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[MISTURANDO-IDEIAS] Fwd: CONTO PREMIADO DE CAMÕES FILHO: "A MAÇÃ"



---------- Mensagem encaminhada ----------
De: Imprensa <imprensa@sectaubate.org.br>
Data: 22 de fevereiro de 2011 10:49
Assunto: CONTO PREMIADO DE CAMÕES FILHO: "A MAÇÃ"
Para: "Undisclosed-Recipient:;"@mx01.locaweb.com.br


 
AMIGOS/AMIGAS
MANDEI ONTEM AOS AMIGOS E AMIGAS DO MEU MAILING LISTA A NOTA ABAIXO, ACERCA DE MINHA PREMIAÇÃO
NO CONCURSO LITERÁRIO DE BRAGANÇA PAULISTA. AGRADEÇO À GENTILEZA DE DEZENAS DE PESSOAS
QUE SE MANIFESTARAM, ME CUMPRIMENTO. HOJE ESTOU ENVIANDO-LHE ESTE MEU CONTO PREMIADO,
PARA CONHECIMENTO DOS MEUS VERDADEIROS AMIGOS.
OBRIGADO.
CAMÕES FILHO

 

Camões Filho premiado

em concurso literário

de Bragança Paulista

 

         O jornalista e escritor de Taubaté, Camões Filho, foi um dos ganhadores do II Prêmio Literário da cidade de Bragança Paulista. Promovido pela Associação de Escritores de Bragança Paulista, o concurso literário recebeu trabalhos de mais de quatrocentos concorrentes de todo o Brasil e de outros países, especialmente de Portugal.

         Camões Filho ganhou em 2º lugar com o conto "A maçã". Em 1º lugar classificou-se uma escritora portuguesa, Rita Isabel dos Reis Garcia Fernandes, e em 3º lugar Jorge Sebastião dos Santos, de Belo Horizonte/MG.

         Pelo 2º lugar, Camões Filho irá receber troféu, diploma, um prêmio em dinheiro no valor de R$ 1.000,00, além da publicação do seu conto em uma antologia contendo os melhores contos do II Prêmio Literário de Bragança Paulista.

 

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A maçã

 

Camões Filho

 

 

"De toda árvore do jardim podes comer livremente;

mas da árvore do conhecimento do bem e do mal,

dessa não comerás; porque no dia em que dela comeres,

certamente morrerás." (Gênesis, 2:16-17).

           

            O sol, rasgando as copas das árvores, lançava raios multicoloridos sobre as casas da vila que se formara ao lado de um córrego. Eram casas toscas, feitas de tábuas, lata e papelão, que viviam sendo alagadas, quando as tempestades aumentavam o leito sinuoso do ribeiro. Muitas pessoas, incluindo várias crianças, já tinham sido levadas pelas águas. Mortes que eram contabilizadas com toda sorte de enfermidades, com aqueles nomes compridos e complicados que somente o pessoal da vigilância sanitária, que aparecia após cada catástrofe, sabia pronunciar.

         Manoel, pedreiro desempregado depois de cair do andaime e ficar meio bambo, andando com dificuldade, foi um dos primeiros moradores da ocupação. Ele chegou com a mulher Maria e o filho Candinho. Com mãos hábeis, ele foi preparando as tábuas, pregando uma a uma, formando uns tabuleiros. Depois, com a ajuda de uns amigos, eles foram agrupados em quatro partes e pregados. O telhado, folhas de lata encontradas no entulho de uma casa da cidade em reforma. As portas e janelas receberam uma mistura de trapo velho e plástico.

         Estava pronta a casa. Ali aquela família, expulsa do paraíso, a cidade, que ficava a uns três quilômetros, começaria vida nova. Eles tinham um teto, ainda que precário. A luta agora seria pela sobrevivência. Pelo pão de cada dia.

         Candinho, com nove anos, tinha sido tirado da escola e passava o dia brincando nos terrenos baldios, jogando bola, que a todo momento caía lá nas águas turvas e fétidas do córrego. Mas para ele, em seu sonho infantil, era um mar de águas claras. Um dia, faria um barco e ganharia o mundo. Lutaria com um tubarão. Chegaria numa cidade de casas de tijolos, com mesas fartas, pessoas sorridentes.

         Ali na ocupação o cotidiano das famílias era diferente daquele pessoal da cidade, que à noitinha ficava ao longe com suas luzes piscando, feito festa de São João. Não havia café da manhã, hora do almoço e da janta. As crianças, com a mesma roupa que dormiam, acordavam e já saíam para a rua, para brincar, correr. Sem desjejum, sem uniforme, sem escola. As mães iam catar galhos de árvore, tentar fazer alguma coisinha no fogão de lenha improvisado no terreiro. Os pais ficavam sentados em frente de suas casas, de cócoras, olhos perdidos num ponto qualquer. Aquele olhar triste, envergonhado, de quem espera por um afago. Um emprego.

         Ainda que criança, o coraçãozinho do moleque ficava apertado quando pegava sua mãe chorando, enxugando as lágrimas na ponta do roto avental. Ou quando via seu pai, sentado num tamborete, lascando madeira com seu inseparável canivete.

         O menino aproximou-se do pai, que esboçou um leve e enigmático sorriso, como costumava fazer, no seu jeito econômico de palavras.

         - Pai... eu podia pedir uma coisa pro senhor? – disse ele, com certo temor pela resposta.

         Manoel alisou-lhe a cabeça, carinhosamente. "Claro, filho, pode pedir".

         - ...é que eu tava pensando... o senhor faria uma coisa pra mim, de madeira?... – emendou o garoto timidamente.

-         Um carrinho? – completou o pai.

- Não, pai! – cortou Candinho -. Eu queria que o senhor me fizesse uma caixa de engraxate!

Manoel sentiu o rosto ruborizado, de surpresa e vergonha. Ele sentiu que naquele momento Candinho crescia e demonstrava seu compadecimento com a má sorte do pai, desempregado aos 40 anos, meio aleijado.

- Meu filho, vou fazer pra você a mais bonita caixa de engraxate do mundo! – garantiu o pai, abraçando Candinho e tentando conter as lágrimas que embrulhavam seus olhos.

 

No dia seguinte, Manoel juntou algumas tábuas. Foi trabalhando com o canivete, cortando, montando. Candinho assistia tudo encantado, sentindo ser o seu o melhor pai do mundo. Depois de pronta, a caixa foi lixada e polida. "Ficou uma beleza, pai!", rejubilou-se o menino.

- Mas ainda falta um detalhe, filho.

Manoel esquentou no fogão de lenha um ferro pontiagudo e foi desenhando algumas letras em sua tampa. O garoto leu, maravilhado:

- Candinho.

A mãe foi à cidade e conseguiu pegar uma grande trouxa de roupa para lavar. Com o dinheiro recebido, passou na venda e comprou graxa marrom e preta, além de duas escovas.

 

No dia seguinte, Candinho levantou-se cedo, pôs a caixa nas costas e antes mesmo de seus pais acordarem, marchou para vencer os três quilômetros que separavam sua casa da cidade. Ele alojou-se numa rua de maior movimento, perto do ponto final dos ônibus que chegavam de todos os bairros.

Mas as pessoas passavam apressadas, seguindo para seus afazeres. Ninguém sequer olhava para o pequeno engraxate. Ele também percebeu que a maioria das pessoas estava calçada de tênis, chinelos ou sandálias. Apenas naquele instante o garotinho começava a perceber certos detalhes, que antes passavam despercebidos.

O relógio correu célere. Já passava do meio-dia e ele não conseguira um freguês sequer. Desanimado, ele caminhou pelas ruas, com pedestres e carros à sua volta, no burburinho da hora do almoço.

Ele sentou-se num banco da praça. A fome e a desilusão rondavam o garotinho, que fechou os olhos e, vencido pelo cansaço, adormeceu. O barulho da cidade foi desaparecendo e logo ele foi tomado por um silêncio harmonioso. Via-se em um belo jardim, onde seu pai esculpia anjos nos troncos das árvores e sua mãe, de vestido branco enfeitado com muitas flores, entoava uma singela canção, no mais belo quadro que seus olhinhos jamais viram.

Mas, de repente, chega um homem vestido de roupas negras, como o negror da noite. Ele pega seu bracinho e começa a balançá-lo. Candinho assusta-se, imaginando ser um fiscal, que vai confiscar sua caixa de engraxate.

- Oi, garoto. Vamos engraxar?

Sonhos e realidade se misturam. Candinho abre os olhos assustados e, à sua frente, vê um homenzarrão, de chapéu e ar de boa gente. Ele põe o pé na sua caixa, deixando à mostra uma bota toda decorada.

- Vamos lá, garoto. Capricha na graxa.

Encantado com tudo, Candinho faz a sua primeira e melhor engraxada de todos os tempos.         

Com as botas brilhando, o fazendeiro lhe entrega uma nota, valor que Candinho jamais tivera em suas mãos. A féria do dia todo. Dinheiro que daria para sua mãe comprar pão, um pouco de arroz e feijão. Quem sabe até sobraria para o pó de café.         

Toda semana o fazendeiro vinha à cidade, descia de sua camionete, resolvia umas coisas no banco e passava para engraxar suas botas. Foi pegando amizade com o garoto. Eles conversavam amenidades, falavam besteiras, como todo mundo. Com o passar do tempo, o fazendeiro ficou sabendo detalhes de Candinho, da vida dura de sua família, do desemprego do pai. Nas vezes seguintes, além da boa gorjeta, o homem passou a levar o menino para tomar um lanche no bar da esquina.

Candinho comia um croquete de carne com guaraná. E voltava para a casa, feliz, levando o dinheiro que representava o sustento da família toda.

Certo dia o fazendeiro botou o pé na caixa, mas o que Candinho viu não foi a conhecida bota, que ele sonhava ter uma igual algum dia.

- Tá estranhando, né? – perguntou ele.

- ... o senhor hoje veio de sapato... – disse Candinho.

O fazendeiro, que envergava terno branco, brilhando de novinho, e chapéu panamá, disse-lhe que aquele era um dia especial. Sua única filha tinha contraído matrimônio.

- E isso é grave, doutor? – inquiriu Candinho, curioso.

O homem sorriu, seu primeiro sorriso escancarado que Candinho vira, deixando à mostra seus dentes de ouro.

- Não, Candinho, não é grave não. Pelo contrário, é muito bom. Contrair matrimônio quer dizer casar. Minha filha se casou hoje, por isso que estou tendo que usar esse sapato desgraçado que está me apertando o calo. Por outro lado, é ruim, pois ela vai embora. Vai morar longe. Vamos ficar lá na fazenda só eu e a patroa.

 

A vida prosseguia sem muitos sobressaltos. Mas um dia o fazendeiro disse a Candinho que ficaria uma temporada fora. Iria visitar a filha, que estava esperando neném.

Candinho, nas próximas semanas, voltou a sentir a dureza de não ter fregueses. Às vezes engraxava um ou outro sapato, recebendo uma merreca de pagamento, que mal dava para comprar pão.

Certo dia, com muita fome, ele sentia um vazio imenso em sua barriga. E a fome pode levar a pessoa a cometer besteiras. Passando pela feira, Candinho viu à sua frente uma banca repleta de maçãs.

A fome era tanta que o menino pegou uma maçã e saiu correndo. A senhora, dona da banca, só ficou olhando aquela cena, sem esboçar reação. Candinho comeu a fruta, com sabor de pecado, saciando a fome de quase dois dias.

 

Mas na semana seguinte o fazendeiro voltou. Depois de ter a botina engraxada, eles foram lanchar. O homem, feliz, falou de sua filha, do bebê que ela estava esperando. Que seria homem, como dissera o médico. Seu primeiro neto.

- Hoje, garoto, estou tão feliz que vou lhe fazer uma surpresa. Vou levar você pra casa de carro.

A camionete ziguezagueou pelas esburacadas ruas da periferia, até chegar na ocupação onde Candinho morava. Uma área verde da prefeitura que centenas de famílias carentes tinham invadido.

O fazendeiro conversou com os pais do garoto. Nas semanas seguintes, ele voltou a levar Candinho para casa. E conversar muito com seus pais. Um dia a conversa demorou mais do que o habitual e Manoel pediu para o filho ir brincar, jogar bola: "Isso aqui é conversa pra gente grande".

Quando a tardinha já estava chegando ao fim, deixando o céu sangrado de vermelho, os três chamaram o menino, que aproximou-se entre curioso e cismado. Como nas ocasiões mais importantes, coube à mãe esclarecer.

- Filho, você sabe que nós te adoramos. Mas seu pai está inválido, desempregado. Se não fosse você, filho, a gente já tinha morrido de fome. O seu Sebastião – somente nesse momento Candinho soube qual era o nome do fazendeiro – tem sido muito bom pra nós. Ele fez uma proposta pra gente que nós tivemos que aceitar. Ele vai levar você para morar com ele. É para o seu bem, meu filho.

Maria terminou de falar e começou a chorar. Seu pai se esforçou, mas também foi vencido pela emoção. Candinho, por sua vez, sentia um misto de dor e alegria.

A mãe juntou suas coisas, embrulhando-as em um saco branco. "Vai com Deus, meu filho", disse ela. "E não olhe para trás. Olhe sempre para frente. Que Deus te acompanhe".

O fazendeiro pegou a caixa de engraxate e a pôs em seus ombros, imitando o gesto de Candinho. "Essa eu vou levar, como um troféu", disse ele.

O homem e o menino entraram no carro, que desapareceu numa nuvem de poeira.

 

Candinho cresceu, virou homem. Passou a ser o Dr. Cândido. Prosperou e enterrou seu pai adotivo, que um dia, já cansado e doente, adormeceu para nunca mais acordar.

Apesar de toda a felicidade, às vezes ele sentia uma agulhada no peito. Saudade de seu pai, que morrera logo depois de sua saída de casa. Saudade da mãe que, sozinha, foi parar em um asilo, que o Dr. Cândido, em suas conversas com os amigos, envergonhado, chamava de "casa de saúde". Ali ela passaria seus últimos dias, falando com orgulho às demais internas do filho doutor.

 

Um certo dia, Cândido suspendeu todos os compromissos de sua agenda. Vestiu uma calça jeans, uma camiseta, calçou as botas usadas somente na sua fazenda. Sentiu-se incomodado sem o tradicional terno, com os quais freqüentava tribunais e gabinetes das maiores autoridades. Dispensou o motorista e foi ele mesmo dirigindo sua picape. O destino, sua velha cidade, perdida em um ponto do mapa.

Ao chegar, viu tudo mudado. Procurou a ocupação onde viveu com sua família, mas agora o local estava todo transformado. Ali ele encontrou uma vila popular, de casas de alvenaria, coloridas e alegres. Crianças jogavam vôlei em uma quadra cercada de grades. O antigo córrego fora canalizado e no local passava uma larga avenida.

Não havia mais mãe, mais pai. Nem o terreno baldio das peladas de futebol.

 

Ainda doía em seu peito um pecado antigo, que ele queria pagar. A maçã que um dia roubara. A feira não mais existia. Ele rodou a cidade, indagou, procurou por informações. Um antigo morador recordou-se da feirinha e da dona da banca de maçãs, que vivia em um asilo. Aquele mesmo em que sua mãe passara seus últimos momentos.

Cândido foi ao asilo, conversou com a diretora, uma freira bondosa. A religiosa lhe apontou a antiga feirante, no fim do corredor, sentada em uma cadeira-de-rodas.

Ele aproximou-se, tentou falar com a anciã. "Ela está cega e surda, doutor", disse-lhe carinhosamente a freira. 

Cândido chorou copiosamente. Toda sua vida passou pela sua mente naquele instante, desde o inesquecível dia de sofrimento e fome, quando roubou a maçã. O próspero fazendeiro, doutor de muitos títulos, procurou se recompor. Dirigiu-se a um supermercado das imediações e voltou com uma maçã. Aproximou-se da antiga feirante e permaneceu alguns minutos ao seu lado. Havia um angustiante silêncio. Cândido pôs a maçã na mão da mulher, levantou-se e partiu, mais leve, com a sensação de ter pagado aquela antiga dívida.

Como no dia em que foi levado de casa ainda menino e seguira o conselho da mãe, ele não olhou para trás. Assim, não viu a velha feirante dar seu último suspiro, seu braço desabar como um tronco inerte e a maçã rolar pelo chão...

 

 

 



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elzinha

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