só, mas não
esperava que o sinal de sangue fosse tão humilhante.

Aida, no entanto, insistira naquele detalhe. Tinha perguntado a Raine como
alguém acreditaria que Benedict lhe tirara a virgindade sem nenhuma evidência
aparente. Raine não soubera argumentar.

Espantado, Benedict fitou a mancha no lençol e então confrontou Raine.
Quando ela notou a expressão de suspeita no rosto do barão, desafiou-o com o
olhar.

Uma senhora apareceu à porta, abrindo caminho entre a multidão que se
aglomerava.

— Ulric, esse homem é um bruto — disse ao senhor de idade. — Nunca vi
tanto sangue. Você tem de tomar uma atitude.
Raine não acreditava que suas faces se tornariam ainda mais ruborizadas,
mas assim aconteceu.

O homem, que deveria ser o marido da senhora, retrucou:

— Farei isso, minha querida, tão logo eu entenda o que está havendo.
Benedict lançou um olhar beligerante a Raine, antes de voltar-se aos
presentes.

— Vou cuidar deste assunto — disse, em tom de comando. — Podem se
retirar.
A senhora ficou indignada.

— Não creio que...
— Perdoe-me, milady — Benedict a interrompeu. — Não quero ofendê-la,
mas este assunto concerne a mim e a esta dama.
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Catherine Archer A Dama da Floresta

A mulher empinou o nariz e segurou o braço do marido.

— Venha, Ulric. Vamos tomar providências. Benedict caminhou até a porta,
digno e imponente, apesar de estar coberto apenas com o lençol. Os curiosos
recuaram quando ele se aproximou.
Menos Aida, que continuava no quarto. Agora que havia cumprido seu papel,
ela mostrou-se tão confusa quanto no dia em que o pai de Raine falecera.

Encarando a criada, Benedict deteve-se ao fechar a porta. Aida o fitou.
Ele apontou a saída.

— Poderia nos dar licença, por favor?
— Milady... — Aida dirigiu-se a Raine.
— Ela ficará bem. — O tom de Ainsworth, embora calmo, não admitia
argumentos.
Aida precipitou-se à porta. Quando a criada se aproximou de Benedict, ele
inclinou-se.

— Devo admitir que sua atuação foi magnífica — sussurrou. Horrorizada,
Aida não se atreveu a encará-lo.
— Milorde, eu...
— Fora!
Benedict bateu a porta e respirou fundo, na esperança de conter a
irritação antes de enfrentar Kaine.

— Não maltrate minha criada, por favor — Raine pediu-lhe, arrogante. —
Ela está na família desde a morte de minha mãe. As vezes, Aida exagera, mas nos
ama como se fôssemos filhos dela.

Durante um longo momento, Benedict observou a mulher na cama. Ficou
tocado ante a preocupação que ela mostrava pela serva, ao invés de afligir-se com
a própria condição, mas não tinha intenção de verbalizar tal comentário.

Da maneira como estava coberta, podia ver pouco dela, mas era capaz de
perceber a postura desafiadora nos olhos dourados. Benedict tinha certeza de
que fora vítima de uma armadilha. Por quê? Não sabia, mas tencionava descobrir
os motivos por mais relutante que a maquiavélica ruiva se mostrasse.

Nunca se deitara com uma virgem, porém, estava ciente de que havia
sangue demais naquele lençol, e os berros estridentes da criada, sem dúvida,
tinham como objetivo atrair testemunhas. Benedict ainda podia escutar o eco daqueles
gritos em seu cérebro.

Como Raine Blanchett era a única que conseguiria explicar-lhe aquela
situação, ele caminhou até a cama, determinado.

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Catherine Archer A Dama da Floresta

— Não me toque. — Raine recuou.
Que audácia! Corno se atrevia a dar ordens depois do que fizera? Benedict
não gostava de atos violentos contra mulheres e crianças, mas Raine Blanchett
ultrapassara os limites do ponderável.

Sem refletir, ele a agarrou pelo braço e puxou-a.

— Não está em posição de dar ordens, milady. Sou eu quem está no
comando. E sua primeira tarefa é me contar, em detalhes, por que elaborou esse
esquema ridículo!
Somente a delicada inocência que ela manifestou pôde encobrir a agitação.

— Mas dormiu comigo, milorde. Tem a prova disso sobre o lençol.
Raine indicou a mancha, corando completamente.
— Há sangue aqui para fazer um ensopado. — Benedict sabia estar
exagerando, mas precisava rebater qualquer desculpa esfarrapada.
Ao notar a expressão sagaz de Raine, foi adiante antes que ela inventasse
outra história.

— E não tente me convencer de que a torturei a ponto de causar tanto
sangue. Nunca em minha vida feri uma mulher, tampouco a possuí sem estar
consciente disso. O último fato de que me lembro é a tontura que senti depois de
tomar o vinho. Não sou um amante soberbo, mas posso atuar mesmo sonolento.
Raine cruzou os braços e baixou a cabeça. Benedict esperou. Por fim, ela
voltou a fitá-lo. Ao divisar as lágrimas rolando nas faces rosadas, odiou-se por
sentir compaixão.

— Está certo, milorde. Eu trapaceei. Coloquei uma droga no vinho, e o
senhor não chegou a me tocar.
O tom frustrante na voz de Raine o comoveu ainda mais.

— Contarei a verdade a todos aqueles que nos viram esta manhã.
Não somente ficou surpreso, como também chocado diante do
desprendimento em lhe dizer a verdade. A despeito da ameaça que Benedict
impusera, esperava ao menos que ela tentasse defender-se.

Levou as mãos ao rosto e respirou devagar. Agira como um insano ao
dispensar aquelas supostas testemunhas, usando apenas um lençol para cobrir a
nudez, mas não pretendia perder tempo com detalhes insignificantes. Sentou-se
na beira da cama.

— Diga-me por que fez isso.
— Não tive escolha. — Raine endireitou os ombros, orgulhosa. — Tentei

Catherine Archer A Dama da Floresta

atrair sua atenção, mas não demonstrou interesse algum em mim.

Benedict soltou uma gargalhada. Sentia-se atraído por ela, mas não quisera
admitir.

— Por que eu? Não sou o tipo de homem que desperta interesse em uma
linda dama.
Raine o fitou espantada.

— Acredita mesmo nisso? Milorde é tudo que eu procurava, é forte,
honrado e gentil. Preciso de alguém que zele por meu irmão e sua herança, sem
intenções escusas, como as de meu primo Denley Trent. Os direitos de William
são a razão pela qual ele insiste em me esposar. E o assédio que sofri ontem não
foi mentira. Se eu esperar muito tempo para encontrar um homem que me
ofereça a proteção de seu nome, pode ser tarde demais.
A sincera confissão de querê-lo pela lista de qualidades originou um
inesperado arrependimento em Benedict. Riu consigo mesmo. Não imaginava que
uma mulher tão jovem e bela se apaixonasse por algum motivo pessoal.

— Pergunto-lhe novamente, por que eu? O que a faz pensar que cuidarei de
sua família sem exigir nada em troca?
— Menti quando lhe disse que me escondi na sala do rei por acaso. — Raine
ajoelhou-se na cama, e os cabelos avermelhados caíram sobre os ombros esguios
e alvos. Benedict foi obrigado a se convencer de que não a desejava.
Descobrir que ela mentira não o surpreendeu, mas continuava atônito e, de
alguma forma, chocado, com a ávida necessidade de Raine em revelar a farsa. Ela
parecia não conseguir se conter. Que criatura impulsiva!

Forçou a atenção no que ela dizia.

— O senhor mostrou-se tão preocupado com a honra da mulher de seu
irmão naquele dia, tão cuidadoso em relação a ela e à filha. Eu queria alguém que
resguardasse William dessa maneira. Ele é gentil e pequeno demais para a idade
que possui. Além de precisar de alguém que administre suas terras, também
necessita de um guia. Creio que é o homem certo, milorde. Mas não sou tola a
ponto de acreditar piamente nas palavras que disse ao rei. Fiz algumas perguntas
àqueles que o conhecem e não escutei nada que o desabone. Uns dizem que
exagera nas responsabilidades, mas não vejo problema nisso.
Benedict franziu a testa ante a descrição nada lisonjeira dele próprio,
contudo, não entrou no mérito.

— Ainda não entendo por que não pediu minha ajuda. Para que tanto
esforço nesta encenação que nos causou tamanho constrangimento?
— Não imaginei que pudesse ajudar uma estranha. Só não podia permitir
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Catherine Archer A Dama da Floresta

que Denley me violentasse e forçasse um casamento. Eu não conseguiria viver,
sabendo que ele se apossaria de tudo que meu pai construiu. Na verdade, não
parei para refletir. Denley continuará me perseguindo enquanto eu estiver
solteira. — Ela riu. — Não há como duvidar deste fato, após vê-lo em ação. Certo?

— O homem parece cego a tudo, exceto a sua própria ambição. — Benedict
assentiu. Não tinha meios de rebater a argumentação.
— Exato.
Embora concordasse com Raine nesse ponto, não a liberaria das trapaças
que cometera.

— Mesmo assim, não posso ignorar sua falta de consideração com o
sentimento alheio, incluindo o meu.
Raine teve a gentileza de corar. Pareceu realmente se ressentir com as
palavras de Benedict.

— Eu não pretendia desconsiderar seu sentimento.
— Mas o fez e agora nos envolvemos nesta confusão. — Ele indicou a porta
fechada.
Sabia que haveria questões a serem respondidas em nome da honra de
Raine Blanchett, por mais que ela se explicasse diante da corte. Muitas pessoas
os tinham visto juntos e testemunhado o sangue no lençol.

A maioria delas não pararia de comentar o escândalo, mesmo que a verdade
viesse à tona. Mas Benedict não era o responsável, não colocara aquela idéia
absurda na cabeça de Raine, ela o fizera sozinha.

Ou não?

— Onde estão minhas roupas? — perguntou, olhando em volta.
Ela apontou um baú ao pé da cama.
Ficou admirado ao ver o cuidado que Raine tivera em dobrar os trajes para
não amassá-los. Nunca a imaginaria tão organizada.

Ignorando os movimentos atrás de si, Benedict começou a se vestir.
Modéstia era o que menos importava. Tinha certeza de que Raine o despira;
portanto, não havia motivos para esconder a nudez.

Escutou-a levantar-se da cama. Manteve-se calada até ele terminar de

vestir a túnica, o que lhe mostrou que Raine estava atenta a seus movimentos.

Quando ela se pronunciou, o tom arrependido na voz o fez encará-la.

—-Sinto muito, milorde, pelo transtorno que lhe causei. — Coberta por um

robe de veludo, Raine cruzou os braços, defensiva. — Mas devo admitir que o

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faria de novo. Amo meu irmão e prometi ao nosso pai tomar conta dele acima de
tudo. Tendo tal objetivo em mente, eu não poderia agir de outro jeito.

Suspirando, Benedict voltou a sentir compaixão, apesar de Raine ter se
mostrado inconsequente. Quando fez menção de retrucar, escutou um ruído na
porta.

— Quem é? — Raine perguntou, forçando compostura.
— William — respondeu uma voz hesitante.
A dor e a tristeza que invadiram os olhos dourados surpreenderam e
preocuparam Benedict. Na tentativa de dissipar a súbita reação, ele abriu a
porta.

CAPITULO IV

O primeiro aspecto marcante que Benedict notou no menino foram os
cabelos castanhos, cujas pontas possuíam um tom avermelhado. Na face pálida,
preponderavam olhos verdes, tão translúcidos quanto os de Raine. Não havia
dúvidas de que era o irmão dela.

O olhar hesitante do garoto fixou-se em Benedict, antes de se ater à irmã.
Ao vê-la usando apenas o robe, correu até ela.

Benedict fechou a porta e os observou. Raine abraçou o menino.

— Oh, Raine, é verdade o que estão dizendo? — William perguntou,
preocupado ao extremo. — Que você...
A fim de acalmar o irmão, ela deixou de lado os próprios problemas e
mostrou uma integridade digna de respeito.

— Não se importe com o que os outros dizem. Primeiro, pergunte-me a
verdade. Sempre. A opinião dessas pessoas não importa para nós. Logo iremos
embora.
O menino empinou o nariz e fitou Raine. Benedict pôde divisar o alívio que
ele tentava acima de tudo esconder.

— Não ligo para o que dizem. Estava preocupado com você. — Então,
mostrou certa ansiedade quando acrescentou: — Vamos voltar a Abbernathy?
— Vamos. — Raine acariciou os cachos avermelhados do irmão.
A troca de carinho perturbou Benedict. O amor e o afeto entre ambos
eram evidente.

— Você deve ser o jovem William. — Ele se aproximou. O garoto ensaiou
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Catherine Archer A Dama da Floresta

uma pose.

— E o senhor é o homem que...
— Sim, suponho que seja eu — Benedict o interrompeu.
— É verdade o que estão comentando? — William perguntou a Raine. —
Você e... este homem...
Mais uma vez Benedict interveio:

— Benedict Ainsworth.
— Lorde Ainsworth. — William o reverenciou. — Espero que não... as
histórias que inventaram... Raine é minha irmã.
O instinto protetor de William era admirável. Porém, Benedict não gostaria
de discutir com o garoto a respeito de uma artimanha que não realizara.

— Pode me chamar de Benedict apenas.
William suspirou. O ar atormentado voltou a fixar-se na irmã.
— Bem, é verdade o que falam de você e lorde... e Benedict?
— Não é verdade, William — Raine respondeu, firme. — Ele não me tocou.
Fui eu quem...
Por razões que não saberia explicar, Benedict adiantou-se:

— Raine e eu não fizemos nada de errado. Ontem, consumi uma quantidade
considerável de vinho e adormeci.
Ele não sabia por que tentava defendê-la, mas, ao pressentir que Raine
revelaria seu crime ao jovem irmão, Benedict viu-se impelido a embargá-la.
Afinal, o garoto não precisava saber dos detalhes, não ganharia nada com isso.

Olhando para Raine, reparou que o fitava surpresa e, ele pensou, com
gratidão. Assim que notou o olhar intenso de Benedict, ela desviou o rosto.

— William, não há problema algum. Foi apenas um mal-entendido.
O alívio na expressão do menino não podia ser mais óbvio. Benedict
felicitou-se pelo impulso de poupar William. Quando seus pais faleceram, durante
a viagem de volta da Escócia, a responsabilidade de criar os irmãos caíra sobre
ele. Tinha dezoito anos na época, e o mais novo dos irmãos Ainsworth, Kendran,
possuía a mesma idade que William tinha agora quando ficara órfão.

— Você se alimentou, William? — Raíne perguntou, determinada a mudar de
assunto.
Corado, William olhou Benedict de soslaio.

— Por favor, não me atormente, Raine. — Ele encarou Benedict, como se
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houvesse uma cumplicidade entre ambos. — Ela sempre quer saber se me
alimentei porque sou pequeno demais.

Ainsworth pôde ver quanto aquela admissão custara ao menino.

— Um de meus irmãos era tão diminuto quanto você na sua idade. Está
quase da minha altura agora.
— Verdade? — William ficou maravilhado.
— Sim. Mas também é verdade que ele sempre teve bom apetite. Meu
irmão caçula não perderia um farto desjejum por uma caçada, um esporte que ele
adora, devo dizer.
Tal comentário recebeu uma séria consideração de William. Então, fitou o
próprio corpo.

— Como vê, milorde, ainda não adquiri forma física, mas me deu a
esperança de que vou mudar.
— Seu pai era um homem de baixa estatura?
Um brilho de tristeza passou pelos olhos de menino.
— Não, milorde, era alto e tão forte quanto o senhor.
— Nesse caso, você só precisa alimentar-se bem. — Benedict sorriu. — A
natureza cuidará do resto.
Silenciosa, Raine os observava com uma expressão desapontada no rosto.
Por que ficara frustrada?, Benedict indagou-se. Seria o fracasso de seu plano de
forçá-lo a casar-se?

Aparentemente, William notou o semblante da irmã, mas interpretou-o de
outra maneira.

-— Chega dessa conversa. O que pretende fazer, milorde? Mesmo que
deixemos a corte, todos acreditam que Raine.., -Ele a encarou, infeliz.

— Não sei, William. Talvez sejamos capazes de encontrar uma forma de
fazê-Ios entender que ela não merece ser motivo de chacotas.
Suspirando, William fitou a cama. Benedict imaginou se alguém havia
mencionado a mancha de sangue ao garoto.

O fato de não enxergar a evidência significava que Raine a havia removido
enquanto ele se vestia. Não lamentou a esperteza. Mas tal atitude não atenuava o
dano que ela já havia causado.

— Não creio que alguém irá acreditar em alguma explicação — William
prosseguiu. — Estão dizendo que viram...
— Como lhe disse antes, não se preocupe com os boatos — Benedict

Catherine Archer A Dama da Floresta

aconselhou-o. — A realidade não é o que aparenta ser.

O rosto expressivo dizia que William desejava, sobretudo, confiar em
Benedict. Entretanto, existia uma insegurança palpável nos olhos do garoto
enquanto observava Raine sentar-se na cama, desolada.

Com certeza, estava mais aflita com o mal que podia causar ao irmão que a
ela própria. Benedict acreditava de verdade que o fatídico esquema fora
realizado para encontrar um protetor a William, entretanto, as boas intenções
não desculpavam as ações.

Mas você não é um homem, dizia sua consciência, capaz de impor
autoridade e render qualquer um que tente dominá-lo? Ela não possui tanto
poder.

William ainda se manifestava, e Benedict resolveu escutá-lo com muita
cautela.

— Os três meses que sucederam a morte de nosso pai foram muito
difíceis.
— Não perturbe o barão com nossos problemas, William — Raine
repreendeu-o.
— Pelo contrário — Benedict corrigiu-a. — Estou muito interessado no que
tem a dizer, William. Por favor, continue.
Para o desgosto da irmã, ele prosseguiu. Parecia ser um alívio poder
desabafar.

— Raine vem tentando cuidar de todos nós e, quando Denley começou a
insistir demais, ela decidiu nos trazer à corte. Disse que aqui encontraríamos um
homem capaz de nos ajudar. — O garoto o encarou diretamente nos olhos.
Mais e mais, Benedict impressionava-se com a força de caráter de William.
Tratava-se de uma personalidade merecedora de admiração.

Por sua vez, Raine, cabisbaixa, parecia impaciente ante a recusa de William
de permanecer em silêncio. Benedict reparou na curva descontente dos adoráveis
lábios, um pouco escondida sob os cabelos.

Estava claro que se esforçava ao extremo para que o irmão não soubesse
quão incerta se sentia. A valentia diante das dificuldades que ela e William
haviam enfrentado lhe proporcionava crédito. O pai de ambos os criara muito
bem, a devoção refletia-se no carinho que dispensavam mutuamente. A orfandade
chegara cedo demais, deixando as responsabilidades nos ombros de uma jovem
inexperiente.

Lealdade e afeto eram características que Benedict sempre desejara na
futura baronesa de Brackenmoore. Continuou a examinar a infeliz Raine. Saber


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que ela apelara para medidas desesperadas o fazia sentir-se diferente, no
entanto, não havia perdão para o erro de obrigá-lo a se casar.

Benedict suspirou. Não podia abandonar aqueles dois à mercê da própria
sorte. Raine, a despeito das ações escusas, fazia o máximo para criar o único
irmão com dignidade.

De repente, Benedict se deu conta de que cometeria o ato mais impulsivo
de sua vida, mas não tinha tempo para conjecturas pois precisava retornar a
Brackenmoore naquele mesmo dia. Kendran ficara sozinho, encarregado de tudo.
Lily e Tristan encontravam-se na cabana de caça em Molson, e Benedict não podia
pedir-lhes que voltassem, sem mencionar sua visita à corte.

Fitou William novamente. Era tão menino ainda. Olhou para Raine, notando
a vulnerabilidade que ela tentava disfarçar.

— William, poderia nos deixar a sós por um momento? — pediu. — Há
algumas questões que eu gostaria de discutir com sua irmã.
— Claro, Benedict. Vou deixá-los a sós. — William se aproximou e
sussurrou: — Ela não é tão rebelde quanto parece, sabe? Só que às vezes tem
medo de não conseguir realizar aquilo que acredita ser sua obrigação.
Benedict assentiu e viu Raine observá-los. Tratava-se de uma percepção
muito acurada, pensou. Deixar Raine compartilhar sua vida traria sérias
consequências a sua paz de espírito.

Surpreso com o rumo dos pensamentos, ele ergueu os ombros enquanto
assistia à saída de William. Nenhuma mulher imatura destruiria sua paz.
Precisava somente deixar claro que não toleraria comportamentos semelhantes
no futuro.

Quando a porta se fechou, virou-se para Raine, que ainda se mantinha
sentada na cama.

— Que questões gostaria de discutir comigo, milorde? Creio esgotamos o
assunto antes de William chegar.
Ela não estava facilitando-lhe a decisão. Mas a certeza de que Raine
protegeria William a qualquer custo o encorajou. Benedict se sentira assim em
relação aos irmãos quando foram deixados sob sua tutela.

— Na verdade, há um assunto que temos de discutir. — Ele se aproximou,
firme em seu propósito.
Como se pressentisse a importância do tema, Raine ficou paralisada. Os
olhos corajosos fitaram os dele.

— Peço-lhe, Raine Blanchett, que seja minha esposa — Benedict falou,
convicto.

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Boquiaberta, ela arregalou os olhos.

— Não brinque comigo, Benedict Ainsworth.
— Asseguro-lhe de que não estou brincando. Raine o analisou por um longo
instante.
— Por que resolveu, de repente, casar-se comigo? Eu lhe contei toda a
verdade.
— É suficiente dizer que estou disposto a esposá-la — ele afirmou,
impassível.
Dos recônditos da alma, a compreensão surgiu. Era por causa de William!
Ao conhecê-lo, a crença do barão tornou-se real. Raine havia notado que Benedict
Ainsworth era um homem caridoso. Quantos teriam a coragem de pedir um favor
pessoal ao rei da Inglaterra para que a família obtivesse alguma paz?

Embora não quisesse nada além da proteção de um nome nobre, ela se
deleitou ao entender a razão daquele pedido.

— Pelo bem-estar de meu irmão, vou aceitar a proteção de seu nome,
Benedict Ainsworth. — Raine o encarou, repleta de gratidão. — Obrigada pela
generosidade. Juro que não lhe causarei problemas e o deixarei viver em paz.
Estava sendo sincera. Uma vez em Abbernathy, ela e William retomariam a
vida normal, certos de que o nome Ainsworth os afastaria de Denley e de
qualquer outro homem mal-intencionado.

A resposta pareceu agradá-lo porque ele sorriu e, por um momento, o
coração de Raine disparou. Ora, um simples sorriso não podia causar uma reação
tão exagerada! Ou podia?

— Fico feliz em saber que você possui bom senso. Isso me encoraja.
Raine assentiu, satisfeita por ao menos retribuir a generosidade de
Ainsworth. Ela realmente falara sério, não pretendia ser um estorvo na vida do
novo marido.

Uma sensação estranha a invadiu quando guardou a última peça de roupa do
baú. Desde o instante em que Benedict Ainsworth, o barão de Brackenmoore e
agora seu marido, sorrira para ela, um feixe de sensações desconhecidas, mas
prazerosas, perpassou por seu corpo. Tudo acontecera muito rápido.

Estava casada com Benedict Ainsworth de verdade.

A cerimônia ocorrera em uma das salas privativas do rei, tendo apenas
Edward como testemunha. Ele cumprimentara Raine com extrema polidez e
distância, uma atitude que a deixou grata. Ficara atordoada ante a rapidez e
eficiência de Benedict para organizar o matrimônio e ainda trocar algumas idéias


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com o rei.

Poucas horas atrás, ela estivera naquele mesmo quarto com Ainsworth
quando este a pedira em casamento. Após o ritual sagrado, Raine havia retornado
ao cômodo, sem a companhia do novo marido, para receber logo em seguida um
recado de caráter pessoal.

Um dos homens do barão levara a mensagem, na qual lhe pedia que se
preparasse para partir. Apesar de irritada com a maneira aristocrática de
Benedict, ela ficou agradecida por haver algo que a ocupasse. Raine não via a hora
de deixar a corte. Os deveres em Abbernathy novamente eram sua prioridade.

Depois de despachar os baús, ordenou que seus homens a aguardassem no
pátio interno do castelo. William e Aida já haviam descido para verificar o
carregamento da carroça.

Assim como Raine, a criada ficara chocada quando soubera do pedido do
barão. William, ao contrário, achara natural. Ele a abraçou e lhe disse que
Benedict era um homem generoso, com o que Raine só pôde concordar.

Mesmo assim, enquanto finalizava os últimos preparativos para a jornada,
Raine não se sentia animada, tampouco entendia a estranha sensação de
arrependimento. Tinha encontrado um marido generoso, o qual serviria a seus
propósitos, como dissera William. De que outra forma poderia descrever um
homem que se dispusera a ajudar William e ela própria?

Benedict certamente partiria sem se despedir e, no entanto, Raine não
tinha o direito de se queixar. A bondade de Ainsworth superara qualquer
expectativa. Por que o poderoso barão se incomodaria ainda mais com eles?

Raine suspirou e fechou a tampa do último baú quando o nobre que tanto
lhe ocupava os pensamentos adentrou o quarto. Ela se levantou, mal notando que
estava sorrindo.

Apoiado ao batente da porta, Benedict assentiu ao notar o que ela fazia.

— É ótimo que esteja pronta. Meus homens já estão nos esperando.
— Quer dizer que vai nos escoltar até nossa casa? — ela indagou, surpresa.
— Se vou escoltá-los? — Benedict pareceu tão surpreso quanto ela. — Se é
esse termo que deseja usar, sim. Por que eu não os acompanharia a
Brackenmoore?
— Brackenmoore? — Raine recuou um passo.
Benedict levou as mãos à cintura.

— Sim, nossa casa.
— Sua casa! — ela exclamou.

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— Nossa casa! — replicou, veemente. Ao vê-la ainda resoluta, ele fechou os
olhos e respirou fundo. — Estou começando a achar que não vou gostar desta
conversa. Prevejo que irá retardar nossa partida.
Raine empinou o corpo e pousou as mãos no peito.

— Creio que não me fiz clara. Eu... William e eu não iremos a
Brackenmoore. — Ela havia prometido que não lhe causaria mais problemas, mas
não poderia deixar de lado as próprias responsabilidades só porque ele assim o
desejava.
Benedict estava visivelmente irritado, fora tolo o bastante para acreditar
que Raine não teria coragem de contradizer suas ordens.

— É evidente que irão a Brackenmoore. É minha casa e seu lar, agora que
estamos casados.
Decidida a esclarecer a situação, Raine meneou a cabeça, notando,que
havia sido negligente quanto àquele detalhe tão significativo.

— Houve um terrível mal-entendido. — Tentou manter o semblante
ponderado, apesar do erro que cometera. — O casamento aconteceu muito
depressa e não tivemos tempo para discutir o futuro. Nunca pretendi ir a
Brackenmoore. Peço-lhe perdão pela confusão que causei, mas voltarei a
Abbernathy, onde minha presença é necessária.
Benedict ergueu os braços, agastado.

— A governanta dará à luz em breve e tenho de assistir o parto, como
fizeram todas as mulheres de minha família por centenas de anos. É preciso
vistoriar o plantio durante a primavera. Existem ainda outras tantas tarefas que
exigem minha presença. Não posso abandonar meu irmão que também necessita
de mim.
— William virá conosco a Brackenmoore. Quanto às demais tarefas,
mandarei um administrador a Abbernathy. Possuo outras propriedades além de
Brackenmoore as quais supervisiono, mas que não precisam de minha presença
constante. — Benedict sorriu. — Pode ter certeza de que meu administrador
cumprirá os deveres a contento, embora não seja muito útil em partos.
Ignorando o súbito bom humor do marido, Raine encarou-o com absoluta
teimosia. O que tencionava dizer não seria nada agradável a Benedict.

— Não deixarei a propriedade de meu pai, meu lar e de William, nas mãos
de um estranho.
Apesar do espanto, Benedict mostrou total desagrado à declaração de
Raine. De repente, Raine se deu conta de que Ainsworth, como marido, tinha
plenos poderes sobre ela.


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Por mero impulso, apreciou o tórax extenso. Benedict era imponente,
embora Raine não desejasse maiores intimidades.

— Seu lar é Brackenmoore e é para lá, mulher, que você vai — ele declarou.
Raine causara aquele problema para si mesma. Benedict tinha o direito de
fazer exigências.

— Sinto muito pelo que aconteceu aqui — ela explicou mais uma vez. —
Tudo foi rápido demais. Jamais pretendi ocultar minha intenção de voltar a
Abbernathy. Ofereceu-me a maior bondade de que um ser humano é capaz, e lhe
serei eternamente grata. Mas peço-lhe que perdoe meu lapso e aceite o sincero
convite de nos acompanhar a Abbernathy.

— E impossível.
— Nesse caso, partiremos separados, porque não posso ir a Brackenmoore.
— Você já abusou de minha bondade hoje, madame. Irá a Brackenmoore e
está acabado.
Raine ergueu o queixo, determinada a desafiá-lo, mesmo estando grata a
ele. Porém, ao fitar os frios olhos azuis, conscientizou-se de que Benedict
controlava a situação.

— Não vou! — afirmou, ajeitando o manto sobre os ombros. O que havia de
errado com ele? Não sabia raciocinar? A postura fria e arrogante serviu apenas
para enfurecê-la.
— Vai, sim. E escreva minhas palavras: não haverá compaixão, caso tenha
de obrigá-la a me acompanhar. Estamos casados devido a uma situação que você
criou, e agora terá de aceitá-la.
O desespero a levou a confessar com franqueza.

— Nunca quis me submeter a você.
Ele se aproximou, intimidando-a com os olhos,

— Isso, lady Ainsworth, é um dilema que terá de resolver. Acredite-me, vai
se submeter a mim. Se não fizer o que mando, eu mesmo a colocarei sobre o
cavalo. Para salvar seu orgulho e sua reputação, concordei em me casar, não se
atreva a recusar a vida que lhe ofereci.
Antes que ela pudesse argumentar, Benedict retirou-se do quarto.

Raiva e frustração a invadiram. Raine fechou os punhos, na tentativa de se
controlar. Que patife! Como ousava lhe dar ordens e depois virar as costas, como
se ela fosse uma simples criada?

Raine respirou fundo várias vezes para se acalmar, precisava pensar em um
modo de fazê-lo ponderar. Mas não conseguia divisar nenhuma maneira de alterar

46




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aquela situação

A gratidão que sentia não a obrigava a aceitar a ordem com humildade,
tampouco a declaração de Benedict. Ele não se casara para lhe salvar a
reputação. Tinha quase certeza de que o fizera por William.

De súbito, sentiu-se arrependida.

Por um longo e torturante momento, Raine considerou retornar a
Abbernathy tal qual havia planejado de início. Seus homens a esperavam no pátio.
Poderia descer, montar em seu cavalo e partir, antes que Ainsworth pudesse
impedi-la O último baú ainda permanecia no quarto. As posses que ele continha
eram um preço ínfimo a pagar por sua independência

Mas algo a impediu de cometer aquele ato impulsivo Talvez fosse a
lembrança de quão facilmente Benedict detivera Denley. Ou então, porque sabia
que as ameaças seriam cumpridas. Seu marido seria capaz de arrastá-la diante da
corte, caso ela continuasse a desafiá-lo.

Poderia até persegui-la, se Raine fugisse, e conseguiria alcançá-la porque
ele também estava pronto para a jornada.

Não havia meios de voltar a Abbernathy. Pelo menos, não naquele dia.

Indignada, Raine caminhou até a porta e abriu-a. Aida e William
encontravam-se no corredor.

— Raine, Benedict acaba de nos informar que o acompanharemos a
Brackenmoore. É verdade?
A ansiedade de William a fez entender que não poderia partilhar a raiva
que sentia com o irmão. Ele havia sofrido muito nos últimos meses, e Raine não o
deixaria viver o pavor que ela própria sentira quando a mãe falecera.

— Sim, é verdade. Iremos a Brackenmoore. — Ante a expressão espantada
de William, ela acrescentou: — Por um tempo.
Benedict olhava o pedaço de carne e pão que seus homens haviam
preparado para a refeição da noite e não sentia o menor apetite.

Estava mais enfurecido do que podia admitir. Que mulher era aquela com a
qual se casara? Ela não tinha o direito de afrontá-lo.

Nunca quisera se submeter a ele? Que petulância! Como a lembrara, fora
Raine quem quisera aquele casamento. Benedict tinha concordado por ela. E pelo
menino. Fitou William que, sentado próximo à fogueira, conversava com um dos
cavaleiros de Benedict, sir Peter. Seis dos homens do garoto encontravam-se por
perto. Após acatarem a ordem de acompanhar o séquito de Ainsworth, eles se
mostraram decentes.


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William sorria enquanto sir Peter gesticulava para enfatizar suas palavras.
O menino não parecia tão infeliz quanto a irmã por ir a Brackenmoore. A bem da
verdade, a aparência pesarosa do garoto havia desaparecido. Talvez o casamento
com aquela mulher insolente tivesse deixado alguém feliz.

Ela não dirigira a palavra a Benedict durante a longa viagem, mas a revolta
ainda era aparente. O ódio continuava a brilhar nos olhos dourados cada vez que
ele a fitava.

Divisou a tenda que tinha sido armada para ela a poucos metros. Não via
Raine ou a criada desde que resolvera montar acampamento para passar a noite.

Melhor assim, Benedict pensou. Não queria se aborrecer com uma presença
indesejável Requisitara apenas a obediência da esposa com relação a ir a
Brackenmoore, e sabia que o repentino casamento geraria mudanças importantes
nas propriedades.

Ir com ela a Abbernathy? Francamente, a mulher agia como louca!

Quem deveria acompanhá-lo era Raine.

A frustração pesava-lhe a alma. Desde o falecimento dos pais, a
responsabilidade de Benedict restringia-se a Brackenmoore e seus habitantes e
agora, entretanto, tinha arruinado a paz de seu legado, casando-se com Raine
Blanchett.

A decisão de esposá-la fora tomada sem a usual reflexão, e ele se
recriminava por ter sido tão precipitado mas, no íntimo, sabia que não poderia ter
agido diferente. Não podia abandonar o menino... muito menos, Raine. Ambos
necessitavam de um guardião, e ele estava disposto a ser esse homem, mas
precisava mostrar-lhe que qualquer ação implicava em consequências.

Ao casar-se com Benedict, ela se unira a Brackenmoore. Raine confundia
suas obrigações. Como baronesa, devia lealdade ao marido e às terras dele.

Claro, se lhe explicasse esses pontos cruciais, ela entenderia. A fidelidade
cega ao irmão e a Abbernathy era digna de crédito e, sendo assim, Raine
compreenderia a importância de Brackenmoore. Tinha de assimilar que, como esposa
de Benedict, agora ela era parte do legado, embora nutrisse laços com o
antigo lar.

Era sua esposa.

Um arrepio percorreu-lhe o corpo. Não havia se casado com Raine apenas
para salvá-la, era uma mulher linda e desejável e tinha o direito de desejar a
própria esposa. A união, sob a bênção de Deus, resultaria em um herdeiro para
Brackenmoore.

Aquela era sua noite de núpcias. Por que estava sentado ali como se fosse


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um garoto imaturo?

Sem dúvida, ele a faria entender que não pretendia machucá-la. Ambos se
entenderiam e iniciariam uma nova vida juntos.

Deixando de lado a comida, Benedict levantou-se devagar e caminhou até a
tenda, ergueu a lona e entrou. Focalizou Raine de imediato.

Estava sentada em um banco enquanto a criada, Aida, escovava-lhe os
cabelos. Benedict ficou mais uma vez fascinado com aquele manto avermelhado.

Então, fitou-a nos olhos. Chegou a notar um brilho de aflição, que logo
desapareceu para dar lugar a um ar claramente desdenhoso.

Benedict, apesar de tenso, conseguiu manter a calma. Ponderação e
paciência eram suas virtudes. Não pretendia se antecipar como fizera naquela
manhã. Casar-se com Raine fora seu último ato insano, porém, aquele semblante
desgostoso o irritava.

— Por favor; deixe-nos, Aida — ela falou. A criada parecia hesitante.
— Por favor, Aida.
Quando a relutante serva se retirou, Raine se levantou. O robe rosado
moldava-lhe as curvas. Benedict traçou com os olhos a protuberância dos seios, a
cintura fina e o movimento dos quadris enquanto ela caminhava em sua direção.

Raine parou a pouca distância dele. Benedict reparou nos cachos brilhantes
que atingiam a curva arredondada dos quadris.

— Milorde — ela chamou-lhe a atenção. Controlado, Benedict fitou os
frios olhos que o encaravam.
— Minha esposa.
— Por favor, deixe-me falar primeiro, milorde.
A despeito de imaginar que não gostaria do que estava prestes a ouvir, ele
a permitiu continuar.

— Lorde Ainsworth, sua repentina visita à tenda me impele a discutir um
assunto desagradável. — Raine fez uma longa pausa. Estava claro que encontrava
dificuldades em abordar o tema. — Como estamos casados, sou forçada a
obedecer a seu comando e acompanhá-lo a suas terras. Contudo, não pretendo
cumprir o papel de esposa em outro sentido. — Ela abaixou o rosto,
envergonhada.
Benedict ficou estarrecido. Não havia dúvidas de que o rejeitava. A raiva
ferveu-lhe o sangue, Raíne não tinha o direito de dispensá-lo. Era seu dever como
esposa entregar-se a ele. Isso, sem mencionar o fato de que ela própria o
escolhera.


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Benedict estava determinado a não revelar quanto ela o perturbava.

— Está me dizendo que não irá se deitar comigo? — ele foi direto.
Insegura, Raine mordeu o lábio inferior, os olhos deixavam transparecer o
desafio.

— Estou.
— Não tem o direito de fazê-lo, sou seu marido.
— Não vai me possuir por minha livre vontade, milorde. — Ela recuou um
passo.
Ainsworth aproximou-se, sentindo a fúria dominá-lo.

— O que a faz pensar que usarei de violência, que vim até aqui para obter
meu direito de marido?
Raine arregalou os olhos.

— Deduzi que exigiria isso porque...
— Deduziu errado, Raine. — O tom de voz era de pura indignação. —
Nunca violentei uma mulher... tampouco precisei.
Compreendendo a indireta, ela corou.

— Perdoe-me...
— Chega!
Mas Raine ignorou o cornando.
— Novamente me acho na obrigação de lhe agradecer. Eu não poderia...
porque é um estranho para mim, milorde.
O último comentário eliminou o que lhe restava de controle.

— Sim, também é uma estranha para mim, mulher. — Benedict a condenava
com os olhos. — Ultrapassou sua cota de perdão, milady, e ainda assim, só se
preocupa consigo própria. Induziu-me ao casamento, tratou-me com frieza
porque não queria me acompanhar a Brackenmoore e me rejeitou sem titubear. É
muito ousada, Raine. Mas não cometa o erro de acreditar que um dia a amarei,
não seria espontâneo de minha parte.
Uma expressão de absoluta ira dominou a face de Raine. No entanto,
Benedict não queria escutá-la esbravejar. Agarrou-a pelos braços, colou-se ao
corpo tentador e cobriu-lhe os lábios. Disse a si mesmo que ela merecia o beijo
por tê-lo enfurecido com acusações e comentários depreciativos.

O beijo, de repente, tornou-se suave. Raine ficou lânguida em seus braços,
pressionou os seios no peito musculoso e expressou a fragilidade que, em vão,
tentava ocultar.

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Catherine Archer A Dama da Floresta

O corpo de Benedict reagiu com uma intensidade chocante. Sentiu o desejo
nascer em um instante. A intenção mudou. Aprofundou o beijo, provocando-a.
Enquanto sugava os lábios macios, Raine acariciava-lhe os ombros.

Quando escutou um frágil gemido de prazer, Benedict arriscou outras
carícias. Com as mãos, traçou a cintura delgada até atingir as curvas dos quadris.
Pressionou-a contra si, a fim de incrementar o desejo. Raine enrijeceu o corpo e

o empurrou, apavorada.
Afastou-se, tapando os lábios com as mãos.

— Como se atreve? Disse que não iria me forçar a nada. Uma nova onda de
raiva invadiu-o ante a nova acusação.
— É verdade, eu disse isso, Raine, e cumpri minha palavra. Agora me
escute, mulher. Ganhou um adiamento e nada mais. Irei me deitar com você e
será por sua livre vontade.
A confusão e a agonia que viu estampadas no lindo rosto o comoveram.
Aborrecido por reagir com tamanha vulnerabilidade, ele se virou e saiu.

Não voltou à fogueira onde se reuniam os homens. Estava agitado demais
para sentar e conversar; fingir que ignorava os olhares especulativos.

Embrenhou-se entre os arbustos que precediam a densa floresta.
Desviando-se dos galhos, concluiu que havia algo de terno em Raíne que o
tumultuava.

Tratava-se de uma ternura que o impelia a desejá-la cada vez mais, e, após
senti-la entre os braços, conhecer o doce sabor daqueles lábios e a poderosa
resposta que ela lhe dera, Benedict viu-se completamente rendido.

Garantiu-se a si mesmo que conseguiria controlar aquelas reações tão
inexplicáveis. Bastava manter-se longe dela e lembrar-se a todo instante de que
Raine era capaz de manipular e arquitetar esquemas ilícitos.

CAPÍTULO V

Raine se levantou tão logo escutou certa agitação no acampamento. Não
havia dormido bem durante a noite.

Aida, que dividia a tenda com ela, parecia ter repousado, pois espreguiçou-
se sob as cobertas ao despertar. Os olhares ansiosos que a criada lhe dava
enquanto a ajudava a se vestir antecipavam que aquele dia, no mínimo, seria
desconcertante.

Raine não sabia como enfrentar aquela manhã.

O beijo de Benediet Ainsworth era inesquecível. A cada lembrança, sentia

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Catherine Archer A Dama da Floresta

um calor chocante dominá-la. O toque firme dos lábios parecia despertar
sentimentos e sensações que, até aquele momento, ela ainda lutava para reprimir.

O fato de ser o primeiro beijo de sua vida explicava as reações tão
inesperadas e, no íntimo, Raine sabia que não podia iludir-se achando que teria
respondido daquela maneira a qualquer homem. O rosto de Benediet era o único
que lhe vinha à mente. A expressão sempre arrogante devido à certeza de que ela
se deliciara com o beijo.

Embora estivesse absorvida em lembranças, escutou uma comoção do lado
de fora da tenda. O tom alterado das vozes indicava que algo estava errado.

Apressada, saiu da tenda e encontrou o sol brilhante da primavera.

Ao divisar o responsável pela desordem, suspirou de raiva e impaciência. A
entrada do acampamento, montado sobre um garanhão marrom, estava Denley
Trent. Naquele instante, ele derrubava um dos homens de Ainsworth, enquanto os
outros aproximavam-se, furiosos.

Não havia sinal de Benedict nem de William, que insistira em dormir com os
homens perto da fogueira. Denley gritou o nome de Raine, enquanto ela procurava

o marido e o irmão.
O primo trotava em sua direção, ignorando os homens que tentavam lhe
impedir a passagem. O semblante irado era evidente, ele parecia um alucinado.

A máscara de fúria não causava medo a Raine, sabia que estava sob a
proteção de Ainsworth, apesar de uma sensação de angústia a dominar. Ante a
precipitação de Denley, ela não teve tempo para considerar o dilema. Respirou
fundo e preparou-se para enfrentar o oponente.

Denley puxou as rédeas e parou o animal diante dela.

— O que está havendo, Raine? Passei a noite na estalagem com... Sua
teimosia me obrigou a procurar uma companhia. — Ele fez uma pausa,
constrangido. — A corte estava tão atolada de gente que pensei em lhe dar algum
tempo para pensar.
Era óbvio que ele havia encontrado algum conforto nos braços de uma
meretriz, mas Raine desconsiderou o fato.

— O que faz aqui, Denley?
As faces se tornaram vermelhas de ódio.

— Como? Quando retornei à corte, ontem à tarde, soube que havia partido,
que se casara com Ainsworth e fugira para Brackenmoore. Casada? Não pude
acreditar. Achei impossível e agora eu a encontro aqui.
— E o que você tem a ver com isso? — Raine perguntou, beligerante.
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Catherine Archer A Dama da Floresta

Como ela não negasse, a raiva de Denley aumentou.

— Você declinou meus pedidos e, de repente, casa-se com um homem que
acabou de conhecer. O que aconteceu, Raine? Ele a importunou de alguma forma?
Raine sentiu uma súbita necessidade de rir, porque era justamente o
oposto.

— Não, Denley. Casei-me com ele por vontade própria. Ele arregalou os
olhos, incrédulo.
— Mas por quê? Poderia ser minha esposa.
Dessa vez, Raine não conteve a risada, mas a reprimiu rapidamente. Denley
não sabia quão ridículo era, e tampouco entenderia, caso ela lhe explicasse.

Agora tinha um marido, poderoso o bastante para impedir que alguém a
tocasse. O casamento com Ainsworth a deixava muito mais segura e estava
ciente de que os soldados do barão a rodeavam enquanto discutia com o primo.

Queria dizer-lhes que não havia motivos para confronto, mas precisava,
acima de tudo, fazer Denley ir embora, desejava finalizar aquela discussão sem
maiores danos. Na verdade, podia enfrentar o primo com compaixão, agora que
não mais o temia.

— Agradeço-lhe a honra de me querer esposar, mas já fiz minha escolha,
Denley.
De súbito, sentiu um arrepio percorrer-lhe a nuca. Virou-se e avistou o
marido e o irmão emergindo entre as árvores, ambos tinham os cabelos molhados.
Com certeza, haviam se banhado em algum riacho.

Mesmo atormentada, Raine ficou fascinada com os cabelos encharcados de
Benedict que, jogados para trás, realçavam os traços firmes do rosto. Também
reparou na camisa colada ao corpo úmido, moldando os músculos bem torneados.

Por um momento infinito, Benedict fitou-a nos olhos, revelando um
sentimento que ela não sabia nomear. Raine começou a ofegar. Baixou o rosto,
tentou de se convencer de que a balbúrdia de Denley a deixara agitada e que seu
nervosismo nada tinha nada a ver com a vívida lembrança dos lábios de Benedict.

Quando voltou a fitá-lo, notou a expressão divertida no semblante do
barão. Surpresa, imaginou se ele havia deduzido quão segura Raine se encontrava
naquele casamento, isso, sem dúvida, justificava o sorriso indulgente.

De propósito, ignorou-o. Endireitou os ombros, ciente de que Benedict
marchava em direção a ela.

Sem dirigir-se a Raine, ele encarou o outro homem com desdém.

—-Que está fazendo aqui, Trent?

53




Catherine Archer A Dama da Floresta

— Você se atreveu a roubar a mulher com a qual pretendia me casar! —
Denley esbravejou.

— Eu lhe avisei que era melhor manter-se longe de Raine, Trent. Ela não é
mais a mulher que você pretendia coagir, ela agora é minha esposa, lady
Àinsworth.
O rosto de Denley tornou-se mais enfurecido. Raine quase sentiu pena
dele. Quase. A despeito do autoritarismo de Benedict, ela não conseguia
esquecer que o primo tentara possuí-la à força.

Então Denley olhou ao redor. Observou o acampamento repleto de soldados
dispostos a guerrear e o rosto impassível de William. Não poderia achar apoio
entre os presentes.

— Vá embora, Trent — Benedict aconselhou-o, em um tom de comando. —
Ou aguente as consequências de molestar quem me pertence.

Raine não gostou da escolha das palavras.

Denley voltou a examinar o campo. Estava em minoria. Raine deu um passo à
frente, tentando conter a rebeldia contra a maneira possessiva de Benedict.

— Deve partir, Denley. Não há nada para você aqui. Após um grito de
frustração e raiva, ele esporeou o cavalo e saiu galopando. Raine não se deu ao
trabalho de chamá-lo. Se Denley não insistisse em fantasiar a realidade, não estaria
naquela posição ridícula.
Ainda indignada com a declaração possessiva, Raine não ousou olhar o
marido. Mas não era isso que desejara? Não havia rezado por um homem que a
protegesse de usurpadores como Denley Trent?

Sim, era exatamente isso que queria. No entanto, almejara apenas o nome
e não gostava de ser tratada como uma propriedade, tal qual Benedict fizera
minutos atrás.

De que forma não se revoltar após o modo que ele a tratara na noite
anterior? Benedict a agarrara como se Raine não tivesse direito de recusá-ío,
como se fosse um objeto que ele havia escolhido.

E, sendo tola, ela se entregara ao beijo como se... Bem, não saberia
descrever aquelas reações profundas, principalmente depois de ele informar que
somente a possuiria quando ela o desejasse.

Raine tinha plena consciência de que causara tal desconforto a si. Casara-
se com ele porque Àinsworth amava e protegia a própria família, mas não sabia
quão exigente era ao requerer algo em troca.

O repentino som da voz de Benedict assustou-a.


Catherine Archer A Dama da Floresta

— Você está bem?
Não havia notado que o marido estava tão próximo.

Raine assentiu. Devia mostrar algum sinal de gratidão a Benedict, mesmo
sabendo que a via como uma propriedade, mas sentia-se incapaz de raciocinar.

Também se recusou a fitá-lo quando disse em voz baixa:

— Por favor, milorde, poupe-me de outra discussão. Prefiro esquecer esse
evento e estou certa de que deseja continuar a jornada. — Ao encará-lo, Raine
não pôde ocultar o ressentimento. — Não quer nos levar a Brackenmoore?
Benedict fitava os olhos dourados, incrédulo. Estaria sua esposa zangada
com ele? Reagir de outra maneira seria impensável. Ao dispensar o primo
inconveniente, fizera, de fato, o que Raine desejava.

— Sim, é exatamente o que quero — respondeu, contrariado. Voltou-se aos
soldados que ainda se aglomeravam ao redor. — Vamos desarmar as tendas. Ainda
temos uma longa jornada a nossa frente. — Não gostou de escutar o tom
impaciente da própria voz.
Os homens acataram a ordem, e alguns especularam acerca do súbito mau
humor de Benedict. Ele jamais usava de rudeza para se dirigir aos subordinados.

Também podia sentir o pesaroso olhar de William, porém não ousou
enfrentá-lo. Embora começasse a criar laços com o menino, não queria revelar a
ele quanto sua irmã o deixava perturbado, muito menos permitiria que ela
soubesse disso.

Manteve-se de costas para Raine, temendo sucumbir à vontade de
estrangulá-la. Sem mais palavras, ocupou-se com os preparativos da partida,
esforçando-se em controlar a raiva que lhe queimava o peito.

Enquanto desmontavam o acampamento, Benedict a observava pelo canto
dos olhos. Notou quando ela empinou o lindo nariz para cima.

A impaciência ocasionava apenas olhares especulativos de seus homens.
Esperava que atribuíssem tal distúrbio à cena com Denley Trent. Por alguma
razão, não queria que os soldados soubessem quão perturbado ficava com uma
mulher, em especial sendo ela sua esposa. O ultraje continuou a arder-lhe a alma
ao longo do dia, apesar da tentativa de permanecer indiferente à opinião dela.

Não faria bem a ninguém imaginar que o casamento mudaria algo em
Brackenmoore. Ele conseguiria conservar a autoridade e aprenderia a conter
reações indesejáveis a cada insulto de Raine.

O único consolo era saber que jamais falhara em seus intentos. E foi tal
constatação que o manteve longe de Raine e da criada, que cavalgavam no centro
do séquito.


Catherine Archer A Dama da Floresta

Preferiu concentrar-se no garoto, que permanecera a seu lado o dia
inteiro. William necessitava da companhia de outros homens, embora Benedict
não ignorasse que o menino conservava a atitude protecionista em relação à irmã.

Benedict viu-se impelido a aproximar seu cavalo do de William.

— O que o incomoda? William encarou-o, desconfiado.
— Nada — respondeu e voltou a olhar a irmã.
— Não acredito.
— Posso ver que você e Raine já brigaram — William confessou. — Eu a
adoro e não quero vê-la infeliz, mas compreendo sua posição. Foi imprudência da
parte dela achar que não iríamos a Brackenmoore.
— Isso é um assunto que diz respeito a mim e ela, William. — Benedict
acrescentou com mais gentileza: — Não precisa se preocupar. Raine vai ficar
bem.
O menino sacudiu a cabeça em negativa.

— Você não a conhece. Ela sempre me coloca em primeiro lugar. — William
fitou a irmã novamente. — Mesmo quando nosso pai era vivo, Raine fazia questão
de garantir meu bem-estar. Não pára de me proteger, como se quisesse me
poupar de medo e preocupações.
Benedict assentiu. Acreditava naquelas palavras e sabia que a atitude
protecionista de Raine prejudicava o garoto. Jurou a si mesmo ser um bom
guardião para William, o que implicava em deixá-lo desenvolver a maturidade.

Contudo, precisava ser cauteloso com Raine nesse aspecto. Tinha de
esquecer as pendências pessoais e se concentrar na devoção cega que ela
oferecia a William. Não podia negligenciar a coragem que a levara a se casar com
um estranho só para proteger quem amava.

Raine não romperia a ligação, que parecia sem limites, tão facilmente e não
ser amado por ela de modo incondicional o irritava. Mas também Benedict não
queria seu amor, apenas sua cumplicidade.

Através da luminosidade do luar, Raine divisou o gigantesco e imponente
castelo de Brackenmoore. Observando as muralhas de pedra, sentiu o estranho
aroma salgado que invadia o ar. Mesmo intrigada com o fenômeno, perguntou-se
como os ancestrais de Benedict Ainsworth haviam construído a poderosa
fortaleza.

Enquanto cavalgavam em direção à propriedade, Raine evitava olhar para o
marido, que se mantinha à frente do séquito. A mágoa que sentia não havia sido
eliminada durante a jornada. Na verdade, parecera aumentar.


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Benedict encontrava-se tranquilo com o que havia feito, incluindo o beijo
que lhe roubara. Ele mostrara-se, de fato, quase desinteressado por ela desde o
confronto com Denley naquela manhã.

Não revelara censura ou grosseria, somente fria indiferença. Ele cavalgava
como se nada houvesse acontecido e não fazia o menor esforço para evitá-la, tal
qual Raine.

Aquele comportamento servia apenas para incrementar a raiva. Aliás,
tentava se convencer de que sua ira possuía várias razões. Era ele quem agia com
frieza. Qualquer tolo veria que haviam brigado.

Observou William, que a examinava com grande interesse. Quando se
entreolharam, ele franziu o cenho.

Por que a olhava daquele jeito? William tinha passado tempo demais na
companhia de Benedict e seus homens durante a viagem. Raine estivera tão
absorvida pela raiva que não notara quanto Wil apreciava os novos amigos, embora
não houvesse deixado de reparar que todos o tratavam com carinho, inclusive
Benedict.

Com certeza, William havia sentido o desentendimento entre ela e
Ainsworth. Precisava conversar com o irmão na tentativa de explicar-lhe a
situação sem entrar em detalhes. Então voltou a olhar a aparência imperturbável
de Benedict, que cavalgava ereto sobre a sela, como se fosse o rei da Inglaterra,
mais magnificente que as muralhas adiante. A postura segura tanto a tumultuava
quanto a atraía.

Raine suspirou. Oh, como queria sentir apenas desprezo por aquele vilão
tão atraente! O único alívio era que Benedict não sabia disso.

Mais uma vez, olhou William e ficou aflita ante a expectativa de lhe
explicar emoções tão imponderáveis.

Pressentindo o nervosismo, a égua começou a pisotear o solo, forçando
Raine a concentrar-se na cavalgada. Sentia certa simpatia pelo animal. A égua
também não queria atravessar aqueles muros que a confinariam em uma vida
desgostosa.

Um arrepio percorreu-lhe o corpo. Então viu Benedict, que agora a
acompanhava de perto, observando-a com uma expressão que ela não ousou
traduzir.

Empinou o nariz e desviou o rosto, não se importava com a opinião dele.

Tão logo passaram pelos portões e atingiram um enorme pátio, rodeado de
construções em madeira e pedra, Benedict postou-se ao lado de Raine. Os olhos
azuis a fitavam, ameaçadores.


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— Estamos em casa — ele disse. — Espero que saiba se comportar como a
baronesa de Brackenmoore.
Apesar da irritante repreensão, Raine ouviu o tom de orgulho e prazer
contido da voz de Benedict. Ele só se importava com Brackenmoore?

Sim, somente os assuntos concernentes ao legado poderiam perturbá-lo.
Raine agradecia a Deus o fato de não estar ligada àquele homem por nenhuma
razão afetiva, apesar de a idéia causar-lhe uma repentina tristeza no peito.

O primeiro e último amor de Benedict era, e continuaria a ser, as terras e
a herança. Uma devoção que ela entendia de certa forma. Abbernathy e William
eram seu bem mais precioso, jamais renunciaria à confiança que o pai lhe depositara.
Custasse o que custasse.

Fitou Benedict com um ar arrogante.

— Não tenha receio quanto a isso. Não vou envergonhá-lo diante de seus
súditos.
O alívio não podia ter sido mais significativo. Uma pequena chama de mágoa
acendeu no coração de Raine. Por acaso Benedict imaginava que ela não
entenderia a honra de sua posição?

No mesmo instante, reprimiu a indignação. Não se importava com o parecer
de Benedict Ainsworth e odiava as reações que causava nela.

Assim que pararam os cavalos diante dos degraus que davam acesso à
imensa porta de carvalho, Raine sentiu um momentâneo arrependimento. Entraria
em seu novo lar pela primeira vez. Mas, diferente das fantasias que criara quando
criança, não havia nenhum pertence na morada que lhe proporcionasse alguma
familiaridade. Não existia esperança no futuro.

Não possuía nada além dos baús repletos de vestidos que mandara fazer
para frequentar a corte, umas poucas jóias e objetos pessoais. Tudo pertencia a
Benedict, uma lembrança constante de que o lar era apenas dele.

A porta se abriu, e uma senhora apareceu. Era roliça e tinha as faces
coradas, as quais sustentavam um ar de boas-vindas, mas os olhos escuros
possuíam uma sagacidade intrigante.

— Esta é Maeve — Benedict apresentou-a. — É a governanta de
Brackenmoore. — Embora relutante, Benedict prosseguiu, agora dirigindo-se à
mulher: — Maeve, esta é minha esposa, lady Raine. Maeve ficou boquiaberta.
— Sua esposa, lorde Benedict? — A surpresa era mais que óbvia. — Sua
esposa?
— Sim, minha esposa — ele replicou, incomodado.

Catherine Archer A Dama da Floresta

A raiva renasceu quando Raine o encarou. A promessa de que não o
envergonharia tomou proporções gigantescas. Benedict se espantaria ao ver que
ela era uma mulher de palavra.

Raine ergueu a cabeça é mostrou-se altiva.

— Milady, não sabe como esta novidade nos deixa feliz — Maeve dizia
enquanto descia os degraus. — Há tempos achamos que lorde Benedict necessita
de uma esposa, embora ninguém esperasse que ele fosse capaz de casar-se
durante uma viagem de duas semanas. O barão jamais toma uma decisão
precipitada. Logo, devo deduzir que foi amor à primeira vista.
Aquela criada não media as palavras. A despeito do engano ao achar que
Benedict estava apaixonado, a liberdade de Maeve significava que tinha uma
posição de honra em Brackenmoore. Raine também começava a suspeitar de que o
casamento apressado não condizia com a personalidade de Ainsworth.

O que isso representava, ela não tinha certeza. Só sabia que a opinião de
Maeve seria importante até ela poder retornar a Abbernathy.

No entanto, Raine não estava preparada para estratégias táticas.

— Compreendo sua surpresa — ela disse, sendo direta.
— Também fiquei um tanto assustada com a velocidade de nossa união, mas
não me arrependo. Estava ansiosa para me casar com seu mestre. — Boa parte do
que falara era verdade. Porém, os tortuosos pensamentos guardaria para si.
Notou o espanto da criada quando acrescentou: — Não tenho mais nada a
declarar. Se quiser saber maiores detalhes, pergunte a meu marido.
Os lábios de Maeve se curvaram em um sorriso genuíno.

— A rapidez do casamento não requer julgamentos apressados. Se me
permite, milady, sua honestidade é digna de crédito. Agora só nos resta ver se
esse menino encontrou seu par.
Raine não podia retrucar ante o comentário afetuoso e nem sequer ousou
olhar para Benedict. O fato de que ninguém chamaria o barão de Ainsworth de
menino era patente. Nenhum servo, mesmo o mais íntimo, iria tão longe a ponto
de dizer que o arrogante Benedict Ainsworth encontrara seu par. Parecia
impensável para Raine.

Que atitude ele pretendia tomar acerca da ousadia de Maeve não lhe dizia
respeito. A governanta, obviamente, adorava o patrão. Benedict Ainsworth talvez
houvesse encontrado seu par, porém não no sentido romântico que a criada
insinuara.

Ele havia conhecido uma mulher que não se submetia a seu ritmo, como
parecia acreditar.


Catherine Archer A Dama da Floresta

— Chega, Maeve — Benedict interveio. — Vamos entrar? Minha esposa e o
irmão estão exaustos e precisamos acomodá-los.
O olhar perspicaz de Maeve debruçou-se sobre William. A insegurança do
menino quando se aproximou fez o coração de Raine se apertar. Não imaginava
aquele nervosismo após um jornada tão divertida para ele. Diante de tal reação,
resolveu que retornaria a Abbernathy o mais breve possível.

Maeve também percebeu a reticência de William e mostrou-se bondosa.

— Seja bem-vindo, garoto.
Quando ele hesitou, Maeve prosseguiu:

— Sempre gostamos de ter jovens valentes nesta casa. Raine sentiu-se
grata pela gentileza da criada. Piscou para afastar algumas lágrimas que
ameaçaram cair. Amava William e queria sua felicidade acima de tudo. Por que
outro motivo estaria ali, casada com um homem que mal conhecia? Um toque
suave em suas costas a assustou. O tremor subsequente alertou-a de que era
Benedict. Enxergou certa simpatia no olhar dele. Não queria consolo, e preferia
rebelar-se a sentir a perturbação daquele toque.
Benedict reparou no susto de Raine, mas o belo rosto não se alterou e,
ocultando qualquer transtorno, ignorou-a.

Raine recusava-se a questionar por que, de súbito, sentiu-se desolada.
Acompanhou o marido em absoluto silêncio. A falta de consideração evidenciava a
total indiferença. O sentimento caloroso fora apenas para o benefício de Maeve
ou de alguém que os estivesse observando. Benedict não desejava que os outros
descobrissem o falso casamento.

E Raine pretendia deixar bem claro que a intimidade não fazia parte do
acordo.

Atrás de si, pôde escutar Maeve conversar com William, antes de dizer
algo a Benedict, que se encontrava à porta do castelo. Quando adentraram o
saguão, Raine aguardou William. Era melhor ocupar-se com o irmão que encarar o
arrogante marido.

William parecia mais relaxado.

— Chegamos — Raine disse-lhe, aproximando-se.
Ele segurou-lhe a mão, como se pretendesse confortá-la.

— Tudo vai ficar bem, Raine — William sussurrou. — Benedict é um bom
homem, e os outros também, acredito.
De repente, Raine realizou que o nervosismo do irmão era devido a ela
própria. Ficou tentada a olhar para o marido. Sua bondade não estava em questão.

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Catherine Archer A Dama da Floresta

O problema era que Ainsworth acostumara-se a comandar os outros e parecia
alheio ao fato de que não tinha o direito de subjugá-la.

— Há um quarto para William? — Benedict perguntou a Maeve.
— Claro, milorde, se o menino não se importar em dividir o cômodo com seu
irmão.
Os olhos brilhantes de William encararam Benedict.

— Kendran não vai se importar?
Atônita, Raine percebeu que, para abrandar a expectativa de William,
Benedict havia revelado mais sobre o irmão caçula que apenas o prazer em
alimentar-se e caçar.

— Ele não vai se importar.
— Estará fora esta noite — Maeve completou. — E vai lamentar não estar
aqui para recebê-lo e a sua irmã. Tenho certeza de que Kendran ficará aliviado
por não ser o lorde mais moço do castelo.
O prazer de William foi explícito. Raine sentiu-se descontente com aquela
reação, mas não houve tempo para maiores conjecturas. Suas acomodações ainda
não estavam resolvidas.

— Solicito um quarto só para mim — informou a todos, sem conseguir
ocultar a ansiedade.
Maeve encarou Benedict.

— Suponho que...
— Minha esposa deseja privacidade — ele a interrompeu. Desconcertada,
Maeve estudou ambos.
— Como lorde Tristan, lady Lily, Sabina e lady Genevieve estão em Molson,
seus quartos encontram-se vagos e limpos. O cômodo, de lady Genevieve será
mais confortável para lady Raine que o quarto bagunçado de Sabina.
— Perfeito — Benedict resmungou.
A completa ausência de sentimento na expressão de Ainsworth intimidou
Raine. Não queria que a tratasse daquela maneira, mas partilhar a mesma cama
com ele seria inadmissível.

— Pode me levar até o cômodo agora? — perguntou a Maeve. — Estou
exausta. Foi uma longa jornada. — Raine não escondeu o cansaço na voz.
Ciente do lugar que ocupava, Maeve assentiu, submissa.

— Sim, milady. Por favor, siga-me.
Aliviada, Raine a acompanhou, mas logo foram detidas pela voz sonora de
61




Catherine Archer A Dama da Floresta

Benedict.

— Pedirei a uma das criadas que esquente água e leve a banheira ao quarto
de Genevieve.
O inesperado cuidado a surpreendeu. Contudo, não quis reconhecer, pois a
gratidão a fazia sentir-se inadequada a Brackenmoore, onde Benedict ditava as
regras.

Virou-se e forçou um sorriso, sentindo-se na obrigação de retribuir a
atenção.

— Obrigada, milorde. É muita generosidade pensar em mim. — Rapidamente
ela se esquivou, escondendo a inquietude atrás da fachada orgulhosa.
CAPÍTULO VI

Benedict observou a silenciosa esposa percorrer o imenso corredor. Cada
músculo,de seu corpo se contraía. Desde o instante em que Raine solicitara um
cômodo apenas para si, ele mantivera o controle absoluto para não extravasar,
mas ao notar a exaustão no tom de voz, sentiu-se impelido a oferecer certo
conforto. Por isso lhe ocorrera o banho quente. Raine agradecera de pronto,
porém o sorriso não demonstrava nenhuma sinceridade.

Que postura arrogante! Como ousava responder a ele de forma tão
pretensiosa? Raine não se dispunha a tréguas.

Tola! E Benedict ainda se sentira culpado por lhe pedir um comportamento
à altura de uma baronesa. Ora, ela atuara a contento, até requisitar aposentos
privativos.

Por que cometera o desatino de se casar com aquela mulher? Era o oposto
de qualquer dama e, ao mesmo, tempo encantadora, não havia como negar o fato.
Mesmo quando o fitava com ressentimento, algo que acontecia sempre, os olhos
dourados tinham o poder de enfeitiçá-lo.

Frustração e ira corriam-lhe a alma. Precisava ocupar-se com alguma
atividade para não pensar em Raine, entretanto, logo lembrou-se de que tinha de
pedir às criadas que preparassem o banho no quarto de Genevieve. Lamentou Lily
e ela não estarem em Brackenmoore. A companhia de outras mulheres teria
ajudado a adaptação de sua esposa.

Genevieve partira com Tristan e Lily. Ela alegara não querer separar-se de
Sabina por três meses. Mas Benedict suspeitava de que a repentina vontade de
se ausentar estava relacionada à partida de Mareei, semanas antes. Respeitara o
desejo de Genevieve, eximindo-se de comentário acerca do assunto.

Possuía agora seu quinhão de azar e tormento na forma sensual de Raine


Catherine Archer A Dama da Floresta

Blanchett. Um inegável prazer surgiu, de repente, deixando-o ainda mais
perturbado.

Após ordenar o banho da esposa, Benedict dirigiu-se à biblioteca a fim de
verificar se seu auxiliar lhe deixara alguma pendência urgente. O bom homem só
iria ao castelo na manhã seguinte.

A jornada havia sido extenuante para todos. Benedict não considerou o
descanso porque não queria passar outra noite ao ar livre com Raine. Seus
homens tinham estranhado o fato de ele dormir perto da fogueira, quando sua
nova esposa partilhava a tenda com a criada.

Infelizmente, em Brackenmoore a situação parecia se complicar. Embora
sua cama fosse confortável, sabia que não teria uma noite de repouso com Raine a
invadir-lhe os pensamentos. A tão exigida privacidade não impediria que ele se
deitasse com a esposa quando chegasse o momento. Benedict ficou insatisfeito
quando descobriu que não havia nada a sua espera na biblioteca. A mesa
encontrava-se, de fato, do jeito que a deixara: os livros e as pastas empilhados
em perfeita ordem.

Resignado, sentou-se na pesada cadeira e suspirou. Fora a poltrona de seu
pai e nela sentia certa ligação ao sábio homem que tomara as melhores decisões
para Brackenmoore. Porém, agora se via imerso em um turbilhão, apesar de
nenhuma urgência necessitar de decisão. Devia ficar grato porque nada de
anormal ocorrera em sua ausência. Sem dúvida, deveria oferecer uma prece de
agradecimento e repousar, mas algo lhe roubava a paz.

Não parava de pensar em Raine, a temperamental, e no fato de que
revelara a Maeve que não pretendia ser uma esposa de verdade. Como se
atrevera a rejeitá-lo diante de um subordinado? Já era ruim o bastante saber
que ela o fazia em particular.

Quanto mais refletia sobre o tema, mais perturbado ficava.

Talvez devesse deixá-la conhecê-lo melhor antes de consumar o
casamento, embora preferisse o contrário. Era, afinal de contas, um homem, e
Raine, uma mulher maravilhosa. Não conseguia esquecer o que acontecera na
tenda. Fora o mínimo que pudera fazer para refrear o potente desejo.

Reprimiu o pensamento, tinha de se controlar, mas não era obrigado a
suprimir o orgulho e a dignidade. Raine não podia envergonhá-lo diante dos
empregados, negando-lhe os direitos de marido.

Não era apenas Benedict Ainsworth. Representava Brackenmoore, uma
posição que demandava respeito e deferência. Permitir que alguém o ameaçasse
significava desonrar sua linhagem nobre. E, por Deus, aquilo ele não permitiria.

Levantou-se e abriu a porta de madeira maciça da biblioteca. Determinado,


Catherine Archer A Dama da Floresta

marchou em direção ao quarto de Genevieve. O peso da frustração pesava em seu
peito quando adentrou o cômodo. A visão que lhe atingiu os olhos o obrigou a
parar, enquanto ondas de calor e desejo corriam por seu corpo.

Focalizou a atenção em Raine que, ao lado da banheira e usando um robe
verde, estendia a perna esguia para molhar a ponta do pé na água tépida.

Por uma razão desconhecida, Benedict ficou fascinado com os delicados
dedos, os quais eram pequenos e perfeitos. Sentiu uma estranha sensação de
intimidade, que lhe incrementou o desejo. Imaginou como seria beijar aqueles
dedos, percorrer a perna imaculada e ater-se às curvas dos quadris. Um calor
repentino o invadiu.

Jamais pensara reagir tão intensamente por causa dos dedos de uma
mulher, nunca tivera vontade de acariciá-los. Que feitiço Raine lançara sobre
ele? Seria uma sereia ou uma mulher?

Angariando forças, fechou os olhos. Quando os reabriu, ela continuava lá, e
não menos adorável. Benedict engoliu o nó que se formara em sua garganta,
precisava conter as reações corpóreas. Respirou fundo e atinou que tudo não
passava de fantasia.

Antes que pudesse se mover, desculpar-se, ou sair, Raine se virou.
Assustada, tirou o pé da banheira e fechou o robe, sem deixar um pedaço da pele
alva em evidência. Os olhos dourados o fitaram com fúria.

— Por que está aqui, milorde?
Satisfeito, Benedict sentiu a raiva renascer, substituindo o absurdo
desejo. Caminhou em direção a Raine.

— Por que eu não estaria aqui, mulher?
De súbito, um brilho de ansiedade se estampou nos olhos cintilantes.
Porém, ela logo o escondeu.

— Creio que me fiz clara a respeito desse assunto, milorde.
Raine ergueu o queixo, e Benedict pegou-se memorizando os suaves traços
do rosto, a linha do pescoço exposto a seu olhar famélico, já que os cabelos
rebeldes estavam presos no alto da cabeça.

— Sobre o que mais quer discutir? — ela indagou. Mais uma vez, fez
menção de se aproximar, mas reparou na expressão apavorada de Raine e hesitou.
Sabia ser errado coagi-la. Porém, não estava acostumado a guerrear com
mulheres, e Raine o havia pressionado como ninguém jamais ousara fazer.

De propósito, deu um passo à frente.

— Não admito que me insulte. Talvez eu tenha falhado em esclarecer

Catherine Archer A Dama da Floresta

minha posição de marido.

—-O que está insinuando, milorde? — Raine perguntou, horrorizada.

Benedict a fitou. Ela havia entendido cada palavra. Deus, somente a idéia
de possuí-la já fazia seu sangue ferver. Afinal, era sua esposa.

— O que imagina que estou insinuando? — ele indagou, com a voz rouca.
Por um longo instante, ambos se entreolharam. O desejo que Benedict
nutria por ela era explícito e vulnerável. Enfim, Raine soltou o ar preso aos
pulmões e desviou o rosto. Os seios começaram a se mover depressa, revelando a
respiração ofegante.

Quando ela voltou a fitá-lo, a ansiedade deu lugar a outra expressão que
Benedict não quis nomear. Talvez temesse estar enganado.

Sem perceber, Raine molhou os lábios com a língua. O gesto o fez imaginar
a sensação de beijar a boca rosada, e o corpo de Benedict respondeu à fantasia.
Os olhos dourados tornaram-se escuros, como se ela também sentisse desejo. A
respiração ficou ainda mais sôfrega.

Havia um certo clima de irrealidade. Benedict acreditava na própria
habilidade de incitar uma mulher. Após o que ocorrera na tenda, sabia quanto a
perturbava. Mas como não a houvesse tocado, podia estar errado ao interpretar
as reações da esposa.

Irritou-se por não discernir o real e o imaginário. Gostaria de não ter
sucumbido ao impulso de entrar naquele quarto. Não tinha a menor obrigação de
se explicar, ainda mais porque ele tampouco conseguia compreender a si mesmo.

— Não é a única que pode fazer exigências, Raine — disse, com mais
rudeza que pretendia.
Levando as mãos à delicada cintura, Raine estreitou os olhos, enfurecida.

— Que tipo de argumento você poderia usar para dar algum mérito a esta
situação?
Benedict começava a perder a paciência. A mulher, embora linda e
desejável, era rebelde e obstinada além da razão. Não podia expor a fragilidade
que sentia diante dela.

— Não tem o direito de impor demandas que infamem minha dignidade. Foi
você quem quis este casamento. Não vou transformar nossa união em uma farsa
por causa de um capricho tolo e infantil. Nunca mais me desautorize diante dos
empregados porque, além de ser o dono de Brackenmoore, sou seu marido.
— Não fiz nada disso! — Quando Raine deu um passo à frente, o robe se
abriu, expondo uma das pernas.
65




Catherine Archer A Dama da Floresta

Mantendo-se o mais frio possível, ele ergueu as mãos para aquietá-la. Não
queria que Raine soubesse que, apesar da raiva, ainda a desejava, porque fora
exatamente isso que ela realizara, levando-o ao ponto máximo de desejo e
frustração.

— Você o fez quando pediu a Maeve um cômodo individual. É um pedido
incomum para uma mulher recém-casada.
— Sabe que não vou partilhar o mesmo quarto com você.
— Era minha obrigação dizer isso a Maeve, não sua — ele argumentou, sem
conseguir ocultar a frustração.
Ultrajada, Raine moveu o corpo curvilíneo para perto de Benedict.

— E teria dado essa ordem?
Em um instante, ela chegou ao cerne da questão. Benedict respirou fundo.
Pelo rumo que seus sentimentos tomavam, ignorava quais seriam suas ações.

Teria solicitado quartos separados, se ela não o fizesse? Fixou-se no
decote do robe que revelava a curva de um dos seios.

Teria mesmo?

Notando o olhar brilhante do marido, Raine engasgou e deu-lhe as costas.
Agitada, fechou o decote. Seu coração batia descompassado. Sentiu-o
aproximar-se e escutou a resposta, tomada pela fantasia da situação.

— Talvez eu não a instruísse para lhe dar um quarto separado, Raine.
Benedict a segurou pelos ombros e Raine se virou, sem atinar por que o
estava fazendo.

— E talvez, no íntimo, você queira partilhar sua intimidade comigo.
Os profundos olhos azuis causaram uma inesperada sensação de calor
dentro de Raine, tal qual minutos antes, quando ele adentrara o quarto. Fora com
grande alívio que ouvira as acusações de Benedict, porque a revolta ajudara-a a
reprimir os sentimentos confusos que começavam a nascer.

No entanto, a proximidade instigava emoções desconhecidas, como se
estivesse mergulhando em uma lagoa profunda. Queria negar o que ele dissera,
mas uma força vital a impedia.

Desde a noite na tenda, Raine vinha lutando contra tais sentimentos, com o
intuito de torná-los apenas como ilusões, frutos da imaginação. Contudo, sentindo
a pulsação acelerada e absorvida pelo olhar misterioso, vira quão tola havia sido.
As reações que Benedict Ainsworth causava nela eram tão reais quanto qualquer
outra experiência que tivera na vida.

Quando ele abaixou o rosto a fim de beijá-la, Raine entregou-se por

66




Catherine Archer A Dama da Floresta

completo, ao perceber o toque firme e quente dos lábios de Benedict.

O beijo transformou-se em necessidade. Raine não conseguia raciocinar e
quando ele aprofundou o gesto, sentiu o corpo derreter-se de paixão.

Hesitante, ela arriscou algumas carícias, surpreendendo-se com a resposta
imediata de seu marido. Enquanto uma sensação calorosa apossava-se de seu
ventre, Raine colou-se ao corpo viril.

Benedict gemeu e apertou-a contra si; com as mãos traçou as curvas
sinuosas das costas. Deteve-se nos quadris e puxou-os para um contato mais
íntimo. A resposta instantânea de Raine ao desejo explícito serviu apenas para
incrementar as carícias

As pernas não mais a sustentavam. Como se pressentisse o fato, Benedict
sustentou-a pela cintura com um dos braços e agarrou-lhe a nuca, enquanto
continuava a beijá-la.

Afoito, explorava a boca de Raine. Ela correspondia aos beijos lancinantes
até não lhe restar mais fôlego.

Benedict ergueu o rosto e a fitou, questionador. Raine não podia fingir que
ignorava aquele pedido, tampouco conseguia falar. Fechou os olhos e apoiou-se no
corpo másculo.

Ansioso, Benedict voltou a beijá-la e deslizou a mão sob a abertura do
robe, encontrando a forma robusta do seio O coração de Raine quase parou de
bater e quando ele aprofundou a carícia, atingindo a região jamais tocada por nenhum
homem, ela achou que ia desmaiar.

O corpo ávido de desejo clamava por algo que Raine não sabia nomear.

— Benedict, eu quero... Oh, não sei...
Ele delineou as curvas do corpo, deixando um rastro de calor conforme os
dedos deslizavam sobre a pele.

— Sim, Raine, solte-se — Benedict murmurou, extasiado. — Deixe-me
cuidar de você.
Raine ficou paralisada. Mesmo zonza, tentou recobrar o equilíbrio.
Encostou a testa no peito musculoso a fim de organizar os pensamentos. Por que
a beijava e tocava? Só porque queria cuidar dela?

Em um gesto defensivo, cruzou os braços, respirou fundo e o fitou.

— Não, não quero que cuide de mim. Por favor, pare agora. — Precisava
dar maiores explicações, mas não conseguia concatenar as ideias.
Desesperada, ela meneou a cabeça ante o olhar sedutor de Benedict.

— Por quê, Raine?
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— Não posso permitir que cuide de mim, Benedict. Tenho de ser
independente, é o único jeito de evitar desilusões.
Quando ele a soltou, Raine recuou, fingindo ajeitar os cabelos que haviam
se desprendido.

— Confie em mim. — Benedict tentou reaproximar-se, porém, ela se
esquivou.
Não podia duvidar daquela segurança absoluta, no entanto, não queria
depender de ninguém. Na infância, contara com o pai, e ele havia falhado quando
Raine mais precisara. Seu pai dependera da esposa e a amara de todo o coração,
mas, pela lei da vida, ela falecera.

— Quando existe amor e necessidade, alguém acaba vulnerável. — Raine
levou as mãos ao peito. — Não posso me dar ao luxo de tamanha fraqueza.
— Não creio que a confiança seja uma fraqueza, Raine — ele afirmou,
surpreso. — É uma mulher e não precisa exigir tanto de si mesma. Tenho
capacidade para cuidar de você e de William.
As palavras a atingiram como uma punhalada. Benedict acreditava que amor
e necessidade eram suficientes para ela porque era uma mulher. Ficou evidente
que ele, como homem, não estava sujeito ao sofrimento das emoções.

Por motivos que não quis entender, a declaração a magoou. Jamais
conseguiria fazer amor com o marido enquanto ele se sentisse superior.

— Vá embora — Raine pediu, com a voz trêmula. Benedict a fitou em
silêncio. A expressão continuava impassível.
—-Vou deixá-la. Mas saiba que voltarei para exigir o que é meu. E, na
próxima vez, você não conseguirá me impedir. — Dito isso, ele se virou e saiu.

Raine não conciliou o sono até que os primeiros raios de sol anunciaram o
dia. Só conseguia pensar no que ela e Benedict haviam feito e dito na noite
anterior. O modo como se sentira quando ele a tomara nos braços e a beijara.

Mesmo as trocas de agressões não saíam de sua mente. Quando acordou, a
imagem potente de Benedict invadiu-lhe o pensamento. Sentiu-se ruborizar da
cabeça aos pés. Acreditar que não o desejava parecia uma idéia tola.

As últimas palavras surgiram como trovões. O fato de que seu marido
cumpriria a ameaça só piorava o mal-estar.

Se Benedict voltasse a tocá-la, seria impossível para Raine se convencer de
que não o queria.

Frustrada, jogou as cobertas de lado. Não pretendia passar o dia na cama,
pensando naquele homem intolerável. Ele tinha o poder de comandar sua presença


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física, mas não poderia controlar os pensamentos e emoções.
Abriu um dos baús que haviam sido levados até o quarto na noite anterior.

Deteve-se quando escutou uma batida suave à porta.

Teria Benedict resolvido lhe fazer outra visita inesperada?

O medo, misturado à expectativa, causou-lhe tontura. Contraiu a face

enquanto observava a porta se abrir devagar.

Um suspiro de alívio escapou de seus lábios ao avistar Aida. Sentiu-se
estúpida por achar que era o marido. Ele jamais hesitaria em entrar.

A criada vasculhou o quarto com os olhos, antes de encarar Raine.

— Está sozinha, milady?
— É claro. Onde está William?
— Ele comeu o desjejum e saiu com seu marido, milady. Lorde Benedict
pediu que não a perturbássemos.
Mesmo surpresa, Raine fez um gesto de desdém.

— Por favor, Aida, ajude-me com o vestido.
A criada estava penteando os cabelos de Raine quando ambas foram
interrompidas por outra batida à porta. Dessa vez, ela nem sequer pensou em
Benedict.

— Entre!
A governanta Maeve entrou, carregando uma enorme bandeja.
— Milady —-cumprimentou-a, com uma reverência.
— Bom dia, Maeve.
— Uma das criadas me disse que ouviu barulho em seu quarto. Eu esperava
que acordasse para lhe trazer o desjejum. — Maeve colocou a bandeja na mesa.
— Depois de se alimentar, lorde Benedict pediu-me que lhe mostrasse as
dependências do castelo.
Raine ficou espantada com a sensação de desprazer que sentiu. O barão
nem se incomodava em apresentar a casa à nova esposa. De imediato, lembrou-se
de que não deixaria escapar suas emoções em relação a ele.

Endireitando os ombros, fitou a perspicaz criada que sustentava um
sorriso amigável. Na verdade, Raine não permitiria que ninguém soubesse como
aquele homem insuportável a irritava. O fato de que ele o fazia sem ao menos
tentar somente piorava o problema.

— Agradeço-lhe a bondade em me mostrar o castelo, Maeve, contudo, não
quero atrapalhá-la, se tiver outros deveres a cumprir.
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— Fico feliz em esperá-la, milady.
— Como quiser. Maeve olhou ao redor.
— As acomodações são confortáveis?
— Muito, obrigada. — Raine esperava que a serva não questionasse o fato
de dormir sozinha.
— Imaginei que fosse preferir este cômodo. O de Sabina é bem menor.
De repente, Raine ficou curiosa acerca da família do marido. Conhecera um
pouco da história de Tristan e Lily através da conversa de Benedict com o rei
Edward. Os outros permaneciam um mistério.

— Fale-me sobre a família de meu marido. O sorriso de Maeve se alargou.
— Lorde Benedict tem três irmãos, Tristan, Mareei... — Um brilho de
tristeza passou pelos olhos de Maeve, mas Raine não achou prudente abordar a
questão — ...e Kendran, que ficou encantado ao saber do casamento do irmão
quando chegou ao castelo e encontrou William.
— Ele não se aborreceu com a presença de William? — Raine perguntou.
— Não! — Maeve riu. — Lorde Benedict e o menino esperavam Kendran
voltar da... — Ela franziu a testa, em um gesto de desaprovação. — Aquele rapaz,
além do rosto bonito, tem muito charme. Mas não devemos discutir isso. Quando
Kendran soube da novidade, lorde Benedict disse que ele abraçou o garoto, feliz
por não ser mais o caçula da família Ainsworth.
Raine escutou as deferências ao charme de Kendran com certa irritação.
Sem dúvida, algum membro daquela família deveria possuir tal qualidade, mas a
última declaração de Maeve deixara-a tensa. William não era um Ainsworth.

Preferiu permanecer quieta. Sentia-se grata por William ser bem tratado
até que pudessem retornar a Abbernathy. Uma viagem que Raine esperava ser
breve, pelo bem de sua autonomia.

Resolveu então mudar de assunto.

— Lady Genevieve ficará ausente por muito tempo?
— Sim, lady Genevieve acompanhou lorde Tristan e lady Lily à cabana de
caça em Molson. Pretendem visitar a família dela que vive naquela região. Lady
Genevieve não quis ficar longe da menina. Desde que lorde Mareei partiu, ela anda
muito... — Maeve caiu em silêncio profundo.
Intrigada, Raine notou que havia coisas estranhas acontecendo naquela
família. Aida, que escutava a conversa, fitou a governanta, ansiosa como sempre.

— Já se alimentou? — Maeve perguntou a Aida.
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Quando Aida meneou a cabeça em negativa, Maeve sorriu.

— Vá até a cozinha quando estiver desocupada. A cozinheira está
preparando quitutes deliciosos.
Mais uma vez a despretensiosa gentileza. Raine não sabia como se sentir.
Estava determinada a ir para casa e, ao mesmo tempo, grata por a estada em
Brackenmoore não ser um tormento. Mas tinha de voltar a Abbernathy. E não
sucumbiria às sensações causadas pelos beijos ardentes de Benedict Ainsworth.

Assim que Aida terminou de pentear os cabelos da patroa, Raine segurou-
lhe a mão e disse:

— Pode ir agora, Aida.
Quando a criada se retirou, Raine foi até a mesa. Tentaria comer um pouco
da comida que Maeve lhe trouxera, apesar das turbulências que sentia. Queria
agir como se tudo estivesse bem, porém largou o pedaço de pão na bandeja, após
dar algumas mordidas nele.

Maeve a observava abertamente.

Enfrentou a criada de cabeça erguida. Não se importava com a opinião
alheia.

— Estou pronta, Maeve.
Sem tecer comentários, Maeve abriu a porta e esperou que Raine passasse.

Enquanto caminhavam pelo corredor, a criada apontava os diversos
cômodos e relatava seus ocupantes. Como não conhecesse nenhum dos moradores,
Raine não conseguiu decorar as informações até escutar o nome do marido.
Apreensiva, fitou o portal maciço. Sabia que a governanta estava atenta, mas
ignorou-a.

Conforme visitava a dependências do castelo, Raine ficava mais ciente de
que se tratava do domínio de Benedict. Era o senhor da propriedade e qualquer
um, homem, mulher ou criança, lhe rendia completa lealdade. Havia contentamento
em cada rosto.

Também notou a curiosidade dos empregados enquanto Maeve a
apresentava como a nova senhora de Brackenmoore. A julgar pelo semblante
tranquilo, nenhum deles parecia surpreso, Raine tampouco espantou-se em
atestar quão rápido as notícias corriam e imaginou se achavam estranho que não
fosse Benedict a apresentá-la.

Somente quando atingiram os jardins do castelo, ela conseguiu relaxar.
Benedict possuía cada bloco de pedra e cadeira naquela fortaleza. Mas não era
dono do ar, nem do sol primaveril que despontava no céu azul. Muito menos tinha
poder sobre o canto das gaivotas.


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As duas vistoriaram as cozinhas, os depósitos e a lavanderia. Raine reparou
que tudo se encontrava em perfeita ordem. Os criados cumpriam suas obrigações
com conversas animadas que cessavam quando Raine e Maeve se aproximavam.

Embora detestasse ver qualidades em Benedict, ela notou que os
empregados estavam contentes e saudáveis. Suas roupas refletiam limpeza e
pareciam bem conservadas.

Durante a tarefa de explorar o castelo e os arredores, Raine não
esbarrara com o marido nenhuma vez. Talvez ele nem estivesse no domínio,
pensou, esperançosa.

Quando Maeve perguntou-lhe se estava cansada, Raine sorriu, sincera.

— Nem um pouco. Se há mais para vermos, quero prosseguir.
A aparente aprovação de Maeve deixou-a mais confortável. Apesar de a
mulher ser uma criada, Raine queria sua aceitação.

Enfim, chegaram aos estábulos, onde diminuíram a marcha. Raine ficou
impressionada com a qualidade dos animais que viu. William adorava cavalos. Era
um aspecto que ela estimulava no irmão, já que o menino havia herdado o comportamento
adorável e paciente do pai.

Ao atingirem os limites do estábulos, Raine encantou-se com a extensa
planície. Os vários implementos de batalha indicavam que aquele campo servia
para práticas de guerra. Uma sequência de alvos enfileirados de um lado e lanças
sobrepostas, de outro, compunham a área de treinamento.

Mas não foi o projeto tão bem esquematizado que a impressionou. A poucos
metros de distância, encontravam-se Benedict e William. O que ambos estavam
prestes a fazer deixou Raine morta de preocupação e medo. Ainsworth ensinava
ao seu irmão o manuseio da espada e apontou a afiada lâmina em direção a
William.

— Veja, William. É assim. — Benedict brandiu a espada no ar.
Raine observou o irmão imitá-lo.

— Perfeito — elogiou Benedict. — Agora, ataque-me. William levantou a
arma e avançou, mas com pouco de entusiasmo.
— Não, ponha mais energia no golpe. Não se contenha. Dessa vez, William
atacou-o com muito mais impulso e bateu sua espada na de Benedict.
— Não, William. Esqueça que sou seu cunhado. Imagine que invadi
Abbernathy para roubar-lhe o que mais ama.
Agora compreendendo, William encarou Benedict, determinado.

— Vá em frente, Wil. Não pode ferir Benedict — gritou uma voz masculina.

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Raine olhou em direção à voz e avistou um jovem alto, encostado a uma
árvore. Ele também segurava uma espada. Com aqueles cabelos negros e fartos só
podia ser o irmão de Benedict, Kendran.

Raine voltou a atenção ao irmão e ao marido. Não era Benedict que a
afligia, mas William. Ainsworth era grande e forte, com um gesto descuidado da
espada, ele poderia cortar o menino em dois.

Entretanto, ficou paralisada, incapaz de verbalizar o pavor que lhe travava
a garganta. O movimento foi tão rápido que, quando William investiu contra
Benedict com fúria, ela gritou:

— Não!
O som perdeu-se no tilintar das espadas. O nervosismo de Raine aumentou
ainda mais ao ver Benedict recuar, sorridente.

— Muito bem!
— William! — ela berrou.
O menino se virou, com um sorriso estampado no rosto.
— Você viu, Raine? Viu como ataquei Benedict?
— É óbvio que vi! — Raine apontou a espada, como se . a arma fosse uma
serpente venenosa. — Ponha essa coisa no chão e venha até aqui.
— O que... — Benedict tentou intervir.
Raine encarou o marido, impedindo-o de continuar.
— Como se atreve a colocá-lo em perigo?
— Em perigo?
William correu até ela. O rosto juvenil revelava vergonha e aborrecimento.
— Qual é o problema, Raine? Não corro perigo algum. Ele está me
ensinando a lidar com a espada.
— Ele não tinha o direito de fazer isso sem meu consentimento.
— Eu pedi a Benedict, Raine. Kendran estava praticando e implorei a ele
que me ensinasse. Benedict disse que eu só poderia treinar depois de lhe mostrar
o que eu sabia.
— William nem sequer se arranhou. — Kendran aproximou-se, com os olhos
brilhantes de raiva. — O único que corria algum perigo era Benedict. Seria capaz
de deixar o garoto pisotear em sua barriga. Ele agiu da mesma maneira comigo e
com meus irmãos. Ainda possui a cicatriz do ferimento que fiz em seu peito.
Tenho certeza de que Tristan e Mareei também deixaram algumas marcas. Não
há homem no mundo mais gentil e cauteloso que seu marido, qualidades que você
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descobrirá quando o conhecer melhor.

Maeve concordou, assentindo, embora continuasse calada.

A constatação de que ela se precipitara ao julgar o marido foi penosa, em
especial porque havia se enganado brutalmente.

Não era apenas a natureza impulsiva de Raine que se manifestara. Havia
permitido que os sentimentos, acerca do que ocorrera entre ela e Benedict na
noite anterior, afetassem seu julgamento.

Embora não o olhasse, Raine reparou que Benedict havia se aproximado. Ela

o sentia em cada fibra de seu ser, o corpo parecia clamar por carícias.
— Por que insiste em me eleger o vilão da história? — Benedict perguntou,
usando o habitual autocontrole emocional.
Ela queria contradizê-lo, rebater cada palavra, mas não podia. Ele estava
certo. Enfrentou os olhos frios do marido.

Sem nada dizer, Benedict agarrou-lhe o braço. Assustada, Raine foi
obrigada a segui-lo, quase correndo para acompanhar os passos largos de
Ainsworth. Todos os observavam, mas ninguém ousou interferir ou comentar.

Benedict só parou quando adentrou o quarto dela. Empurrou-a para dentro
e bateu a porta, antes de soltá-la.

—-Já que se recusa a agir com polidez, deve ficar no cômodo que
requisitou para si própria.

— Como ousa me dar ordens? — Raine rebateu, ultrajada. — E ainda me
arrastou até aqui, sem o menor respeito! Não admito ser motivo de mexericos
entre os empregados.
Tendo os olhos faiscantes de ódio, Benedict avançou sobre ela, fazendo-a
cair na cama.

— Não quer ser motivo de mexericos? Se não se preocupasse tanto com
seu irmão, Abbernathy e você mesma, eu teria vontade de estrangulá-la diante
de todos os moradores do vilarejo. Após a ofensa de se recusar a dormir em meu
quarto, ninguém iria me achar cruel ou desumano, caso eu apertasse esse lindo
pescoço.
— Eu o ofendi? Ah! — gritou, horrorizada.
A raiva crescia dentro dela. Mais que nunca, desejava retornar a seu lar,
porque Benedict estava certo. Ninguém a defenderia, caso ele a violentasse. De
alguma maneira, tinha de fugir daquele lugar e do marido.

Se queria possuí-la, que assim fosse, talvez Benedict a deixasse em paz.
Desesperada, Raine se jogou na cama.

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Catherine Archer A Dama da Floresta

— Vamos acabar logo com isso. Mas saiba que com minha inocência compro
minha liberdade.
Benedict a encarou, aparvalhado. Em seguida, o semblante adquiriu uma
expressão inominável. A respiração de Raine tornava-se ofegante, conforme ele
se aproximava.

Antes que houvesse chance para reagir, Benedict agarrou-lhe as mãos e
prendeu-as acima da cabeça de Raine. Estudou-lhe o rosto por um longo momento
e, então, os olhos azuis fixaram-se no decote do vestido.

Chocada ante o calor que a invadiu, ela fechou os olhos para esconder o
desejo.

Benedict baixou o rosto e roçou o nariz na face rosada. Um arrepio
excitante percorreu o corpo de Raine.

— A oferta é tentadora, minha esposa, mas não concordo com os termos.
Prefiro aguardar uma proposta mais apetecível. Segundos depois, quando Raine
conseguiu assimilar as palavras, ele já havia saído. Gritou de ódio e pulou da cama.
Não havia sido a provocação de Benedict que a deixara furiosa, mas sim, as
batidas erráticas de seu coração ao sentir o corpo másculo sobre si.
CAPÍTULO VII

Após pedir algo para comer a uma das mulheres que arrumavam a mesa,
Benedict sentou-se na cadeira em silêncio. Não estava disposto a conversar.
Pensou sobre o que acontecera no campo de treinamento, dias atrás, e constatou
que Raine faria qualquer coisa para sair de Brackenmoore.

A oferta fora mais que tentadora, mas manteria tal segredo apenas para
si. Benedict a desejava, desesperadamente, mas não queria que Raine
empreendesse tamanho sacrifício por sua liberdade, a qual ele jamais permitiria.
Uma dor aguda cravou-lhe o peito. Devia ser por Brackenmoore, pensou, agoniado.
Raine nunca se libertaria da vida antiga e aceitaria a nova. Fora louco ao casar-se
com ela, embora o desejo de possuí-la crescesse a cada dia, a despeito do
temperamento explosivo da esposa.

Suspirou, aliviado por estar a sós com os próprios pensamentos. Resolvera
descer para o desjejum tão logo soubera que os outros já o haviam feito.

Nos últimos dias, as refeições realizadas naquele salão tinham sido tensas,
em especial porque Raine lhe obedecera e permanecera reclusa no quarto. No
entanto, a ausência tornava-se um peso ante olhares especulativos de William,
Kendran e dos criados.

Minutos depois, Benedict escutou um ruído e divisou Raine adentrar o

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salão, mostrando-se mais adorável que nunca. Usando um vestido verde e com os
cabelos soltos ao redor dos ombros, ela parecia uma virgem imaculada e
inatingível. Ao notar a presença de Ainsworth, ela torceu o nariz, aborrecida.

Os ombros de Benedict se contraíam conforme Raine se aproximava. Ele
forçou um sorriso, na tentativa de esconder a infelicidade pelas noites insones
que passara pensando somente nela.

— Raine — cumprimentou-a, indiferente.
— Estou preparada a ser educada e nada mais — ela logo foi avisando.
— Suponho que eu deva estar grato por isso — Benedict ironizou.
Raine o ignorou, empinando o nariz. Ele ficou admirado diante do tremendo
desembaraço.

— Posso? — ela pediu, indicando o prato de comida. Benedict assentiu,
notando que, como ele, Raine protelara o desjejum na esperança de evitar um
encontro entre ambos.
— Por favor — ele replicou, incomodado. Parecendo alheia a Benedict,
Raine sentou-se do lado oposto da mesa e se serviu de pão e queijo. Ele a
estudou, discretamente.
O simples ato de morder a fatia de queijo chamou-lhe a atenção para os
lábios rosados. Os cílios negros realçavam a brancura das faces, e Benedict
tentava resistir àquela beleza. Ficara tão absorvido pelos pensamentos que
somente mais tarde notou que Raine se alimentara pouco.

— Kendran se parece muito com você — ela comentou, de repente.
Um tanto surpreso, Benedict ficou aliviado por ter outro assunto para
pensar, além da beleza estonteante da esposa e sua teimosia.

— É o que dizem.
Os olhos dourados o fitaram com explícito interesse.

— Sei pouco sobre sua família. Já ouvi falar de Tristan, claro, e Maeve me
disse que Mareei viajou.
A saudade do irmão apertou o peito de Benedict, embora aquele súbito
interesse o intrigasse.

— Por que pergunta, Raine?
— Estou cansada de discutir. — Ela sorriu. — Pensei em fazer uma trégua.
Amo meu irmão. Você ama os seus. E disse que se eu me comportasse, poderia
sair do quarto. Não aguento mais olhar aquelas quatro paredes. Esperava ficar
sozinha quando resolvi descer. Mas já que está aqui, estou disposta a cooperar.
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Benedict ficou impressionado com a franqueza, como acontecera desde o
início.

— Sempre diz o que pensa?
— Nem sempre. Vamos falar de seu irmão?
Pelo canto dos olhos, Benedict notou a entrada de Maeve. Ela sorriu e
ordenou aos servos que mantivessem distância.

A governanta estava sempre ciente de tudo que ocorria no castelo e
coordenava os empregados de acordo com a própria vontade. Estava claro que
Maeve aprovava a interação amigável entre o casal.

— Sim, Mareei está viajando — Benedict respondeu. — Sinto falta dele.
O belo rosto adquiriu uma solicitude que ele jamais vira.

— É natural. Não sei o que eu faria, caso me separasse de William. Ele é
tudo que tenho.
Por algum motivo, aquela sinceridade o tocou mais que o esperado.

— Mareei anda perturbado, apesar de meus esforços em abrandar seu
descontentamento — ele confessou, sem perceber. — A perda de nossos pais o
afetou profundamente e ainda não superou a dor. Se possuísse algo para ocupar a
mente, talvez... — Benedict suspirou. — Mareei apaixonou-se por... Bem, é
problema dele. Basta dizer que meu irmão não acredita ser correspondido, sente
que não tem nada a oferecer além de si mesmo.
— Genevieve — Raine murmurou.
— Como soube?
— Não fiquei bisbilhotando. Foi o comentário de Maeve que me fez deduzir
a situação. Ela disse que Genevieve não queria permanecer aqui, após a partida de
Mareei. Por que seu irmão acredita que ela não o quer?
Ele ficou surpreso em notar que ela era capaz de considerar outros
detalhes além da obsessiva necessidade de retornar a Abbernathy.

— Mareei é um cavaleiro sem posses, e Genevieve, uma rica herdeira. Por
tê-la em grande estima, não crê que seja digno de esposá-la. Eu gostaria de fazêlos
entender que... — Benedict fez uma pausa. — Só espero que o amor entre
Genevieve e Mareei os ajude a superar os obstáculos.
Ao terminar, Benedict sentiu um estranho pesar, ao imaginar como seria
estar apaixonado. Mareei não tinha idéia de quão afortunado era por poder
entregar-se livremente. Brackenmoore vinha em primeiro lugar no coração de
Benedict.

Talvez houvesse alguma vantagem em ter se casado com uma mulher que

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não esperava nada além do que ele podia oferecer. Raine não queria partilhar uma
vida em comum.

— Você, como minha esposa, rejeita o que lhe ofereço — confessou. —
Minha vida, meu corpo.

— Conhece meus sentimentos em relação a esse tema.
— Sua persistente recusa é uma afronta. Os empregados do castelo estão
observando. Notam que nunca entro em seu quarto e vice-versa, e que nos últimos
dias você permaneceu reclusa. Quando Genevieve retornar, precisaremos
encontrar-lhe outras acomodações porque o cômodo está ocupado. Ficará ainda
mais óbvio que não deseja ser uma esposa adequada a mim.
— Em Abbernathy, há muito espaço para acomodar a mim e meu irmão.
Quando os músculos ficaram tensos, Benedict fechou os olhos. Não iria
reagir. Nem por ela, nem por ninguém. Abriu os olhos e encarou-a, resoluto.

— Essa teimosia idiota não vai mudar nada. Você quis nosso casamento,
Raine, e essas são as consequências. — Benedict felicitou-se pela frieza. — Há
espaço suficiente em meu quarto para você e vai acabar ocupando-o.
Raine arregalou os olhos, apavorada.

— Sua reação não lhe dá crédito, mulher. O desprezo não é tão verdadeiro
quanto quer que eu acredite.
Uma exclamação de ultraje escapou dos lábios que tanto apreciaram seus
beijos. Os olhos dourados brilhavam de raiva e, Benedict notou, com sofrimento,
algo que atestava a acurada dedução.

Para o alívio de Raine, ela foi salva pela voz animada de William que corria
em sua direção.

— Raine, fui até seu quarto, mas não a encontrei. Fico feliz em saber que
está melhor. Deve ser horrível tolerar uma dor de cabeça por tantos dias.
Benedict reparou o jeito amoroso que ela fitava o menino. Com certeza,
Raine inventara aquela desculpa para justificar sua clausura e não revelar a
verdade ao irmão.

Como sempre, Benedict ficou comovido ante a atitude protecionista. Raine
podia ter envenenado William contra ele, contando-lhe o motivo da briga, mas não

o fizera. A dedicação ao garoto seria uma prioridade eterna.
— Preciso falar com você — William prosseguiu. — Kendran me convidou
para cavalgar com ele esta manhã. Disse que podemos ir até a praia, se eu quiser.
Grata por ter outro assunto para se preocupar, Raine ignorou o homem vil a
sua frente e sorriu.

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— Na praia? — perguntou a William, embora continuasse alerta aos
movimentos de Benedict.
Como pudera despender alguns momentos de ternura e imaginar quão
especial ele era por proteger os irmãos? Forçou a atenção em William.

— Sim, na praia, Raine. Brackenmoore fica perto do mar. Ele apontou o
teto. — Você pode vê-lo do platô do castelo.
Ela assentiu, dando-se conta de que não havia visitado aquela área do
castelo com Maeve. Lembrou-se do aroma carregado de maresia que sentira ao
chegar em Brackenmoore. Agora entendia por quê.

Arriscou olhar Benedict. Ele não lhe dissera que habitava tão próximo ao
mar, e Raine estivera ocupada demais com a infelicidade a ponto de atinar a
direção que tomavam durante a jornada. Claro, também não havia dado
oportunidade ao marido de dissertar sobre as terras, como ele tanto queria.

Porém, Benedict a desejava em Brackenmoore porque era sua esposa, sua
posse, tal qual um objeto. Não se importava com ela como mulher. Mesmo o
desejo insistente de possuí-la parecia advir da necessidade de evitar comentários
maldosos entre os empregados.

Raine ignorou o profundo desaponto. Queria somente voltar para casa. O
fato de que havia oferecido a inocência em troca da liberdade agora a
mortificava. Mas se encontrava tão desesperada que... Reparou que William ainda
tagarelava.

— Já que se sente melhor, por que não vem conosco, Raine? Você nunca viu
o mar.
Era verdade que desconhecia o oceano e estava curiosa para ver uma
quantidade tão vasta de água.

— Sim, eu os acompanharei.
Wil sorriu para o outro rapaz que estava próximo.

— Viu, eu disse que ela iria deixar. Raine não me bajula a todo momento.
Raine encarou Kendran. Sem dúvida, ele e Wil haviam conversado sobre
esse assunto. Não gostava de ser motivo de chacotas, ainda que suas ações no
campo de treinamento o houvessem surpreendido. Kendran não a conhecia e, tal
qual o irmão mais velho, julgava-a injustamente.

Agastada, disse a si mesma que não se importava com a opinião do cunhado.
Ela e William não permaneceriam em Brackenmoore.

Voltou a observar Wil. Parecia empolgado com a nova amizade, e Raine
sempre respeitara o conhecimento nato de William acerca do caráter das


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pessoas. Nesse caso, ela não devia descontar o ressentimento que sentia por
Benedict em Kendran.

De súbito, William voltou-se para Benedict e perguntou:

— Você também vai, Benedict, se não estiver ocupado? Aflita, Raine não
ousou olhar o marido, rezando para que ele estivesse ocupado. Não estava.
— Ficarei feliz em acompanhá-los até a praia.
A alegria de William foi explícita. — Será fantástico, não, Raine? Todos
nós juntos. Com um desespero que beirava o medo, ela teve vontade de gritar.
Mas não queria desapontar William, nem apagar o brilho daqueles olhos infantis.

Além disso, não desejava dar tamanho poder a Benedict. Se o fizesse, ele a
esmagaria sem perdão.

Mas como poderia acompanhá-los? De que maneira iria fingir que tudo
estava bem, que não se casara com o homem mais obstinado, mais dominador e
mais frio do mundo? Benedict não era o pior facínora que já nascera?

Indignada, voltou a fitar o marido. Ele a observava com uma expressão
estranha.

Respirou fundo. Nada poderia roubar-lhe a personalidade, nem abrandar o
medo e a solidão que sentira quando a mãe falecera e fora forçada a adquirir
responsabilidades ainda menina. Não havia sucumbido após a morte do pai,
tampouco à ansiedade de encontrar um marido. Benedict Ainsworth não
esmagaria sua determinação.

— Irei passear com vocês na praia, Wil — Raine repetiu, sorridente.
Felizmente a voz soou calma. Ninguém imaginaria que seu coração batia,
acelerado, enquanto Benedict a observava daquele jeito... esquisito. Sabia que
Kendran e William os vigiavam, e o jovem cunhado reparou na tensão que pairava
entre ambos.

Tão logo Raine convencesse Benedict a deixá-la retornar a Abbernathy,
nada disso teria importância. Contudo, sentia-se menos segura com aquele homem
do que havia planejado.

Afoito, William pegou uma porção de queijo e pão e começou a comer.

— Vai se apressar, não vai, Raine? Vamos sair logo. Assim que acabarmos o
desjejum. — Ele sorriu com a boca cheia de comida.
Surpresa ante o apetite do irmão, ela preferiu calar-se a ensinar-lhe bons
modos, mas Benedict não se conteve.

— Não fale com a boca cheia, William.
A tensão aumentou. Raine não pôde evitar a revolta que a assolou. Corrigir

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Catherine Archer A Dama da Floresta

William era tarefa de seu pai.

— Você pode ensinar meu irmão a guerrear — disse, friamente. — Mas, por
favor, deixe as boas maneiras para mim.
Os três, William, Kendran e Benedict, olharam para ela, boquiabertos.

— Tudo bem, Raine — William manifestou-se. — Quero mesmo que
Benedict me ensine como me portar. Ele é a pessoa mais adequada porque preciso
aprender a ser um nobre. Não há necessidade de você se responsabilizar por mim
agora.
Atônita, ela não conseguiu encontrar palavras para rebater o argumento.
Os três continuavam a fitá-la como se fosse a única dizer insanidades. Levantou-
se, lançando um olhar repleto de mágoa ao marido.

— Vou considerar sua colocação, William. Se me dão licença, perdi a fome.
— Não se esqueça de vamos cavalgar! — William exclamou. — Você
prometeu nos acompanhar.
A última vontade de Raine era cavalgar com os três, mas como declinar o
convite sem se mostrar covarde?

— Vou acompanhá-los — respondeu, fingindo calma. — Mas antes preciso
me aprontar. — Ao terminar, olhou para Benedict com indiferença.
Impassível, ele somente a examinava. Raine se virou e saiu do salão.

Assegurou-se de que a tristeza que a torturava advinha de William, não de
Benedict. A declaração do irmão fora mais dolorosa que imaginara.

Raine deixou que os outros seguissem na frente e apeou. Segurando as
rédeas da égua, começou a caminhar pela costa. Quanto menos contato com o
marido, melhor.

Observou William galopar entre Benedict e Kendran. O menino parecia tão
livre quanto a brisa do mar. O casamento fizera bem a ele. Pelo menos, aquela
união servira a algum propósito. Agora Wil podia desfrutar da infância, ao invés
de temer a ambiciosa tirania de Denley Trent.

Embora ele houvesse se esforçado em esconder, Raine sabia quão
apreensivo estivera e não podia negar a fantástica mudança do irmão. No
entanto, a despreocupação de William também a lembrava o autoritarismo de
Benedict. Devagar, começou a atinar que estava vendo o oceano pela primeira vez
e a sombra carregada de Benedict arruinava-lhe a experiência. O mar jazia
diante dela, enorme e profundo, tendo os raios de sol refletidos na superfície.
Raine diminuiu os passos para apreciar o céu azul do horizonte, o canto das
gaivotas e as ondas, desmanchando-se sobre a areia.


Catherine Archer A Dama da Floresta

O ar possuía um odor carregado de sal, misturado à umidade. Quase contra
a vontade, ela se permitiu que a gigantesca proximidade daquela expansão de
água a confortasse. A respiração abrandava com os passos lentos, tornando-se
profunda. Raine parou e ergueu o rosto de encontro ao sol, que aquecia suas
faces. Sem dúvida, a paisagem a afetava. Sentia a tensão se dissipar do corpo a
cada porção de ar que inspirava.

Já havia escutado histórias sobre o efeito do mar nas pessoas. Mas não
esperava encantar-se tão rapidamente e tampouco havia previsto que podia
experimentar algo semelhante em Brackenmoore.

Em vez de agradá-la, a sensação de paz a confundiu. Não queria encontrar
nada de prazeroso naquele lugar, caso contrário, estaria cedendo à autoridade de
Benedict.

Era um pensamento tolo, afinal. Não estava traindo Abbernathy e seus
habitantes porque se sentia em paz. O amor pelas colmas e vales não iria diminuir
por causa disso. Momentos depois, quando notou que o marido cavalgava em sua
direção, o prazer dos arredores foi esquecido por completo. Por que ele não a
deixava em liberdade?

Porque era Benedict Ainsworth e tudo deveria permanecer no local
estabelecido por ele. Inclusive Raine, a recalcitrante esposa. Pôde sentir a paz se
esvaindo como fumaça e sendo substituída pela irritação. Enquanto o observava,
reparou na elegância com a qual ele montava o imenso garanhão.

Quando Benedict puxou as rédeas do animal a poucos metros dela, Raine o
fitou com desdém.

Calado, ele a estudou com uma expressão de desaponto, mas logo a ocultou,
dando lugar à constante arrogância.

— O que está tramando, madame?
— Estou tentando apreciar a vista, milorde, apesar de sua aproximação.
A revolta era patente, mas Benedict não alterou o tom de voz, muito menos
o olhar de superioridade.

— Vim até aqui porque William está preocupado com sua demora. Ele a ama
muito e não quer vê-la magoada por nenhum motivo, incluindo a salvaguarda dos
próprios sentimentos.
— Eu seria incapaz de ferir William, é a pessoa mais importante de minha
vida.
Benedict bufou e, então, retrucou com calma:

— Se ele é tão importante, tente agir com bom senso. William está ansioso
para se tornar um homem, libertá-la de qualquer fardo ou responsabilidade. A
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lealdade que nutre por você não vai ficar abalada porque ele me quer como
guardião. Não tenho intenção de magoá-lo, e William sabe disso, apesar de sua
teimosia, Raine. Dificulta o crescimento de seu irmão com essas artimanhas
infantis.

Além da postura imponente, as palavras de Benedict alimentaram a raiva
de Raine.

— Artimanhas infantis! — ela gritou. Logo se sentiu incerta. Até William
havia dissertado sobre o mesmo tópico.
— Muito bem, já que tem todas as repostas, prossiga. Não vou interferir
mais.
Benedict podia sentir as chamas de ressentimento que queimavam em
Raine. Estavam aparentes naqueles olhos dourados, que pareciam absorvê-lo. Não
sabia como retrucar tamanho ultraje. Mas, lembrando-se de quanto ela amava o
irmão, resolveu tentar.

— Raine, seu ressentimento exagerado não faz o menor sentido. Quer me
ignorar ou maltratar o menino?
Ela ergueu os braços, exasperada.

— Está distorcendo minhas palavras.
Lutando contra a impaciência, Benedict esfregou o rosto. Não estava
distorcendo as palavras dela, nem de ninguém. Por que Raine sempre se opunha a
tudo?

Não tinha tempo, energia ou disposição para continuar a discutir com a
temperamental esposa. Contudo, queria que ela entendesse a situação para que
pudessem ter paz, e não porque tencionava roubar-lhe o irmão.

— Não estou distorcendo suas palavras, Raine — começou, com uma
paciência que não sabia possuir. — Só preciso entender o que quer de mim. Vamos
deixar William de lado por enquanto. Deseja que eu cuide do garoto?
— Claro que sim. Quero que o ensine e cuide dele. Mas... Benedict ficou
comovido ao ver o brilho de incerteza nos olhos dela.
Mesmo confiante e determinada, Raine necessitava do irmão para
sobreviver. Benedict compreendeu que ela temia perder William, e ele jamais se
perdoaria, caso a fizesse sofrer de alguma forma.

— Raine, não se preocupe. Não vai perder o amor de William. Ele sempre a
amará, a despeito das novas amizades que está fazendo em Brackenmoore.
Ela manteve-se calada, mas Benedict pôde perceber, pelo olhar de
profunda dor, que havia atingido o alvo.


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— Por que não consegue ver Brackenmoore como William e usufruir das
novas oportunidades, em vez de sentir-se perdedora? Nós, meus irmãos e eu,
seremos sua família agora, Raine. É minha esposa e será a mãe de meus filhos.
Tão logo terminou de falar, ele notou o corpo de Raine enrijecer.
Conscientizou-se então de que ela jamais o receberia, se não aceitasse a nova
vida. Havia perdido o pai, o lar, a existência que sempre conhecera, e sentir-se
feliz seria trair o passado.

— Não posso sossegar, sabendo que sou necessária em Abbernathy —
Raine declarou, confirmando a dedução de Benedict.

— Pode ficar sossegada em relação a isso. Mandei um administrador
vistoriar a propriedade de seu irmão na manhã seguinte a nossa chegada.
— Como pôde fazê-lo sem me deixar falar com ele antes? Há muitos
detalhes que ele ignora... o plantio tem de ser distribuído de outra maneira este
ano, os grãos devem ser plantados logo, e a terra, adubada. Esperamos a entrega
de um número específico de ovelhas que precisam ser pagas corretamente ou... —
Raine gesticulou, nervosa. — Ele não sabe de nada!
Benedict espantou-se com a importância das preocupações. Havia
imaginado que, sendo jovem, Raine não tinha idéia de como administrar uma
propriedade. Acreditara que a insistente teimosia em voltar era apenas capricho.

— Perdoe-me, Raine. Eu não sabia que estava tão envolvida no
funcionamento de Abbernathy. Supus que a administração havia virado uma
bagunça após o falecimento de seu pai.
— Pois é justamente isso que venho tentando lhe dizer, Benedict.
— Peço-lhe que me desculpe. Se eu soubesse, teria permitido que
conversasse com sir Max, um homem muito qualificado após anos trabalhando
para mim. — Benedict tentou reforçar, acrescentando: — Caso precise instruí-lo
acerca de outros detalhes, escreva uma carta minuciosa e a mandarei a
Abbernathy hoje mesmo.
— Faria isso? — ela indagou, surpresa.
— É evidente.
Constrangido, desviou o rosto, na tentativa de ignorar os mistérios que
envolviam aquela mulher. Também perguntou-se por que o pai havia esperado
tanto dela.

Mas Raine nunca falaria a respeito disso com ele. Considerava-o um inimigo.
Mesmo agora, comovida ante a permissão de poder comunicar-se com
Abbernathy, havia sofrimento nos olhos brilhantes.

Raine receava que depender do marido implicava em fracasso, abandono da


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própria autonomia. Benedict recordou com clareza o que William lhe dissera
quando o conhecera. O menino era muito sensível para alguém tão jovem. Via que
Raine se pressionava ao máximo a fim de não perder a coragem. A impulsividade
irracional representava um meio de conseguir tal intento.

Até as reações físicas tinha de manter sob controle, embora ela houvesse
provado quão completamente podia se entregar. Benedict não se deixou
confundir, achando que Raine nutria algum sentimento amoroso em relação a ele,
e sentiu certo pesar. Era somente uma jovem saudável e passional.

Queria acreditar que pudessem começar uma nova vida juntos em
Brackenmoore.

Se existisse alguém em Brackenmoore, como William, que Raine amasse e
protegesse, então talvez ela aceitasse viver longe de Abbernathy. Se concebesse
um filho...

De repente, Benedict sentiu uma imensa alegria. Com certeza, Raine
adoraria dar à luz uma criança. Se tivessem um bebê, ela veria o casamento com
outros olhos.

Sendo uma Ainsworth, gerar um herdeiro seria uma grande honra. Como
convencê-la disso, Benedict não tinha a menor idéia. Não era especialista na arte
de cortejar uma mulher. Despendia seus dias cuidando das terras e do povo, sem
se preocupar com noções frívolas. Os antigos relacionamentos amorosos não
haviam passado de acordos mútuos entre dois adultos.

Sabia que Raine não era indiferente a ele, por mais que isso a
desagradasse. Se pudesse ceder a ponto de conceber um filho, os sentimentos
acerca de Benedict e Brackenmoore mudariam.

Enquanto observava a determinação no lindo rosto, Benedict lamentou não
conhecer os artifícios da conquista. Raine merecia um homem capaz de cortejála,
mostrar-lhe quão maravilhosa e desejável era. Apesar de não preencher tais
quesitos, ele daria o melhor de si. Mas não estava preparado para discutir esse
assunto com ela. Não era hora nem lugar.

— Lamento suas perdas, Raine — disse, com extrema gentileza. — Sinto
por ter abandonado Abbernathy. Não tenho a menor intenção de magoá-la.
— Quero acreditar em sua sinceridade. Mas por que essa mudança tão
brusca, já que minhas tentativas de explicar-lhe a situação foram interpretadas
como insulto e rejeição? Quando se mostra gentil e afetivo, não sei como...
A súbita emoção que o dominou ante a vulnerabilidade de Raine deixou-o
perplexo. Arrependeu-se de todas as ações impensadas contra ela. Antes que
pudesse se conter, tocou-lhe o braço. Chocou-se com a inesperada ternura.


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Recuou depressa, precavendo-se de qualquer impulso. Queria ser gentil e
afetuoso com Raine, mas não desejava render-se a sentimentos que ainda não
compreendia. Não podia colocar a luxúria acima de suas responsabilidades, nem
mesmo uma esposa.

CAPITULO VIII

— Milorde?
Ao ouvir a voz do assistente, Benedict ergueu o rosto e logo divisou o selo
de Alister Harcourt. Pegou o rolo de papel da mão do homem, apreensivo. Aquele
emblema tornara-se muito conhecido nas últimas semanas.

O fato de aquela mensagem ter chegado tão depressa não era bom sinal.
Harcourt não levara muito tempo para responder à oferta do rei. E mais, se
enviara a réplica a Benedict, uma vez que fora Edward quem fizera a proposta,
ele provavelmente não havia aceito a negociação.

Benedict assentiu ao sério mensageiro que se encontrava atrás de seu
assistente.

— Obrigado. Vou redigir a resposta. Por favor, espere no saguão. Os
criados lhe servirão algo para beber.
O homem o reverenciou com formalidade e retirou-se da biblioteca.

Benedict rompeu o selo e começou a ler. Cada frase parecia pesar-lhe
sobre as costas. Por fim, sentou-se e esfregou o rosto.

Por que o homem insistia em uma retribuição pessoal? Por que não aceitava
a vontade do rei? Harcourt corria o grave risco de ter sobre si a ira de Edward
ao exigir que Tristan o enfrentasse em combate. Fora esse o tema central de sua
última mensagem.

As respostas surgiram claras na mente de Benedict. Alister Harcourt
almejava vingar a morte de Maxim. Não queria entender a situação, tampouco
sabia que tipo de homem fora seu irmão.

Com franqueza, Benedict admitia que se alguém assassinasse um de seus
irmãos, chamaria o criminoso para um duelo mortal. No entanto, Alister Harcourt
cometia um erro crasso nessa história.

Tinha de acontecer agora?, pensou, suspirando. Se o relacionamento com
Raine não estivesse tão tumultuado, iria a Trenley e enfrentaria o homem
pessoalmente. Mas não poderia, não com a ausência de Tristan e Lily. Se algo
acontecesse a ele, Kendran ficaria encarregado de tudo e tinha apenas dezesseis
anos.

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Catherine Archer A Dama da Floresta

Tampouco podia alertar Tristan porque não queria que ele soubesse das
ameaças de Harcourt.

Tentou se convencer de que a relutância em ir a Trenley não tinha nada a
ver com Raine, mas foi em vão. Se a deixasse sozinha, ela fugiria para
Abbernathy o mais rápido possível.

Assegurou-se de que não se importava porque não nutria nenhum
sentimento romântico por ela. A despeito do sofrimento, Raine era tão
imprevisível e teimosa quanto uma mulher podia ser.

Benedict precisava de mais tempo para conseguir gerar o almejado filho.
Nos últimos dias, arquitetara um meio de trazer o assunto à tona.

Desde a conversa na praia, ambos pareciam manter uma trégua silenciosa.
Hesitava em tomar alguma atitude que pudesse arruinar a paz, ainda tão precária.
Raine o evitava sempre que possível. Também estava consciente de que ela o
observava com cautela.

Suspirou e fitou a carta. As ameaças de Alister Harcourt permaneciam
pendentes. Benedict bateu o punho na mesa, agitado. Havia prometido a si mesmo
que o casamento não interferiria em seus deveres.

Voltou a olhar a mensagem. Vinha evitando qualquer contato pessoal com
Harcourt. Se enviasse uma carta solidária à dor e explicasse que nada ganhariam
com outra morte, talvez o homem esquecesse o assunto.

Ainda pensativo, Benedict pegou uma pena e um papel. Porém, quando fez
menção de escrever, novamente a imagem de Raine surgiu-lhe à mente. Os olhos
dourados carregados de desejo, os lábios trêmulos que ansiavam por um beijo...

A visão trouxe uma onda de paixão e expectativa. Benedict respirou fundo
a fim de abrandar a intensidade do desejo. Não podia mais negar, queria Raine,
desde a primeira vez em que a vira.

Consumar a união poderia gerar um filho e uma paz verdadeira entre
ambos, e era nisso que Benedict devia se concentrar. Não deixaria o desejo
dominá-lo.

Impaciente, olhou o papel ainda em branco. Não havia tempo de protelar a
tão desejada paz entre ele e a esposa. Vários assuntos exigiam sua atenção e,
mesmo a contragosto, só sossegaria quando eliminasse a animosidade no
casamento.

Raine sabia que era tarde, pois tinha dispensado Aida havia horas. Não
conseguia pegar no sono. Estava sentada diante do fogo, ciente de que o calor
aquecia-lhe as faces, mas sentia-se alheia às chamas da lareira e aos arredores.

Pensamentos conflitantes em relação a Benedict a perturbavam. Ele agira


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com tanta gentileza na praia que Raine quase esquecera a revolta de sentir-se
aprisionada. Porém, achava-se correto em apenas uma questão: ela tolhia a liberdade
de William.

Benedict não queria magoá-lo. Sua devoção à família havia se tornado clara
no dia em que falara a respeito dos entes queridos. Raine não tinha dúvidas de
que Wil estaria seguro até que pudessem retornar a Abbernathy.

O que mais a afligia eram as crescentes preocupações com o marido, o qual
esforçava-se em evitar. Nos últimos dias, ela e Aida passavam longas horas
bordando roupas que não requeriam bordados e remendando vestidos que não
precisavam de reformas.

De nada adiantou. Sempre que Benedict encontrava-se próximo, Raine o
observava, avaliava os ombros largos, escutava o som da voz profunda, estudava
os movimentos das mãos largas.

De sua parte, Ainsworth parecia completamente desatento a tamanho
interesse. Devia sentir-se grata por ele nem sequer notar sua obsessão, do
contrário, poderia interpretar os olhares fugidios como um convite sensual, um
assunto, aliás, que parecia esquecido.

Entretanto, Raine não estava satisfeita. No fundo de sua alma, queria que
Benedict prestasse atenção nela.

Não era tão inexperiente a ponto de não reconhecer a paixão do marido
quando a beijara. Nos instantes em que a tocara, que fizera seu corpo acender,
Benedict conseguira mascarar os efeitos que as carícias lhe causavam. Fora
capaz de ir embora sem experimentar o tormento emocional que deixara nela.

Tal fato não abrandava a mente de Raine. Continuava a pensar em Benedict
dia e noite.

Talvez, ponderou em desespero, obtivesse a bonança se desse vazão aos
desejos de seu corpo. Caso se entregasse a ele, podia finalmente sossegar a
confusão e ambiguidade do coração. Com certeza, era apenas atração física o que
a ligava a Benedict.

Não havia nada mais no marido que lhe atraísse tanto a atenção. A bondade
de alma significava uma qualidade, certo, mas a tendência dominadora superava
tudo.

Raine não imaginava como conseguiria empreender tal façanha. Os
sentimentos por Benedict a consumiam. Se amenizasse o estranho clamor, talvez
pudesse se concentrar em assuntos mais importantes.

Mas era loucura! Não podia simplesmente ir até Benedict e revelar o
desejo de fazer amor com ele. Raine levou as mãos ao rosto quente, incapaz de se


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libertar da própria turbulência.

Quando a porta do quarto se abriu, ela não se virou de imediato para ver
quem era. O som repentino, tal qual todo o resto ao redor, não tinha a menor
importância ante a preocupação que lhe roubava o sono.

Mas, ao escutar a voz rouca de Benedict pronunciar seu nome, ela o
encarou. Nem a vestimenta longa de veludo preto nem a figura viril causaram-lhe
um impacto tão intenso. O rosto barbeado e os cabelos penteados indicavam que
ele havia se preparado para encontrá-la.

Os penetrantes olhos azuis focados em Raine a faziam estremecer. Na
verdade, sabia por que Benedict estava ali, a necessidade o levara até ela.
Depressa, disse a si mesma que não deveria tirar conclusões precipitadas.
Haveria de ter uma razão para aquela visita.

Se as intenções fossem consumar o casamento, ela não poderia concordar
de pronto. Imaginar-se nos braços do marido era diferente de concretizar o ato.

— Estive pensando em nós, sobre nosso relacionamento. — Benedict falou,
demonstrando certa incerteza.
Naquele momento, a verdade veio à tona. Benedict a queria também. Ele
viera a seu encontro porque estava envolvido pelos mesmos sentimentos que a
incomodavam.

A constatação trouxe outra onda de calor que a deixou ofegante. Ela se
levantou, devagar.

— Benedict... — Raine ouviu o desejo ardente no próprio tom de voz. Pior,
sabia não poder evitar o que estava prestes a fazer.
Ambos se entreolharam, e o resto do mundo pareceu desmanchar como
fumaça. Só existiam Raine e Benedict e o total reconhecimento do que queriam.
O inevitável acontecia. Quando ele se aproximou com seu charme habitual, ela
apenas abriu os braços.

A avidez não foi somente prazerosa, também dissolveu as últimas
barreiras. Tão logo Benedict a tomou nos braços, Raine ergueu o rosto para
beijá-lo.

Os lábios firmes não a desapontaram, o beijo ardente a fez derreter-se, e

o coração começou a bater mais forte.
De súbito, Benedict interrompeu o beijo e a fitou. Estonteada, Raine
divisou o brilho azulado da paixão.

— Não sei o que dizer, Raine. Não esperava...
Raine o abraçou e, na ponta dos pés, mostrou a ele que estava pronta para


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a consumação. Não havia necessidade de palavras, apenas a manifestação dos
sentimentos que os assolavam.

Benedict não sabia o que ocasionara aquela mudança em Raine. Tinha
refletido acerca de uma maneira de abordar o assunto e, por fim, resolvera agir.
Não imaginava que ela o receberia tão afoita, mas tampouco ousou questionar.

A idéia de revelar a vontade de ter um filho e, assim, conquistar a paz no
casamento sumira de sua mente. A recepção calorosa de Raine fez renascer o
poder da atração.

Naquele instante, Benedict não podia esconder a verdade de si mesmo.
Desejava a esposa mais do que se achava capaz, apenas ela poderia cessar o
tormento de uma paixão incontrolável. Somente isso o obrigara a abandonar a
solidão e decidir. Apenas Raine.

Ele a beijou outra vez. O corpo de Raine colou-se ao dele, e os seios
pressionaram o tórax musculoso.

Quando Benedict envolveu-lhe a cintura, ela notou que o robe estava
aberto pois podia sentir o calor do toque sensual sobre a camisola. Prendeu a
respiração por um longo momento, enquanto os dedos atingiam um dos seios.
Então soltou o ar ao sentir a carícia.

Benedict afagou o mamilo túrgido, e Raine inclinou-se para trás, a fim de
dar-lhe maior liberdade.

Conforme a avidez da esposa aumentava, o corpo de Benedict reagia a cada
gesto. Gemendo, apertou-a contra si, desvelando o calor do desejo.

Voltou a beijá-la, liberando o crescente ardor, que tanto tentara reprimir,
e expandindo a deliciosa sensação como a correnteza de um rio. A necessidade
urgente subjugava-o à força tentadora daquela mulher.

Ao sentir a intensidade do desejo de Benedict, Raine se viu envolvida por
uma urgência que não soube nomear. Em outros momentos, tinha apenas iniciado a
jornada naqueles vales de prazer, agora ela contava com a experiência de
Benedict para terminar a exótica tortura.

Dessa vez, não permitiria que nada os atrapalhasse, nem ela própria. Não
queria negar a paixão. Quando Benedict a carregou e levou-a à cama, Raine
suspirou de alívio e expectativa.

Surpreso consigo, Benedict deitou-a entre os travesseiros macios. Fitou a
esposa e viu o brilho ardoroso dos olhos.

— Sim — ela murmurou.
Lentamente, ele tirou o robe, deslizando-o sobre os ombros delicados
enquanto Raine se erguia para ajudá-lo. Jogou a peça no chão e voltou a


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concentrar-se na camisola, nas doces curvas, fracamente reveladas sob o tecido
transparente.

Ele veria a pele alva, tocaria e beijaria o corpo feminino até ouvi-la
implorar por satisfação. Estava determinado a protelar o momento, controlar-se
até explorá-la por completo.

Mais uma vez, Raine o ajudou, parecendo tão dominada pela paixão quanto
ele. Benedict não havia se preparado para a emoção de observá-la deitar-se
sobre os travesseiros, nua e com a expressão tímida nos olhos. Tirou a
vestimenta de veludo, imaginando que reação Raine teria ao vê-lo tão desejoso
para a união.

Atento, notou o rubor nas faces quando ela o examinou. Não desviou o
rosto, mas tornou-se sôfrega enquanto olhava o sinal de sua masculinidade.

A ousadia do gesto o impeliu a tomá-la nos braços, tremendo de
antecipação.

A pele macia incitava cada parte do corpo de Benedict, mas ainda não
estava pronto para completar o ato. Daria prazer àquela mulher que o levava a
altos patamares, por mais autocontrole que isso lhe custasse.

Beijou-a longa e ardorosamente, fascinado. Afastou-se e apreciou a
perfeição dos seios tão tentadores. Enlevado, sugou um dos mamilos e escutou-a
gritar.

— Benedict... — Raine agarrou os cabelos negros. Rindo consigo, ele se
fixou no outro seio. Somente quando a sentiu estremecer, começou a beijar as
curvas do torso, antes de atingir a doce região entre as pernas. Raine soltou um
gemido profundo. Benedict aprofundou a carícia, explorando o calor da
feminilidade.
Ao sentir os lábios de Benedict na parte mais secreta de si, Raine achou
que ia desfalecer. Parecia inflamar, chamas de calor espalhavam-se pelo corpo.
Não conseguia raciocinar enquanto era dragada pela paixão abrasadora.

A respiração tornou-se mais intensa, e as sensações cresceram. Cada nervo
clamava por satisfação imediata, e, quando o deleite a atingiu, tremor após
tremor a invadiu.

Benedict abraçou-a, esperando que o clímax finalizasse. Ele ansiava por
liberar a própria necessidade, mas conseguira conter-se.

— Mostre-me mais desta adorável experiência — Raine sussurrou.
Esquecendo o autocontrole, ele posicionou-se sobre a esposa, que o
recebeu sem restrições. Contudo, não a penetrou no mesmo instante.

Embora a houvesse preparado, Raine ainda era virgem, e Benedict não


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tencionava machucá-la.
Gentilmente, começou a penetrá-la, segurando-se.

— Por favor, Benedict — Raine implorou.
— Não quero lhe causar dor...
— Não vai me machucar — ela afirmou. E, com um movimento sensual,
acolheu-o dentro de si.
A força de Benedict esvaiu-se, começou a se mover e fechou os olhos,
enquanto ambos empreendiam um ritmo harmônico. Ondas de prazer percorriam o
corpo másculo que parecia se fundir ao dela.

Então, viu-se caindo em uma brilhante piscina de êxtase e perdeu-se na
etérea união.

— Raine — sussurrou, ao atingir o clímax. Embora o impacto da satisfação o
enfraquecesse, conseguiu forças para deitar-se e aconchegá-la sobre si.
Segurou-a entre os braços até que a respiração de ambos voltasse ao normal.
Normal? O mundo parecia estranho. Não sabia se sua vida voltaria a ser normal
após aquela experiência selvagem e passional.
— Não sabe quão apreensivo eu estava em lhe dizer que a desejava.
Ela suspirou e o fitou com os lindos olhos dourados.
— Verdade, Benedict?
— Confesso que sim. Nunca imaginei que estivesse disposta a me aceitar
quando entrei aqui para acabar com a guerra entre nós. Queria que assumisse a
posição de baronesa de Brackenmoore, a futura mãe de meus herdeiros.
De repente, Raine ficou tensa.

— Por isso veio me ver? Para que eu aceite o nobre título de baronesa e
mãe de seus herdeiros?
Benedict sentiu uma estranha sensação, mas a ignorou.

— É claro. Eu esperava convencê-la a assumir seu lugar para o bem de
todos.
— Para o bem de todos — Raine repetiu, com a voz fraca. Benedict hesitou.
— Sim, de todos nós.
Raine levantou-se, puxando a coberta consigo. Incomodado, Benedict
observou-a enrolar-se no tecido antes de enfrentá-lo. A frieza do olhar o atingiu
como uma lança.

— Quero que vá embora.
92




Catherine Archer A Dama da Floresta

— Mas Raine... — Ele tentou aproximar-se.
— Não me toque. Não sei por que me deixei seduzir. Você deseja apenas
facilitar sua vida, quis me domar para poder voltar a atenção a sua preciosa
fortaleza.
Calado, Benedict levantou-se e pegou a vestimenta no chão. Os movimentos
eram agressivos e rápidos, mas Raine pôde divisar o corpo que, momentos antes,
trouxera-lhe tanto prazer.

Desviou o olhar, observando o tapete, os enfeites do leito, o teto de pedra,
qualquer objeto, exceto o marido que marchava até a porta.

— Você pode acreditar que agi errado, que a magoei de alguma forma, só
porque eu desejava melhorar nosso convívio — ele falou, com arrogância. — Mas
não diga que a seduzi. Recebeu-me, minha esposa, de braços abertos.
O grito de ultraje ecoou pelo cômodo quando a porta se fechou.

Irada, jogou os travesseiros no chão. Não havia motivos para tanta
indignação. O que ele dissera era verdade. Raine não podia culpá-lo, fora a única
responsável.

O ato amoroso somente servia para dificultar sua aceitação.

Após passar a noite inteira acordada, Raine chegara a uma conclusão. Não
podia permanecer em Brackenmoore. O fato de que Benedict fizera amor com ela
apenas para reforçar seu domínio causava-lhe um vazio tremendo no peito.
Maldito aquele que se dizia seu marido.

No mínimo, entregar-se a Benedict fora uma imprudência. Não ajudava
saber que o desejo por ele tornara a conquista tão fácil. Fora impossível negar o
encontro sensual. Em que estava pensando, afinal? Seria plausível opor-se a ele
somente para ignorar a dolorosa atração que sentia pelo marido?

Não enganava ninguém, a não ser a si mesma. A despeito das razões
impiedosas de Benedict Ainsworth, ela o desejava mais que nunca. Não se achava
preparada para os sentimentos que ele despertava em seu corpo, tampouco para o
fato de que o calor da paixão continuava a arder dentro de si.

Mesmo agora, podia sentir os toques exóticos e estremecia de desejo. Não
conseguiria enfrentá-lo novamente, sabendo que sua autonomia era tão suscetível
às carícias.

Só havia uma atitude a tomar. Abandonaria Brackenmoore antes que
tivesse tempo para reconsiderar.

No entanto, podia ser pega e encarcerada naquelas muralhas. Caso isso
acontecesse, haveria poucas chances de fugir no futuro porque Benedict a
tornaria ainda mais prisioneira. Porém, tinha de tentar.


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O primeiro passo seria informar William de sua decisão. A possibilidade de
ele recusar-se a acompanhá-la resvalou-lhe a mente.

Horrorizada, Raine eliminou o pensamento. Claro que William aceitaria. Era
seu irmão, e Abbernathy, seu lar, sua herança. A fiel lealdade não teria acabado
só porque ele se apegara a Benedict e Kendran.

Embora estivesse convicta, Raine não foi procurar o irmão. Ocupou-se
primeiro com alguns pertences de que precisaria durante a viagem, poderia
sobreviver com pouco.

Fugir de Brackenmoore e da presença opressiva do marido sobrepujava a
perda de alguns itens.

Também contaria a Aida. A criada não ficaria na fortaleza. Afinal, fazia
parte da família. Mas Aida nada saberia até que Raine estivesse pronta para
partir. A serviçal era muito tagarela, e podia colocar tudo a perder, caso os delatasse
sem querer.

Por acaso, Aida adentrou o quarto quando Raine terminava de arrumar a
mala. Não foi necessário explicar o plano porque a criada o deduziu na hora.

— Estamos partindo? — Aida sussurrou.
— Sim. E agora que sabe, precisamos ir imediatamente.
— Acha que é a atitude mais sábia, milady? — ela perguntou, ansiosa.
Raine recusou-se a discutir o assunto.
— Partiremos pela manhã. Pegue apenas o que conseguir carregar.
— Mas como faremos isso?
— Você, William e eu sairemos para cavalgar separados e nos
encontraremos na praia após o desjejum. Seguiremos a Abbernathy pela costa.
— Lorde Benedict não irá admitir.
— Ele não vai suspeitar até que estejamos bem longe daqui. Jamais
pensará que partimos sem os homens de William, Aida.
A criada arregalou os olhos.

— Não podemos, milady. A jornada é muito perigosa para duas mulheres e
um menino.
— Por isso temos de ter cautela. Se prefere permanecer em
Brackenmoore, a escolha é sua.
— Sabe que eu nunca deixaria milady e William empreenderem uma viagem
sem mim.
— Muito bem. Esteja pronta. Vou falar com William o mais rápido possível.

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Naquela noite, foi difícil esconder a agitação e ficou aliviada ao notar que o
marido não comparecera à mesa. Se Kendran desconfiou de algo, não fez qualquer
comentário e jantou, despreocupado, tal qual Willíam.

Contudo, Kendran supôs que Benedict devia estar ocupado até tarde da
noite. Raine, pressentindo o olhar do rapaz, fitou-o com uma máscara de
inocência. Ele a observou por um momento, sorrindo, e então voltou a atenção ao
prato. O sorriso sutil mostrara a Raine que Kendran estava mais ligado aos
acontecimentos do que aparentava.

Nervosa, esperou a refeição terminar para pedir a William que a
acompanhasse até seu cômodo. Ele acenou ao sorridente Kendran e retirou-se
com a irmã.

Ela sabia que seria um grande sacrifício para William partir sem se
despedir do cunhado, mas era preciso.

Informá-lo acerca do plano na última hora fora deliberado. Não queria
obrigá-lo a dissimular diante dos irmãos Ainsworth. Era pedir demais, em especial
porque William se apegara aos dois. Tentou parecer calma quando o convidou a
entrar no quarto e fechou a porta.

William escutou o esquema de fuga, calado. Em seguida, estudou-a por um
longo instante.

— Quer que eu saia a cavalo sozinho pela manhã — repetiu, um tanto
chocado. — E devo ir até a praia. Você planeja me encontrar lá para fugirmos de
Brackenmoore sem escolta?
— Exato.
— Acha que devemos nos arriscar? Como conseguiremos realizar uma
jornada como essa sozinhos? O que Benedict irá pensar?
Raine ficou comovida ante a tristeza do irmão, mas não se deixou abater.

— William, eu lhe disse quando chegamos a Brackenmoore que não iríamos
ficar. Sabe o que meu marido vai pensar. Ele nos obrigou a vir. Quanto ao fato de
irmos sem escolta, não posso correr o risco de alertar seus homens. Viajaremos
durante a noite e ficaremos escondidos na floresta durante o dia. — Raine notou
o próprio medo na voz.
— Vejo que já planejou tudo. E sim, Raine, sei que Benedict nos obrigou a
vir. Mas por que agora? — William a inquiriu. — Pensei que você... Parece-me que
ser esposa de Benedict já não é tão desagradável quanto no início.
— O que quer dizer? — Raine indagou, ruborizada.
— Bem... vi Benedict saindo de seu quarto ontem à noite. Raine sentiu-se
corar da cabeça aos pés. Seria inviável fazê-lo entender que Benedict não era tão

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repulsivo. Na verdade, era o medo de sucumbir a ele que a forçava a fugir.

Os olhos verdes de William focavam os dela, apesar da óbvia vergonha de
abordar um assunto tão íntimo.

Mais uma vez, Raine convenceu-se de que William não entenderia a real
necessidade de não se submeter ao controle absoluto de Benedict, como os
demais habitantes de Brackenmoore pareciam fazer.

— Willíam, não posso explicar tudo a você. — Raine ergueu o queixo. — Por
favor, entenda que temos de partir. Também tente compreender que a fuga é
para seu bem.
Ele respirou fundo.

— Como quiser. Farei o que me pede.
O alívio foi tão grande que ela nem sequer conseguiu falar. Virou o rosto a
fim de evitar que o irmão testemunhasse as lágrimas. Somente agora dava-se
conta de quão temerosa estava em relação a William não acompanhá-la.

— Obrigada, Wil, por sua lealdade — agradeceu, em voz baixa.
Sentiu-o tocar-lhe o ombro e reparou que havia revelado mais do que
desejava. Ela estava determinada e manter-se firme para que o irmão não
sofresse. Como sempre, tinha de evitar que William experimentasse o terror e a
solidão que Raine vivera quando o pai caíra em desespero.

— Minha lealdade sempre foi e sempre será a você, Raine. Temos o mesmo
sangue. Rezo para que nunca se esqueça disso.
Dessa vez, ela o encarou, desvelando os sentimentos. Ficou tomada pela
doce emoção.

— Eu o amo, William.
— Também a amo — ele replicou, de repente, constrangido com a troca de
afeto. — Agora diga exatamente o que quer que eu faça.
Raine sentiu o amor pelo irmão aumentar. Era apenas um menino e já
possuía a sensibilidade de um homem decente. Respirou fundo e relatou o plano.

A despeito da alegria por ter o apoio de William, Raine sentiu uma ponta de
remorso. Quando decidira partir, havia imaginado que o irmão a condenaria.

Mesmo depois de ele aceitar o plano e mostrar-se disposto a segui-la,
Raine continuava insegura. Suspeitava que a sensação advinha do fato de
abandonar Brackenmoore, sem dúvida, não tinha nada a ver com Benedict.

Muito menos, relacionava-se à resolução de nunca mais se permitir o
prazer que havia encontrado nos braços de seu marido.

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CAPÍTULO IX

A jornada foi de pura determinação. Nada mais poderia fazê-la suportar
os dois longos e tenebrosos dias que passara acordada, rezando para nenhum
malfeitor descobrir o esconderijo entre as árvores. Nem as noites de cavalgada
pareceram melhores, enquanto tentavam encontrar o caminho a Abbernathy sob
a escuridão das estradas sombrias.

Quando, enfim, chegaram, Raine fora incapaz de sentir alegria. Não tinha
energia para nada além do alívio de dormir na própria cama, após a exaustiva
expedição de incerteza e medo.

De tão fatigada, também não conseguiu responder às perguntas dos
criados, que claramente comemoravam sua volta. Raine tinha certeza de que Aida
ficaria feliz em satisfazer a curiosidade de todos na manhã seguinte.

Quando os primeiros raios de sol surgiram através das janelas, indicando
que um novo dia amanhecera, Raine acordou na mesma hora. Sentou-se no leito
que possuía desde a infância e olhou ao redor, esperando sentir a antiga sensação
de segurança. Nada aconteceu. Esquadrinhou o quarto, confusa. O que havia de
errado?

As cortinas estavam abertas, pois não as havia fechado na noite anterior
tamanho era o cansaço. Portanto, o cômodo inteiro encontrava-se iluminado.
Todos os objetos permaneciam em seus devidos lugares. O sol primaveril refletia
sobre a superfície da mesa. As lindas tapeçarias, que sua avó confeccionara,
continuavam presas às paredes. O espelho e a escova de prata, que seu pai lhe
dera de presente de Natal, ainda jaziam sobre a cômoda de carvalho. Na lareira
havia apenas brasas.

Nenhum detalhe fora alterado. Por alguma razão inexplicável, Raine sentia
falta de algo. Nem sequer ousou imaginar o que poderia ser. No íntimo, temia que
a estranha sensação estivesse relacionada a Benedict Ainsworth.

Tão logo se lembrou do marido viril, Raine levantou-se, vestiu o robe e
caminhou até a porta. Não pretendia ficar alimentando pensamentos impossíveis.
Não se importava com aquele homem dominador.

Dirigiu-se ao quarto de William. Ele penteava os cabelos quando Raine
entrou nos aposentos.

— Raine, bom dia!
O olhar profundo lhe dizia que William também se sentia perdido.


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— A manhã está muito tranquila — ele prosseguiu. — Em Brackenmoore,
Kendran e eu acordávamos cedo e íamos fazer o desjejum juntos.
Raine ficou apreensiva ao notar a saudade que o irmão já sentia. William
afeiçoara-se a Kendran. Como não possuísse um irmão, ele havia experimentado
uma nova emoção com o rapaz.

Devagar, ela sentou-se na beirada da cama.

— Sim, está quieto aqui, Wil, mas não só porque nos acostumamos à vida
em Brackenmoore. Vamos nos sentir estranhos e saudosos até superarmos... —
Raine deteve-se, emocionada. — Até superarmos a morte de nosso pai.
— Suponho que esteja certa, Raine, mas a ausência de papai era mais fácil
de aguentar quando eu jogava xadrez com Kendran ou cavalgava com ele e
Benedict durante o dia. — William baixou os ombros.
A postura masculina que ele adotara na presença de Kendran não mais
existia junto dela.

Maldito Benedict por tê-los obrigado a ir a Brackenmoore! Se não fosse
por ele, William não estaria ressentido com a súbita mudança, tampouco Raine.
Diante das confidências do irmão, ela preferiu omitir as mágoas que nutria pelo
marido, afinal, William não era responsável pela falta de consideração de
Benedict.

— Sei quanto é difícil para você. — Raine abraçou o irmão pelos ombros. —
Se conseguimos superar a dor, antes de ir à corte e conhecer Benedict, seremos
capazes de fazê-lo novamente. Abbernathy é nosso lar, e papai gostaria que nos
lembrássemos disso.

— Tem razão. — As palavras foram pronunciadas devagar e em um tom
acentuadamente triste.
Pouco tempo atrás, a presença de Raine fora suficiente para alegrar
William. A bem da verdade, ele passava horas mergulhado nos livros ou com os
cavalos. Mesmo antes, quando o pai estivera vivo, Wil mostrava-se solitário.

A convivência com Kendran e Benedict lhe havia oferecido outras
possibilidades de ocupar o tempo. Até Benedict, a despeito da dura
administração de suas terras, encontrava disposição para estar com o menino.

Agora Raine queria apenas que ela e William recuperassem a relação que
tinham perdido. Não era um rapazola de dezesseis anos, mas daria o melhor de si
para ser uma boa companheira ao irmão.

Também desejava que William lhe fosse suficiente. O fato de relembrar,
mais e mais, cada momento que passara nos braços de Benedict não acalentava
sua alma. Porém, conseguiria esquecê-lo, pois esta era a única alternativa que lhe


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restava.

Benedict galopava, pressionando a si mesmo e aos homens para além do
bom senso. Sabia que seu cavalo estava tão exausto quanto ele próprio que sofria

o efeito da dura jornada pelo corpo. Mas não conseguiria parar até atingir
Abbernathy.
Uma ira irracional o havia dominado no instante em que ficara sabendo do
sumiço de Raine. Maeve, estática à porta da biblioteca em Brackenmoore,
balbuciara palavras a princípio incompreensíveis. Sua expressão era de pura
incredulidade.

— Milorde, eles se foram... lady Raine, o irmão e a criada.
— Eles se foram? — Benedict se levantara, assustado. — Como assim?
— Não sei para onde foram, milorde, apenas sei que não se encontram no
castelo. — Maeve respirou fundo. — Ninguém mais os viu desde que saíram para
cavalgar de manhã.
— Dei ordens expressas aos criados para que me informassem de cada
movimento de minha esposa e cunhado — Benedict esbravejou, assustando
Maeve.
— Eles não saíram juntos, milorde, e ninguém imaginou que...
— Os homens de William também desapareceram?
— Não, milorde, eles também não têm idéia de onde lady Raine e lorde
William possam estar.
Benedict poderia interrogar os homens, no entanto, pressentia que Raine
não lhes havia confidenciado nada, caso contrário, os fiéis soldados não a
deixariam sair desprotegida. Também poderia mandar vasculhar cada canto do
castelo e seus arredores, mas não os encontraria. Sabia para onde tinham ido e
por quê.

Em questão de poucas horas, conseguira que seus homens e os de William
se preparassem para partir. Os últimos, com certeza, seriam capazes de guiá-lo
até Abbernathy.

Os dedos de Benedict apertavam as rédeas, enquanto esporeava o cavalo.
Raine em breve aprenderia a não agir por livre vontade. Não tinha permissão de
partir e ainda carregar o irmão de onze anos, sem escolta, preocupando não só
Benedict, mas todos os habitantes de Brackenmoore. Nem sequer ousava
considerar a possibilidade de ela não ter conseguido chegar a Abbernathy.

A profunda aflição aumentava a ansiedade. Claro, os sentimentos receosos
advinham da responsabilidade que possuía como marido. Afinal, o casamento os
unira. Seria loucura nutrir alguma emoção pessoal por ela. A noite lancinante que


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haviam passado juntos não entrava no mérito.

Raine tinha fugido só porque Benedict tentara fazê-la entender que
precisavam se acertar a fim de gerarem um herdeiro para Brackenmoore. Aquela
fuga inesperada era mais um sinal de egoísmo e irresponsabilidade.

Seria ótimo chegar em Abbernathy antes dela e receber a teimosa esposa
como esta merecia. Duvidava de que Raine, William e a criada houvessem
percorrido a mesma distância com mais destreza que Benedict e seus homens.

Não tinha a menor noção de quanto tempo havia se passado quando as
muralhas de Abbernathy surgiram no horizonte. Benedict galopou até os portões
e parou.

— Abram!
Um homem apareceu sob a escuridão. O pronto atendimento agradou
Benedict, pois significava que o guarda não estava dormindo em seu posto,
indicava também que sir Max cumpria os deveres administrativos com eficiência.

— Quem ordena entrada? — perguntou o vigia em tom de autoridade.
Mais uma vez Benedict ficou satisfeito, mas não tinha paciência para
discutir.

— Benedict Ainsworth, o marido de lady Raine. Houve um longo silêncio.
— É o marido de lady Raine? — o homem indagou.
— Sou e não vou tolerar esta demora. Se não abrir os portões, derrubarei
pedra por pedra. E acredite-me, homem, até lá estarei muito furioso.
— Por favor, milorde, aguarde um instante para que eu obtenha permissão.
Não posso abrir os portões, apesar de acreditar em sua ameaça. Irei ter com sir
Max ou lady Raine. Se estiver dizendo a verdade, um dos dois permitirá sua
entrada.
Ela estava lá. Benedict ignorou a sensação de alívio para não diminuir a
raiva que sentia. Compreendia também que o guarda não tinha nada a ver com as
atitudes irritantes de Raine.

— Vou contar até cem. É o tempo que lhe dou e nada mais além disso.
O homem desapareceu. Benedict não contou o tempo. Sabia que o guarda
cumpriria sua obrigação o mais rápido possível. Momentos depois, ele retornou,
ofegante.

— Pode entrar, milorde, e perdoe-me a demora.
Benedict permaneceu calado, observando os portões se abrindo.
Mesmo sendo informada de sua chegada, Raine não teria nenhuma

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vantagem. Benedict não precisava surpreendê-la. Na verdade, pretendia levá-la
de volta a Brackenmoore à força, caso fosse necessário.

Curiosos já começavam a se reunir no pátio interno do castelo. Ele os
ignorou. Ordenou que os homens cuidassem dos cavalos no estábulo e entrou.

Algumas pessoas encontravam-se próximas à lareira do saguão central.
Elas o observavam com explícita curiosidade. A novidade já havia sido espalhada
entre os habitantes do feudo. Benedict não estava disposto a se explicar. Caminhou
em direção a uma escada, localizada nos fundos do salão. Suponha ser o
acesso aos aposentos da família. Divisou Raine antes mesmo de chegar ao topo.
Ao vê-lo, ela se deteve no degrau e levou as mãos à cintura.

— Você tem um estilo inigualável, Benedict Ainsworth. Para que intimidar o
pobre vigia?
Enquanto notava a palidez do rosto e as sombras sob os olhos dourados, ele
lutava a fim de manter a fúria interna. Sem dúvida, a jornada havia sido árdua
para Raine.

— Não intimidei o guarda — respondeu. — Apenas mostrei minha
autoridade de marido. — Benedict a examinou. — Pelo que vejo não ficou tão
perturbada quanto ele. Eu ficaria feliz em desapontá-la. Passei os últimos dois
dias sobre uma sela.
— Por causa de sua teimosia — Raine replicou. — Ninguém o obrigou a vir
atrás de mim.
Irritado, Benedict tentou se conter, não queria discutir com ela.

— Prepare-se para retornar a Brackenmoore imediatamente.
— Ficou louco?
Que ousadia! Frustração e fúria pareciam sufocá-lo. Disfarçando as
emoções, Benedict continuou a encará-la.

— Não pode me forçar a nada! — Raine exclamou. — Nunca concordarei em
acompanhá-lo. — Ela se virou e correu.
Sem perdê-la de vista, Benedict a seguiu. A visão tentadora do corpo
feminino à frente o irritou ainda mais. Queria somente mostrar a Raine que não
toleraria nenhum comportamento abusivo. Era a baronesa de Brackenmoore e
tinha de se comportar de acordo.

Ao final do longo corredor, ela abriu uma porta e desapareceu. Benedict
escutou o ruído da tranca ao se aproximar. Sem hesitar, deu um passo para trás
ejogou o próprio peso contra a porta, arrebentando a fechadura.

Boquiaberta, Raine permanecia estática no meio do quarto. Foi com


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satisfação que ele reparou na expressão de choque de sua esposa.

— O que está fazendo? — ela indagou.
Benedict cruzou os braços. Só conseguia concentrar-se no fato de que era
sua esposa e não mais suportaria aquela situação ridícula.

— Como lhe disse, apronte-se para voltar a Brackenmoore — ordenou com
uma calma surpreendente.
— Seu bruto insensível! Não pode arrombar a porta do meu quarto e ditar
ordens com essa frieza. Não vou admitir!
— Não vai admitir?
— Tem idéia de quão humilhante é ver que você não demonstra a menor
emoção quando me dá ordens? Só falta exigir que o jantar seja servido. — Raine
tocou o peito, indignada. — Eu e meus sentimentos somos muito mais importantes
que isso, e você não vai me menosprezar.
Pasmo, Benedict arregalou os olhos. Raine estava furiosa por que ele agia
com calma!

— Prefere que eu a coloque sobre minhas pernas e lhe dê a lição que
merece?
— Você não se atreveria! Ele deu um passo à frente.
— Está me desafiando?
— Por favor, Benedict — disse uma voz atrás dele. Agastado, Benedict se
virou para deparar-se com William.
Queria tranquilizar o menino dizendo que não pretendia levar a cabo as
ameaças, mas não o faria diante de Raine. Resolveu desviar o assunto.

— Arrume seus pertences, William. Partiremos logo.
— Não vamos a lugar algum — Raine interveio. Fechando os olhos, ele soltou
um suspiro profundo. Raine o acusara de ser calmo demais. Se ao menos soubesse
quanto lhe custava o sacrifício, talvez amenizasse o clima.
— Perdoe-nos, Benedict, pelo transtorno que causamos a você — William
pediu, consternado.
— Obrigado, William, mas não se sinta responsável. É Raine quem deve
assumir a culpa.
— Mas Raine não...
— Por favor, deixe-nos a sós, Wil — Benedict o interrompeu. — Preciso
conversar com sua irmã. — Ao ver a hesitação do menino, ele acrescentou: —
Você sabe que não vou machucá-la.
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Catherine Archer A Dama da Floresta

Embora perturbado, o garoto assentiu.

— Não tenho motivos para me sentir culpada — Raine retrucou, tão logo
William retirou-se.
— Então devo concluir que viajar sem escolta foi idéia de William... ou de
Aida? Graças a Deus vocês conseguiram chegar a salvo. Centenas de desastres
poderiam ter acontecido durante o trajeto.
Raine ficou pálida, mas sustentou a postura desafiadora.

— Nada aconteceu.
A despeito da arrogância, Benedict pôde notar que as palavras tinham
surtido efeito. A jornada certamente fora mais difícil do que ela imaginara a
princípio. Mesmo sabendo que a dura experiência lhe servira de lição, o instinto
protetor invadiu-o por completo.

Surpreso com a reação, Benedict reprimiu-o. Jamais revelaria seus
sentimentos a Raine. Ela precisava ver o erro de sua ação.

Aproximou-se, contendo a agitação.

— Se há algum bom senso nesta sua mente desmiolada, você vai parar de
me confrontar e se preparar para a viagem.
— Não, depois de ter me usado. — Raine corou.
— Eu não a usei, é minha mulher. A esperança de ter um filho com você e
vê-la aceitar a posição de baronesa são intenções razoáveis.
Por um longo momento, ela ficou calada. De súbito, segurou a mão de
Benedict.

— Venha comigo.
Chocado, ele a seguiu ao longo do corredor. O que Raine pretendia era um
total mistério.

Ela abriu uma das inúmeras portas e convidou-o a entrar. O quarto era
imenso e muito bem decorado. A julgar pelo excesso de poeira e o ar úmido, ficou
óbvio que o cômodo não se encontrava em uso.

A evidente tensão no corpo de Raine quando ela caminhou até o leito
mostrou a Benedict a importância daquele gesto, apesar de não entendê-lo.

— O que estamos fazendo aqui, Raine?
Com lágrimas nos olhos, ela o encarou. Mas logo desviou o rosto.
— Este era o quarto de meu pai. Foi aqui que ele morreu. Benedict não se
surpreendeu. Contudo, por que ela o levara até aquele aposento?
— Foi aqui que fiz a promessa de zelar pelo bem-estar de William e por
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Catherine Archer A Dama da Floresta

suas propriedades até que ele atingisse a maturidade.

— E assim o fez. De forma admirável, devo dizer.
— Será, Benedict? Mesmo depois de você me dizer que não pertenço mais
a Abbernathy?
— Sim, Raine. Ninguém teria feito melhor. William e suas terras estarão
protegidos até que ele seja capaz de administrá-las.
— Tentei... eu não podia falhar, precisava fazer o que era certo acima de
tudo. — Ela se aproximou da janela. — A vida tornou-se muito penosa depois que
minha mãe faleceu.
— Conte-me — Benedict pediu, com gentileza.
— Eu tinha oito anos quando minha mãe entrou neste quarto e nunca mais
saiu. Depois disso, papai ficou enclausurado durante muitos dias e, ao sair,
parecia alheio e sem vida. — Raine respirou fundo, angariando coragem. — Fiquei
tão assustada...
As palavras tortuosas o fizeram lembrar a dor de perder os próprios pais,
a incerteza que sentira ao se ver encarregado de criar os irmãos. Mas Benedict
tinha dezoito anos. Raine era apenas uma criança.

— Deve ter sido terrível, em especial por haver perdido sua mãe.
— O bebê, William, chorava sem parar. Donalda, a governanta de
Abbernathy, encontrou Aida para amamentá-lo, mas ele continuava chorando.
Parecia saber que mamãe... tinha morrido. Logo descobri que, quando o acalentava,
William se sentia melhor. Soube então que era meu, que precisava cuidar
dele, amá-lo e, sobretudo, protege-lo de qualquer sofrimento... como papai fizera
comigo. Conforme Wil cresceu, percebi que tinha ajudá-lo a se fortalecer.
Compreendendo enfim os motivos que a levavam a proteger William,
Benedict chegou mais perto dela. Queria abraçá-la, confortá-la, mas não achava
que o gesto seria bem-vindo. Raine acreditava que ele havia interferido em seu
dever quando a forçou a viver em Brackenmoore.

— Também fui obrigado a amadurecer quando meus pais morreram, Raine
— Benedict confessou. — Tive de honrar a confiança que meu pai depositou em
mim. Você não precisa se responsabilizar por tudo, tampouco recear cometer os
mesmos erros de seu pai. É uma mulher, suas obrigações são diferentes das de
um homem.
— São? Talvez eu não queira que sejam. Talvez eu tenha orgulho de ser
forte e independente como você. Devo me contentar em ser a mãe do herdeiro de
Brackenmoore e deixar de lado meus desejos? Não quero me submeter e permitir
que outra pessoa dirija minha vida!

Catherine Archer A Dama da Floresta

No mesmo instante, Benedict sentiu-se afetado por aqueIas palavras, mas
mascarou o sentimento readquirindo a arrogância habitual.

— Não há vergonha, nem degradação, em ser a mãe do herdeiro de
Brackenmoore. Minha mãe tinha muito orgulho desta posição.
— Não sou sua...
— Raine?
William estava parado diante da porta. O rosto apreensivo fez Benedict
perguntar-se quanto o menino havia escutado da conversa.

— Desculpe-me, Benedict. Posso conversar com minha irmã por um
momento?
Fitando a esposa, Benedict notou o brilho de ressentimento nos olhos
dourados. Raine cruzou os braços, desafiando a autoridade do marido.

No fundo, ele queria recusar o pedido de William e continuar a discussão
com Raine. Mas ao ver a expressão de súplica do garoto, resolveu ceder.

— Sim, pode. — Benedict lançou um olhar frio a Raine. — Mas esteja certo
de que ela fará exatamente o que eu mandar.
Raine sentiu a dor implacável da raiva cravar-lhe o peito. Como sempre,
Benedict acreditava que seu desejo era uma ordem. E sem levantar o tom de voz.

Ser a mãe de seu herdeiro, para ele, era motivo de glória. Embora
ultrajada, Raine havia ficado surpresa e confusa com a chegada repentina do
marido. Benedict até admitira que passara dois dias sobre o cavalo, e isso parecia
irritá-lo. Na verdade, sentiu certa alegria ao vê-lo, mas logo reprimiu a emoção.

O estado de espírito do marido não lhe dizia respeito. E, sem dúvida, não
voltaria a Brackenmoore com ele.

Assim que Benedict se retirou, Raine virou-se para William.

— Não precisa ter medo, Wil. Ele não pode nos obrigar a nada.
— Não tenho medo de Benedict, Raine. Não deve acusá-lo por querer a
própria esposa. Ele não é o único que cometeu erros nesta história. Você... nós
causamos essa confusão. Benedict está agindo como qualquer marido agiria. A
declaração de William a chocou.
— Como pode dizer isso? — indagou, sentindo-se traída.
— Raine, acha que tenho prazer em lhe dizer isso? Eu a amo acima de tudo
e de todos, mas foi um erro voltarmos a Abbernathy. Você sabe que estou certo.
Diante de Deus, tornou-se a mulher de Benedict.
Desesperada, ela queria negar o fato com o intuito de preservar sua


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liberdade e a autonomia. No entanto, vendo o brilho sincero nos olhos de William,
não encontrou argumentos para refutá-lo.

Por fim, desviou o rosto, temendo ver a verdade. Para honrar o casamento,
tinha de retornar a Brackenrnoore e viver com o marido.

Calada, Raine caminhou até a porta. Apesar de saber que William estava
certo, dizer ao marido que o acompanharia não seria fácil. Gostaria de encontrar
um meio de fazê-lo sem se curvar às vontade de Benedict Ainsworth.

Infelizmente, não conseguiu pensar em nada. Tentando ocultar a
frustração, Raine desceu a escada. Deduzia que Benedict devia estar no saguão
principal.

Quando atingiu o pé da escada, ouviu vozes. O que Benedict pretendia
agora? Aflita, correu em direção ao saguão. O que seu olhos divisaram a fez
deter-se de espanto.

Agitando os braços como um demente, seu primo Denley não parava de
gritar.

— Onde ela está? Não tente negar o fato de que Raine voltou a
Abbernathy e sem sua escolta, lorde Ainsworth. Fiquei sabendo dos mais ínfimos
detalhes. — O desprezo homérico com o qual ele encarava Benedict, que se
alimentava sentado à mesa, era evidente. — O senhor deve ter chegado depois
que meu mensageiro esteve aqui.
— Espião, na verdade —-Benedict corrigiu, plácido. Enfurecida, Raine
avançou.
— Você colocou um espião em minha propriedade? Quem é ele? Nunca mais
porá os pés em Abbernathy!
Denley parou de gritar.

— Precisa ter bom senso e voltar para mim, Raine.
— Voltar para você? Sem dúvida, é o homem mais desprezível da
Inglaterra.
Ela escutou uma exclamação do marido e o observou pelo canto dos olhos.
Benedict parecia surpreso em saber que existia alguém mais desprezível que ele.

Denley então continuou a mostrar a falta de discernimento.

— Não tente esconder o remorso por ter se casado com este homem,
Raine. — Denley a segurou pelo braço. — Conseguiremos anular o casamento.
— Não posso anular o casamento — ela murmurou.
— Nesse caso... — Denley tocou a espada que mantinha à cintura. —
Eliminarei nosso dilema fazendo de você uma viúva.


Catherine Archer A Dama da Floresta

De repente, Raine foi puxada para longe do primo e posicionada atrás do
corpo sólido do marido. Ficou na ponta dos pés a fim de observar a cena por
sobre o ombro de Benedict.

— Você teima em não escutar meus avisos, Trênt. Agora vai pagar o preço
de suas ameaças.
Quando Benedict fez menção de puxar a espada, Denley avançou sobre ele,
enfurecido. Raine gritou.

O som do impacto das lâminas reverberou pelas paredes.

— Meu Deus — ela sussurrou, observando o golpe de Benedict.
Quase desfaleceu quando Denley investiu, enlouquecido de ódio, contra
Benedict que, com agilidade e destreza de movimentos, empurrou o homem de
encontro à mesa.

Ainsworth não parecia perturbado ante as ações insanas de Denley.
Defendia-se dos golpes selvagens, mantendo a expressão inabalável. Ele
enfrentava cada investida com calma e indiferença.

Aos poucos a luta foi se tornando violenta. Raine reparou que Benedict não
estava tão alheio ao outro homem. Viu que havia uma proposta deliberada em seu
método. Denley ofegava e suava profusamente, e Benedict parecia manter a
respiração no ritmo normal.

A força de Denley começou a desaparecer devagar. Os olhos de Benedict
brilharam ao notar que o homem rendia-se à exaustão. Por um breve instante,
Raine sentiu pena do primo. Ele era, afinal, apenas um tolo e vítima da própria
insensatez. Se Benedict o matasse, o único responsável seria Denley.

Quando, enfim, Denley deixou a espada cair no chão, Raine prendeu a
respiração e encarou Benedict. Não havia meios de descobrir o que ele pretendia,

o belo rosto expressava a fachada indecifrável que ela aprendera a conhecer tão
bem.
Atento a Denley, Benedict aproximou-se, apontando a lâmina para o rival.

Denley tentou pegar sua espada, mas estava fraco demais.

— Mate-me, seu cretino! — ele gritou. — Já me roubou o que eu tinha de
mais precioso.
Se a situação não fosse séria, Raine teria gargalhado. Jamais pertencera
ao primo, tampouco acreditava que ele nutria algum sentimento por ela. Denley
apenas a usava como um meio de obter Abbernathy para si.

Mas seu foco encontrava-se em Benedict, que nada dizia. Os frios olhos
azuis continuavam fixos no oponente.

107




Catherine Archer A Dama da Floresta

— Acabe logo com isso, Ainsworth — Denley gritou, desesperado, — O que
está esperando?
Novamente o silêncio pesou. Além de Denley, todos os presentes
aguardavam para ver o que Benedict faria.

Por fim, ele replicou com desdém:

— Não vou sujar minha espada com seu sangue. Saia daqui e nunca mais
volte — ordenou em tom de desprezo.
Os olhos de Denley faiscavam. A fúria pareceu dar-lhe energia. Erguendo a
espada, ele precipitou-se em direção a Benedict.

Tendo o coração em disparada, Raine gritou com toda força de seu ser.

Tão rápido quanto o vento, Benedict virou-se e levantou a espada. Tudo
ficaria bem se Denley, em sua fúria, não provocasse o oponente. Ao ver-se
desafiado, Benedict cravou a lâmina no peito de Denley.

Raine gritou outra vez, horrorizada. O primo fitou o sangue que começava a
escorrer. Benedict recuou, mas o dano já havia sido feito. Denley, caindo de
joelhos, soltou a espada.

Antes que Raine pudesse raciocinar, Benedict voltou-se à multidão de
espectadores.

— Tragam água e bandagens. — Como todos continuassem imóveis, ele
berrou — Agora!
O grito rompeu o choque que mantinha todos, inclusive Raine, paralisados.
Ela correu até o primo, enquanto os servos se apressavam em obedecer a
Benedict.

Ajoelhou-se ao lado de Denley, apavorada com a quantidade de sangue que
se espalhava pelo casaco. Ele a fitou, tão frágil quanto uma criança.

— Vou morrer.
— Não vai. — Raine afastou as roupas para expor o ferimento. Ficou
aliviada ao notar que era apenas superficial. Seu primo iria sobreviver. — Escute-
me com muita atenção, Denley. Foi você quem provocou essa tragédia. Vá para
casa e agradeça a Deus por Benedict ter lhe poupado a vida. — Raine respirou
fundo, decidida a fazê-lo entender a situação. — Minha vinda a Abbernathy não
tem nada a ver com remorso ou arrependimento. Entenda de uma vez por todas
que estou satisfeita com o casamento. Não quero que tente me separar de meu
marido.
Denley olhou para o lado, com um misto de dor e frustração. Raine se deu
conta de que Benedict havia se aproximado. Ele tinha escutado cada palavra, mas


Catherine Archer A Dama da Floresta

não se deixaria abater. Conter a loucura de Denley e impedir que ele morresse
era tudo que importava naquele momento.

— Raine... — ele murmurou.
— Não há mais nada a dizer, Denley. — Levantando-se, ela dirigiu-se a
Donalda. — Por favor, cuide do ferimento e peça para alguém escoltar meu primo
até seu lar.
A serva assentiu. Raine confiava na habilidade de Donalda para cumprir
tais ordens. Qualquer contato com o primo poderia ainda causar mais conflito. O
pobre tinha a tendência a interpretar o fatos de forma errônea e, caso ela
cuidasse do ferimento, Denley criaria fantasias impossíveis na mente.

Sem mais palavras, ela subiu a escada e foi diretamente a seu quarto. Lá,
abriu a janela e fitou a paisagem tão familiar. Apreciou o céu azulado, as árvores
frondosas da primavera e o aroma da terra.

Via agora quão tola fora por ter retornado para casa. Nada voltaria a ser
como antes.

William tinha razão. Sua destino era permanecer com Benedict. Embora a
melancolia a invadisse, ela sentiu também uma nova emoção, mas não se ateve a
ela. Não tencionava aceitar o prazeroso conforto que Benedict estava disposto a
lhe oferecer com seu corpo viril.

CAPÍTULO X

Quando a porta se abriu, Raine já sabia quem era, mesmo antes de se virar.
A presença de Benedict transformava os espaços em um sentimento palpável de
pura energia.

— Raine?
Devagar, ela fitou os olhos azuis. Quis desviar o rosto, pois aquele olhar
tinha o poder de perturbá-la ao ponto de trazer-lhe à mente a sensação de se
perder no ardor da paixão.

— Meu primo já se foi? — perguntou, controlada.
— Sim. Donalda atestou sua suspeita de que o ferimento não foi grave.
— Fico aliviada. Embora Denley seja desnorteado, eu não gostaria de ser
responsável por sua morte.
— Seria eu o único responsável, caso ele viesse a morrer. Raine meneou a
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cabeça em negativa.

— Não, meu impulso causou esse conflito. Eu devia ter imaginado que
Denley apareceria tão logo soubesse de minha chegada.
— Ele é o mais estúpido dos homens.
Raine respirou fundo e soltou o ar bem depressa. O que pretendia dizer
arrumaria sua liberdade e autonomia.

— Por favor, Benedict, deixe-me terminar. Sei que cometi muitos erros,
incluindo o fato de achar que você me tratava mal só para me forçar a residir em
Brackenmoore. Eu não podia me casar com um homem, receber sua proteçao e não
dar nada em troca. — Ela fez uma pausa. — Voltarei a Brackenmoore sem
resistência. Prometo que não vou mais fugir, mas me recuso a receber ordens.
Para seu espanto, Raine não divisou a expressão de vitória a qual esperava.
Notou apenas um traço de surpresa e outra emoção estranha que parecia
remorso. Não fazia sentido. Benedict devia estar contente em saber que ela o
acompanharia por livre vontade.

Não houve recriminação, somente um tom suave na voz quando falou:

— Obrigado, Raine. O que aconteceu entre nós ficará esquecido no
passado. Partiremos quando estiver pronta.
Quando estiver pronta? Como entender aquela súbita concessão? Em vez
de lançar acusações, como esperava que ele fizesse, Benedict se comportava de
modo civilizado e generoso. O lado suave e dadivoso do marido a agradou. Com os
olhos, Raine traçou a forma viril, deteve-se nas mãos largas que tanto prazer lhe
haviam dado e sentiu-se ruborizar.

Benedict fizera amor com ela sob o pretexto de gerar um herdeiro. No
entanto, sabia que ele não conseguia agir de outra maneira. Brackenmoore era e
sempre seria sua primazia. Mesmo que o legado lhe custasse a felicidade.

Apesar de magoada, reparou que havia bondade nele. Benedict jamais a
amaria, mas talvez pudessem construir uma vida juntos e também aprendesse a
respeitar a opinião de Raine. O fato de não ter refutado a exigência de não mais
ditar ordens deu-lhe algum encorajamento.

— Se estiver de acordo, prefiro permanecer aqui por mais um dia para
orientar os servos e informar-lhes sobre os acontecimentos. Quando fomos à
corte, esperávamos voltar... — Raine engoliu um nó que se formara em sua
garganta. -Quero me despedir.
Benedict a observou por um longo momento. — Não tenho objeções —
disse, por fim. — Os homens estão fatigados após a dura jornada e precisam
descansar antes de retornarmos.


Catherine Archer A Dama da Floresta

Houve uma solene cerimônia na manhã em que partiram de Abbernathy.
Quando os habitantes do castelo se reuniram para o adeus, um clima pesado
instalou-se no ar. Raine e William fariam falta a todos. Durante um dia, Benedict
testemunhara o cuidado e a dedicação da esposa com aqueles que moravam no
legado.

A maneira gentil contradizia o comportamento que ela tivera em
Brackenmoore. Esperava que, com o tempo, Raine aceitasse a condição de
baronesa.

Embora estivesse surpreso ante a rendição de acompanhá-lo e a alegação
de que ele não agira errado ao pedir-lhe que permanecesse em Brackenmoore,
Benedict sentia um vazio em sua alma. Agora compreendia por que Raine era tão
rebelde. A grave depressão do pai a afetara profundamente. Porém, não mais
existiriam motivos para preocupações, pois Benedict sempre cuidaria dela.

O instinto protetor e a compaixão pareciam crescer dentro dele. Sabia que
Raine devia aceitar a verdade antes de encontrar algum alívio interior. Benedict
olhou para trás e viu a silenciosa esposa cavalgar ao lado da criada. Como se
pressentisse o interesse do marido, Raine fitou-o nos olhos e tentou sorrir.

Jamais imaginara que um dia sua esposa sorriria para ele. Sentiu o coração
disparar no peito e retribuiu o gesto. Um leve rubor corou a pele suave antes de
Raine baixar o rosto e olhar para as mãos que seguravam as rédeas da égua.

Mesmo incerto quanto ao significado daquela reação, Benedict notou o
efeito físico que Raine sempre lhe causava. Um arrepio percorreu-lhe a espinha,
revelando quão suscetível era a ela, a um mero sorriso dos lindos lábios.

O céu permaneceu cinzento durante toda a manhã. Ao entardecer, quando
a garoa tornou-se intensa, Benedict decidiu parar. A súbita interrupção da
viagem a deixaria perturbada, mas ele não poderia submetê-la a uma atmosfera
tão precária. Afinal, fazia pouco tempo que ela empreendera a jornada a
Abbernathy. Nenhuma criatura teria forças para prosseguir, por mais que
tentasse.

Não se permitiria sentir nenhuma expectativa em relação ao breve sorriso
da esposa. Ainda assim, enquanto erguia a mão para interromper a marcha do
séquito, observou-a novamente.

Sem pensar, apeou do cavalo e caminhou até ela. Raine corou quando
Benedict a tocou.

— Deixe-me ajudá-la. O solo está escorregadio por causa da chuva.
Os olhos dourados adquiriram um brilho diferente. Então, Raine segurou-
lhe a mão. Benedict sabia que todos ao redor os observavam, mas os ignorou.
Tratava-se de sua esposa.


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Apertou-a contra o corpo quando ajudou-a a desmontar e sentiu um tremor
sensual invadir-lhe. Fitando os belos olhos, imaginou se ela também tivera a
mesma reação com o contato, mas não queria sucumbir aos desejos da carne.
Raine se fizera muito clara. Ele reprimiu as sensações tentadoras.

— Mandarei erguerem sua tenda imediatamente. Você não deve
permanecer muito tempo sob a chuva.
— Obrigada, Benedict.
Viu-se, de repente, tal qual um jovem rapaz encantado pela paixão. Desviou
o olhar e focou o sorridente William.

Benedict recuou, temendo dar falsas esperanças ao garoto. Raine não lhe
seria grata por isso.

— Bem, vamos começar a organizar o acampamento — disse ele.
Durante os preparativos, Benedict não ousou aproximar-se da esposa.
Manteve-se absorvido com os cavalos e a fogueira tão logo as tendas foram
erguidas. Entretanto, achava-se atento a ela quando se sentou junto de Aida
diante do fogo. Embora houvesse ajeitado um capuz sobre a cabeça para bloquear
a chuva, Raine preferiu não se abrigar. O motivo daquela atitude, ele não se
atreveu a pensar.

Achou melhor concentrar-se em William, que parecia mais alegre desde
que Benedict ajudara Raine a apear. O menino juntou-se aos homens, rindo
enquanto conversava com eles. William já era bem-quisto.

Benedict manteve a atenção voltada a cada movimento de Raine enquanto
falava com a criada ou quando degustava um pedaço de carne assada. Cada gesto

o fascinava.
No momento em que o sol começou a desaparecer, Raine levantou-se e
caminhou até a floresta. Benedict não interferiu ou chamou-lhe a atenção, deixou
que ela sumisse entre as árvores.

Após algum tempo Benedict começou a ficar preocupado com a demora da
esposa. Naquela região qualquer um poderia perder-se ou cair em um buraco e
torcer o tornozelo.

Como se pudesse ler pensamentos, William encarou Benedict.

— Raine está demorando.
— Sim. Pensei em verificar o que a está detendo. — Ele ensaiou o tom
calmo de propósito. Conhecia a atitude protecionista do garoto em relação à irmã.
Tinha certeza de que não havia motivos para preocupação.
Benedict seguiu a mesma trilha que Raine havia tomado. Ao atingir a parte

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mais densa da floresta, deteve-se, apreensivo. O caminho enveredava por duas
estradas diferentes.

Olhou para a direita e meneou a cabeça. Então, decidido, optou pela trilha
da esquerda. Se conhecia bem Raine, sabia que optaria pela rota mais curta.
Sorriu consigo mesmo e prosseguiu. Depois de alguns minutos de caminhada,
sentiu vontade de chamá-la, mas Raine ficaria furiosa com aquela atitude, e
Benedict tinha certeza de que tudo estava bem.

A chuva começava a piorar. Nuvens carregadas acumulavam-se no céu. A
despeito da umidade, a temperatura continuava amena, sem causar desconforto
ou frio. Benedict embrenhou-se na floresta, agora mais determinado. Precisava
encontrar Raine antes que ela ficasse encharcada.

A trilha o conduziu a uma área mais compacta da floresta. Teve de abrir
caminho entre o denso matagal. Considerou a possibilidade de ter pego a rota
eirada, mas algo lhe dizia que não. Continuou.

Apesar de pressentir que ia na direção certa, Benedict pensou em desistir
e voltar ao acampamento. De súbito, atingiu uma pequena clareira. Vasculhou o
espaço e encontrou-a próxima a um aglomerado de árvores. De olhos fechados,
Raine direcionava o rosto para o céu, como se orasse em silêncio.

Raine necessitava de solidão para ponderar e refletir acerca das emoções
abrasadoras que sentia por Benedict. Talvez por que, enfim, o marido houvesse
mostrado a faceta gentil que ela conhecera na corte.

Havia ele entendido quão doloroso fora para Raine o conflito com Denley, o
medo de não poder cuidar de William e a despedida de Abbernathy?

Talvez não fossem essas as razões. Benedict havia percebido que vencera
a batalha. A percepção era angustiante, mas ela seguiria em frente por mais
complicado que fosse.

Sacudiu a cabeça, incerta quanto ao significado dos sentimentos e
convenceu-se de que a proximidade excessiva era a causa. O breve toque quando
ele a ajudara a desmontar fora suficiente para fazer borbulhar-lhe o sangue. Têlo
por perto tumultuava suas emoções, desde o início.

Porém, ao caminhar pela floresta, não encontrou nenhuma solução. Os
sentimentos pareciam mais fortes, como se uma estranha luz a aquecesse. Estava
rodeada de imagens advindas da noite em que se amaram, do modo como ele a
tocara e beijara.

O rosto, o pescoço, enfim, o corpo inteiro fervia de uma maneira que ela
não podia descrever. Raine continuou a caminhar, alheia ao trajeto, até que
descobriu aquela pequena clareira. Sentiu a paz do lugar e rezou para que a
turbulência acabasse.


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Do bolso, retirou a pedra que encontrara durante o último passeio que
fizera com a mãe. Haviam ido juntas à floresta, como de costume. Sua mãe
parecera linda com o ventre que crescia a cada dia. Colheram flores, sentaram-se
ao pé de uma árvore, apreciaram os pássaros, o céu e falaram da alegria que o
bebê traria à família.

Raine se deu conta de que as lembranças não residiam em Abbernathy, mas
sim em seu coração. Mesmo assim, partir era um sofrimento. Pela primeira vez,
desde a morte da mãe, as lágrimas rolaram livres sobre as faces. Quando a chuva
aumentou, ela se entregou ao frescor para que este eliminasse o calor interno. De
alguma forma, a água poderia lavar a tristeza e seria purificada pela doçura das
gotas gélidas.

Aos poucos, a paz a invadiu. Sentiu um forte laço com a falecida mãe; o
fraco, mas amado pai; a floresta, que permanecia silenciosa. Tudo estava em
constante movimento, e as mudanças faziam parte da vida. Raine sentiu-se
renascer através das gotas de chuva.

Mas um tremor súbito na nuca a levou a olhar para cima. Não ficou
surpresa de encontrar Benedict. Os olhos azuis sustentavam uma emoção muito
semelhante à que ela sentia.

Encarou-o com franqueza. As poucas horas na floresta pareceram
fortalecê-la. Viu-se livre da ansiedade que tanto a perturbava.

— Perdoe-me por tudo que fiz e disse, Benedict — revelou, sincera. —
Durante muito tempo, só pude enxergar minha necessidade de voltar a
Abbernathy, amar e cuidar daqueles que precisavam de mim, como realizei a vida
toda. A paz que conhecíamos desapareceu com a morte de meu pai porque há
pessoas que não entendem nem respeitam o papel que tive de desempenhar. Fui
tola ao acreditar que seu nome nos protegeria de Denley. Devo a você minha
gratidão por ter compreendido e me protegido.

Ele fez menção de falar, mas Raine o impediu.

— Também quero lhe agradecer pela permissão de ficar um dia a mais em
Abbernathy e por me ter dado a oportunidade de me despedir.
Tocado com a confissão, Benedict aproximou-se.

— Não precisa agradecer, Raine. Era o mínimo que eu podia oferecer após
conhecer detalhes importantes de sua vida, tudo que sofreu.
— Apesar disso, estou grata.
Ele respirou fundo e deu um passo à frente.

— Raine, eu... — hesitou.
Pareceu-lhe natural erguer as mãos e sussurrar:


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— Venha até mim, meu marido.
Como ele continuasse a hesitar, Raine levantou-se e cedeu ao impulso de
tirar as roupas molhadas. Nua e diante de Benedict, estendeu os braços mais uma
vez.

— Não precisa ter receios. Vamos nos amar sob a chuva da primavera para
celebrarmos uma nova vida.
Benedict fitou as mãos delicadas e, em seguida, admirou o corpo esguio,
cada parte da pele alva sobre a qual a chuva escorria. As gotas deslizavam nos
seios, fazendo-o querer sugá-las, sentir a maciez entre os lábios.

A primeira experiência que vivera com Raine lhe mostrara quão aveludada
era aquela pele e como poderia incitar um homem a ponto de levá-lo à total
irracionalidade. Apreciou a curva dos quadris e as belas pernas. Pernas que o
envolveram com paixão quando mergulhara no calor da feminilidade.

Acima de tudo, divisou o desejo ardente naqueles olhos dourados, uma
recepção que jamais sonhara ver. Sua mente esvaziou-se, o sangue começou a
ferver, e o coração disparou.

De onde teria surgido aquela criatura da natureza? Benedict não sabia. A
única certeza era de que não podia negá-la, nem a si mesmo.

Ergueu as mãos e aproximou-se. Quando os dedos frios tocaram os dele, o
desejo tornou-se ainda mais intenso. Aquele simples toque, tão delicado, era
capaz de causar-lhe sensações poderosas. Benedict gemeu ante as ondas de expectativa
que o dominavam.

Seu ser estava centrado em Raine quando ela chegou mais perto, sem
deixar de fitá-lo nos olhos. Devagar, começou a tirar a túnica de Benedict. Sentiu
os joelhos estremecerem.

Desesperado, tentou ajudá-la. Precisava se ocupar com algo antes que seu
corpo sucumbisse à reação daquele toque gentil, mas o esforço foi em vão. Tão
logo livrou-se da túnica, Raine acariciou o peito musculoso. Benedict arrepiou-se
com a sensação sensual.

Raine sorriu. Não sabia o que estava acontecendo, nem de onde surgira sua
coragem. O fato de Benedict tê-la resgatado na floresta representava o sinal
divino de que deveria ficar com ele.

Era como se a natureza selvagem dos arredores a houvesse contaminado.
Ou seria a real necessidade de se entregar àquele homem?

Em qualquer um dos casos, Raine estava rendida. Havia sido difícil lutar
contra o desejo. Fitou o brilho da paixão nos olhos azuis e sentiu uma onda de
excitação ao perceber que ela própria tinha causado aquela reação.


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Ousada, ergueu o rosto, convidando-o a um beijo. Benedict não pôde
ignorar o convite. Apoderou-se dos lábios carnudos e abraçou-a pela cintura.
Quando Raine intensificou o beijo, ele sentiu uma súbita tontura. Evitou aquele
precipício de prazer, determinado a protelar a ternura do gesto. Não permitiria
que ela empreendesse todos os avanços. Também pretendia proporcionar-lhe
deleite para vê-la reagir às carícias.

Com as mãos, traçou a linha sinuosa das costas até atingir os quadris. Após
um longo instante de delírio, afagou as curvas tentadoras. Puxou-a para si,
revelando quão afoito estava.

Aflita, ela agarrou-o pelos ombros, sentindo também uma urgente
necessidade. Benedict aprofundou o beijo e riu ao escutá-la murmurar de prazer.

Raine estava em chamas. A cada beijo e carícia, as sensações cresciam
mais deliciosas e mais intensas. Colou-se ao corpo másculo e gemeu ao sentir as
mãos poderosas pressionando-a. A certeza de que ele acabaria com seu tormento
também aumentava o desejo.

Raine então tentou despi-lo da cintura para baixo. Benedict sabia até onde
iriam. O gesto atrevido fez o desejo crescer. Fechou os olhos por um momento e
respirou fundo a fim de readquirir autocontrole, mas aquele encontro desafiava
sua capacidade de contenção.

Ele se tornara uma criatura do prazer, queria desnudar-se, expor o corpo e
a si mesmo à selvageria da floresta e da chuva.

Benedict recuou e tirou o restante das roupas. Quando fez menção de
torná-la nos braços, Raine resistiu com o intuito de apreciar a nudez masculina.
Ele prendeu a respiração.

Sob os últimos raios de sol, Benedict parecia tão poderoso e tão viril que
ela sentiu-se ofegar. Esquecendo a timidez, encarou-o abertamente, revelando
quão emocionada estava.

Constrangido ante aquele olhar, Benedict segurou-a entre os braços.
Beijou-a com tanta paixão que o mundo pareceu parar. Ao sentir a força do
desejo pulsar, Raine ficou ciente da própria feminilidade. Agarrou-o pelos quadris
e puxou-o, tal qual Benedict havia feito com ela momentos antes.

Quando escutou-o gemer, Raine expressou um sorriso secreto de
satisfação e inegável fome.

O encontro amoroso em Brackenmoore fora para gerar um filho e eliminar
a guerra que ambos travavam. Benedict havia imaginado poder resolver as
desavenças com a simples consumação do casamento. Agora ela queria vê-lo se
entregar por livre e espontânea vontade, sem segundas intenções. Embora
soubesse que não estavam apaixonados, Raine precisava mostrar a Benedict como


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se sentia. Queria vê-lo perder o autocontrole e testemunhar as reações
selvagens. De alguma forma, a perda do autocontrole dele a fazia sentir-se
menos só, menos enlouquecida por não ser capaz de conter-se diante daquele
homem.

Estava determinada a comandar a feroz união. Decidida, deu um passo para
trás e, fitando-o nos olhos, começou a traçar os músculos bem torneados do
tórax. Deteve-se um instante e, para apreciar a reação dele.

Benedict entreabriu os lábios, ofegante. Raine sorriu. Como era bom saber
que podia provocar tal reação.

Quando ele tentou abraçá-la, Raine meneou a cabeça em negativa.

— Ainda não — sussurrou, rouca de paixão.
Agora com os lábios, ela traçou o mesmo trajeto ao longo do peito másculo.
Provou o gosto da pele molhada e suspirou.

Benedict murmurava seu nome, incitando-a a prosseguir. Sem parar para
considerar, ela percorreu o abdome musculoso, podia escutar a respiração
tornar-se mais rápida conforme seus lábios se moviam. As reações de Benedict a
estimulavam.

Gentilmente, apossou-se do membro rígido. Ainda se lembrava das carícias
alucinantes que ele lhe proporcionara.

Mais uma vez, Benedict tentou impedi-la, mas Raine não permitiu, ela iria
comandar aquele momento.

— Raine...
O murmúrio de prazer foi o sinal de que ela precisava. Teve a certeza de
que o levava a patamares inimagináveis a ponto de roubar-lhe a consciência.

Benedict estava enlouquecido. As sensações que Raine lhe causava
pareciam afogá-lo em um mar de desejo. Ela era o centro do universo, e tudo
mais ao redor parecia ínfimo se comparado à luz que Raine irradiava. Ondas de
doce deleite o invadiam a cada carícia sensual.

Com grande esforço, segurou-a pelos ombros.

—-Chega, Raine. Por favor... — implorou.

Abraçou-a e mergulhou o rosto nos cabelos avermelhados na tentativa de
recuperar o fôlego. Quando a sentiu estremecer, carregou-a nos braços e deitou-
a sobre a relva úmida. Então posicionou-se entre as pernas esguias, e Raine se
entregou por completo.

Agora empreendiam uma dança instintiva, tendo os corpos fundidos na
mesma melodia.


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Raine não mais pensava em roubar o controle de Benedict porque também
estava perdida, imersa na paixão que a dominava, mergulhada no sentimento, no
toque e no sabor de Benedict.

As sensações cresceram até atingir o grau máximo da criação. Somente
quando sentiu o tremor em Benedict, ela se deixou levar pela mais pura jornada
ao êxtase total.

Após o almejado clímax, Benedict ainda sentia o desejo pulsar nas veias.
Fraco, deitou-se sobre a grama molhada. Embora estivesse ciente da chuva que
caía em seu rosto e da relva úmida em sua pele, só conseguia se concentrar em
Raine.

Aos poucos a respiração começou a voltar ao normal, e o frio da chuva
causou arrepios na pele alva. Benedict notou os pêlos dourados eriçarem na
região do ventre, a languidez do corpo agora satisfeito. Tudo parecia vivo como
se ele próprio estivesse experimentando as sensações.

A súbita percepção o chocou de tal forma que Benedict passou algum
tempo confuso. Mas, ao perceber que o ato amoroso o tornara parte de Raine e a
mística união não podia ser nomeada, ele se sentou, agitado.

Então as emoções desapareceram e foram substituídas pela inesperada
necessidade de negá-las. Por mais inexplicável que fosse, o que ele vivera havia
sido real. Não podia permitir que aquilo acontecesse de novo.

Representava Brackenmoore. Jamais se deixara absorver ou enfeitiçar por
uma mulher, tampouco se atrevia a imaginar que Raine lançara um feitiço
poderoso sobre ele. Benedict não era tolo.

Precisava ponderar acerca dos motivos que os levaram ao encontro sensual.
Raine sentíra-se culpada por tê-lo agredido tantas vezes. Contudo, não queria
responsabilizá-la já que havia se entregado tão completamente ao ato de amor.

Sem olhar para ela, Benedict levantou-se e começou a vestir as roupas
molhadas.

— Benedict? — ela o chamou, pouco tempo depois.
Ao se virar, notou que Raine estava em pé, segurando o vestido e
expressando certa tristeza no olhar.

— Raíne, eu... — Benedict não sabia como revelar o que sentia. Não podia
confessar quanto a união de ambos o influenciara, como se ela o houvesse
transformado em uma parte de si mesma.
Não conseguiria fazer isso. Raine jamais acreditaria. Nenhum pensamento
racional seria o bastante para explicar por que tinha de se manter afastado dela.

Era exatamente essa atitude que deveria tomar a partir daquele momento.


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A impulsividade de Raine o abalava demais. Não gostava dele e, portanto, não
continuaria a favorecê-lo. Benedict ignorou a dor que surgiu em seu peito..

Enquanto vestia as roupas, ela soltou um gemido de frustração. Benedict
não ousou fitá-la até que Raine estivesse recomposta.

— Devemos retornar ao acampamento.
— Recuso-me a caminhar com você. Prefiro ir sozinha.
— Sabe que não permitirei isso, Raine. Irada, ela ergueu o dedo em riste.
— Odeio quando age dessa maneira, Benedict. Surpreso com o repentino
ataque, ele recuou.
— De que maneira, milady?
— Quando se mostra indiferente a tudo, como se nada o afetasse.
A acusação provocou uma onda de raiva.

— Não faço nada disso. Muitos assuntos me preocupam, em especial ao
anoitecer. — Ele a encarou, furioso. — Não posso me dar ao luxo de me entregar
a cada emoção.
— Não pode se dar ao luxo de perder o autocontrole? — ela perguntou,
indignada. — Suas responsabilidades não permitem que você seja humano. O único
motivo deste controle absurdo, Benedict, é que ele o torna superior a todos nós.
Precisa calcular cada atitude a fim de não se contaminar. É um jeito muito
efetivo de se proteger.
Em questão de segundos, uma muralha de pedra surgiu no coração de
Benedict. A ofensa contida naquelas palavras aumentou ainda mais a raiva que
sentia.

— Como ousa me criticar? Você também se acha no direito de controlar
tudo e todos a seu redor. Esquece-se dos outros a cada idéia impulsiva que
aparece em sua mente.
Ágil, Benedict agarrou o punho de Raine antes que ela o agredisse.

— Não sou tão pretensiosa quanto você! — ela gritou, enquanto tentava se
desvencilhar do marido.
Benedict segurou-a com força.

— É sim, milady. Por que apressou esse casamento? William não foi a única
razão, embora eu acredite que ele tenha muita importância. Disse que o menino
não teve chance de viver o luto. E quanto a você? Não conseguirá fugir da dor
porque ela a perseguirá, Raine. Tem de parar de fazer o que é melhor para si só
por temer pensar nas consequências de suas ações.
119




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Raine sacudiu a cabeça, desesperada. — Viver o luto? Como sempre, está
certo. Era isso que eu estava fazendo quando você apareceu. Mas a experiência
encantadora que vivemos não justifica seu comportamento tirano.

Com um movimento brusco, ela o empurrou e precipitou-se em direção à
trilha. Benedict a seguiu, mas não tentou alcançá-la. Algo lhe dizia que a havia
pressionado demais.

Havia outra razão para ficar longe dela, queria pensar. Agora que a raiva
esfriava, começara a ponderar. Existiria alguma verdade naquelas acusações?
Benedict usava as responsabilidades como desculpa para se manter distante das
pessoas?

Não podia ser verdade, pensou, determinado. Ele apenas cumpria suas
obrigações. Raine era quem escondia os sentimentos. Achou melhor não perder
tempo e energia refletindo sobre tamanha sandice.

Já despendera um esforço enorme tentando mascarar a estranha emoção
que vivera durante o ato de amor. Não voltaria a se entregar com tanta
facilidade, O poder que o levara a mergulhar nas sensações poderia também destruí-
lo em pouco tempo. Muitas pessoas dependiam dele para existir.

Raine dissera ter vivido o luto da perda. Benedict ficara feliz com isso,
mas também muito preocupado em relação à vida que ela tivera. Era selvagem e
impulsiva desde o início. O que acabara de acontecer entre ambos indicava o
comportamento imprevisível.

Perder-se no corpo estonteante de Raine poderia arruinar a habilidade de
Benedict de exercer seus deveres de barão. Ninguém estava acima de
Brackenmoore, tampouco uma mulher. Em especial uma esposa que não gostava
dele.

CAPÍTULO XI

A longa e extenuante jornada a Brackenmoore parecera infinita para Raine.
Benedict mostrara-se alheio ao que havia acontecido entre ambos quando, por
todos os santos, a acusou de ser a única a controlar as situações. Desde então ele
agia de forma austera e tão frio quanto uma pedra, provando quanto ela estava
correta em suas deduções.

A excessiva polidez a deixava louca. Benedict fazia questão de lhe garantir
conforto físico e bem-estar. Raine sentia-se tão confusa que não sabia para onde
se virar.

Com certeza, não responderia à fria indiferença adquirindo o mesmo
comportamento. Lutar contra a teimosia arrogante de Benedict estava além de


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suas forças.

O retorno a Brackenmoore não lhe ofereceu nenhum alívio. A fim de
preservar o que restava de orgulho e coragem, não podia permanecer
encarcerada no quarto. Mas cada vez que saía, percebia olhares especulativos
sobre si. Nenhum dos servos, inclusive Maeve, fez qualquer comentário acerca de
sua fuga, e todos a tratavam como se fosse a rainha da Inglaterra.

No entanto, sabia que suas ações não haviam sido aprovadas. Tudo que
podia fazer era manter a cabeça erguida e evitar interagir com alguém além do
necessário.

As refeições tornaram-se as ocasiões mais difíceis. Não havia outra
alternativa, senão aparecer no salão. Somente a presença de Wilíiam lhe dava
forças para suportar o fiasco daquele casamento. Cada vez que Benedict
perguntava, educadamente, como havia passado o dia ou se ela queria mais vinho,
Raine tinha vontade de gritar.

O pior era ter de se preparar para os intermináveis episódios de tortura
como se fosse comparecer a algum evento da corte. Os vestidos elegantes e os
penteados perfeitos serviam de armadura contra a frieza de Benedict. Através
dos trajes finos, Raine igualava-se à posição daquele que chamava de marido.

Também era um meio de se distrair ao invés de lembrar o olhar gelado de
Benedict minutos após fazerem amor. A imagem a angustiava e parecia congelar
seu coração. O que ocasionara a súbita mudança ela nem sequer imaginava. Só
sabia que não conseguiria aguentar outra rejeição.

Mas não precisava se preocupar quanto a isso. Ele não ensaiava nenhuma
tentativa de aproximação.

Quando não estava reclusa no quarto, Raine passava horas na companhia de
William. O menino sentia a infelicidade da irmã, embora ela se esforçasse em
evitar o assunto. Justificara ao irmão, dizendo que tinha saudade dos amigos de
Abbemathy e logo voltaria ao normal, mas não acreditava nas próprias palavras.

Sempre o encorajava a passar mais tempo com Kendran, que continuava a
tratá-lo bem.

Se Benedict não sustentasse aquele ar de reserva e aristocracia, ele seria
como Kendran. Porém, ficava claro que o barão de Brackenmoore era incapaz de
se transformar.

Foi de cabeça erguida que Raine, seis semanas após chegar a
Brackenmoore, entrou no salão. Ao notar que Benedict estava sozinho na mesa
principal, ela hesitou. Mas quando o marido a viu, não teve escolha, exceto ocupar
seu lugar.


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Pressentiu o olhar atento de Benedict, contudo não ousou encará-lo.
Apesar de o vestido azul, enfeitado de fios de ouro, ser requintado demais para a
ocasião, ela manteve a dignidade. Pelo menos, podia agradar a si mesma. Não havia
razão para satisfazer um marido que não se interessava por ela.

Felizmente, William e Kendran apareceram. Estavam rindo e, ao fitar o
irmão, Raine reparou no brilho de alegria dos olhos verdes e nas faces rosadas. A
transformação do garoto era evidente, depois que ela se casara com Benedict. O
crescimento de William fazia com que a nova vida se tornasse suportável. Ou
não?

Raine tentou partilhar da esfuziante tagarelice de Wil, mas não tinha a
menor noção do que dizia.

A atenção estava voltada para o marido. Por que o achava tão lindo? Por
que seu coração disparava cada vez que lembrava o encontro amoroso que tiveram
na floresta? Por que os sonhos surgiam repletos de imagens exóticas?

Gemendo, ela desviou o olhar.

A total indiferença de Benedict em relação a ela e aos dois rapazes
mostrava quão absorvido estava nos próprios problemas. Não tinha tempo a
perder com os pensamentos sensuais que a torturavam.

Raine assegurou-se de que não se importava com aquela falta de interesse.
Nem um pouco. Entretanto, continuava muito atenta à poderosa presença e ao ar
distraído.

— Raine!
De tão mergulhada em pensamentos, ela escutou seu nome sendo
pronunciado com um traço de impaciência. Então notou que William olhava,
ansioso, para ela.

Raine endireitou os ombros e sorriu.

— Desculpe-me, Wil, não estava prestando atenção. O que disse?
— Posso ver que está ausente, Raine. — William fitou-a, preocupado. — Não
se sente bem?
— Estou ótima. Eu só... Oh, não importa. O que queria me dizer?
— Quero ir a Wyndam, com Kendran, amanhã. Raine encarou o outro rapaz.
Kendran sorria com seu charme agora tão conhecido. Novamente, ela pressentiu
que, quando fosse mais velho, aquela qualidade o faria irresistível, embora a
beleza de Kendran não a atraísse.
Na verdade, preferia um homem mais maduro e direto. Voltou a fitar o
marido.

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Ficou horrorizada. Estava louca ou o quê? Benedict não era maduro e
direto, mas sim cruel e vil, capaz de mover céus e terras só para manter tudo na
mais perfeita ordem.

Resoluta, Raine olhou para o irmão. Não sabia se queria que William
viajasse com Kendran.

— Quão longe é Wyndam e quando voltarão? Vão levar uma tropa para
protegê-lo?
Houve um infindável silêncio. Raine sentiu-se corar. Tinha certeza de que
se lembravam da fuga a Abbemathy sem escolta.

— Eles tomarão medidas adequadas, Raine — Benedict interveio. —
Wyndam fica a quatro horas daqui. Ambos voltarão depois de amanhã, ao
entardecer.

Os sentimentos caóticos a dominaram por completo.

— Agradeço-lhe se me deixar decidir sozinha.
— Já que prefere assim, faça-o — ele retrucou, frio.
O som de um suspiro levou-a a perceber a frustração de William. Raine
bancava a tola e sem nenhum motivo. Era Benedict que a fazia agir dessa maneira.

De propósito, ignorou o marido. Precisava encontrar um jeito de relaxar na
presença dele, de ser mais civilizada. O casamento a mataria, caso não
conseguisse se compor.

Respirou fundo e concentrou-se em William.

— Pode ir com Kendran.
William expressou um sorriso radiante, embora os olhos ainda mostrassem
certa tristeza.

— Obrigado, Raine.
Ela pôde sentir a atenção de Benedict sobre si mesma quando se levantou.
— Com licença. Estou muito cansada. — Retirou-se, sem olhar para ele.
Raine precipitou-se em direção à escada, notando que a última declaração
era verdadeira. Vinha se sentindo fatigada ultimamente. Em pensamento,
começou a calcular as semanas com uma expressão de surpresa e dor. A novidade
não a alegraria enquanto houvesse aquele mal-estar entre ela e Benedict.

Acordou cedo na manhã seguinte, após uma noite agitada. Vestiu-se
sozinha e abriu a janela para respirar o ar fresco da primavera. Não lhe
confortava a alma saber que aquele dia seria tão longo e doloroso quanto os
anteriores. A tristeza que sentia no coração só piorava a situação.


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Ela jamais saía sem William e agora, com sua ausência, não podia
permanecer no quarto. A reclusão lhe daria chance de conjeturar sobre o que
Benedict faria, caso descobrisse o segredo.

Pegando o manto, Raine deixou o aposento e atravessou o castelo. Vários
servos a observavam, outros a cumprimentavam, solenes. Ninguém tentou falar
com ela ou detê-la, e ela ficou grata por isso. Não tinha a menor disposição de
conversar com os subalternos do marido.

Quando passou pelos portões do castelo, continuou caminhando sem ser
molestada.

O fato a surpreendeu. Imaginara que Benedict houvesse instruído os
guardas a vigiá-la por temer outra fuga. A única segurança que ele possuía era a
promessa de Raine. No entanto, não conseguia acreditar que sua palavra tinha
algum valor para Benedict. O vilão era tão seguro de si que jamais conceberia a
idéia de ela repetir a façanha.

Fechando a gola do manto, Raine seguiu a estrada diante do castelo,
determinada a esquecer tamanha irritação. Não deixaria que Benedict arruinasse
aquela linda manhã de primavera.

Escolheu a trilha que levava ao mar. A sensação de paz que havia
experimentado na praia ainda continuava viva em sua lembrança. Talvez
conseguisse apreciar a beleza natural já que Benedict não estaria presente para
perturbá-la. Benedict outra vez!

Erguendo os ombros, Raine concentrou-se na estrada. Estivera tão perdida
em pensamentos que mal reparara no azul do céu ou na riqueza da vegetação a
redor.

Quando chegou ao precipício, encontrou a tortuosa trilha que percorria a
ribanceira até a praia. Atenta, desceu a inclinação bem devagar. Ao atingir a
areia, olhou para ambos os lados. A imensidão do mar em contraste com a altura
da montanha e o calor da areia sob os pés não foram suficientes para distraí-la.

Então, a passos lentos, começou a caminhar. O som rítmico das ondas a
acalentava. Embora não estivesse tranquila, Raine apreciou o céu azul e o canto
matinal das gaivotas.

Não havia andado muito quando divisou uma jovem sentada em uma enorme
rocha à beira do mar. Em respeito à privacidade alheia, resolveu dar meia-volta e
continuar a caminhada. Mas algo a impediu.

O lindo perfil da jovem loira, que fitava o oceano, chamou-lhe a atenção.
Raine hesitou por alguns instantes. A mulher ficaria ressentida ante a intrusão,
mas uma voz interior a obrigava a se aproximar.


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Seguindo o impulso incontrolável, Raine foi em frente.

— Bom dia.
Ajovem arregalou os olhos, surpresa. Levantou-se depressa.
— Milady.
Claro que a estranha conhecia Raine. O fato não lhe causou espanto. A nova
baronesa era de grande importância a todos que residiam em Brackenmoore.
Pelo modo como a jovem torcia os dedos, ela devia estar nervosa.

— Perdoe minha intrusão — Raine pediu. — Reparei que você também
aprecia o cenário.
A garota olhou as ondas batendo nas pedras.

— Não está me atrapalhando, milady. Eu estava pensando... — A loira fitou
o horizonte distante.
Certa de que havia mesmo algo errado, Raine aproximou-se ainda mais,
enquanto examinava as feições da jovem.

— Há algum problema?
— Por que pergunta, milady? — indagou, assustada.
— Não sei. Mas tenho a sensação de que...
Para sua surpresa, a garota levou as mãos ao rosto e começou a chorar.
Sem pensar, Raine a abraçou pelos ombros com o intuito de confortá-la.

— Por que não me conta o que a perturba?
— Não posso contar a ninguém — respondeu a camponesa.
— Para mim você pode contar. Talvez conversar alivie seu sofrimento. —
Raine ficou comovida, mas não pretendia desistir. — Que tal começar me dizendo
seu nome?

A atormentada jovem engoliu um soluço e ergueu o rosto.

— Meu nome é Leandra.
— Que nome lindo.
Novamente, ela cobriu as faces e caiu em pratos.
— Foi o que ele me disse. Raine ficou tensa.
— Imagino que seu sofrimento tenha sido causado por algo que algum
homem lhe fez.
— Sim, milady.
— O cretino.
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As lágrimas cessaram tão depressa quanto começaram.

— Perdoe-me, milady, mas ele não é um cretino — Leandra afirmou. — É
gentil, bom e...
— Então qual é o problema? Leandra corou.
— Milady, estou... — Ela tocou o ventre e olhou para o oceano.
Ao ver o gesto, Raine entendeu o que estava acontecendo.
— Ele abusou de você, e se recusa a fazer o que é certo.
— Não, milady. Eu me entreguei por vontade própria. — Leandra corou
outra vez. — Nós nos conhecemos no festival de inverno. Ele estava tão lindo e
forte. Bebemos muito vinho e...
— Mas por que tanto sofrimento, Leandra?
— Não contei a ele sobre o bebê.
— Por que não? — Raine levou as mãos à cintura. — E preciso.
— Não vou dizer nada. Não nos falamos desde então e não admito que se
case por obrigação. Eu o amo e quero que ele me ame também.
"Ah, o amor", Raine pensou. Era uma emoção sem a qual podia viver. A
pobre Leandra acreditava poder criar uma criança sozinha e ainda defendia o
responsável.

Raine sabia que sua opinião acerca do amante não ajudaria Leandra. O pai
do bebê devia ser informado e advertido quanto à solução que a jovem
contemplava.

— Sei que o ama e quer protegê-lo. Mas também acho que ele deve saber a
verdade.
Leandra voltou a chorar.

— Não quero me casar por causa da gravidez. Prefiro que ele venha a mim
por amor. Meu coração clama pelo homem bonito, forte e corajoso que ele é.
Raine sentiu um tremor percorrer-lhe o corpo inteiro. Aquelas palavras
trouxeram de volta a intensa memória de como se sentia quando Benedict a
beijava ou a tocava. Lembrou-se então do fruto que o encontro amoroso
originara.

Como se houvesse revelado muito mais do que devia, Leandra levou as mãos
aos lábios.

— Perdoe-me, milady.
— Não se apoquente — Raine retrucou, com a voz rouca.

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— E claro que conhece os sentimentos que descrevo já que se casou com
lorde Benedict. Meu amado o admira muito.
Precavida, Raine não rebateu o comentário. Estava mais interessada no
fato de que o homem fazia parte da tropa de Benedict.

— Seu amado serve a meu marido.
— Sim, milady. E não quero que ele perca sua posição. — Leandra calou-se,
determinada a não revelar mais nada.
Por consequência, Raine desistiu. A única opção era discutir o assunto com
Benedict, embora a possibilidade lhe causasse certo mal-estar. Somente o
desespero de Leandra a faria enfrentar outro confronto com o marido.

Quando Raine abriu a porta da sala que uma criada lhe havia indicado,
Benedict mostrou-se surpreso ao vê-la. No mesmo instante, a expressão foi
substituída pela constante máscara de reserva.

Fingindo indiferença, Raine não perdeu tempo com preâmbulos.

— Precisamos conversar, milorde.
Benedict virou-se para um homem que ela não havia notado ao entrar.
— Meu assistente.
Ele encontrava-se sentado à mesa, repleta de livros e papéis, e levantou-se
tão logo Benedict o apresentou. Raíne assentiu à formal reverência do homem.

— Por favor, deixe-nos a sós — Benedict pediu. — Mandarei chamá-lo
quando eu estiver disponível.
Raíne sentiu certa gratidão ante a atitude do marido de deixar o trabalho
para atendê-la. Mas não havia nada de surpreendente naquela consideração, disse
a si mesma. Tratá-la com civilidade apenas condizia com o comportamento
apropriado.

— Sobre o que quer conversar comigo, Raine? — ele perguntou, assim que o
assistente se retirou.
Aproximando-se da mesa, ela reparou na absurda quantidade de livros que
jazia nas prateleiras. Embora surpresa, preferiu ater-se ao problema em mãos.

— Trata-se de um assunto muito importante. — Raine respirou fundo,
tentando controlar a revolta que a história de Leandra lhe causara. — Fui passear
na praia e conheci uma jovem chamada Leandra. :
— Sei quem é ela.
— Nesse caso, posso ir direto ao ponto.
Silencioso, Benedict cruzou as mãos sobre a mesa como um sinal de

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atenção. Raine ficou ressentida. Por que ele tinha de ser tão senhor de si?

Suspirou, frustrada. O melhor seria ignorar as desavenças para assim
discutir o assunto. Com clara frieza, ela relatou os detalhes do encontro. Sentiu-
se satisfeita quando o semblante de Benedict tornou-se sério e preocupado.

— Leandra me contou que está grávida e um de seus soldados é o
responsável — Raine finalizou.
— Quem é ele?
— Essa informação ela não me deu. Leandra tem a ridícula esperança de se
casar por amor e não pelo bebê. Acredita que, se ele souber da criança, será
forçado a esposá-la. — Raine evitou o olhar de Benedict enquanto falava do filho
de Leandra, pois temia delatar-se. Não estava preparada para compartilhar a
própria gravidez com o marido, embora não soubesse por quê.
Benedict levantou-se, agora entendo o dilema da esposa.

— Que absurdo. Meus homens são decentes. Estou certo de que qualquer
um deles honraria a mãe da criança.
— Acha mesmo, Benedict? O fato de serem seus amigos não significa que
tenham bom caráter e honradez. Não pode estar acima dos sentimentos das
pessoas. — Ela se deteve, espantada com a afirmação.
— Não estamos falando de mim e de você, Raine — ele esbravejou. —
Conheço bem o coração de meus soldados.

— Não quero discutir com você. Desejo apenas saber que procedimento
pretende tomar em relação a Leandra.
Por um longo tempo, Benedict ficou em silêncio.

— Raine, não creio que eu deva interferir — disse, enfim. — Anos atrás,
jurei não tomar partido em assuntos como esse. — Ele baixou o olhar. — Custou-
me muito intervir na felicidade de Tristan e Lily. Apesar de eu achar um erro
meu irmão casar-se com a filha de nosso inimigo, cometi um grave engano. Se não
fosse por mim, eles não teriam de fugir, o bebê não teria nascido dentro da
carruagem na calada da noite e Lily não perderia a memória.
A despeito de não compreender os detalhes daquela confissão, Raine notou
quanto Benedict ainda sofria e acreditou em sua sinceridade. Mas precisava
fazê-lo entender que as histórias eram diferentes.

— A situação não pode ficar como está — ela arriscou, frustrada.
— Não entende o que estou tentando lhe dizer, Raine? O que deve ser
feito a fim de retificar esse tipo de situação pode parecer claro, mas não
significa que seja o certo. Aprendi a deixar os outros cuidarem de seus

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relacionamentos amorosos. O tempo será suficiente para corrigir os erros.

A maior incapacidade daquele homem era não ousar envolver-se no próprio
casamento. Raine sentiu-se ainda mais frustrada.

— Não me escutou, Benedict? Não podemos ficar parados e rezar pelo bem
de todos. Você tem de agir a despeito de suas crenças. Precisa ser feito agora,
sem ponderações.
Como ele não replicasse, Raine prosseguiu:

— Não me fiz clara? Temo pelo bem-estar daquela jovem. Quando a
encontrei na praia, ela fitava o oceano como se... Receio que Leandra queira
acabar com a própria vida.
Assustado, Benedict segurou-a pelo braço.

— Ela lhe disse isso?
— Não, mas tenho certeza de...
— Acredito em sua generosa intenção, Raine, mas talvez a tenha
compreendido mal. O que me pede vai contra tudo que já vivenciei em situações
semelhantes. Preciso pensar a respeito.
Ofendida com tamanha teimosia, Raine ergueu as mãos.

— Vou deixá-lo, milorde. Não consigo ficar passiva enquanto reflete sobre
o problema. Talvez seja tarde demais. — Dito isso, ela se virou e saiu.
Benedict observou-a, preocupado. Sem dúvida, Raine estava exagerando.
Quantas vezes ele testemunhara aquela impulsividade acabar em desastre?

A raiva que ela nutria por Benedict devido a ele ter-lhe virado as costas
após o encontro na floresta ainda prevalecia, apesar dos esforços em tratá-la
com a cortesia digna de uma esposa. Embora arrependido, não havia chegado à
solução do problema. Não podia correr o risco de perder-se na beleza rebelde de
Raine.

Contudo, dia após dia, sentia-se cada vez mais vulnerável a ela. Longe de
esquecer o interlúdio na floresta, ele se via consumido pela lembrança e acordava
durante a noite, suando frio.

Conforme os dias passavam, Benedict mergulhava a mente no trabalho, sem
encontrar a solução para as cartas furiosas de Alister Harcourt que continuavam
a chegar. A pendência com Harcourt tinha de ser concluída, mas não vislumbrava
uma solução, e isso o deixava exaurido. Sempre havia sido capaz de pensar e agir.
Até aquele momento.

Enquanto pensava em chamar o assistente, Benedict não conseguia ignorar

o pressentimento de que Raine podia estar correta em relação a Leandra, embora
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fosse difícil admitir que a alternativa de se jogar nas águas bravias do oceano
pudesse ser real.

A suspeita de que Leandra contemplava um meio permanente de resolver
seu problema era preocupante. Se Raine estivesse certa, o atraso poderia ser
fatal.

Que chances haveria de ela estar certa? Raine era impulsiva demais,
poderia estar fantasiando a realidade só porque não parara para refletir sobre a
questão.

"E se ela estiver correta?", perguntou-se.

Era improvável. Porém, ele se deu conta de que tanta hesitação acabaria
em tragédia. Tinha prometido a si mesmo que não interferiria em tais assuntos.

Mas, em certas circunstâncias... Oh, Raine o estava enlouquecendo.

Resmungando, Benedict foi à porta e chamou o assistente.

— Está pronto para prosseguir, milorde? — o homem perguntou.
— Não ainda. Quero que procure a criada Leandra e a traga até mim.
O susto do assistente diante da maneira agitada de Benedict foi explícito.

— Como quiser, lorde Benedict.
— Procure-a imediatamente — Benedict ratificou. — É um assunto de
extrema importância. Caso não consiga encontrá-la, quero ser informado sem
demora.
O assistente retirou-se, apressado. Benedict continuou a caminhar pela
biblioteca, apreensivo. Não se importava em causar um espetáculo ao se
comportar como uma tia anciã. Sabia quão fundamental era administrar o bem-
estar de seus vassalos.

Não tinha motivo para tanta ansiedade, sabia que eram os receios
excessivos de Raine que o influenciavam. No entanto, não conseguia conter a
necessidade de garantir um futuro a Leandra.

Benedict esfregou os olhos cansados. As últimas horas haviam sido
fatigantes. Leandra fora levada até ele e, embora relutante, admitira que os
temores de Raine estavam corretos. Após assegurá-la de que a morte não seria a
melhor solução, ele a coagira a revelar o nome do pai do bebê.

O homem, que estivera em uma das propriedades de Benedict havia
algumas semanas, fora chamado e aceitou se casar antes mesmo que Benedict o
informasse a respeito da situação de Leandra.

Agora, aliviado com o rumo da situação, Benedict não pôde ignorar uma
pontada de arrependimento. Raine estivera certa, e ele a tratara como uma


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criança rebelde. E a culpa que sentia por tê-la magoado o consumia.

Soltou um suspiro profundo.

— Milorde?
Maeve encontrava-se parada à porta da biblioteca. Com muita dificuldade,
ele conseguiu reassumir a velha postura de neutralidade. Apesar dos problemas
com Raine, ainda precisava garantir o bom andamento de Brackenmoore.

— Sim, Maeve. Há algo que precise de minha atenção? — O tom de
infelicidade ficou evidente. Só esperava que a criada não notasse quão
perturbado estava.
A expressão preocupada de Maeve não o encorajou.

— Não há problema algum, milorde. Vim lhe agradecer por cuidar de
Leandra. Ela é filha de minha prima.
A novidade não o surpreendeu. Maeve parecia possuir um suprimento
infindável de primos.

— Deve agradecer a Raine, Maeve. Foi ela quem me chamou a atenção para
a situação de Leandra. Admito que custou-me acreditar, antes de cumprir meu
dever. — Ele sabia ser a mais absoluta verdade. Suspirou novamente, desolado.
— Está passando mal, milorde? — Maeve aproximou-se. Benedict meneou a
cabeça em negativa, evitando olhá-la.
Mesmo considerando-a uma mãe, desde a morte de seus pais, era difícil
aceitar o carinho de Maeve. A responsabilidade impedia a fluidez das emoções. E
ninguém, incluindo Maeve, podia duvidar de sua habilidade de senhor, apesar da
tumultuada vida pessoal.

— Não, Maeve. Não precisa se preocupar comigo.
A criada ficou calada por algum tempo, mantendo o olhar fixo em Benedict.
Quando ele a encarou, sentiu o coração se apertar.

— Sei que é um homem forte e independente, milorde, e que deseja
permanecer sempre controlado e calmo. Porém, há momentos em que a
serenidade é um sacrifício.
Benedict fez menção de falar, mas Maeve o impediu.

— Reconheço que estou invadindo sua privacidade, mas amo o senhor e seus
irmãos como filhos. São as crianças que nunca pude ter. Não consigo ignorar seu
sofrimento e sei qual é a causa.
Benedict examinou as mãos de Maeve, tão calejadas pelos anos de trabalho
duro. Não se atreveria a contradizer a verdade que ela revelava. A boa mulher o
conhecia muito bem.


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— Ela nunca vai aceitar a vida que leva aqui — confessou, resignado.
— Lady Raine vai se adaptar. Tem medo de nos amar porque acredita que o
sentimento é uma traição ao passado.
— Ela é incapaz de amar alguém... exceto o próprio irmão.
Maeve sorriu.

— Está enganado, milorde. É o amor pelo irmão que me dá a certeza de que
ela é capaz de amar. Alguém com tanta devoção possui um coração generoso. Por
mais que negue, lady Raine acabará cedendo. Veja como ela se colocou a favor de
Leandra, uma estranha.
— Sim, é verdade. E talvez seja por isso que Raine a ajudou. Leandra não
ameaça sua lealdade exagerada.
— Sabe que meu carinho pelo senhor não está em questão. Portanto, escute
o que vou dizer. Se quiser que lady Raine o ame algum dia, precisa mostrar quanto
a aprecia.
— Eu mostro a ela respeito e consideração, Maeve. Não posso adulá-la ou
negligenciar meu deveres para escrever poemas a respeito da glória contida
naqueles olhos dourados.
O semblante triste de Maeve assentiu.

— Perdoe a ranhetice de uma velha, milorde. — Ela se virou e saiu.
Benedict encarou a porta que se fechava. Não seria útil a ninguém discutir
a questão. Raine jamais o amaria, por mais que ele tentasse. Somente William
tinha o privilégio de ser amado.

Uma dor súbita invadiu-lhe o coração, mas ignorou-a. Não precisava do
amor da esposa. Era o líder da família e não deveria se ater a futílidades.

Entretanto, aquela certeza não lhe trouxe a confiança que sempre o
fortalecera no passado. Para sua infelicidade, tudo que sentiu foi somente o
vazio.

CAPÍTULO XII

Raine recolheu-se à solidão de seu quarto mais cedo naquele dia. As horas
passavam, mas a raiva não abrandava. Benedict Ainsworth era um sórdido por
acusá-la de infrações sempre que tinha oportunidade. O homem ignorava por
completo as próprias fraquezas.

132




Catherine Archer A Dama da Floresta

Pouco tempo depois, enquanto tentava se concentrar em um bordado,
alguém bateu à porta. Seu coração disparou.

— Entre!
Maeve abriu a porta bem devagar. Raine ficou intrigada. A criada hesitou
por um instante e, então, adentrou o quarto, determinada.

Embora pressentisse que não ia gostar daquela suposta conversa, Raine
recebeu-a com um sorriso.

— Sim, Maeve?
— Acredito que deva saber de algo importante, milady — Maeve foi direta.
— Se Benedict a mandou aqui, não estou interessada em ouvi-la — Raine
retrucou, impaciente.
A mulher não escondeu o espanto.

— Lorde Benedict não sabe que estou aqui. Constrangida, Raine
arrependeu-se de ter se precipitado.
Maeve fora boa com ela e William desde o início, logo, merecia toda a
consideração.

— Peço que me desculpe, Maeve. Minha posição de baronesa não me dá o
direito de ser rude. Por favor, fique à vontade e diga-me por que veio até aqui.
A resignação de Raine pareceu amolecer a boa mulher. Ela sorriu,
satisfeita.

— Vim lhe agradecer por ter ajudado Leandra, milady. Ela me contou o que
aconteceu hoje de manhã e como a senhora intercedeu junto a lorde Benedict
que, felizmente, soube resolver o problema.
— Benedict resolveu o problema de Leandra? — Raine indagou, incrédula.
Maeve pareceu estranhar a pergunta.
— Claro, lady Raine. Por que ele não o faria, já que a senhora lhe disse que
era preciso tomar uma atitude rapidamente?
Perplexa, ela não sabia o que dizer. Ninguém teria contado tudo aquilo a
Maeve, a não ser Benedict. Alheia à confusão de Raine, a mulher prosseguiu:

— Leandra ficou preocupada com a imagem errônea que pode ter passado à
senhora. — Ela suspirou, resignada. — É filha de minha prima e uma garota de
quem gosto muito, embora seja tola. Disse-me que preferia casar-se com o
amante sem revelar a gravidez. Devido a suas suspeitas, milady, lorde Benedict
descobriu a identidade do pai e o homem concordou em esposá-la... por amor a
ela, Leandra não sabia que ele estivera a serviço de lorde Benedict em outra

Catherine Archer A Dama da Floresta

propriedade. — Maeve parou para enxugar as lágrimas. — Leandra também
confessou que pretendia tirar a própria vida quando a senhora apareceu.
Acredite, milady, nunca seremos capazes de lhe agradecer a bênção que hoje nos
concedeu.

Ruborizada, Raine sentiu um misto de desconforto e alegria. Não
pretendera ganhar a lealdade de ninguém. Agira por achar necessário e nada
mais.

— Obrigada pelas palavras gentis, Maeve, mas não fiz nada para ganhar
sua gratidão.
— Mesmo assim, a senhora a tem.
Como era bom receber aquele agradecimento, Raine pensou, comovida.
Então lembrou-se de que também tinha algo a dizer.

— Peço-lhe que me escute agora, Maeve. Sua gentileza para comigo e meu
irmão, a despeito das ações pouco convencionais que tive em relação a Benedict,
deixa-me muito grata.
Maeve assentiu, ponderando acerca das palavras seguintes.

— Há muitos detalhes entre a senhora e lorde Benedict dos quais não
tenho o direito de falar. Todos em Brackenmoore são uma família. Lorde
Benedict sempre nos tratou com respeito. Meu mestre é um homem especial. Não
só criou os irmãos após a morte dos pais, como também cuidou do bem-estar dos
subalternos, e ninguém jamais traiu sua confiança.
Pensativa, ela fez uma pausa.

Raine a observava, calada e apreensiva.

— Ele certamente cuidará da senhora da mesma maneira. Embora esteja
absorvido em suas responsabilidades a maior parte do tempo, nunca lhe faltará
com o respeito.
Raine reconhecia o amor e o cuidado de Benedict para com a família e
apreciara tais qualidades desde que escutara a conversa com o rei. O que
ignorava na época era que ele não podia oferecer nada além disso. Brackenmoore
viria sempre em primeiro lugar. Raine não tinha a menor pretensão de se tornar
mais uma das obrigações de Benedict. Queria apenas ser a esposa.

Infelizmente, na vida de Benedict não havia espaço para luxos como uma
esposa.

A fria indiferença era uma prova disso. Até a raiva seria mais aceitável. Se
Benedict sentisse o mais ínfimo afeto por ela, o teria demonstrado em algum
momento. O modo como a tratara nas últimas semanas indicava somente honra e
dever de marido.


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Raine sentiu uma estranha sensação de vazio. Se a situação fosse
diferente... Reprimiu o pensamento. Não exigiria nada mais de Benedict.

A lembrança da união de ambos sob a chuva, o selvagem abandono, veio a
sua mente. Corou até a raiz dos cabelos. Talvez tivesse distorcido o significado
daquela experiência, talvez Benedict não a desejasse e não soubesse o que dizer
diante da súbita mudança de Raine. Não podia mais fingir o contrário.

Suas faces ficaram ainda mais coradas. Benedict não a tocara, tampouco
dera sinais de que havia apreciado o interlúdio na floresta.

Ainda perdida em devaneios, fitou o rosto ansioso de Maeve. Sabendo
quanto aquela mulher era fiel ao carinho que sentia por Benedict, Raine não ousou
revelar os pensamentos que a afligiam.

— Obrigada pela consideração, Maeve, e pelo incentivo. — Raine sorriu. —
Vou pensar a respeito de tudo que me disse.

Ainda com a expressão triste, Maeve assentiu.

— Como quiser, milady. Vou deixá-la a sós com seus pensamentos.
Observando a criada se retirar, Raine concluiu que, entre tão poucas
opções, não desejava ficar a sós com os pensamentos.

Fora um dia penoso para Raine. Não podia negar quão espantada ficara ao
saber que Benedict agira de pronto após adverti-lo sobre Leandra. Tampouco
queria iludir-se a ponto de achar que nutria algum sentimento por ela.

Tentou ocupar-se com a costura de um vestido, mas precisou desmanchá-la
duas vezes. Quando se preparava para recomeçar a tarefa, uma batida à porta
ecoou pelo quarto.

William jamais batia e, mais, ainda estava viajando.

Ao lembrar-se de Benedict, viu-o abrir a porta, parecendo tão poderoso
como sempre.

— Posso entrar? — ele perguntou, hesitante.
No íntimo, queria mandá-lo embora, gritar que não havia nada a dizer,
apesar de ter caído em si e ter feito o que era certo a Leandra. Benedict fora
tão arrogante ao dispensá-la, como se Raine não possuísse a menor importância.

Mas algo, talvez o brilho incerto nos olhos azuis e os cabelos em desalinho,
impediu-a.

— Pode, milorde — murmurou, por fim. Repreendeu-se quando escutou o
tom gentil na própria voz. Não se permitiria nenhuma emoção. Mesmo que ele
houvesse concluído que a tratara mal e tencionasse desculpar-se, Raine não iria
amolecer.
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Catherine Archer A Dama da Floresta

Tal sacrifício só lhe traria dor, como acontecera em Abbernathy. Seria
tolice fraquejar por causa da atração ou dos sentimentos de solicitude. Benedict
era capaz de magoá-la sem ao menos pensar.

Por sorte, o homem diante dela não tinha idéia do que se passava. Raine não
confessaria quanto a rejeição havia ferido seu coração. Orgulho era a única arma
que lhe restava.

Parecendo encorajado pelo tom suave, ele fechou a porta atrás de si.

— Quero falar com você, se me permitir.
A maneira humilde destruiu as muralhas que ela havia construído ao redor
dos sentimentos. Não desejava revelar quão ansiosa estava para acabar com
aquela distância entre ambos. Almejava também contar-lhe sobre o bebê e
quanto a novidade transformara-se em tristeza por ver-se imersa em um
casamento sem esperanças.

No entanto, ficou calada.

Observou Benedict atravessar o quarto e sentar-se diante da lareira.
Precisou conter a compaixão e outras emoções confusas quando ele esfregou o
rosto cansado. O dia devia ter sido difícil para o marido.

Continuou em silêncio. Benedict não gostaria de ser alvo de piedade, já que
se achava no dever de resolver todos os problemas. Raine manteve-se se cabeça
erguida.

— Poderia ir direto ao assunto, milorde? — Ela largou a costura e
levantou-se. — Eu estava prestes a me recolher.
— Serei breve. — Ele cruzou os dedos e fitou-os, pensativo.— Vim lhe
dizer que estava certa esta manhã, e eu não devia tê-la tratado com tanta
rudeza. Não considerei a experiência que você possui de administrar Abbernathy.
Entre todas as coisas que ele poderia ter dito, aquela foi a mais
inesperada. Atônita, Raine permaneceu calada por um longo instante.

— O que o fez mudar de opinião, Benedict? — perguntou, enfim.
Ele enrijeceu o rosto, expressando sofrimento.
— É suficiente dizer que mudei de opinião.
— Que bondade a sua. — Raine levou as mãos à cintura.
— Precisa ser sempre irônica ante tudo que eu digo? Não pode
simplesmente aceitar meu pedido de desculpas?
— Eu não... — Ela engoliu as próximas palavras.
Não estaria ele certo? A mágoa e os erros que Benedict cometera ainda

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influenciavam as atitudes intempestivas de Raine.

— Tenho refletido acerca do que você disse — ele prosseguiu. — E concluí
que tem razão. Talvez eu esteja acostumado a dar ordens. Várias pessoas
dependem de minha certeza de pensamento e dever. Quando somos responsáveis
por muitos não podemos deixar que os outros tomem decisões. Mas não tenho o
direito de agir da mesma maneira com minha esposa.
— Benedict, ninguém consegue estar certo o tempo todo. O fato de que
você quase sempre tem razão é irrelevante. — A surpresa de vê-lo disposto a
discutir o assunto a estimulou. — Essa atitude o torna inflexível.
— Não sou inflexível. Você não entende minha posição.
— Não? Circunstâncias que fugiam ao meu controle me forçaram a nunca
esquecer o passado. Tive de aceitar que não consigo realizar tudo como quero. De
certa forma, perceber isso me libertou. — Ela o fitou, irônica. — Devo agradecer-
lhe por me ajudar a ver que sou apenas uma mera mortal. O que o
perturba, Benedict? Se compreender este fato, sua vida poderá mudar
consideravelmente.
Ele a encarou, perplexo. Estava claro que não aceitara a declaração de
Raine. Benedict jamais se permitiria abandonar aquela imagem onipotente.

Suspirou resignado, como se não possuísse forças para argumentar, como
se não valesse a pena convencê-la do contrário. Por alguma razão, aquela atitude a
feriu.

Apesar da dor, Raine sentiu um inesperado desejo. Oh, como queria que
tudo fosse diferente entre eles. Podiam ter iniciado uma nova vida desde aquele
dia na floresta, tal qual ela ansiara.

Mas Benedict nunca conseguiria sair da prisão que construíra para si. Se
abrisse mão da fachada de poder, ficaria tão vulnerável quanto aqueles que
dependiam dele.

A verdade da própria fraqueza era algo que Raine conhecia muito bem. Não
havia vivido o sofrimento de saber que não podia transformar a vida como
desejava? Não fora obrigada a testemunhar a morte do pai e descobrir que
jamais voltaria a ser a mesma?

Nesse ponto Benedict tinha razão. Ela não conseguiria resgatar a vida
antiga, negando o futuro.

Contudo, não valia a pena tentar convencê-lo de que, a seu modo, tinha
medo de se soltar. Nunca a escutaria. E, embora lhe doesse na alma, ela não
acreditava que aquele casamento obtivesse salvação.

Os métodos de Benedict lhe serviam ao propósito de senhor de


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Brackenmoore. Infelizmente, também tornavam impossível a possibilidade de
amar alguém... ou sentir o amor de outrem.

Raine sentia uma crescente compaixão por aquele homem. Por impulso,
aproximou-se dele por trás e fitou os lindos cabelos negros. Parecia tão frágil
naquela cadeira.

Como era solitário e isolado Benedict Ainsworth, o barão de Brackenmoore,

o protetor de todos que residiam nas vastas terras de seu legado. Devagar, Raine
afagou os cabelos macios.
Benedict virou-se, espantado. Havia um brilho diferente nos olhos azuis
que a fez ofegar. Sabia que se tratava de puro desejo.

— Não vim brigar com você, Raine, apenas me desculpar. Não somente pelo
que disse hoje de manhã, mas por tudo que fiz nas últimas semanas.
As palavras foram um choque, e a paixão explícita nos olhos ainda mais
admirável. Se a desejava, por que ele insistia em rejeitá-la? Raine postou-se
diante do marido.

— Você me quer — disse, sem pensar. — Por que agiu como se fazer amor
comigo naquela floresta o enojasse?
Aparvalhado, Benedict sacudiu a cabeça, negando.

— Nojo? Garanto a você que jamais me senti enojado.
Além do súbito arrepio, ela percebeu também uma onda de prazer pela
gratificação emocional que sentiu e pela sensualidade que viu estampada naquela
reação.

Benedict continuava a fitá-la, enquanto seus olhos tornavam-se mais
escuros. De repente, Raíne descobriu que a paixão sempre estivera entre ambos,
mesmo nos momentos de raiva, irritação e indiferença. Por algum motivo, a
emoção era camuflada, mas nunca suprimida.

— Raine?
Ela tocou-lhe os lábios.

— Não vamos falar mais nada.
Seu marido fora até ela para pedir um sincero perdão. Por enquanto, isso
era o suficiente.

— Tem certeza?
— Tenho. — Raine não queria pensar nos problemas que os afastavam,
desejava apenas fugir da solidão e carência. E o alívio só podia acontecer nos
braços de Benedict.
138




Catherine Archer A Dama da Floresta

Estava disposta a aceitar somente uma noite de amor. Um remorso
momentâneo tocou-lhe o coração. Logo sentiu o toque gentil de Benedict.

Raíne ficou surpresa ao ver que as mãos másculas tremiam. A noção de que
aquele momento único o afetava deixou-a sôfrega.

Ela segurou-lhe a mão e, levantando-a, beijou-lhe a palma calejada.

— Raine...
O som sussurrado de seu nome foi tal qual uma carícia sobre a pele,
fazendo-a arrepiar-se.

Fitou-o nos olhos, sem esconder nenhuma emoção e sabendo que o fato de
ele sempre tê-la desejado a deixava vulnerável.

— Benedict.
Como conseguiria encontrar palavras para definir aquela mudança
repentina? Benedict só sabia que a ideia de manter-se longe dela agora lhe
parecia loucura. Com certeza, havia exagerado o que acontecera na floresta. O
amor selvagem e passional que haviam partilhado, fora o fruto daquele lugar
mágico, e a chuva molhando a nudez de ambos incrementara as sensações.

Em seu domínio, não existiam motivos para acreditar que a entrega
ocorreria de novo. Raine era somente uma mulher e o desejo de gerar um
herdeiro não desaparecera por causa da romântica experiência que tivera aquele
dia.

A fraqueza das reações reforçava a determinação de superá-la, de render-
se ao desejo arrebatador de fazer amor com sua esposa. Ela estava tão linda, tão
sensual. Absorvido por aqueles olhos dourados, dava-se conta de quão tolo havia
sido.

Devagar, roçou os lábios rosados, experimentando o momento. Sentiu certa
tontura ao notar que ela o queria para si. Explorou a boca macia, provando a
doçura de Raine, sua mulher.

— Pensei que não me quisesse — ela murmurou.
A culpa o invadiu, de repente. Benedict acariciou a face delicada, enquanto
ainda beijava os lábios rubros.

— Eu a quero, Raine. Sempre a desejei. Mostrarei quanto a desejo através
do prazer que vou lhe dar.
As palavras a fizeram estremecer. Benedict começou a beijar-lhe as
curvas do pescoço. Ela se inclinou para trás, trêmula de paixão, permitindo acesso
ao colo alvo.

Ele envolveu a fina cintura, redescobrindo as sinuosas linhas de sua Raine,


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sua esposa. Desde o começo, vira-se atraído por ela e vivera a necessidade
urgente de possuí-la. Com outras mulheres, existira apenas a satisfação física.

O fato de que Raine parecia incapaz de lutar contra o desejo, a despeito
do rancor, rompeu as precárias defesas que Benedict havia construído nas
últimas semanas.

A ansiedade crescia dentro dele. Poderia tocá-la e acariciá-la como
quisesse, pois Raine o receberia. E era exatamente isso que pretendia fazer.

Intensificou as carícias, moldando-se às curvas perfeitas do corpo
feminino. Para sua gratificação, Raine colou-se a ele, beijando-o com a mais
absoluta sensualidade.

Dedos gentis afagavam-lhe os cabelos e, inebriado, Benedict aprofundou o
beijo como resposta ao gesto afetivo. Raine suspirou quando ele começou a
acariciar a região entre os seios.

A força máscula daquele corpo parecia enfeitiçá-la. A pulsação aumentava,
e sensações lancinantes a percorriam, como sempre acontecia quando ele a
tocava.

Aflito, Benedict tentou erguer a saia do vestido. Não conseguia tolerar
aquela barreira entre ele e Raine. Ela o ajudou e, em pouco tempo, a veste
esverdeada tombou no chão, tal qual uma piscina natural.

Sob a luminosidade das velas, reparou que o tecido não era mais barreira
para seu olhar famélico. Fascinado pela beleza, traçou a adorável saliência dos
seios, sentindo o toque suave sobre a palma da mão.

Observou, completamente extasiado, os mamilos tornarem-se rijos.

Respirou fundo, tentando abrandar a pulsação enquanto retirava a última
peça de roupa. A repentina visão da nudez, embora conhecida, prometia uma
fantástica aventura.

Afagou os mamilos ainda túrgidos e, ao escutar um gemido fraco, fitou-a
nos olhos e viu o brilho inconfundível da paixão. Raine aproximou-se.

O corpo de Benedict tremia de expectativa. Tão logo o corpo feminino
colou-se a ele, sentiu uma profunda frustração por ainda estar vestido. Precisava
relembrar a sensação de roçar naquela pele quente.

Recuou e despiu-se, depressa. A paixão crescia cada vez que sentia as
mãos delicadas ajudando-o a se livrar das roupas.

Quando as peças caíram no chão, ele tentou abraçá-la novamente.

Raine afastou-se, por um breve momento.

— Você é maravilhoso, Benedict, como nenhum homem tem o direito de ser.

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Era uma grande verdade. Ela examinou os músculos bem torneados das
pernas e o tórax avantajado. O homem exalava um poder viril. Mas foi a imagem
do desejo explícito que a encantou.

— Tão lindo.
Uma emoção que não pôde nomear invadiu-lhe os sentidos, aquecendo-o,
perturbando-o. Jamais imaginara que o corpo de guerreiro pudesse ser
considerado lindo. Raine incitava sensações que ele não conhecia.

A experiência foi tão intensa que chegou a assustá-lo. Percebeu-se repleto
de ternura e carinho. Sem se ater aos novos sentimentos, puxou-a para si e
mergulhou o rosto nos cabelos vermelhos. A lembrança de como era sentir os
cachos sedosos o forçou a tirar o arco que os prendia.

Raine notou que Benedict havia soltado seus cabelos somente no momento
em que eles tombaram sobre ela. Sentiu o coração bater mais forte. O gesto
simples parecia conter intimidade, cumplicidade.

Era como se ele lhe dissesse que o próximo passo representava algo muito
maior que a mera união de corpos. Tratava-se de um encontro mágico, bem mais
profundo que o prazer que haviam partilhado antes.

Algum lugar de sua alma pareceu suavizar-se. Raine pertencia a Benedict,
sempre seria apenas dele. Na verdade, nunca deixara de desejá-lo.

Acariciou o peito másculo, sem tirar o foco dos olhos azuis, que a
admiravam com paixão.

— Benedict... — sussurrou, segurando-o pelas mãos. Lentamente, guiou-o
em direção à cama, o leito solitário onde passara noites insones, sonhando com
ele até adormecer de cansaço.
Quando chegaram à beirada da cama, Benedict beijou-lhe os lábios para,
em seguida, traçar as linhas do pescoço e atingir as curvas dos seios. Raine
gemeu e agarrou-se aos ombros largos, incapaz de se sustentar sobre as pernas
trêmulas.

Benedict percebeu a súbita fraqueza e acomodou-a sobre o leito
aconchegante. Fitou os delicados pés e recordou a sensação de vê-los na primeira
noite em Brackenmoore.

Com extremo respeito, deslizou as mãos sobre as pernas esguias e sentiu-a
estremecer quando beijou a ponta dos pés, rendido ao encanto daquela mulher.

— Benedict...
Então começou a provar cada um dos pequenos dedos, com absoluta
languidez. Algo dentro dele se insinuou, como se não apenas o desejo físico o
estimulasse e fizesse o sangue ferver nas veias.


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— Venha até mim — Raine implorou.
Não havia meios de resistir a ela ou à própria necessidade. Quando o
puxou, as pernas perfeitas se abriram para recebê-lo com paixão. Benedict
fechou os olhos e penetrou no delicioso calor daquele corpo.

Raine gritou de prazer ao senti-lo dentro de si. Acompanhou o ritmo,
derretendo-se ante a paixão e sabendo que ele os levaria ao êxtase.

A incomparável sensação explodiu, aumentando de intensidade. Raine se
fundiu ao marido, ciente de que nunca mais seria uma pessoa só. O limite entre
ambos não existia. Estava presa, completamente absorvida por Benedict.

Onda após onda de prazer incitava a união natural. Quando enfim o clímax
a atingiu, sentiu-se dissolver em uma chuva de puro deleite, gritando o nome
daquele que também lhe pertencia.

Ao percebê-lo estremecer, Raine foi presenteada com a alegria de saber
que Benedict também atingira o patamar da perfeição. Abraçou-o com força para
acolhê-lo. Seu coração, de repente, tornou-se repleto de amor.

Conforme a noção chegava à mente, Raine sentia o corpo enrijecer. Deus,
era verdade. Amava aquele homem mais que a própria vida, um amor que
imaginava ser impossível. Ele não a amava, jamais fizera segredo disso. Admitira
que gostava de partilhar a paixão e o deleite. No entanto, não estava disposto
nem podia ver que havia mais a usufruir daquela união.

A compreensão de que o amava trouxe também a certeza de que sofreria
as consequências de o sentimento não ser recíproco.

Permaneceu estática, tentando suportar a dor. Lágrimas ofuscaram-lhe a
visão. Agora apenas o corpo de Benedict não seria suficiente para ela. As carícias
inebriantes atestariam o que jamais poderia ter... o amor de seu marido.

Sem nada dizer, Raine encolheu-se na cama. Embora sentisse que era
observada, não ousou fitá-lo para que ele não lesse a verdade em seus olhos.

Levantou-se, pegou o robe e cobriu a nudez. O ato de esconder o corpo não
a deixou menos vulnerável a ele.

Benedict sentou-se na cama, expressando um misto de emoções
turbulentas que ela não podia definir.

— Raíne, o que foi agora? Eu... — Tentou se manter calmo. — Como
conseguiremos ser uma família, se...
A óbvia referência a um herdeiro foi dilacerante. Não era a calma que a
assustava, mas sim a inabilidade de entregar-se a ela.

— Não precisa mais se incomodar em me possuir, Benedict — Raíne avisou

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o, com a voz rouca. — Seu desejo foi realizado, estou grávida.

As palavras o atingiram com a força de um trovão. A tristeza contida na
voz, o estranhamento tão contraditório ao momento íntimo que tinham
compartilhado, impediram-no de assimilar a importância daquela declaração.

Então, apesar da confusão interna, o entendimento surgiu, claro. Raine
esperava um bebê.

Seu filho. Ele enfim teria um herdeiro para perpetuar o nome da família.

O orgulho começou a crescer em seu peito. Por alguns momentos, ficou
maravilhado com a abençoada notícia.

De súbito, lembrou-se das outras palavras. Não precisava mais se
incomodar em possuí-la? A incrível emoção de ser pai foi substituída pelo
remorso.

Embora não houvesse revivido a experiência mística que conhecera na
floresta, Benedict sentiu uma ternura que jamais imaginara sentir, e agora ela o
rejeitava.

Não queria nutrir carinho e afeto por uma mulher tão intempestiva. Em
silêncio, ele se levantou. A despeito da brisa quente que entrava pela janela
aberta, sentiu um tremor estranho. Rápido, recolheu as roupas e vestiu-as.

Quando terminou, viu Raine atenta à paisagem da janela. A postura tensa
do corpo não admitiria conversas.

Enquanto a observava, Benedict sentiu-se outra vez infeliz. Iam ter um
filho. Queria torná-la nos braços, beijá-la, mergulhar o rosto naqueles cabelos
rubros e chorar de alegria. Desejava provar novamente o júbilo total.

Queria perguntar a ela o que havia acontecido, por que o rejeitara de
repente, mas não podia. Não quando a dispensa surgira sem aviso ou motivo. A
menos que Raine pretendesse castigá-lo por tê-la magoado. Nesse caso, não
permitiria que usasse artimanhas vis contra ele.

Ela se fizera muito clara. Que assim fosse. Benedict respeitaria sua
vontade. Retirou-se do quarto, sem mais palavras.

CAPITULO XIII

Raine caminhava de um lado para o outro, inquieta. Não conseguia dormir,
permanecer sentada ou ponderar. A irrefutável verdade de que estava
apaixonada por Benedict tumultuava-lhe a razão.

O fato era devastador. Não esquecia a obstinação de Benedict em cultuar

o papel de defensor absoluto de todos que habitavam Brackenmoore.

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Cada detalhe doloroso da última conversa surgia-lhe à mente, somado à
certeza de Maeve de que Benedict cuidaria dela, tal qual fazia com todos a sua
volta. Não queria a proteção do marido.

Desejava ser amada com a mesma intensidade que o amava.

Oh, se ao menos o que ele lhe oferecia fosse o suficiente... Se não
alimentasse a esperança de que um dia Benedict retribuiria seu amor...

Raine queria que ele a amasse e não aceitaria nada aquém disso. Como se
conformar-se com pouco depois de entregar-se tão completamente?

Raine passou as mãos nos cabelos já despenteados. O pesado silêncio do
castelo parecia sufocá-la. Não conseguiria dormir outra noite por causa daquele
estado de agitação. Precisava de algo para ocupar a mente. De repente, uma idéia
lhe surgiu. A biblioteca. Nunca havia visto tantos livros em um único lugar.

Sem pensar, pegou um candelabro e precipitou-se à porta, mas hesitou.

A biblioteca era o santuário de Benedict. Ele se sentia muito à vontade
naquela cadeira de madeira maciça. O homem odiaria ver sua privacidade
invadida.

Que importância tinha a opinião de Benedict?, Raine pensou, endireitando
os ombros. Era sua esposa e, portanto, merecia certos privilégios. Afinal, ele
repetira várias vezes que Brackenmoore agora era o lar de Raine. Se não a quisesse
na biblioteca, que fosse se queixar com o rei.

Resoluta, abriu a porta e percorreu o corredor.

O castelo continuava silencioso e às escuras. Raine ficou grata por não
precisar atravessar o grande salão para chegar à biblioteca. Não gostaria de ter
explicar a alguém por que perambulava sozinha na calada da noite, mesmo certa
de que tinha o direito de fazer o que bem desejasse.

Quando aproximou-se da biblioteca, imaginou se o marido a mantinha
trancada durante a noite. Girou a maçaneta e, quando a porta se abriu,
repreendeu-se por cogitar tamanha idiotice. Benedict era tão seguro de si que
jamais conceberia algum distúrbio em seu ambiente sagrado.

O movimento da chama da vela formava sombras assustadoras nas
prateleiras repletas de livros. Havia pouca luminosidade para escolher um
daqueles volumes. Caminhou até a mesa, certa de que encontraria outro
candelabro.

Acendeu mais duas velas. Então, entre tantos documentos, notou uma carta
aberta sobre a superfície da mesa. Curiosa, leu o nome assinado na parte inferior
do papel: Alister Harcourt.

Aquele nome lhe parecia familiar. Tentou lembrar onde o escutara. Enfim,


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a resposta apareceu. Tratava-se do homem sobre o qual Benedict conversara com

o rei Edward quando ela o vira pela primeira vez.
Morta de curiosidade, Raine aproximou-se ainda mais para ler a mensagem.

Ficou intrigada à medida que assimilava as palavras ameaçadoras e o tom
furioso. Estava óbvio que a intervenção do rei de nada adiantara. O homem exigia
um confronto em nome da honra.

Apesar de saber quão capaz era Benedict para cuidar daquele assunto,
Raine ficou ansiosa. Claro, ele a acharia uma tola por preocupar-se. Suspirou,
resignada.

De súbito, escutou um ruído que a assustou. Olhou para cima e deparou-se
com os frios olhos de seu marido.

Logo depois de recolher-se em seu quarto, Benedict lembrou-se de que
havia deixado a carta de Alister Harcourt sobre a mesa da biblioteca.

Recusava-se a acreditar que sua insônia tinha a ver com Raine tê-lo
mandado embora após lhe contar que estava grávida. Tampouco desejava ater-se
à estranha sensação em seu peito cada vez que pensava no profundo afeto que
sentira ao fazer amor com ela.

Não, enquanto não solucionasse o problema de Harcourt, não poderia
descansar. Ninguém deveria ter conhecimento das ameaças do homem. Benedict
revelara o conflito apenas ao assistente, que fora encarregado de receber e
enviar as mensagens.

Não queria que ninguém soubesse para que o fato não chegasse aos ouvidos
de Tristan.

A medida que se aproximava da biblioteca e percebia a fraca luminosidade
no interior da sala, Benedict diminuía o passo. Ao divisar sua esposa debruçada
sobre a carta que o impedira de dormir, sentiu uma pontada no coração.

Raine, que não gostava dele e nem se importava com o que acontecia em
Brackenmooré, era a última pessoa com a qual queria discutir o problema. Porém,
ao escutar o suspiro profundo, Benedict ficou tocado e também suspirou.

Sobressaltada, Raine olhou para cima e o viu. Levou a mão aos lábios, fitou
a carta e voltou a encará-lo.

— Perdoe minha intrusão. Não quis...
Como ele continuasse calado, Raine disse, arrogante:

— A carta estava sobre a mesa e... Você não devia deixá-la aqui, à vista de
todos. — Empinou o nariz, como se Benedict fosse o culpado por ela ter lido o
documento.
145




Catherine Archer A Dama da Floresta

Não estava preparado para aceitar tal argumento. Raine tinha ciência de
que havia invadido um espaço que não lhe dizia respeito. O susto inicial fora prova
suficiente disso, mas Benedict duvidava de que ela fosse admitir a culpa.
Aproximou-se da mesa, pegou o papel e começou a enrolá-lo.

— Não esperava que alguém bisbilhotasse minha correspondência pessoal.
— Não estava bisbilhotando — Raine retrucou, indignada. — Não me
rebaixaria a esse ponto. Vim procurar um livro para ler, se não for abuso de
minha parte.
A irritação de Benedict começou a ceder. Ela não viera à biblioteca para
espioná-lo. Suspirou, percebendo o erro que, mais uma vez, cometera.

— Desculpe-me, Raine, acredito em você. Como afirmou, eu não devia ter
deixado esta carta aqui. Qualquer um poderia lê-la. — Embora notasse a surpresa
nos olhos dourados, prosseguiu: — Peço-lhe que não comente o assunto com
ninguém.
— E com quem eu comentaria? — ela atacou. — Exceto por William, estou
só aqui.
— Não está, Raine. Por que insiste em falar assim? Por que teima em se
considerar a estrangeira quando veio por sua livre vontade?
Chocada, ela deu um passo à frente.

— Como disse? Por minha livre vontade? Por que eu acreditaria nisso, se
não significo nada para você?
— Não diga besteiras. É você, Raine, que nunca quis se afeiçoar a nada.
Tentei fazer concessões em nosso casamento. Sabe que tenho responsabilidades
e não posso deixá-las de lado só para lhe agradar. O conflito entre nós continua
por sua causa. Mandou-me embora do quarto depois de revelar que espera o
herdeiro que tanto desejo, como se o bebê não representasse nada, pelo simples
prazer da vingança. Sei que não a tratei como deveria, mas já implorei seu perdão
e esperava recomeçar uma nova vida.
Conforme o escutava, Raine arregalava os olhos de espanto e encolhia-se
devagar. Aquela reação causou um certo desconforto em Benedict. Mas, quando
ela começou a falar, descobriu que o incômodo era apenas o início de outra séria
briga.

Raine sentiu a raiva, que tentava reprimir desde a noite anterior,
multiplicar-se. Não podia mais esconder o ressentimento.

— Fez concessões, Benedict? Acha que estou aborrecida por carregar seu
filho no ventre? Você só enxerga o que diz respeito a Brackenmoore, não se
importa comigo. Sim, fiquei zangada pelo modo como me tratou. Fizemos amor

Catherine Archer A Dama da Floresta

naquela floresta, como se o mundo houvesse acabado, e, em seguida, você se
levantou e foi embora. Mas não é isso que me impede de jubilar meu próprio
bebê...

Benedict não sabia como agir.

Lutando contra as lágrimas, Raine o enfrentou, furiosa.

— O que mais pode esperar, já que deixou bem claro que seu interesse em
mim tinha como único propósito gerar um herdeiro? E verdade, Benedict, eu lhe
devo muito. Mas não posso me doar por inteira se não recebo nada em troca.
Um brilho de sofrimento despontou nos olhos dele, antes que o ocultasse
atrás daquela habitual máscara de reserva. Mas tal fachada ruiu em segundos.

— Não foi isso que quis dizer... — Benedict murmurou, com a voz rouca.
Pela primeira vez, desde que Raine o conhecera, ele pareceu estar
desprovido de defesas. As emoções começavam a transbordar.

— Raine, eu... perdoe-me... não foi minha intenção. Oh, Deus, Raine, por
favor, perdoe-me pelo modo como a tratei. — Benedict passou a mão sobre o
rosto.
Atônita, ela não sabia o que dizer. Acreditara que Benedict fosse
indiferente a ela, mas a reação tão sofrida a fazia pensar que poderia haver
algum afeto nele.

— Peço-lhe desculpas. Não tinha noção do que eu estava fazendo.
O profundo remorso contido no tom de voz mostrava quão custosa era
aquela conversa. Devia haver algo muito sério acontecendo para Benedict para
ficar tão arrasado. Raine não acreditava ser ela o motivo. O suposto problema o
magoava ao extremo.

Pasma, ela se jogou na cadeira, pois sentia que as pernas não mais a
sustentavam. O tremendo choque apagou o rancor e a raiva que tanto queria
preservar.

— Por que me tratou assim, Benedict? — perguntou, com a voz fraca. — Eu
pensei...
— Não sei explicar. Só sei que nunca quis magoá-la. Jamais me dei conta de
quanto minhas ações poderiam ferí-la.
— Como não? Era só... — Raine se deteve ao perceber que a dor a obrigava
a esmorecer. Mas não pôde se controlar. — Eu me entreguei a você e pensei que
estivéssemos selando uma nova vida. Porém...
— Também pretendia recomeçar, mas tudo é tão... — O semblante tornou-
se duro. — Você não entenderia. Disse-lhe diversas vezes que não posso esquecer

Catherine Archer A Dama da Floresta

quem sou e quais são minhas responsabilidades.

Raine não entendia mesmo. Não pedia que ele esquecesse tudo, sabia que
Brackenmoore era o mais importante. Queria apenas um pequeno lugar em seu
coração, um pouco de afeto. No entanto, ele a negava sem nem sequer ter consciência
disso.

— O que quer de mim, Raine? — Benedict perguntou, de repente.
— Não quero que desista de sua posição. Aceito o que deve ser, por isso
eu o mandei embora. Não há lugar para mim em sua vida. Você almeja uma família,
um herdeiro, contudo não lhe sobra nada para dar em troca.
Irritada, ela apontou a carta que Benedict apertava entre os dedos.

— Creio que isto tenha sido causado por você. Sempre se coloca como
guardião de todos, mas não é sua responsabilidade, tampouco seu lugar. — Raine o
encarou. — Acha que Tristan vai lhe agradecer? Seu irmão é um homem. Um
homem que tem o direito de defender a si e à família. Está cometendo o mesmo
erro que cometi tentando proteger William, e ele é somente um menino.
Os olhos azuis transformaram-se em gelo.

— Não sabe o que está falando.
Resoluta, ela ergueu o queixo. Nem sequer podia cogitar a idéia de que o
muro, que Benedict construía ao redor das emoções, pudesse desmoronar. E,
quando isso acontecesse, ele não seria capaz de controlar as próprias ações.

— Sei mais do que imagina. Maeve me falou a respeito da morte de seus
pais, do peso que você precisou carregar nos ombros. Verdade seja dita, sua
atitude foi admirável. Mas acabou, Benedict. Seus irmãos, com exceção de
Kendran, são homens. Não precisa resolver o problema deles. Tem direito a ter
uma vida pessoal.
Benedict ergueu as mãos, agressivo. Ao encará-la, os olhos faiscavam de
ódio.

— Você não entendeu nada. A última vez que vi meu pai, ele me falou da fé
que tinha em mim, da certeza de que eu cuidaria de meus irmãos, caso ele
faltasse. Ninguém me faria trair a confiança de meu pai, nem mesmo uma esposa.
A respiração tornou-se ofegante. A ira parecia explodir dentro de
Benedict. As mãos largas torciam o pedaço de papel, e Raine imaginou se não
seria seu pescoço que Benedict queria esmagar.

Quando voltou a fitá-la, jogou a carta no chão e bateu o punho no peito.

— Acha que não quis sucumbir à dor ao saber que meus pais haviam
morrido? Devastar-me até nunca mais sentir uma só emoção em minha alma? Eu
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Catherine Archer A Dama da Floresta

daria minha vida para manter meu pai vivo! Ele era praticamente um deus para
mim. Fiz o que devia para honrá-lo e continuo a fazer. Ele colocou Brackenmoore
em primeiro lugar e tenho de fazer o mesmo.

O coração de Raine se condoía diante de tanta angústia, mas não podia
retrucar. Quisera ela vê-lo perder o controle a ponto de testemunhar aquela
fúria?

Ele não era mais intimidador que a própria revolta contida.

— Meu pai me deixou a mesma obrigação — disse, sem revelar a ansiedade.
— Foi você, Benedict, quem me ajudou a entender que meu dever havia terminado
e que eu tinha de entregar meu irmão aos cuidados de outro homem. Alguém que
criou três irmãos muito bem. — Raine se levantou. — Estava certo, admito.
William não poderia crescer sob minha tutela. Naquele instante entendi que a
vida precisa seguir em frente. Nem a memória de meu pai eu estaria honrando
com tamanha teimosia.
Enquanto Benedict a fitava, enfurecido, Raine ignorou o arrepio de medo,

— Pelo bem de nosso filho, você precisa seguir o conselho de um homem
sábio que me alertou quanto ao momento de parar. A obrigação para com seus
irmãos terminou. Deixá-los ir não significa abandonar suas responsabilidades, mas
pode ajudá-lo a perceber outras facetas da vida.
Benedict cerrou os lábios, tentando se controlar.

— Minha obrigação para com eles nunca vai terminar. Não vê que não
tenho escolha? Quem me dera poder ser somente Benedict e me deitar com
minha mulher sob a chuva da primavera e sentir minha alma fundir-se à dela. Foi,
como se eu me tornasse uma parte de você, Raine. Mas não posso me permitir
esse tipo de fraqueza. Não sou só um homem. Sou Brackenmoore.
Aquela confissão repentina acerca do que haviam vivido juntos mostrou-lhe
algo novo em relação ao marido. Benedict se dilacerava por causa dos sentimentos
que nutria por ela. O que deveria ser uma experiência de beleza e amor era
descrita como ameaça a sua invulnerabilidade.

— Você só ama o que pode controlar! — Raine exclamou, ferida. — Precisa
sentir-se seguro e a salvo de qualquer perigo.
— Como pode dizer isso? Amo muitos! Chego até a amar William, como se
fosse meu próprio irmão.
O fato de Benedict não tê-la incluído foi tal qual uma punhalada no peito.

Arrasada, Raine prosseguiu, com uma franqueza jamais vista.

— Acredita mesmo nisso, Benedict? Depois de admitir o que sentiu na
floresta, pode afirmar que nunca vai me amar?
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Catherine Archer A Dama da Floresta

Tão logo as palavras saíram, ela se arrependeu de tê-las dito. Não queria
ouvir a resposta. Mas seria impossível. O silêncio durou um agonizante momento.

— É diferente, Raine. Você é tão imprevisível, tão impetuosa.
— O amor não é algo programado — ela confessou, imaginando o que mais
haveria para revelar. — Nós amamos porque simplesmente sentimos o sentimento
no coração.
Quem, além dela própria, poderia saber mais?

— Não quero ser casada com Brackenmoore. Quero ser a esposa de um
homem. Como espera que eu comemore o nascimento de um filho, se você não é
humano? Uma criança precisa de um pai real, e não de uma imagem.
Com o braço, Benedict jogou todos os objetos de sobre a mesa no chão.
Urrando de raiva, fechou os olhos. Quando os abriu de novo, estava tremendo
como se ardesse em febre. Ergueu o dedo em riste e apontou-o em direção à
porta.

— Fora daqui, mulher! Saia neste instante!
Raine não queria obedecer-lhe. Custava-lhe sair quando tinha certeza de
que atingira o alvo. Mas sua intuição lhe dizia que Benedict não suportaria mais
pressão.

Ultrajada, pegou a vela e retirou-se da biblioteca, bufando.

Enquanto percorria o trajeto até o quarto, concluiu que muito fora dito e
nada havia sido resolvido. A situação, de fato, tinha chegado ao limite máximo do
sofrimento e agora não existia esperança para ambos.

Benedict não desejava incluí-la em sua vida. Era Brackenmoore e, como tal,
não precisava de ninguém.

Raine não sabia ao certo por que a descoberta a magoava tanto ou por que
seu coração doía como se fosse parar de bater. No íntimo, esperava que ele a
amasse.

Enxugou uma lágrima que rolava sobre a face.

Benedict socou o punho na mesa. Seu corpo tremia com a força das
emoções que borbulhavam tal qual uma caldeira efervescente.

Como Raine ousara se dirigir a ele daquela maneira? Aquela mulher não
entendia nada.

Apesar da fúria, sentiu uma profunda tristeza abatê-lo. Santo Deus, ela
não podia estar certa. Benedict jamais refrearia os sentimentos... incluindo o
amor. Não conseguiria amar Raine porque ela era...

"Quem era ela?", perguntou a si mesmo. Era imprevisível e fugaz, contudo

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Catherine Archer A Dama da Floresta

também leal, honesta e solidária àqueles que amava.

De repente, sentindo que suas pernas bambeavam, Benedict jogou-se na
cadeira.

Esfregou os braços do móvel, tentando encontrar algo familiar, qualquer
coisa que o afastasse das dúvidas. Tratava-se de uma peça resistente e sólida.
Havia pertencido a seu pai e nela Benedict tomara incontáveis decisões concernentes
à vida de centenas de pessoas.

Nunca, em todo esse tempo, mesmo quando tinha dezoito anos, havia
sentido tamanha sensação de incerteza e confusão. E tudo fora ocasionado pela
mulher que, com o poder da sinceridade, transformara o constante dever de
senhor em pura tortura.

Que ousadia acusá-lo de amar apenas o que representava segurança. Ora,
Benedict amava a família e os subalternos a ponto de negligenciar as próprias
necessidades. Por que Raine não via isso, não o entendia?

Talvez ela o compreenda bem demais. Benedict escutou uma voz interior
clamar e perguntou-se de onde vinha tal alegação.

Do coração. Embora não quisesse escutar, aquela voz insistia em se
pronunciar.

Porque você a ama e tem medo desse amor. Mergulhou o rosto nas mãos,
sentindo o mundo desmoronar. Por mais que tentasse negar as palavras, elas
continuavam a surgir, verdadeiras.

Amava Raine. Tinha se apaixonado por ela desde o primeiro instante em que
a vira. Estivera convicto de que a única intenção era protegê-la por dezenas de
motivos. Enganara-se redondamente.

No momento em que aqueles olhos dourados encontraram os dele, Benedict
perdera-se na paixão. Ao conhecer a coragem e a dedicação de Raine por William,

o sentimento crescera ainda mais.
Ele e Raine eram idênticos, pensou, espantado. Agiam de acordo com o
senso de responsabilidade e amor ao próximo. No entanto, o modo como
realizavam tal devoção era diferente.

Mas, com certeza, não tinha medo de amá-la. Negara a emoção porque
ainda não havia descoberto a verdade.

O que o tinha impedido de descobrir o óbvio?

Gemendo, recostou-se na cadeira. Daria tudo para voltar a sentir a antiga
certeza e o bem-estar. Porém, sabia que nunca mais seria o mesmo.

Um ruído à porta encheu-o de esperança. Benedict ergueu o rosto e não


Catherine Archer A Dama da Floresta

encontrou Raine. Era Kendran. Suspirou ao divisar a expressão de censura no
semblante do irmão,

— Eu chegava da... Não importa. — Kendran aproximou-se. — Por acaso,
escutei o que disse a Raine. Ela está certa. Não pode negligenciar sua esposa em
nome do dever. Na realidade, Benedict, nem todas as obrigações em Brackenmoore
lhe dizem respeito. Se há algum conflito que envolve Tristan, ele não vai
gostar de saber que não foi informado.
Benedict tinha certeza de que o irmão caçula havia exercitado seu charme
irresistível com alguma serva.

— Por onde andou, Kendran?
— Não é nobre de minha parte revelar isso. Vamos nos manter no assunto
em questão, por favor.
Fitando aqueles olhos, que muitos alegavam ser semelhantes aos dele,
Benedict resolveu esquecer as peripécias do irmão.

— Quis evitar maiores aborrecimentos a Tristan. Ele e Lily já sofreram
demais.
— Você e Raine também — Kendran afirmou, evidenciando o homem forte
que logo se tornaria. — Pense em quanto lhe custa proteger aqueles que não
precisam de proteção.
— Eu não...
— Suas intenções não foram colocadas à prova — Kendran o interrompeu,
com explícita impaciência. — Não são necessárias, na verdade. Escute; Benedíct,
você está errado. Nosso pai não priorizava Brackenmoore. Acima de tudo, ele
pensava em nossa mãe e nos filhos.
— Como pode saber? Você era uma criança.
— Sim, mas me lembro de quão amado eu era por ambos. Onde mais você
poderia aprender a cuidar de seus irmãos, Benedíct? Pergunte a si mesmo... Um
homem que prioriza as próprias terras levaria a esposa para visitar a irmã na
Escócia?
Benedíct permaneceu calado. Estava perplexo demais para considerar a
pergunta.

— Precisa se concentrar em seu casamento — Kendran prosseguiu. — Raine
é uma boa mulher, apesar do temperamento explosivo. Ela tem dificuldade em
mostrar afeto pelos outros, mas está mudando. Basta lhe dar a chance de
expressar o que sente por você, meu irmão.
— Por mim? — Benedict meneou a cabeça, veemente. — Raine não gosta de
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Catherine Archer A Dama da Floresta

mim.

— Nunca o considerei um idiota, Benedict. A visão que tinha de nosso pai é
a mesma que possuo por você. Sempre foi um deus para mim. Mas hoje eu o achei
um tolo. A agonia e as lágrimas que ela mostrou, após escutá-lo dizer que não
poderia amá-la, são provas suficientes. Agora acredito que Raine não nutra
nenhum sentimento terno por você. Eu o odiaria, caso o ouvisse dizer que não
pode me amar.
— Não pretendia...
Kendran o interrompeu outra vez:

— O que pretendia não importa, a menos que esteja disposto a remediar o
dano que causou. — Kendran soltou um suspiro de cansaço. — Vim lhe informar
que passarei dois dias fora de Brackenmoore.
— Uma mulher?
— Talvez seja melhor preocupar-se com seus problemas ao invés dos meus.
— Kendran retirou-se antes que Benedict pudesse replicar.
Por um longo tempo, ele ficou imóvel. As palavras de Kendran ainda lhe
embaralhavam o pensamento. Não podia ignorar a verdade de que seu pai amara a
família acima de tudo. Suas ações, de fato, provavam isso.

Raine tinha razão. Benedict se agarrava a uma estúpida noção de dever
que, nem sequer pertencia à realidade.

Nunca em sua vida fugira das dificuldades. Não o faria agora. Precisava
encarar os sentimentos e comprometer-se com o casamento. No entanto, após as
asneiras que dissera a ela, não havia esperanças de Raine lhe perdoar.

Mas tinha de tentar. Era o único jeito de dissolver a dor que sentia quando
pensava naqueles olhos cor de ouro.

Primeiro, precisava encontrar um espaço para ela em sua vida. Raine
resolveria se deveria ou não ocupá-lo.

Benedict pegou um papel e a pena. Escreveria a Tristan, relatando a
situação com Alister Harcourt e enviaria a mensagem sem mais demora.

Devagar, Raine caminhava sobre a areia. O sol tardio da primavera aquecia-
lhe o rosto, e o céu, de tão azul, alegrava as gaivotas que voavam, mas não sentia
nenhuma paz naquela praia. Estava só e submersa na tristeza.

Enfim, parou, respirou fundo e apreciou a vastidão do oceano. Era
inspirador e eterno, como nada em sua vida jamais fora.

Primeiro sua mãe partira, em seguida, seu pai, e somente lhe restara
William. Receara sucumbir ao desespero e medo ante a perda dos pais e a falta


Catherine Archer A Dama da Floresta

de coragem para sobreviver. Agora precisava suportar um casamento fracassado.

Talvez conseguisse aprender com William. Ele havia perdido a vida segura
que conhecia e, ainda assim, encontrara um lar em Brackenmoore.

Contudo, jamais conseguiria aceitar Brackenmoore como William, porque
Benedíct não a amava. De que maneira poderia se contentar com as migalhas de si
mesmo que ele estava disposto a lhe oferecer?

A discussão da noite anterior continuava viva em seu coração. Ficaria em
Brackenmoore para sempre, não seria capaz de viver longe de Benedict. Em
contrapartida, viver tão perto dele, sem ser amada, era devastador.

Deus, por que o amava tanto? Porque tratava-se de Benedict. Com
gentileza e ternura, ele a ajudara a superar as perdas. Era também a rocha sobre
a qual Brackenmoore fora construída. Infelizmente, a força e a confiança que ele
possuía o impossibilitavam de amar uma mulher, a esposa sobretudo.

Raíne tocou o ventre, imaginando o bebê que se desenvolvia dentro dela.
Encontrava algum conforto naquele pequeno ser, mas, por mais que amasse a
criança, o sentimento materno nunca substituiria a dor de não ser amada pelo
marido.

Prosseguiu a caminhada, alheia aos arredores até perceber que o mar havia
avançado sobre a areia. A praia ficou tão estreita que ela precisou escalar as
pedras para não caminhar na água.

Insegura, resolveu voltar ao castelo. Após atravessar duas rochas
enormes, sentiu um tecido grosso envolver-lhe a cabeça e os ombros. Gritou ao
ser agarrada pela cintura e pressionada contra um tórax musculoso.

O captor era muito mais forte que ela. Raine se debatia em vão. Seus
esforços foram frustrados quando um segundo homem a segurou pelos pés.

Enquanto era erguida, Raine parou de lutar, preocupada com o bebê em seu
ventre. Mesmo que conseguisse escapar, a fuga implicaria em uma queda brusca
que poderia prejudicar a criança.

Momentos depois, percebeu que estava sendo colocada em cima de uma
sela. Um dos captores montou atrás dela, mantendo-a presa.

Tentou respirar, pensar no que poderia estar acontecendo... Por que alguém
a raptaria? A resposta surgiu como um raio.

— Denley! — gritou. Apesar de o grosso tecido abafar a voz, sabia que a
tinham escutado.
Não houve réplica. O imbecil não queria discutir o assunto com ela. Claro,
precisava afastá-la da proteção de Benedict o mais rápido possível.

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Raine ficou furiosa, mas sentiu certo alívio por ser o primo insano que a
sequestrava. Denley não desejava o bem, mas seria incapaz de cometer alguma
violência física contra ela. O melhor seria aguardar uma oportunidade de fuga
quando chegasse a hora de enfrentar Denley Trent.

CAPÍTULO XIV

A cavalgada fora árdua e desconfortável, mas não tão longa quanto Raine
antecipara. Havia imaginado que Denley preferiria estar horas, talvez dias, longe
do alcance ameaçador de Benedict.

Enquanto os raptores a tiravam do cavalo, Raine preparava-se para
enfrentar o primo. Apesar da raiva, estava determinada a argumentar, fazê-lo
ver a estupidez que cometia. Sabia quão obstinado ele podia ser e queria convencê-
lo a libertá-la antes de causar um dano ainda maior.

Seria capaz de dissuadi-lo a qualquer custo. Na verdade, nunca pensara que
Denley teria coragem de raptá-la.

Mesmo sem enxergar, percebeu que haviam entrado em alguma moradia
quando escutou passos sobre um assoalho de madeira. Em seguida, foi carregada
e, no ar, percorreu uma escadaria que parecia não ter fim.

Enfim chegaram ao topo, e urna porta se abriu. Raine foi colocada
abruptamente no chão.

Ao ouvir a porta se fechar, arrancou o capuz que a cegava. Então,
percorreu o pequeno aposento, à procura do primo. Ficou desapontada quando
reparou que estava sozinha. — Denley! — gritou, em desespero. — Denley! Como
ousa fazer isso comigo? Covarde! Quero falar com você agora! O silêncio
sepulcral foi a única réplica. Frustrada, Raine bateu o punho do chão sujo. Como
conseguiria dissuadi-lo a soltá-la se o imbecil não se dignava a conversar com ela?
Denley tinha de libertá-la, antes que Benedict descobrisse o rapto.

Pelo futuro da amante e dos filhos de Denley, ela precisava ajudar o primo
a agir com bom senso. Somente Deus saberia quão furioso Benedict ficaria
quando descobrisse que Denley Trent a sequestrara.

Ainda que se esforçasse, Benedict não conseguia se concentrar. De quando
em quando, ele se levantava, ia à janela e observava o céu azul, os empregados do
castelo cuidando do jardim e as flores que cresciam na grama. Mas não era a
doçura da primavera que lhe desviava a atenção. Na verdade, mal enxergava o que
despontava diante dele. Os pensamentos centravam-se em Raine e no bebê.
Teriam um filho. Talvez fosse um menino, o herdeiro do vasto legado Ainsworth.
Que bênção maravilhosa.


Catherine Archer A Dama da Floresta

No entanto, ele sentia uma forte melancolia e frustração. Como deveria se
sentir? A mãe de seu filho nem sequer conseguia suportar a presença do marido,
e ele era o maior responsável por tal desconforto.

Lembrou-se das palavras de Kendran. Poderia Raine gostar dele? Se fosse
verdade, embora não ousasse acreditar, seria difícil nutrir algum afeto depois da
briga que haviam tido.

Que mulher suportaria ser desejada por um homem com o único objetivo
de produzir um herdeiro? Pois fora exatamenté nisso que Benedict a fizera
acreditar. Como era tolo e insensível. Nem podia usar o argumento de que seus
sentimentos haviam mudado porque era mentira, nada acontecera da forma que
ele planejara.

Sempre quisera Raine para si pela honestidade, teimosia, lealdade e
devoção àqueles que amava. Desejava-a em sua vida e não somente em sua cama,
por isso fora uma tortura vê-la cuidar dos habitantes de Abbernathy. Benedict
queria que Raine oferecesse o mesmo carinho ao povo de Brackenmoore e,
principalmente, a ele.

Poderia Kendran estar certo? Raine sentia algo por ele? Benedict tinha
medo de se iludir, acreditando que ela o amava. Porém, qualquer sentimento nobre
havia sido estraçalhado pela fúria brutal de Benedict.

Esmurrou a parede com o punho fechado e esfregou a mão arranhada pelo
impacto violento. Não ganharia nada socando paredes ou conjeturando hipóteses.
Precisava falar com Raine, implorar seu perdão, se fosse necessário, e mostrar
que estava disposto a ser um marido, valorizando o amor por ela e pelos filhos
que teriam no futuro.

Raine o aceitaria? Benedict fitou a infinidade de livros da biblioteca. Não
encontraria nenhuma resposta naqueles volumes.

Só conseguiria obter a resposta a sua súplica dentro de si mesmo. Era o
medo de ser rejeitado que o impedia de procurá-la. Benedict endireitou os
ombros. Podia ser autoritário, teimoso, mas nunca um covarde.

E o orgulho de nada serviria para confortá-lo nos tenebrosos invernos que

o aguardavam pela frente.
Com a alma renovada, Benedict saiu da biblioteca. Resolveria seu futuro,
preferia qualquer coisa à agonia da indecisão. Quando entrou no quarto de Raine
não a encontrou e no mesmo instante, sentiu-se desanimar. A frágil esperança de
que ainda nutria algum tipo de carinho por ele dissipou-se.

Chamou Maeve. Aquela boa mulher parecia prever a intenção de Benedict
no momento em que entrou no aposento. A expressão mostrava puro
contentamento.


Catherine Archer A Dama da Floresta

— Tem alguma idéia de onde esteja minha esposa?
— Sim, milorde. Eu a vi passar pelo saguão. Ela usava um casaco, portanto,
acredito que tenha ido passear.
Benedict dispensou-a, sem se dar ao trabalho de responder à explícita
curiosidade de Maeve. Dirigiu-se ao estábulo e selou o garanhão. Queria
conversar com Raine antes de discutir o assunto com outra pessoa, tratava-se do
casamento de ambos e deveriam resolver os conflitos juntos.

Após percorrer os arredores da propriedade e a praia, Benedict começou a
ficar preocupado. Voltou ao castelo e vasculhou a fortaleza de ponta à ponta.

Aflito, inquiriu Aida que, entre lágrimas e soluços, balbuciou algumas
palavras incoerentes. Tentando parecer calmo diante dela, Benedict descobriu
que todos os pertences de Raine continuavam no cômodo. Nenhum item estava
faltando, exceto as roupas que ela vestira naquela manhã.

Uma certa suspeita cresceu na mente de Benedict e o atormentou, por
mais que a negasse.

Seria possível que, depois de prometer que nunca mais fugiria, Raine
houvesse realizado tal façanha? Seu coração começou a bater majs rápido. Teria
ela abandonado William? Benedict não acreditava nisso. Mas Raine havia
desaparecido.

Ela ficara zangada após testemunhar a ira de Benedict na biblioteca. Agira
como um insano antes de expulsá-la do recinto. Ainda se lembrava do pedido que
Raine lhe fizera ao aceitar retornar a Brackenmoore para que não houvesse mais
imposições ou ordens.

Novamente, viu-se tomado pela angústia. Benedict a agredira de forma
imperdoável. Dadas as circunstâncias, como culpá-la por fugir?

Mas ele duvidava dessa possibilidade. Raine lhe dera sua palavra. Por mais
difícil que fosse, ela continuaria casada para proteger Wil, mesmo que isso
implicasse em conviver com um homem do qual não gostava.

Um tremor percorreu o corpo de Benedict. Tinha certeza de que Raine não
havia fugido. Algo grave havia acontecido. Quanto mais refletia a respeito, mais
convicto ficava.

O castelo e as arredores haviam sido vasculhados. Se Raine houvesse
sofrido algum acidente, existiriam algumas pistas.

Quem a teria levado? A imagem de Denley Trent surgiu-lhe à mente. O
homem era louco, estava convencido de que Raine o traíra ao se casar com
Benedict.

Com um grito de ódio, ele se apressou, movido pela culpa. Não podia ter

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Catherine Archer A Dama da Floresta

subestimado o homem. Claro, aquele ar de alienado encobria a rígida
determinação de obter Raine a qualquer custo. Dessa vez, Denley Trent iria pagar
com a vida.

E se o safardana a machucara?

Benedict de repente sentiu náuseas.

Se Denley encostara um dedo em Raine, somente Deus poderia ajudá-lo.

Rapidamente, preparou-se para a viagem. Em seguida, avisou o assistente
de sua partida. O pobre homem ficou embasbacado ante a veloz explicação de seu
senhor.

— Milorde, não haverá ninguém da família Ainsworth para tomar decisões.
Não posso me responsabilizar por tudo.
— Kendran deve voltar amanhã. Mande chamá-lo ainda hoje. Preciso
encontrar Raine, ela pode estar em perigo.
Sem vacilar, Benedíct deu as costas para o assistente. Pela primeira vez,
Brackenmoore não era prioridade em sua vida. Só conseguia pensar em montar no
cavalo e procurar sua esposa e seu filho.

Quando alguns homens e William entraram no estábulo e começaram a
selar os cavalos, ele se deu conta de que o assistente ou Maeve os havia
advertido a acompanhar Benedict. Não tentou impedi-los nem os ajudou, e, ao
atravessar os portões do castelo, ficou satisfeito por vê-los logo atrás.

A jornada até a residência de Trent foi banhada de raiva e impaciência.
Benedict ficou grato por ter a companhia dos homens de William, eles conheciam
a rota mais curta e estavam dispostos a lutar para resgatar Raine.

Não havia meios de esconder a agonia estampada em seu rosto. Benedict
não mais conseguia ocultar ou disfarçar os sentimentos. Raine significava muito
mais que honra ou posição como senhor feudal. Nada importava, somente a
necessidade de encontrá-la.

Chegaram a uma casa de madeira, sob a escuridão que precedia o
alvorecer. Benedict apeou antes que o animal parasse. Marchou até a porta e
esmurrou-a.

— Trent!
Após um tempo, a porta se abriu, e um criado, ainda sonolento, piscou
alguma vezes a fim de se ajustar à escuridão. Ao erguer a lamparina que tinha à
mão e divisar Benedict acompanhado de vários homens, o pobre arregalou os
olhos.

Apavorado, ele recuou e tentou fechar a porta. Benedict empurrou-o e


Catherine Archer A Dama da Floresta

entrou.

— Exijo ver seu mestre agora.
— Mas...
— Chame-o! Ou farei meus homens incendiarem esse casebre. O criado
correu em direção a uma cortina, localizada nos fundos da sala. Momentos depois,
Benedict escutou Denley gritar:
— Diga-lhe que me recuso a recebê-lo.
Benedict precipitou-se até a cortina. Ao puxá-la, divisou uma cama. Trent
encontrava-se sentado no leito, fitando o criado. Uma mulher atrás dele
arregalava os olhos. Os cabelos em desalinho e a suposta nudez revelavam a
condição de amante,

O medo evidente da mulher fez Benedict hesitar. Ele não queria
aterrorizar ninguém, a não ser o homem que raptara Raine.

— Onde está ela? — indagou, aproximando-se da cama. Trent o encarou,
aturdido.
— Refere-se a Raine?
Com o coração em disparada, Benedict avançou.
— Claro que me refiro a Raine. Você sabe. Denley parecia horrorizado.
— Eu não sei de nada. — O medo e o choque eram explícitos. Ainda mais
desesperado, Benedict percebeu que o homem falava a verdade.
Se ela não estava com o primo... Deus, onde poderia estar? Um mar de
angústia e incerteza o invadiu. Não sabia o que fazer ou aonde ir.

Estivera tão certo, tão convicto de que Denley Trent a tinha roubado que
nenhuma outra possibilidade havia sido considerada. Benedict esfregou o rosto
com a mão trêmula.

— Juro que é verdade, Ainsworth — Denley apressou-se. — Eu não a vi.
— Acredito em você — Benedict retrucou, sem a menor emoção. Após
saber que Raine não estava sob o julgo do primo, tinha perdido qualquer interesse
em Trent. Não conseguia ater-se a nada, exceto à dor e ao medo.
Virou-se e saiu da casa sem nada dizer. Montou no cavalo e fitou a estrada
adiante. Sua mente era tal qual uma tormenta.

Raine não tinha idéia de onde poderia estar. A câmara de pedra, sem
janelas, não lhe era familiar. Não a surpreendia, no entanto, o curto espaço de
tempo para chegar àquela construção, embora não conhecesse bem a região que
circundava Brackenmoore. Mas o fato de Denley conhecer tal rota a espantava.


Catherine Archer A Dama da Floresta

No minúsculo espaço havia somente uma cama feita de madeira e coberta
com uma pele de animal. O chão gasto e empoeirado não escondia segredos.

Foi somente em seu terceiro dia de cárcere que Raine avistou outro ser
humano. Antes disso, recebia comida e água através de uma estreita abertura da
porta. As súplicas e os berros para falar com Denley perdiam-se no silêncio.

Portanto, na manhã do terceiro dia, ficou alarmada ao ver a porta se abrir.
Raine levantou-se da cama. Vasculhou o espaço, pela décima vez, à procura de
algum tipo de arma, enquanto um homem adentrava a câmara.

Ele possuía um corpo disforme, sendo os ombros e o peito avantajados
demais para sua estatura. O rosto era igualmente estranho com um nariz enorme
e lábios finos. Mas foram os olhos grandes e brilhantes que lhe chamaram atenção.
Eram tão verdes e belos quanto o oceano.

O pavor que ela sentiu ao ver aquela figura deformada era algo impossível
de descrever. Após alguns instantes, conseguiu concatenar as palavras.

— Quem é você e onde está Denley?
— Não sei quem é Denley. — O homem apontou o peito desproporcional. —
Sou Alister Harcourt, o senhor de Treanly.

— Alister Harcourt? — Raine repetiu, confusa. — Já escutei meu marido
pronunciar este nome, mas não entendo por que me trouxe aqui. Nem sequer o
conheço, sir.
O semblante tornou-se cruel.

— O fato de não imaginar por que pretendo me vingar é prova suficiente
para mim. Afastá-la de seu marido foi a melhor estratégia.
Raine notou um traço de medo naqueles olhos tão verdes, mas não tinha
tempo para se preocupar com esse detalhe, sua vida e a segurança do bebê
estavam em jogo.

— Perdoe-me, milorde, mas não entendo o que diz — Raine falou com
gentileza.
— Não? É tão difícil entender que eu tenha o direito de vingar minha
família? — Ele fechou os punhos. — Acha que meu sofrimento não tem valor a
ponto de eu exigir revanche?
Raine tentou pensar. Não podia insultar seu raptor e enfurecê-lo. Porém, a
necessidade de vingança não era justa. Benedict lhe contara o que havia
acontecido a Tristan e Lily. Também sabia que ele relutara em revelar a verdade
a Harcourt com o intuito de proteger aqueles que amava.

Talvez pudesse contar a Alister Harcourt os fatos que conhecia, mas não

160




Catherine Archer A Dama da Floresta

tinha certeza de que tais segredos adiantariam, pois o homem, naquele estado de
fúria, não a ouviria.

Ela o fitou, suplicante.

— O que pretende fazer comigo?
— Ainda não decidi, milady. É suficiente dizer que pretendo causar um
grande sofrimento a seu marido. Ele já deve estar agonizando ante o
desaparecimento da adorável esposa, mas isso é só o começo. — A voz de
Harcourt tornou-se rouca de emoção. — Ainsworth conhecerá o suplício que vivi
com a morte de meu irmão.
Novamente, Raine percebeu o brilho sofrido nos olhos verdes.

— Sei que meu marido lamenta muito a perda de seu irmão.
— Lamenta a perda? Ele fez o possível para calar minha dor, oferecendo-
me terras e dinheiro. — Harcourt encarou-a. — Sei que Ainsworth convenceu o
rei Edward a interferir nesse problema, sua influência na corte não é segredo.
O fato de Benedict ter pedido a ajuda do rei era verdadeiro, logo, não
valia a pena contradízê-lo. Porém, o homem não entendia que o objetivo era
apenas proteger a família, e não usá-lo de forma vil. Benedict dissera também
que Maxim Harcourt fora o único responsável pelo conflito que criou com Tristan,
e Raine acreditava no marido. Afinal, ele provara ser honesto em relação aos
próprios erros.

— Seu marido vai sofrer com a perda da esposa como eu sofri por causa de
meu irmão — Alister prosseguiu.
A noção de que Benedict sentiria falta da esposa era absurda, mas Raine
não revelaria tal detalhe a Alister Harcourt. Seu desaparecimento e, por
consequência, do bebê, o perturbaria ao extremo, já que a criança significava
muito para ele.

Embora Benedict não a amasse, a perda do bebê o deixaria arrasado, e
isso, ela não poderia suportar.

De alguma maneira, tinha de sobreviver.

Estudando aquele homem deformado, pensou no tormento que o infeliz
vivia. Ele devia amar o irmão. Raine sentiu a compaixão invadi-la.

— Acredite-me, milorde, sinto muito a perda que sofreu. Também perdi
meu pai recentemente e sei quão doloroso é saber que nunca mais o encontrarei
ou ouvirei o som de sua voz, sua risada, ou sentirei o carinho de um abraço. É
terrível aceitar que ele se foi para sempre.
Alister ficou calado por um longo tempo.


Catherine Archer A Dama da Floresta

— Acha que meu sofrimento assemelha-se a essa pieguice? Eu não iria tão
longe só porque sinto falta dele. — Alister aproximou-se, e Raine recuou. — Não
tenho nenhuma saudade dele, lady Ainsworth.
Durante alguns instantes, Raine não soube o que dizer. Meras palavras
pareciam insignificantes perto do desespero que ela via naqueles olhos. Alister
virou-se e caminhou em direção à porta.

— Trevor! — ele gritou.
O sofrimento atroz do pobre homem reverberou na alma de Raine. Por
impulso, aproximou-se dele e passou o braço ao redor dos ombros largos.

Alister esquivou-se, assustado. No momento seguinte, a porta se abriu, e
ele desapareceu, mas não antes de Raine reparar no comovente brilho dos olhos
esverdeados.

Com o coração repleto de pesar, ela permaneceu fitando a porta fechada
Aquele brilho desejoso no olhar não tinha nada a ver com necessidades
masculinas. Era algo mais profundo e talvez mais aterrorizante para um homem
disposto à vingança.

Podia haver um meio de ajudá-lo a perceber que Benedict não pretendia
feri-lo. Benedict zelava por muitos: ela, William, Brackenmoore, Genevieve e os
irmãos. Jamais tiraria vantagem de um homem deformado como aquele.

Poderia Alister Harcourt acreditar nisso? Do contrário, o que aconteceria
a ela e ao bebê? Em um gesto protetor, tocou o ventre. A situação de risco a
fazia reconhecer quanto já amava aquela criança e a desejava com cada fíbra de
seu ser.

Mesmo se Benedict nunca viesse a amá-la, o amor que Raine tinha por ele
garantia que o bebê fora concebido com paixão e afeto.

A criança tinha de sobreviver, era a prova cabal de que ela e Benedict
haviam produzido algo juntos.

E existia ainda outro detalhe que lhe dava esperanças. Alister Harcourt
não decidira o que fazer com ela. Talvez, se o homem adiasse o plano de vingança,
Raine conseguisse fugir. A possibilidade era remota, claro, mas precisava agarrar-
se a algo para não sucumbir.

Não ousava acreditar que Benedict viesse resgatá-la. Afinal, ele não tinha
a menor noção de onde encontrá-la.

Benedict cavalgou durante a madrugada, tomado pela dor e confusão. Não
sabia o que fazer, estava perdido. A única determinação que o motivava era
encontrar Raine, trazê-la de volta e implorar perdão por todo mal que lhe
causara. Recusava-se a desistir em nome de proteger seu coração já


Catherine Archer A Dama da Floresta

despedaçado.

No início da manhã, quando avistou o castelo de Brackenmoore, Benedict
não sentiu alegria ou alívio. Parecia anestesiado, morto por dentro, como se nada
mais importasse. Mesmo quando seus pais faleceram, ainda possuía os irmãos para
ajudá-lo a viver e suportar a dor.

Tal qual Raine dissera, agora eles eram homens capazes de cuidar das
próprias vidas. Não precisavam de Benedict. E as duas pessoas que mais
necessitavam dele, Raine e o bebê, haviam partido, deixando um profundo vazio
que nunca seria preenchido.

Sobretudo, era Benedict quem mais precisava deles, e não tinha idéia de
onde começar a procurá-los.

Tão logo adentrou o castelo, seu irmão e o pálido William correram para
recebê-lo. Kendran entregou-lhe um manuscrito.

— A mensagem chegou poucas horas depois de o assistente mandar me
chamar. Como escutei a briga entre você e Raine e descobri o problema com
Alister Harcourt, tomei a liberdade de ler esta carta.
Mesmo antes de Kendran pronunciar as palavras, o coração de Benedict já
havia previsto o pior.

— Ele a tem, Benedict. Foi Harcourt quem raptou Raine. Amassando o
manuscrito, Benedict soltou um urro, tal qual um animal selvagem. A ira
incontrolável o consumia por dentro. Chutou uma cadeira, dando vazão ao puro
sofrimento. Quando conseguiu encontrar forças para falar, ordenou:
— Conte-me tudo.
— Alister Harcourt diz que não vai soltá-la até que você aceite enfrentá-lo
em um combate mortal — Kendran relatou. — Deve ir sozinho à torre Mayberry
Knob ou então Raine morrerá.
O coração de Benedict transformou-se em um bloco de gelo. Uma
inesperada calma o equilibrou.

— Vou enfrentá-lo. — Tocou o cabo da espada. Compareceria ao encontro,
e Harcourt morreria.
William segurou-o pelo braço.

— Como sabe que ele não a feriu?
Benedict fitou aqueles olhos assustados, sentindo amor pelo menino que já
considerava seu irmão.

— Juro a você, meu irmão, que, se ele ousou feri-la, deixarei Treanly em
ruínas, e todos sofrerão nosso pesar.

Catherine Archer A Dama da Floresta

Dito isso, ordenou outro cavalo. Quando seus homens fizeram menção de
acompanhá-lo, ele os impediu.

— Não, vou sozinho.
No dia seguinte, a porta da prisão de Raine abriu-se novamente, e Alister
Harcourt apareceu. A expressão continuava dura como sempre, mas por intuição
ela sabia que o homem não estava ali para torturá-la.

Por que viera então? Ela não conteve a curiosidade.

— Por que está aqui, mílorde?
— Por que me abraçou ontem? — Alister perguntou, de pronto.
— Por simples bondade humana.
— O que chama de bondade humana é tão desconhecido para mim quanto a
Lua. — Ele cerrou os lábios, furioso. — Imagina que sinto falta de meu irmão. Não
sabe o que eu sentia por ele. Até ontem, Maxim fora a única pessoa que chegou a
me tocar, embora o fizesse por ódio. Ele não me amava, e talvez nem fosse capaz
disso, não tinha pena ou medo de mim, mas me tratava com desprezo e preferia
esmurrar meu ombros a abraçá-los. Exceto por ele e por você, ninguém jamais
teve coragem de encostar em mim.
Raine mal sabia o que dizer a um homem que não conhecia a experiência de
ser acarinhado.

— Não tenho medo de tocá-lo, milorde, e sei que outras pessoas também
não.
— Acha que vou libertá-la por causa disso?
— De forma alguma, milorde. Mas, se ao mostrar um pouco de compaixão
humana eu ganhasse minha liberdade, não hesitaria em fazê-lo de novo.
Alister pareceu aturdido por um instante. Logo depois, o semblante
tornou-se austero.

— E quer que eu acredite que não usou essa artimanha?
— Acredite no que desejar. Não pretendo convencê-lo de nada, só quero
voltar para meu marido. — Raine escutou o tom de súplica contido na própria voz,
mas não se importou. Amava Benedict e não esconderia o sentimento.
De repente, alguém bateu à porta e gritou:

— Milorde, um cavaleiro se aproxima.
Um brilho de incerteza surgiu nos olhos de Harcourt, antes de escondê-lo
sob a máscara de raiva.

— Enfim, Ainsworth aceitou meu desafio.
164




Catherine Archer A Dama da Floresta

O coração de Raine disparou. Alister Harcourt enviara uma mensagem a
Benedict!

Ele a agarrou pelo braço e puxou-a.

— Abra a porta, Trevor!
Enquanto Harcourt a conduzia pela escadaria, Raine não tentou resistir.
Sabia quem era o misterioso cavaleiro. Somente aquele homem atarracado a
impedia de precipitar-se escada abaixo e cair nos braços de seu marido.

Alister Harcourt não tinha nenhuma chance de vencer Benedict em um
combate de armas.

De súbito, Raine resolveu tentar impedir a morte de Harcourt. Cometera
um grave erro ao raptá-la, mas o pobre infeliz já havia sofrido demais. Não podia
deixá-lo morrer por causa dela.

Mas não sabia como coibir o que estava prestes a acontecer. Harcourt
lançara o desafio, e Benedict o aceitara.

Talvez pudesse convencer o marido a esquecer aquela luta, pelo bem de
Alister Harcourt e do casamento de ambos. Raine queria recomeçar uma nova
vida sem deixar qualquer rastro de sangue para trás.

Sim, era isso que tinha de fazer. Esqueceria o orgulho e confessaria seu
amor a Benedict. Aceitá-la ou não cabia a ele resolver. Aquele incidente mostrara
a Raine que a vida era curta demais e precisava ser usufruída. Não criaria o filho
sob uma atmosfera de rancor e medo, mesmo que o receio implicasse apenas em
sentimentos.

Quando chegaram ao pé da escadaria, Harcourt abriu uma porta e saiu com
Raine. Encontravam-se na base de uma torre alta, situada entre um agrupamento
de árvores frondosas.

Raine divisou Benedict emergindo da floresta a sua direita. Notou, em
seguida, a expressão fatigada e os círculos cinzentos ao redor dos olhos. Tão logo
a viu, o semblante tornou-se aliviado, e uma nova determinação dominou aquele
belo rosto.

Apeando do cavalo, Benedict empunhou a espada.

— Venha, Harcourt, Estou aqui. -Alister empurrou Raine.
— Já era hora, Ainsworth.
A medida que os oponentes se aproximavam, Raine pensava em uma maneira
de refrear aquele duelo. Cansado como estava, Benedict seria presa fácil para
Harcourt.

— Parem agora! — ela gritou, desesperada-— Mais uma morte não
165




Catherine Archer A Dama da Floresta

resolverá nada.

Os dois nem sequer prestaram atenção àquelas palavras. Raine passou as
mãos nos cabelos, aflita. Então, postou-se entre os homens e encarou Benedict.

— Por favor, não faça isso. Vamos colocar um fim em tanta hostilidade.
Não quero que mate este homem por minha causa, ele não me fez nenhum mal.
— Nenhum mal, Raine? — Benedict estava indignado. — Ele a roubou de
mim, ameaçou matá-la se eu não aceitasse seu desafio.
Ela encarou Harcourt, suplicando para que ele engolisse o orgulho e
enfrentasse a verdade.

— Meu coração me diz que ele seria incapaz de matar. Não é certo,
milorde? Peço-lhe que diga a verdade, por favor. Sua morte não ajudará ninguém.
Vendo a indecisão no rosto de Alister Harcourt, ela se voltou para
Benedict.

— Meu marido, eu lhe imploro. Guarde esta espada — Raine podia ver
turbulentas emoções nos olhos de Benedict. Ele precisava extravasar, derramar
sangue à guisa de obter algum alívio. Mesmo sabendo dísso, ela sussurrou: — Por
favor, Benedict, se sente algum carinho por mim, não lute com ele.
— Não vai me privar de obter minha vingança, Ainsworth! — Alister gritou.
Benedict observou sua amada Raine, aparentemente intata, virar-se a fim
de enfrentar Harcourt, que avançava com a espada em punho. Para seu horror,
ela bloqueou os passos do homem.

— Não, Raine! — Benedict berrou. Como sempre, ela não lhe obedeceu.
— Não leve este duelo adiante, milorde. Matar não vai amenizar a dor em
seu peito, somente o perdão pode fazer isso.
Quando Harcourt hesitou, estudando-a com a expressão de ódio, Raine
estendeu as mãos, sem medo ou receio.

— Não! — Benedict gritou outra vez.
— Por favor, meu marido — ela disse, ainda enfrentando Harcourt. — Este
homem só conheceu o sofrimento em sua vida. Diga-lhe a verdade, milorde. Não
teria coragem de me matar.
Os olhos de Alister encheram-se de lágrimas, enquanto ainda encarava
Raine.

— Não, não teria coragem de matá-la. Tratou-me como um ser humano,
milady, apesar de eu tê-la afastado daquele que mais ama.
Aparvalhado, Benedict não podia acreditar no que via.

166




Catherine Archer A Dama da Floresta

— Diz isso agora, Harcourt. Mas pretendia executá-la quando a raptou —
esbravejou.

Sem tirar os olhos de Raine, Harcourt retrucou com uma emoção chocante:

— Você me ignorou, Ainsworth. Tratou-me como se eu fosse um animal
repulsivo. Sua esposa me olhou com ternura, sem querer nada em troca. Algo que
meu próprio irmão jamais fez por mim.
Benedict não duvidava do homem. Raine havia conseguido, em questão de
dias, o que ele fora incapaz de realizar durante meses, desde a morte de Maxim
Harcourt. Seguindo os impulsos do coração, ela conquistara a paz.

A revolta começou a se dissipar. Benedict se viu tão culpado quanto Alister
Harcourt. Como poderia matar o homem, quando seus instintos lhe diziam que o
pobre reagia à dor que o dilacerava?

Tempos atrás, ele deveria ter ido oferecer condolências a Harcourt.
Porém, estivera ocupado demais em proteger seu coração da mulher que amava.

Sem a raiva, o que lhe restou foi apenas remorso de ter sido tão tolo e uma
inegável admiração pela esposa. Observou Raine pousar a mão sobre o ombro de
Harcourt. Quando o homem ergueu o rosto, deixou escapar um soluço.

De tão unida a ele, Raine pôde sentir a mudança de humor em Benedict. E
amou-o ainda mais por vê-lo mostrar compaixão.

— Peça perdão por seus erros, milorde — sugeriu ela a Alister Harcourt —,
e aceite minha amizade como um pequeno presente para selarmos o fim desta
vingança.
— Aceito sua bondade porque é sincera. Mas para que me oferecer sua
amizade?
— Porque é um homem que precisa de amigos, creio. — Raine indicou
Benedict, que apontava a espada para o solo.
— Meu marido acolhe aqueles que necessitam de cuidados, e o faz sem
segundas intenções. Ele me acolheu quando mais precisei, embora eu tenha
demorado a perceber o valor de suas ações. A compaixão é uma entre tantas
qualidades que Benedict possui. Gostaria de ser como ele neste aspecto.
Raine fitou Benedict, ciente de que revelava tudo que tentara esconder
até então.

— Conheceu seu irmão, milorde — prosseguiu, dirigindo-se a Harcourt. —
Benedict jamais permitiria a morte de alguém, se soubesse como evitá-la. Ele irá
lhe perdoar, embora o senhor tenha raptado a mim e a seu filho que está por vir.

Ao ouvir a novidade, Alister ficou chocado.

167




Catherine Archer A Dama da Floresta

— Benedict sabe que merece uma explicação acerca do que aconteceu —
Raine continuou. — Mas o esclarecimento deve vir de Tristan Ainsworth. Farei
questão, milorde, de lhe garantir tal justiça em nome de minha honra.

Ele hesitou por um longo instante e, então, largou a espada.

— Obrigada — Raine murmurou.
Com um grito de alegria, Raine se virou para Benedict. Antes que pudesse
dar dois passos, viu-se envolvida por aqueles maravilhosos braços fortes.
Respirou fundo, sentindo o alívio e a doçura do abraço tão terno. Ele a apertava
contra si, seu marido, o centro de seu mundo, de sua existência.

Após um delicioso momento, enquanto imaginava que ele jamais a soltaria,
Benedict afastou-se.

Ao fitar a expressão triste do marido, Raine se sentiu desolada.

— O que foi? Não está feliz?
— Estou feliz, radiante por encontrá-la ilesa, mas não mereço nenhum
crédito.
— De que está falando, Benedict? Você salvou minha vida! — Raine
acariciou o ventre. — E a de nosso filho também. Ele levou as mãos ao rosto,
cobrindo as lágrimas que já surgiam.
— Eu quase perdi vocês dois por causa de minha teimosia. Se eu não fosse
tão autoritário, tão senhor de mim, nada disso teria acontecido. Achei que ia
perder a pessoa que mais amo só porque tenho essa obsessão ridícula de
proteger e cuidar daqueles que estão sob meu domínio.
Confusa, Raine não conseguia entender o que dizia.

— Amor. Está se referindo ao amor que sente pelo bebê? Benedict a fitou,
assentindo.
— Claro. Como não amar meu próprio filho? Mas é de você que estou
falando, Raine, minha amada esposa. A possibilidade de perdê-la quase me levou à
loucura.
O coração de Raine pareceu parar de bater.

— Você me ama? Ama mesmo, Benedict?
Os profundos olhos azuis focalizaram os dela.
— Amo, Raine. Eu a amo com todo meu coração e alma. Na verdade, você é
minha alma.
Onda após onda de alegria começou a invadi-la. Raine abriu os braços.

— Eu o amo, Benedict, e sempre vou amá-lo. Havia dor e felicidade no lindo
168




Catherine Archer A Dama da Floresta

rosto de Benedict.

— Mas como pode me amar depois de eu ter...
— Chega, meu amor. — Raine tocou-lhe os lábios para silenciá-lo. — Vamos
apenas viver nossas vidas de agora em diante.
Carinhoso, Benedict beijou-lhe a ponta dos dedos e fechou os olhos.

— Também o amo — ela sussurrou, emocionada. Então, Benedict a tomou
nos braços. Raine fechou os olhos, sabendo que nunca mais se separaria dele.
Estava completamente subjugada ao amor que sentia pelo marido e felicidade
maior que esta jamais encontraria.
No entanto, quando ele a beijou, Raine se deu conta de que havia muito
maís a ser descoberto nos anos que viriam.

Algum tempo depois, ao lembrar-se de Alister Harcourt, notou que ele
havia sumido. Não se preocupou. A paz reinaria no coração de um homem tão
sofrido.

Aquele momento pertencia a ela e a Benedict e ao começo de uma nova vida
juntos.

CATHERINE ARCHER é fa de romances há muitos anos, e seu sonho era
escrever as histórias que tanto a comoviam. Agora, como escritora publicada, ela
tem a oportunidade de não apenas sonhar com romances, mas também de ver o
nome de seus personagens impressos. Catherine vive com o marido, Stephen, e os
três filhos, Katie, Stephen e Rosa, em Troutdale, Oregon. Ela adora conhecer e
saber a opinião das leitoras. Pode ser encontrada na P.O. Box 1216, Fairview, OR
97024-1216. Se quiser resposta, por favor envie seu endereço no envelope.

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A Dama Da Floresta




Inglaterra, 1461
Lady Raine precisava de um marido, mas não podia ser um qualquer. Tinha de ser um homem honrado, capaz de proteger a herança de seu irmão mais novo. No instante em que viu Benedict Ainsworth na corte, ela soube que sua busca terminara. Mas o esquema para conquistá-lo havia apenas começado...
Fascinado pela estonteante beleza de Raine, Benedict, o barão de Bracknmoore, moveria céu e terra pela intrigante dama. Porém, quando ela o envolveu em um casamento por conveniência, Benedict decidiu que daria a Raine muito mais que um sobrenome...



Boa leitura
Abraços.

M. Loureiro

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"Tudo aquilo que não podemos incluir dentro da moldura estreita de nossa compreensão, nós rejeitamos."

Henry Miller





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